Circular SECEX Nº 62 DE 11/08/2025


 Publicado no DOU em 12 ago 2025


Torna públicos os fatos que justificaram a decisão de não aplicação de direito provisório na investigação para averiguar a existência de dumping nas exportações da Argentina e do Uruguai para o Brasil de leite em pó, comumente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da NCM, e de dano à indústria doméstica decorrente de tal prática, conforme o anexo à presente circular.


Banco de Dados Legisweb

A SECRETÁRIA DE COMÉRCIO EXTERIOR, DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA, COMÉRCIO E SERVIÇOS, nos termos do Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT 1994, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, de acordo com o disposto no art. 65, § 5º, do Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013, e tendo em vista o que consta dos Processos SEI nos 19972.001702/2024-27 (restrito) e 19972.001701/2024-82 (confidencial) e do Parecer nº 1.452, de 8 de agosto de 2025, elaborado pelo Departamento de Defesa Comercial - DECOM desta Secretaria,

Decide:

1. Tornar públicos os fatos que justificaram a decisão de não aplicação de direito provisório na investigação para averiguar a existência de dumping nas exportações da Argentina e do Uruguai para o Brasil de leite em pó, comumente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM, e de dano à indústria doméstica decorrente de tal prática, conforme o anexo à presente circular.

2. Tornar públicos os prazos que servirão de parâmetro para o restante da referida investigação:

Disposição legal

Decreto nº 8.058, de 2013

Prazos

Datas previstas

Art. 59

Encerramento da fase probatória da investigação

19 de agosto de 2025

Art. 60

Encerramento da fase de manifestação sobre os dados e as informações constantes dos autos

8 de setembro de 2025

Art. 61

Divulgação da nota técnica contendo os fatos essenciais que se encontram em análise e que serão considerados na determinação final

30 de setembro de 2025

Art. 62

Encerramento do prazo para apresentação das manifestações finais pelas partes interessadas e encerramento da fase de instrução do processo

20 de outubro de 2025

Art. 63

Expedição, pelo DECOM, do parecer de determinação final

10 de novembro de 2025


3. Informar que a efetiva execução do cronograma previsto no art. 2º desta Circular, em sua completude, dependerá da conclusão a ser alcançada e exposta na Nota Técnica de Fatos Essenciais.

TATIANA PRAZERES

ANEXO I

1. DO HISTÓRICO

1. As exportações para o Brasil de leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado, comumente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM, foram objeto de investigações de dumping anteriores conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM).

1.1. Das investigações anteriores

1.1.1. Da investigação original

2. Em janeiro de 1999, a então Confederação Nacional da Agricultura (doravante denominada CNA ou peticionária) protocolou petição de início de investigação de dumping nas exportações para o Brasil de leite em pó ou granulado, desnatado e integral, não fracionado, comumente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da NCM, originárias da República da Argentina, Comunidade da Austrália, Nova Zelândia, União Europeia e República Oriental do Uruguai, dano à indústria doméstica e nexo causal entre estes, nos termos do art. 18 do Decreto nº 1.602, de 1995.

3. A investigação teve início por meio Circular nº 17, de 23 de agosto de 1999, da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 25 de agosto de 1999.

4. A Resolução nº 1, de 2 de fevereiro de 2001, da Câmara de Comércio Exterior - CAMEX, publicada no D.O.U. em 23 de fevereiro de 2001, por sua vez, determinou o encerramento da investigação com aplicação de direitos antidumping definitivos à Nova Zelândia (3,9%), à União Europeia (14,8%) e ao Uruguai (16,9%), e sem aplicação de medida definitiva no que diz respeito à Austrália, nos termos do § 3º art. 14 do Decreto nº 1.602, de 1995, tendo sido, também, homologados compromissos de preços propostos pelas empresas da Argentina e da Dinamarca, com a suspensão da investigação no caso desses dois últimos países.

5. Posteriormente, por meio da Resolução CAMEX nº 10, de 3 de abril de 2001, publicada no D.O.U. de 4 de abril de 2001, foi homologado, com suspensão do direito antidumping aplicado, o compromisso de preços proposto pelas empresas do Uruguai.

1.1.2. Da primeira revisão

6. A Circular SECEX nº 66, de 22 de agosto de 2003, publicada no D.O.U. de 25 de agosto de 2003, e a Circular SECEX nº 81, de 28 de outubro de 2003, publicada no D.O.U. de 31 de outubro de 2003, tornaram público que os compromissos firmados, respectivamente, com produtores de leite em pó da Argentina e do Uruguai, extinguir-se-iam em 23 de fevereiro de 2004, no caso da Argentina, e em 4 de abril daquele mesmo ano, em se tratando do Uruguai. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil manifestou interesse nas revisões e apresentou petição no prazo estabelecido nas Circulares supramencionadas.

7. Em 20 de fevereiro de 2004, foi publicada, no D.O.U., a Circular SECEX nº 9, de 18 de fevereiro de 2004, por intermédio da qual foi dado início à revisão do compromisso de preços, no que diz respeito à Argentina, o qual foi mantido em vigor no curso desse processo. Por sua vez, foi publicada, no D.O.U. de 5 de abril de 2004, a Circular SECEX nº 19, de 1º de abril de 2004, por intermédio da qual foi dado início à revisão do compromisso de preços, no que tange ao Uruguai, o qual também se manteve inalterado ao longo da revisão.

8. As Resoluções nº 2, de 17 de fevereiro de 2005, publicada no D.O.U. de 18 de fevereiro de 2005, e nº 9, de 4 de abril de 2005, publicada no D.O.U. de 5 de abril de 2005, ambas da CAMEX, homologaram novos compromissos de preços, a primeira, em se tratando da Argentina, e a segunda no caso do Uruguai.

9. Cabe mencionar que ambas as Resoluções estabeleceram que após o prazo de vigência, não superior a 3 anos, os compromissos não seriam renovados e as investigações seriam encerradas sem a imposição dos respectivos direitos antidumping.

10. Outrossim, a Circular SECEX nº 55, de 2005, tornou público que o prazo de vigência dos direitos antidumping aplicados às importações originárias da Nova Zelândia e da União Europeia e do compromisso de preços firmado com a Arla Foods Ingredients Amba, da Dinamarca, de que tratava a Resolução CAMEX nº 1, de 2001, extinguir-se-iam em 23 de fevereiro de 2006, estabelecendo prazo para manifestação quanto ao interesse na revisão e para apresentação de petição, o que foi atendido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

11. Em 21 de fevereiro de 2006, foi publicada a Circular SECEX nº 14, de 17 de fevereiro de 2006, por intermédio da qual foi dado início à revisão dos direitos antidumping e do compromisso de preços em questão, sendo estes mantidos no curso desse processo.

12. A Resolução CAMEX nº 4, de 9 de fevereiro de 2007, publicada no D.O.U. de 15 de fevereiro de 2007, por sua vez, determinou o encerramento da revisão com a prorrogação dos direitos antidumping definitivos aplicados às importações originárias da Nova Zelândia (3,9%) e da União Europeia (14,8%), inclusive às importações provenientes da Arla Foods, da Dinamarca, que não manifestou interesse na renovação do compromisso de preços.

1.1.3. Da segunda revisão

13. A Circular SECEX nº 24, de 27 de maio de 2011, publicada no D.O.U. de 30 de maio de 2011, tornou público que os direitos antidumping aplicados às importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia e da União Europeia extinguir-se-iam em 15 de fevereiro de 2012. Atendendo aos prazos prescritos na citada Circular, em 14 de setembro de 2011, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil manifestou interesse na revisão e, em 11 de novembro de 2011, protocolou no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC petição de início da revisão nos termos do § 1º do art. 57 do Decreto nº 1.602, de 1995.

14. Foi publicada, no D.O.U. de 14 de fevereiro de 2012, a Circular SECEX nº 2, de 13 de fevereiro de 2012, por intermédio da qual foi dado início à revisão do direito antidumping aplicado às importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia e da União Europeia.

15. A Resolução CAMEX nº 2, de 5 de fevereiro de 2013, publicada no D.O.U. de 6 de fevereiro de 2013, por sua vez, determinou o encerramento da revisão com a prorrogação dos direitos antidumping definitivos aplicados às importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia (3,9%) e da União Europeia (14,8%).

1.1.4. Da terceira revisão e do encerramento da medida

16. A Circular SECEX nº 31, de 31 de maio de 2017, publicada no D.O.U. de 1º de junho de 2017, tornou público que os direitos antidumping aplicados às importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia e da União Europeia extinguir-se-iam em 6 de fevereiro de 2018. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil manifestou interesse na revisão e, em 6 de outubro de 2017, protocolou, no Sistema Decom Digital (SDD), petição de início da revisão, nos termos do art. 106 do Decreto nº 8.058, de 2013.

17. Foi publicada, no D.O.U. de 6 de fevereiro de 2018, a Circular SECEX nº 7, de 5 de fevereiro de 2018, por intermédio da qual foi dado início à revisão do direito antidumping aplicado às importações originárias da Nova Zelândia e da União Europeia.

18. A Circular SECEX nº 5, de 5 de fevereiro de 2019, por sua vez, encerrou a revisão da medida antidumping instituída pela Resolução CAMEX nº 2, de 5 de fevereiro de 2013, sem prorrogação das medidas antidumping aplicadas às importações brasileiras de leite em pó originárias da Nova Zelândia e da União Europeia.

1.2. Da presente investigação

1.2.1. Da habilitação como indústria fragmentada

19. Em 10 de maio de 2024, a CNA protocolou no DECOM, por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), pedido de habilitação da produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada com vista à futura apresentação de petição relativa ao início de investigação de prática de dumping nas exportações para o Brasil de leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado, nos termos do § 1º do Decreto nº 9.107, de 2017, combinado com os artigos 52 e seguintes da Portaria SECEX nº 162, de 2022, e o § 2º do art. 9º da Portaria SECEX nº 171, de 2022.

20. No dia 14 de maio de 2024, por meio do Ofício nº 3215/2024/MDIC, foram solicitadas à peticionária informações complementares àquelas fornecidas no pedido, nos termos do § 2º do art. 48 da Portaria SECEX nº 162, de 2022.

21. A peticionária, tempestivamente, apresentou as informações solicitadas, no dia 20 de maio de 2024.

22. Nos termos do art. 36 da Portaria SECEX nº 162, de 2022, caput e §§ 1º e 3º, a habilitação da produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada poderia ocorrer se houvesse elevado número de produtores domésticos, levando-se em consideração fatores como o grau de pulverização da produção nacional e sua distribuição por porte dos produtores nacionais.

23. Em consonância com o inciso IX do art. 53 da Portaria SECEX nº 162/2022, a peticionária informou que, nos termos do Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964, o setor leiteiro estaria representado pela CNA, entidade sindical de grau superior, constituída pela categoria econômica dos ramos da agricultura, da pecuária, do extrativismo rural, pesqueiras e florestais, independentemente da área explorada, incluindo ainda a agroindústria no que se refere às atividades primárias, em todo o território nacional.

24. Por intermédio do Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964, o Presidente da República reconheceu a Confederação Rural Brasileira, sob a denominação de Confederação Nacional da Agricultura, como sede sindical de grau superior, coordenadora dos interesses econômicos da agricultura, da pecuária e similares, da produção extrativa rural, em todo o território nacional.

25. A Ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Representantes da Confederação Nacional da Agricultura, realizada em 22 de novembro de 2001, demonstra a alteração do nome da entidade para Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, sendo, no entanto, mantida a sigla CNA. Tal documento foi apresentado pela CNA na ocasião das investigações realizadas anteriormente no âmbito deste DECOM.

26. O art. 5º, inciso V, do Estatuto da CNA, apresentado no Anexo 3 à solicitação, dispõe serem prerrogativas dessa entidade "defender os direitos e os interesses da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas".

27. No que tange à produção nacional de leite, a solicitante informou que é responsável pela Comissão Nacional de Pecuária de Leite - CNPL, colegiado formado por representantes das Federações Estaduais de Agricultura e Pecuária de todas as Unidades da Federação e entidades civis ligadas ao setor. O objetivo da CNPL é atuar no âmbito técnico, político e econômico do setor, defendendo e representando o produtor de leite em fóruns, audiências e congressos no Brasil e no Exterior (conforme disponível em https://cnabrasil.org.br/areasde-atuacao/pecuaria-de-leite). As reuniões ordinárias da comissão visam detectar, discutir e propor soluções e políticas públicas que favoreçam o setor de produção primária. A CNPL, por sua vez, é composta por outras entidades de representação dos produtores brasileiros de leite, tais como Organização das Cooperativas do Brasil - OCB, a Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios - CBCL e Associação Brasileira dos Produtores de Leite - Abraleite, além de associações de raças e instituições de pesquisa, como a Embrapa Gado de Leite.

28. Em atenção ao que dispõe o inciso IX do art. 53 da Portaria SECEX nº 162/2022, o DECOM solicitou, no âmbito do ofício de informações complementares SEI nº 3215/2024/MDIC, que fossem fornecidas informações a respeito do número de empresas ligadas ao segmento de leite associadas à CNA.

29. A peticionária, em resposta, destacou que a CNA não é uma associação e, como tal, não haveria que se falar em produtores de leite associados à Confederação. Ressaltou que todos os produtores de leite no Brasil seriam representados pela CNA por força do Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964. Segundo esse dispositivo legal, o setor leiteiro e, consequentemente, todos os produtores de leite no Brasil, seriam representados pela CNA, entidade sindical de grau superior, constituída pela categoria econômica dos ramos da agricultura, da pecuária, do extrativismo rural, pesqueiras e florestais, independentemente da área explorada, incluindo ainda a agroindústria no que se refere às atividades primárias, em todo o território nacional. Ademais, a CNA reiterou que o art. 5º, inciso V, do Estatuto da CNA dispõe serem prerrogativas dessa entidade "defender os direitos e os interesses da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas".

30. A peticionária, assim, informou que a entidade de classe dos produtores nacionais de leite é a própria CNA.

31. Conforme a Pesquisa Pecuária Municipal de 2022, de um total de 5.569 municípios, 5.496 apresentaram algum volume de produção de leite em 2022, o que corresponde a 98,7% do total de municípios analisados. Assim, a produção nacional de leite encontra-se altamente pulverizada em todo o território nacional, presente nas cinco regiões e na quase totalidade dos municípios do Brasil.

32. Por sua vez, a respeito da distribuição dos produtores em termos de porte, de acordo com os dados do Centro de Inteligência do Leite, da Embrapa Gado de Leite, a maior parte dos produtores nacionais de leite (70,5%) produz menos que 50 litros por dia.

33. Outro critério apresentado pela CNA para segregação por porte foi a participação da agricultura familiar na produção do leite. Conforme dados do Censo Agropecuário/IBGE (2017), 64% do leite produzido no Brasil é oriundo de propriedades que se enquadram na Lei nº. 11.326/2006 da agricultura familiar.

34. Dessa forma, a produção de leite in natura se caracterizaria por elevado número de produtores, dispersos pelo território nacional, o que, por conseguinte, conferiria a tal indústria a característica de fragmentação sobre a qual dispõe o § 7º do art. 37 do Decreto nº 8.058, de 2013.

35. A peticionária registrou que o caráter fragmentário da indústria dificultaria a apresentação de petição de investigação de defesa comercial nos prazos previstos nos regulamentos brasileiros de defesa comercial e nos termos dos atos da SECEX que regulamentam os procedimentos de defesa comercial para as indústrias não fragmentadas.

36. Conforme disposto na Nota Técnica DECOM nº 1139/2024/MDIC, de 29 de maio de 2024, os dados apresentados pela CNA indicaram que a produção nacional seria distribuída por produtores de diferentes portes, havendo um número relevante de pequenos e grandes produtores, com pulverização da produção nacional de leite in natura, tanto considerando o número de produtores nacionais, quanto considerando o porte dos produtores, o volume da produção nacional e o volume de vendas no mercado brasileiro.

37. Assim, o DECOM considerou que foram cumpridas as exigências dispostas na Portaria SECEX nº 162, de 2022, e concluiu que a produção nacional de leite in natura apresentou características de indústria fragmentada no período de janeiro a dezembro de 2023, o que ensejou o deferimento da habilitação da produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada para fins de defesa comercial. A peticionária foi informada dessa decisão por meio do Ofício SEI nº 3676/2024/MDIC, de 29 de maio de 2024.

1.2.2. Da petição

38. Em 1º de agosto de 2024, a CNA protocolou, no Sistema Eletrônico de Informações - SEI, no âmbito dos processos nº 19972.001702/2024-27 (restrito) e 19972.001701/2024-82 (confidencial) petição de início de investigação original de dumping nas exportações para o Brasil de leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (doravante "leite em pó"), originários da Argentina, consoante o disposto no art. 110 do Regulamento Brasileiro.

39. Em 4 de setembro de 2024, por meio do Ofício SEI nº 6069/2024/MDIC, solicitaram-se à peticionária informações complementares àquelas fornecidas na petição, com base no § 2º do art. 41 do Decreto nº 8.058, de 2013. A peticionária apresentou tempestivamente tais informações em 16 de setembro de 2024.

40. Em que pese o fato de ter solicitado inicialmente investigação de dumping nas exportações de leite em pó quando originárias da Argentina, a peticionária, em 16 de setembro de 2024, solicitou a inclusão das exportações originárias do Uruguai na investigação, tendo em vista a constatação de que o volume de importações do referido produto originárias do Uruguai foi significativo e esteve subcotado ao longo do período de análise de dano.

1.2.3. Das consultas com os países do Mercosul

41. Considerando serem a Argentina e o Uruguai países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), por meio dos Ofícios SEI nº 7470/2024/MDIC e nº 7471/2024/MDIC, de 30 de outubro de 2024, os Governos da Argentina e do Uruguai, respectivamente, foram convidados a manter consultas com o Governo brasileiro previamente ao início da investigação.

42. Na mesma data, por intermédio do Ofício SEI nº 7478/2024/MDIC, a Dirección de Competencia Desleal (DCD), parte da estrutura da Subsecretaria de Política e Gestão Comercial (SSPyGC) do Ministério da Economia, foi informada sobre o envio da notificação ao governo da Argentina.

43. As consultas com o governo da Argentina e com o governo do Uruguai foram realizadas de forma virtual, respectivamente, em 7 e 8 de novembro de 2024. Deve-se ressaltar que, em atendimento ao estabelecido no art. 168 do Decreto nº 8.058, de 2013, as notificações encaminhadas aos representantes do governo da Argentina foram antecipadas por meio eletrônico diretamente para sua respectiva autoridade investigadora.

1.2.4. Das notificações aos governos dos países exportadores

44. Em 30 de outubro de 2024, em atendimento ao que determina o art. 168 do Decreto nº 8.058, de 2013, aos governos da Argentina e do Uruguai foram antecipadas, por meio dos Ofícios SEI nº 7.470 e nº 7.471/2024/MDIC, respectivamente, notificações a respeito da existência de petição, contendo, em meio eletrônico, cópia dos atos relativos ao início da investigação, para que pudessem ter vista e oportunidade de consulta.

45. A supramencionada consulta foi proposta para as datas de 7 e 8 de novembro de 2024, respectivamente, para os governos do Uruguai e da Argentina, conforme exposto no item 1.2.3 deste documento.

46. Em 9 de dezembro de 2024, em atendimento ao que determina o art. 47 do Decreto nº 8.058, de 2013, os governos da Argentina e do Uruguai foram notificados, por meio dos Ofícios SEI nº 8.409 e nº 8.410/2024/MDIC, respectivamente, de que a petição protocolada no DECOM foi considerada devidamente instruída, com vistas ao início de investigação de dumping de que trata o presente processo.

1.2.5. Da representatividade da peticionária e do grau de apoio à petição

47. De acordo com informações constantes da petição, nos termos do Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964, o setor produtivo de leite in natura está representado pela CNA, entidade sindical de grau superior, constituída pela categoria econômica dos ramos da agricultura, da pecuária, do extrativismo rural, pesqueiras e florestais, independentemente da área explorada, incluindo ainda a agroindústria no que se refere às atividades primárias, em todo o território nacional.

48. O art. 5º, inciso V, do Estatuto da CNA dispõe serem prerrogativas dessa entidade "defender os direitos e os interesses da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas".

49. A CNA é responsável pela Comissão Nacional de Pecuária de Leite - CNPL, órgão dedicado a estudos setoriais ou regionais de interesse da categoria econômica. A CNPL, por sua vez, é composta por outras entidades de representação dos produtores brasileiros de leite, tais como Organização das Cooperativas do Brasil - OCB, a Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios - CBCL e Associação Brasileira dos Produtores de Leite - Abraleite.

50. Cumpre ressaltar que foi realizada consulta, por meio do Ofício SEI nº 8016/2024/MDIC, enviado em 21 de novembro de 2024, sobre o interesse da CNPL em apoiar ou não apoiar a petição protocolada. No mesmo ofício, solicitou-se que fosse informado quais os objetivos e qual a composição da CNPL (membros e outros entes congregados), e esclarecido se os membros e demais entes congregados à CNPL apoiam ou não apoiam a petição protocolada.

51. Em 25 de novembro de 2024, a CNA respondeu ao supramencionado ofício, afirmando que a CNPL é um colegiado da CNA composto por representantes das Federações Estaduais de Agricultura e Pecuária das 27 Unidades da Federação, além de entidades civis ligadas ao setor leiteiro nacional e que a investigação de dumping contra o leite em pó foi uma solicitação direta dos produtores representados na CNPL, cujo objetivo é atuar no âmbito técnico, político e econômico do setor, defendendo e representando o produtor de leite em fóruns, audiências e congressos no Brasil e no Exterior, realizando estudos técnicos, e pautando a criação de políticas públicas.

52. Isto posto, considerou-se que a CNA, para fins de início da investigação, como representante de 100% da produção nacional de leite in natura, possuía legitimidade de apresentar petição em nome da indústria doméstica.

1.2.6. Do início da investigação

53. Considerando o que constava do Parecer SEI nº 3.661/2024/MDIC, de 9 de dezembro de 2024, tendo sido verificada a existência de indícios suficientes que as importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai a preços com indícios de dumping contribuíram significativamente para o dano à indústria doméstica, foi recomendado o início da investigação.

54. Dessa forma, com base no parecer supramencionado, a investigação foi iniciada em 11 de dezembro de 2024, por meio da publicação no DOU da Circular SECEX nº 72, de 10 de dezembro de 2024.

1.2.7. Das notificações de início de investigação e da solicitação de informações às partes

55. Em atendimento ao que dispõe o art. 45 do Decreto nº 8.058, de 2013, foram notificados acerca do início da investigação, além da peticionária, os produtores/exportadores identificados da Argentina e do Uruguai, os importadores brasileiros, identificados por meio dos dados oficiais de importação fornecidos pela RFB, considerando-se como parâmetro o período de análise de dumping (P3) e os governos da Argentina e do Uruguai, tendo sido a eles encaminhado o endereço eletrônico no qual pôde ser obtida a Circular SECEX nº 72, de 10 de dezembro de 2024.

56. Ademais, conforme disposto no art. 50 do Decreto nº 8.058, de 2013, foram encaminhados aos produtores/exportadores e aos importadores, nas mesmas notificações, os endereços eletrônicos nos quais poderiam ser obtidos os respectivos questionários, que tiveram prazo de restituição de trinta dias, contados a partir da data de ciência, nos termos do art. 19 da Lei nº 12.995, de 2014.

57. Registre-se que, em razão do número elevado de produtores/exportadores identificados da Argentina e do Uruguai, foram selecionados para receber os questionários apenas produtores cujo volume de exportação representasse o maior percentual razoavelmente investigável pelo DECOM, nos termos do art. 28 do Regulamento Brasileiro. Assim, foram selecionados os seguintes produtores/exportadores, com base nos dados de importação considerados para fins de início da investigação, que juntos foram responsáveis por [RESTRITO] % e [RESTRITO] % do volume importado pelo Brasil da Argentina e do Uruguai, respectivamente, de janeiro a dezembro de 2023 (P5):

a) Argentina - Mastellone Hermanos Sociedad Anonima ("Mastellone"), NOAL S.A. ("Noal"), Gloria Argentina S.A. ("Gloria ou Corlasa") e L3N S.A. ("L3N ou Adecom");

b) Uruguai - Cooperativa Nacional de Productores de Leche (Conaprole), Estancias Del Lago S.R.L. ("Estancias Del Lago") e Alimentos Fray Bentos ("AFB")

58. Os demais produtores/exportadores não selecionados foram informados acerca da existência de seleção, bem como da possibilidade de envio de respostas voluntária dentro do prazo de 30 (trinta) dias, improrrogáveis, contados da data de ciência da notificação de início, em conformidade com o caput do art. 50 do Decreto nº 8.058, de 2013, e com o art. 19 da Lei nº 12.995, de 18 de junho de 2014.

59. Ressalte-se que foi dada a oportunidade de se manifestar a respeito da referida seleção para os governos da Argentina e do Uruguai, para os importadores e para os produtores/exportadores não selecionados.

1.2.8. Do recebimento das informações solicitadas

1.2.8.1. Dos importadores

60. As seguintes empresas apresentaram suas respostas ao questionário do importador dentro do prazo originalmente concedido:

- Adeco Brasil.

- Allbrands;

- Câmara Trade;

- Conaprole Brasil;

- Nutrimental; e

- Tangará Importadora e Exportadora S.A. ("Tangará Foods").

61. Por sua vez, as empresas listadas a seguir solicitaram tempestivamente a prorrogação do prazo para restituição das respectivas respostas, sendo suas solicitações deferidas:

- Arcor do Brasil Ltda. ("Arcor");

- Doremus;

- IQA (Anastácio).

- Lammer Indústria e Comercio Ltda. ("Lammer");

- Leitesol Indústria E Comércio S.A ("Leitesol");

- MARS;

- NR Foods Indústria e Comercio Ltda. ("NR Foods");

- Polenghi Indústrias Alimentícias Ltda. ("Polenghi");

- Seara;

- Sigaconex Sorvetes Ltda. ("SorvetesRei"); e

- Yakult S/A Indústria e Comércio ("Yakult").

62. Embora tempestivamente apresentadas, as respostas das importadoras Lammer, NR Foods, SorvetesRei, Tangará Foods e Yakult não foram consideradas no processo porque a habilitação dos respectivos representantes não foi regularizada até o 91º dia do início da investigação, nos termos do art. 4º, § 3º, da Portaria SECEX nº 162, de 6 de janeiro de 2022, e do disposto no item 6 da Circular nº 72, de 10 de dezembro de 2024. As referidas empresas foram comunicadas da desconsideração de suas respostas pelo Ofício Circular SEI nº 207/2025/MDIC, de 3 de julho de 2025).

63. A empresa Go Trade Importação e Exportação Ltda. protocolou resposta ao questionário do importador em 16 de janeiro de 2025, ou seja, fora do prazo original que se encerrou em 15 de janeiro de 2025. Como a referida empresa não solicitou prorrogação de prazo, a resposta apresentada foi considerada intempestiva e a empresa foi notificada por meio do Ofício nº 3525/2025/MDIC, de 11 de junho de 2025.

64. A empresa SanCor do Brasil Produtos Alimentícios Ltda. protocolou resposta ao questionário do importador em 6 de fevereiro de 2025, ou seja, fora do prazo original que se encerrou em 15 de janeiro de 2025. Como a referida empresa não solicitou prorrogação de prazo, a resposta apresentada foi considerada intempestiva e a empresa foi notificada por meio do Ofício nº 3531/2025/MDIC, de 11 de junho de 2025.

65. As demais empresas submeteram resposta ao questionário do importador e procederam à regularização da habilitação de seus representantes tempestivamente. As informações prestadas por essas empresas foram consideradas neste documento.

1.2.8.2. Dos produtores/exportadores

66. As seguintes empresas apresentaram suas respostas ao questionário do produtor/exportador dentro do prazo originalmente concedido:

- Cooperativa Nacional de Productores de Leche ("Conaprole") - Uruguai; e

- Estancias del Lago S.R.L. ("Estancias del Lago") - Uruguai.

67. Por sua vez, as seguintes empresas solicitaram tempestivamente prorrogação do prazo para restituição das respectivas respostas, sendo suas solicitações deferidas:

- Alimentos Fray Bentos S.A. ("AFB") - Uruguai;

- Gloria Argentina S.A. ("Glória" ou "Corlasa") - Argentina;

- L3N S.A. ("L3N") - Argentina;

- Mastellone Hermanos Sociedad Anónima ("Mastellone") - Argentina;

- Noal S.A ("Noal") - Argentina.

68. As empresas submeteram resposta ao questionário do produtor/exportador e procederam à regularização da habilitação de seus representantes tempestivamente. As informações prestadas por essas empresas foram consideradas neste documento.

1.2.9. Das verificações in loco

69. Tendo em vista a utilização de dados secundários para a elaboração dos indicadores da indústria doméstica, bem como a conclusão alcançada no item 2 deste documento, não houve verificação in loco na indústria doméstica.

1.2.10. Dos recursos à habilitação como indústria fragmentada

70. De acordo com o indicado na Circular SECEX nº 72, de 2024, nos termos do art. 49 da Portaria SECEX nº 162, de 2022, as partes interessadas na revisão em tela puderam apresentar recurso sobre a decisão de se habilitar a produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada.

71. As partes interessadas tiveram o prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da Circular SECEX nº 72, de 2024, no DOU, para protocolar seus recursos, ao passo que a peticionária pôde apresentar suas contrarrazões em até 15 (quinze) dias contados do fim do prazo referido anteriormente. A reconsideração ou não da decisão, considerando todos os elementos de prova trazidos pelas partes interessadas, deveria ser informada no prazo de até 60 (sessenta) dias contados do fim do prazo para manifestações da peticionária.

72. A Adeco Agropecuaria S.A, Adecoagro Uruguay S.A, a Adeco Agropecuária Brasil LTDA, em conjunto "Grupo Adeco" e a Cooperativa Nacional de Productores de Leche - Conaprole Uruguai e a Conaprole do Brasil Comercial, Importadora e Exportadora Ltda. - Conaprole Brasil, em conjunto "Grupo Conaprole", apresentaram recursos da decisão de se habilitar como indústria fragmentada a produção nacional de leite in natura.

73. A peticionária da investigação, CNA, foi instada a apresentar suas contrarrazões em 17 de janeiro de 2025, por meio do Ofício Circular SEI nº 23/2025/MDIC, protocolando tempestivamente suas manifestações a respeito dos recursos em 27 de janeiro de 2025.

74. A análise do recurso e das contrarrazões apresentados foram objetos da Nota Técnica SEI nº 541/2025/MDIC, de 2 de junho de 2025, acostada aos autos restritos da investigação.

1.2.11. Da solicitação de audiência

75. Nos dias 6, 9 e 12 de maio de 2025, respectivamente, as partes interessadas (i) Gloria, Noal, Mastellone e Leitesol; (ii) L3N, Adeco Agropecuaria S.A., Adecoagro Uruguay S.A. e Adeco Agropecuária Brasil Ltda (conjuntamente "Grupo Adeco"); e (iii) Cooperativa Nacional de Productores de Leche ("Conaprole Uruguai") e a Conaprole do Brasil Comercial, Importadora e Exportadora Ltda. ("Conaprole Brasil", conjuntamente "Grupo Conaprole"), solicitaram, tempestivamente e com fundamento no §1º do art. 55 do Decreto nº 8.058, de 26 de julho de 2013, a realização de audiência para tratar sobre:

a) Similaridade

i. ausência de similaridade entre leite em pó (objeto da investigação) e leite in natura (similar doméstico).

b) Representatividade da indústria doméstica

i. existência de produção nacional de leite em pó (vide tópico sobre similaridade) e

ii. a CNA não representaria os produtores nacionais de leite em pó.

c) Dumping

i. metodologia de cálculo do valor normal para Argentina teria se valido de parâmetros incorretos (sachê 400g);

ii. metodologia de cálculo do valor normal para Uruguai teria deixado de levar em consideração particularidades do mercado uruguaio, causando distorções na comparação entre o valor normal e o preço de exportação;

iii. metodologia de cálculo da subcotação comprometeria validade da análise porque (i) tomaria por base o preço do leite em pó fracionado (sachê 400g) e (ii) desconsideraria canais de distribuição, escala e formas de apresentação do produto; e

iv. preço das importações das origens investigadas acompanharia tendências globais (dinâmica de precificação no mercado lácteo global).

d) Dano

i. ausência de provas positivas que demonstrem o alegado dano à indústria doméstica;

ii. caracterização do dano pelo uso exclusivo de dados agregados de produtores de leite em natura, sem evidências de dano à indústria nacional de leite em pó; e

e) Indicadores utilizados deixam de considerar fatores relevantes que influenciam a situação da ID: altos custos internos de produção, impactos climáticos, oscilações cambiais etc.

f) Causalidade

i. importações de outras origens cresceram mais do que as das origens investigadas em P3;

ii. importações das origens investigadas têm baixa representatividade no mercado brasileiro;

iii. corrigida a metodologia de comparação de preços, não se verificaria subcotação, depressão e nem supressão de preços; e

g) Outros fatores determinariam a situação da indústria doméstica, dentre os quais:

i. situação estrutural do setor leiteiro no Brasil,

ii. excesso de oferta interna,

iii. concentração regional da produção,

iv. queda da produção,

v. variações climáticas,

vi. aumento dos custos de produção,

vii. câmbio desfavorável.

1.2.12. Da determinação preliminar

1.2.12.1. Do pedido de aplicação de medida antidumping provisória

76. Em 17 de março de 2025 a CNA apresentou manifestação pela qual solicitou a conclusão do Parecer de Determinação Preliminar com recomendação de serem aplicados direitos provisórios com vistas a impedir que ocorra dano durante a investigação.

77. Segundo a CNA, caberia à CAMEX julgar a necessidade de aplicação de direitos provisórios, visto (i) a investigação ter sido iniciada de acordo com as disposições previstas no Decreto nº 8.058, de 2013, e (ii) ter havido a publicação do ato que deu início à investigação, (iii) bem como sido ofertada oportunidade adequada de manifestação às partes interessadas. Nesse sentido, estariam presentes todos os elementos necessários à aplicação de direitos provisórios sobre os quais a entidade passou a argumentar.

78. A CNA registrou ter havido regular abertura da investigação em atenção a todos os trâmites previstos no Acordo Antidumping e no Decreto nº 8.058, de 2013, sendo ofertada às partes a oportunidade de manifestação, indicação de representantes, resposta a questionários, prorrogação de prazos e, inclusive, recurso sobre a decisão pela qual a produção nacional de leite in natura foi habilitada como indústria fragmentada.

79. Além disso, a entidade argumentou que existiriam elementos suficientes para uma determinação preliminar positiva de dumping, de dado à indústria doméstica e de nexo de causalidade entre ambos.

80. Como todos os produtores/exportadores selecionados teriam apresentado resposta aos questionários e relembrando que o DECOM apurou indícios da prática de dumping nas exportações para o Brasil de leite em pó originárias da Argentina e do Uruguai no período de janeiro a dezembro de 2023, a CNA reservou-se o direito de apresentar comentários aprofundados sobre o dumping e a margem de dumping oportunamente.

81. A CNA ponderou que não teria sido realizada verificação in loco na indústria doméstica por se tratar de indústria fragmentada e se utilizarem dados secundários para a elaboração dos indicadores da indústria doméstica, os quais seriam passíveis de validação mediante análise documental, e informações de caráter público disponibilizadas pela CNA. Assim, os dados apresentados consistiriam na melhor informação disponível para fins de determinação preliminar.

82. Esses dados, conforme manifestado pela entidade, teriam possibilitado a constatação, no Parecer de Abertura, de deterioração dos indicadores quantitativos (produção, vendas e participação de mercado), dos resultados e das margens da indústria doméstica, uma vez que a elevação do custo de produção não teria podido ser integralmente repassada aos preços de venda. Teria havido, ainda, deterioração na relação custo/preço, tendo em vista a elevação do custo unitário do produto e o aumento do preço da indústria doméstica em percentual significativamente menor, sendo P3 o período de pior relação custo/preço em toda a série analisada.

83. Além disso, o volume das importações de leite em pó das origens investigadas teria aumentado tanto em termos absolutos quanto em relação à produção nacional e ao mercado brasileiro/consumo nacional aparente ao longo do período investigado. Essas importações teriam ingressado no mercado brasileiro a preços subcotados em relação ao preço praticado pela indústria doméstica durante todo o período de análise de indícios de dano, tendo a maior subcotação sido registrada no último período de análise (P3).

84. Dessa forma, segundo a CNA, o DECOM já teria verificado, no Parecer de Abertura, que as importações a preços com indícios de dumping das origens investigadas teriam contribuído significativamente para a existência de indícios de dano à indústria doméstica, analisados os elementos de prova apresentados bem como outros fatores conhecidos que poderiam simultaneamente estar causando dano à indústria doméstica.

85. A entidade prosseguiu em sua manifestação registrando que, além do dano sofrido pela indústria doméstica ao longo de P1 a P3, os direitos provisórios seriam necessários para impedir a ocorrência de dano ainda maior no decorrer da investigação, especialmente considerando que o volume das importações de leite em pó teria permanecido semelhante ao de 2023 (muito superior aos registrados em P1 e P2) com tendência de crescimento, e, especificamente para as origens investigadas, o volume importado em 2024 só não teria sido maior em razão de questão pontual de produção no Uruguai, a qual já teria sido completamente superada.

Volume Exportado ao Brasil pelas Origens Investigadas (Argentina e Uruguai) em litros

[RESTRITO]

[imagem RESTRITA suprimida]

Fonte: Manifestação da CNA de 17 de março de 2025, com referência ao Comexstat (FOB).

Observação: o volume de leite em quilogramas foi convertido para equivalente-litros de leite conforme fatores de conversão fornecidos pela Embrapa Gado de Leite (Anexo 1 da manifestação).


86. A CNA ainda registrou que a média mensal do volume importado em 2025 (meses de janeiro e fevereiro) teria superado os volumes mensais de importação de qualquer mês do período de análise de dano e, considerado o período de 2024 e 2025, essa média mensal teria superado os volumes mensais de importação dos últimos 20 anos, o que denotaria o potencial agravamento do dano durante o período de investigação.

Média Mensal do Volume Importado das Origens Investigadas

[RESTRITO]

[imagem RESTRITA suprimida]

Fonte: Manifestação da CNA de 17 de março de 2025, com referência ao Comexstat (FOB).

Observação: o volume de leite em quilogramas foi convertido para equivalente-litros de leite conforme fatores de conversão fornecidos pela Embrapa Gado de Leite (Anexo 1 da manifestação).


87. Segundo a CNA, políticas governamentais das origens investigadas teriam contribuído para o aumento e manutenção do alto volume de importações de leite em pó pelo Brasil.

88. Para a Argentina, a CNA destacou que teria havido a suspensão das chamadas "retenciones", em outubro de 2023; e a eliminação definitiva, em agosto de 2024, da tarifação sobre exportações de laticínios que se encontravam suspensas. Além disso, a CNA registrou que "o intervencionismo do governo argentino na economia incorre[ria] também em distorções nos custos de produção de leite", uma vez que as tarifas sobre a exportação dos principais insumos para alimentação animal aumentariam a disponibilidade de tais produtos no mercado interno daquele país, arrefeceriam as cotações e desonerariam artificialmente os custos de produção, enquanto a comercialização de insumos do leite brasileiro dar-se-ia em termos de livre mercado.

89. Já para o Uruguai, a CNA ponderou que em 2024 teria havido ligeira queda das exportações, decorrência da diminuição na produção de leite em razão do impacto negativo causado pelo excesso de chuvas entre março e maio daquele ano. Ainda segundo a CNA, de acordo com a análise setorial do leite do Ministério de Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, ainda em 2024 tal conjuntura teria sido superada, com a remissão de leite às plantas industriais e início da recuperação entre setembro e novembro daquele ano, com perspectiva de retomada, em 2025, dos níveis de produção leiteira de 2023.

90. Tal perspectiva decorreria de políticas do Governo Uruguaio pelas quais teria (i) sido mantida redução da tarifa de energia elétrica a produtores e indústrias de laticínios; (ii) fornecido apoio financeiro por meio do Fundo de Reconversão de Indústrias Lácteas (FRIL); (iii) prestado assistência a pequenos produtores e (iv) lançado o projeto FPTA INIA-INALE "Gerenciando o Crescimento dos Sistemas Leiteiros" cuja fase piloto buscaria desenvolver modelo escalável para o setor.

91. Dessa maneira, a CNA argumentou que "[o] avanço das importações do produto advindo das origens investigadas deve[ria] ser freado, evitando danos irreversíveis à produção nacional" e requereu que fosse recomendada a aplicação de direito antidumping provisório tão logo possível.

1.2.12.2. Das manifestações acerca da aplicação de medida antidumping provisória

92. Em manifestação apresentada no dia 26 de março de 2025, os produtores/exportadores Mastellone, Gloria, Noal e a importadora Leitesol registraram entendimento contrário à aplicação de direitos antidumping provisórios.

93. As empresas argumentaram que a legislação brasileira e os compromissos multilaterais assumidos pelo Brasil condicionariam a adoção de medidas provisórias à existência de elementos probatórios robustos os quais, de forma inequívoca, evidenciassem a ocorrência de dumping, dano à indústria doméstica e nexo de causalidade entre ambos. Além disso, seria necessário demonstrar risco de agravamento substancial ou de persistência de dano à indústria doméstica durante a condução da investigação, conforme disposto no inciso III do art. 66 do Decreto nº 8.058, de 2013. Segundo as manifestantes, esses elementos, necessários à aplicação de direitos antidumping provisórios, não estariam presentes na investigação.

94. Segundo as manifestantes, a eventual aplicação de direitos antidumping provisórios sobre as importações de leite em pó originárias da Argentina e do Uruguai teria impactos indesejados sobre a inflação de alimentos, especialmente diante do contexto macroeconômico enfrentado pelo Brasil no início de 2025, o qual teria levado o Governo Federal Brasileiro a adotar medidas para conter a inflação de alimentos, tais como a isenção de impostos de importação sobre produtos essenciais e ações regulatórias para estimular a concorrência e reduzir custos.

95. Como o leite em pó seria insumo básico para diversos produtos alimentícios e teria peso significativo no consumo das famílias, especialmente as de menor renda, medidas restritivas à concorrência internacional, como a imposição de direitos antidumping provisórios, nesse contexto, resultariam em aumento de custos para a indústria nacional de laticínios e, consequentemente, no repasse desses custos aos consumidores finais.

96. Em síntese, as manifestantes reiteraram apelo para que o DECOM, no exercício de sua discricionariedade, optasse por não recomendar a aplicação de medidas antidumping provisórias, uma vez que:

• a aplicação seria contraproducente às diretrizes do próprio Governo Brasileiro, em atenção à prioridade de contenção da inflação sobre alimentos no mercado interno;

• não estariam presentes os requisitos legais e fáticos exigidos para a aplicação de medidas antidumping provisórias no caso em análise, sobremaneira a demonstração clara e fundamentada de risco de agravamento substancial ou de existência de dano à indústria doméstica durante a investigação; e

• dados mais recentes de 2025 indicariam um cenário de estabilidade e desempenho positivo da indústria nacional de leite, o que afastariam qualquer urgência que justificasse a adoção de medidas de caráter excepcional.

97. Além disso, o grupo de manifestantes (i) reiterou potenciais fragilidades que seriam observadas na definição do produto objeto da investigação e poderiam comprometer a apuração de dano e as análises de causalidade e (ii) reforçou argumentação pela inexistência de dumping, ausência de dano à indústria doméstica ou de nexo de causalidade de alegado dano com as importações do produto investigado. Tais argumentos são objeto de consideração nos correspondentes itens do presente documento.

98. Ante o exposto, as manifestantes solicitaram que o DECOM rejeitasse eventual recomendação de aplicação de direito antidumping provisório e permitisse o regular prosseguimento da investigação até a conclusão da fase probatória, com a devida verificação dos fatos à luz do contraditório e da ampla defesa de todas as partes interessadas.

99. Em 1º de abril de 2025, a importadora Arcor apresentou manifestação na qual argumentou que, a partir de dados do Parecer de Início, do ComexStat e da Pesquisa Trimestral do Leite de 2024, bem como seguindo a metodologia de conversão de quilogramas para litros proposta pela peticionária da investigação, teria observado a seguinte evolução de indicadores entre P3 e 2024:

Evolução dos Indicadores entre P3 e 2024

[RESTRITO]

Indicador

P3

2024

Variação

A. Vendas Internas da Indústria Doméstica

[REST.]

[REST.]

3,2%

B. Consumo Cativo

[REST.]

[REST.]

8,7%

C. Exportações da Indústria Doméstica

[REST.]

[REST.]

616,1%

D. Produção Nacional (A + B + C)

[REST.]

[REST.]

4,8%

E. Importações das Origens Investigadas

[REST.]

[REST.]

-7,1%

F. Razão entre Importações e Produção Nacional (E/D)

[REST.]

[REST.]

-11,4%

Fonte: Manifestação da Arcor, com referência a dados do Comexstat e da Pesquisa Trimestral do Leite, do IBGE, 2024.


100. A partir do conjunto de dados apresentado, não apenas as importações das origens investigadas representariam fração mínima do consumo nacional, como também teriam sido as únicas a sofrer queda em 2024 em comparação a P3, o que demonstraria não haver qualquer evidência de incremento do dano sofrido pela indústria doméstica em razão das importações que justificasse a aplicação de direitos provisórios.

101. A manifestante argumentou que haveria, no máximo, uma recuperação do setor produtivo brasileiro após queda pontual apurada em P2, o que seria corroborado por projeções positivas para o setor em 2025: crescimento da produção brasileira entre 2 e 2,5%, contra um aumento na produção global de apenas 1,1%; alta de 20% no preço médio do leite no mercado interno entre janeiro de 2024 e 2025, ante aumento de 7,7% dos preços internacionais, ausência de subcotação ou supressão de preços no mercado brasileiro.

102. Assim, segundo a manifestante, não haveria indícios que justificassem a imposição de direitos provisórios, tampouco de dano à indústria doméstica decorrente das importações.

103. Em 17 de abril de 2025, o Grupo Adeco (L3N S.A., Adeco Agropecuária S.A. e Adecoagro Uruguay S.A.) apresentou manifestação contrária à aplicação de direitos antidumping provisórios sobre as importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai com fundamento de que estariam ausentes os requisitos exigidos pelo art. 66 do Decreto nº 8.058, de 2013, e a definição de produto similar estaria inadequada, existiria uma indústria doméstica de leite em pó não representada pela CNA e inexistiria risco de dano ao setor lácteo demonstrado nos autos da investigação ou nexo de causalidade do aumento das importações, decorrente de fatores sazonais, e iminente dano que justificasse a aplicação de medida excepcional.

104. Em 20 de maio de 2025, a importadora Polenghi apresentou manifestação contrária à aplicação de direitos antidumping porque não estariam presentes requisitos legais para tanto: (i) não haveria indícios de dano à indústria doméstica e (ii) o aumento das importações no início de 2025 não caracterizaria dumping porque seria sazonal e historicamente recorrente.

105. A empresa destacou, ainda, que haveria controvérsias em aberto sobre o escopo do produto investigado, porquanto seria precipitado recomendar medidas provisórias antes da análise dessas questões.

106. A Polenghi requereu o indeferimento do pleito da CNA pela aplicação de direitos antidumping provisórios e alertou para o risco de aumento nos preços de alimentos derivados do leite em pó, caso tais direitos fossem aplicados sobre as importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai: potencial elevação dos custos da indústria de laticínios, com repasse ao consumidor final, encarecimento de diversos produtos alimentícios que utilizam leite em pó em sua composição e impacto negativo no consumo das famílias brasileiras.

107. Em 27 de maio de 2025, a Alimentos Fray Bentos S.A. ("AFB") apresentou manifestação contrária à continuidade da investigação antidumping e à aplicação de direitos provisórios, destacando que diversas partes interessadas já teriam apontado falhas como a ausência de similaridade entre os produtos, a falta de representatividade da indústria doméstica, a inexistência de dano e a ausência de nexo causal.

108. A AFB argumentou ainda que, estariam ausentes os fundamentos legais e fáticos para a aplicação de direitos antidumping provisórios porque os requisitos previstos no art. 66 do Decreto nº 8.058, de 2013 não teriam sido atendidos, não haveria determinação preliminar positiva de dumping, dano e nexo causal, a investigação estaria comprometida por falhas estruturais (como a definição incorreta do produto similar doméstico, o uso de dados secundários inconsistentes) e não existiria dano material à indústria doméstica, o que por si só inviabilizaria a imposição de medidas provisórias.

109. Além disso, a manifestante ponderou que a entrada em vigor do Decreto nº 11.732, de 2023, concederia incentivos fiscais para estabelecimentos que utilizam exclusivamente leite in natura, medida que teria conferido vantagens competitivas adicionais à indústria doméstica, especialmente frente ao leite em pó importado, reforçando a desnecessidade de medidas provisórias.

110. Em 14 de julho de 2025, os produtores/exportadores Mastellone, Gloria, Noal e a importadora Leitesol apresentaram manifestação na qual reproduziram por escrito os argumentos oralmente expostos na audiência pelos quais as empresas registram que existiriam questões preliminares as quais ensejariam a não aplicação de direitos antidumping provisórios:

- ausência de similaridade entre o produto similar doméstico e o produto escopo;

- indefinição do produto escopo;

- desafios metodológicos para cálculo da margem de dumping aos produtores/exportadores argentinos; e

- externalidades de eventual direito provisório.

1.2.12.3. Dos comentários do DECOM acerca das manifestações

111. À luz das análises realizadas nos itens 2.3.2 e 3.3 deste documento, entende-se preliminarmente, à luz do Artigo 2.6 do Acordo Antidumping, que os dados aportados pela CNA não se referem ao produto similar doméstico, qual seja, o leite em pó produzido no Brasil, interditando conclusão positiva pela existência de dano à indústria doméstica.

112. Resta, portanto, prejudicada a possibilidade de imposição de direito antidumping provisório, nos termos do art. 66, inciso II, do Decreto no 8.058, de 2013.

1.2.13. Dos prazos da investigação

113. São apresentados no quadro a seguir os prazos a que fazem referência os arts. 59 a 63 do Decreto nº 8.058, de 2013, conforme estabelecido pelo § 5º do art. 65 do Regulamento Brasileiro. Recorde-se que tais prazos servirão de parâmetro para o restante da presente investigação:

Disposição legal

Decreto nº 8.058, de 2013

Prazos

Datas previstas

Art. 59

Encerramento da fase probatória da investigação

19 de agosto de 2025

Art. 60

Encerramento da fase de manifestação sobre os dados e as informações constantes dos autos

8 de setembro de 2025

Art. 61

Divulgação da nota técnica contendo os fatos essenciais que se encontram em análise e que serão considerados na determinação final

30 de setembro de 2025

Art. 62

Encerramento do prazo para apresentação das manifestações finais pelas partes interessadas e encerramento da fase de instrução do processo

20 de outubro de 2025

Art. 63

Expedição, pelo DECOM, do parecer de determinação final

10 de novembro de 2025

Elaboração: DECOM


2. DO PRODUTO E DA SIMILARIDADE

2.1. Do produto objeto da investigação

114. O produto objeto da investigação é o leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (ou seja, em embalagens superiores a 800g), cujas importações originárias da Argentina e do Uruguai são usualmente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM.

115. O marco legal que fixa as características do leite em pó no Brasil é a Instrução Normativa nº 53 do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), de 1º de outubro de 2018, que incorpora ao ordenamento jurídico nacional o Regulamento Técnico Mercosul de Identidade e Qualidade do Leite em Pó, aprovado pela Resolução Mercosul/GMC/RES. nº 07/18. Segundo o item 2.1, que trata da definição do produto, "entende-se por leite em pó o produto que se obtém por desidratação do leite de vaca, integral, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana, mediante processos tecnologicamente adequados".

116. A partir da captação de leite nas propriedades rurais, o produto é enviado às indústrias processadoras, onde é submetido a rigorosas análises de qualidade da matéria-prima, sendo avaliados aspectos físicos, químicos e microbiológicos, após os quais é enviado ao silo de armazenamento para mantê-lo resfriado.

117. O leite passa por um processo de higienização para eliminação de microrganismos, sendo submetido ao processo de pasteurização, onde ocorre aquecimento entre 72 e 85 graus celsius em equipamentos chamados de trocadores de calor. Após o aquecimento, o leite é resfriado novamente até a temperatura de processamento.

118. A produção de leite em pó é regida pela Instrução Normativa nº 53/2018, segundo a qual o teor de gordura e/ou proteínas pode ser ajustado para cumprir os requisitos de composição, mediante adição e/ou extração dos constituintes do leite, de maneira que não se modifique a proporção entre a proteína do soro e a caseína do leite utilizada como matéria-prima.

119. Para tanto, o leite passa por um processo de padronização para homogeneizar os teores de gordura, carboidratos e proteínas de acordo com o produto final: leite em pó integral, semidesnatado ou desnatado. A versão integral demanda um teor de gordura maior ou igual a 26%; a versão semidesnatada exige entre 1,5% e 26%; por sua vez, os teores de gordura do leite em pó desnatado não podem ser superiores a 1,5%.

120. Após a pasteurização, o leite é enviado a centrífugas para a separação dos componentes, onde as diferentes densidades da gordura e da proteína permitem a extração da fração gordurosa (nata). Então ocorre o processo de homogeneização, dado pela extração ou inclusão da gordura até os teores desejados.

121. A etapa seguinte é chamada de evaporação, onde o leite é aquecido a 35 graus celsius para que haja a concentração dos teores de sólidos, com vistas a promover maior eficiência à etapa subsequente, chamada de secagem do leite.

122. A secagem ocorre em equipamentos chamados de secadores spray, onde o leite concentrado é pulverizado sob pressão em uma câmara com ar superaquecido a 200 graus celsius, fazendo com que o restante da umidade presente seja instantaneamente evaporado, com a fração sólida do leite se transformando em um fino pó que se deposita no fundo dos secadores. Então, o produto passa por uma série de peneiras progressivamente mais finas, que separam os grânulos conforme o tamanho, para fins de padronização.

123. Após, o produto é submetido a análises de qualidade, solubilidade, coloração, umidade, gordura, proteína, nutrientes, entre outros, cuja aprovação libera o produto para a etapa final de envase em sacos de 25 kg, latas ou sachês de 400g ou 800g, potes plásticos, entre outros; todos devidamente esterilizados e hermeticamente fechados para garantir a preservação da qualidade dos produtos.

124. As etapas industriais para a produção de leite em pó, que ocorrem após a recepção e análises de qualidade do leite fluido, podem ser resumidas em:

i. pasteurização;

ii. homogeneização;

iii. concentração ou evaporação;

iv. secagem;

v. separação;

vi. análises de qualidade; e

vii. embalagem.

125. A comercialização de leite em pó pelos fabricantes pode ser realizada pelos seguintes canais de distribuição:

i. Mercados institucionais ou B2B, onde indústrias laticinistas comercializam entre si ou com indústrias de outros segmentos alimentícios, como a de chocolates, sorvetes, biscoitos, bem como indústria farmacêutica para produção de suplementos alimentares, nutracêuticos e/ou fórmulas infantis. Nesse canal também está representada a compra governamental através de programas Oficiais, como o Programa de Aquisição de Alimentos modalidade leite, ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. A forma de apresentação do produto nesses canais geralmente é em sacos de 25 kg de leite em pó, acondicionados em pallets contendo entre 45 e 48 sacos, totalizando cerca de 1.200 kg.

ii. Comércio direto com redes atacadistas e/ou atacarejos, considerando inclusive canal de vendas online. Nesse canal, o produto é comercializado em embalagens de tamanhos variados, podendo ser apresentadas caixas de papelão contendo latas ou sachês acima de 800 g.

2.1.1. Das manifestações acerca do produto objeto da investigação

126. Em 15 de janeiro de 2025, a importadora Leitesol apresentou manifestação pela qual expressou ser necessário solicitar que, no âmbito da investigação, o que dissesse respeito à definição do produto objeto da investigação:

- tivesse acrescentada definição do termo "não fracionado", repetindo-se a redação adotada na investigação antidumping de leite em pó da União Europeia e Nova Zelândia (Processo MDIC/SECEX 52272.001196/2017-18), qual seja, "acondicionado em embalagens não destinadas a consumo no varejo"; e

- fosse esclarecido, na seção sobre o produto investigado, que as considerações de cunho genérico sobre as etapas produtivas e formas de comercialização do leite em pó no mercado não se confundiriam com a definição do escopo investigado, a qual estaria limitada ao leite em pó "não fracionado".

127. Dessa maneira, para garantir que interpretações errôneas não levassem à sobretaxação do leite em pó "fracionado", a Leitesol sugeriu alterar a redação dos seguintes parágrafos do Parecer SEI nº 3661/2024/MDIC:

121. O produto objeto da investigação é o leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado, ou seja, acondicionado em embalagens não destinadas a consumo no varejo, cujas importações originárias da Argentina e do Uruguai são usualmente classificadas nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM.;

(...)

130. Após, o produto é submetido a análises de qualidade, solubilidade, coloração, umidade, gordura, proteína, nutrientes, entre outros, cuja aprovação libera o produto para a etapa final de envase em sacos de 25 kg, latas ou sachês de 400g ou 800g, potes plásticos, entre outros; todos devidamente esterilizados e hermeticamente fechados para garantir a preservação da qualidade dos produtos. Na presente investigação, faz parte do escopo investigado somente o leite em pó não fracionado, ou seja, acondicionado em embalagens não destinadas a consumo no varejo.

(...)

132. A comercialização de leite em pó pelos fabricantes pode ser realizada pelos seguintes canais de distribuição:

i. Mercados institucionais ou B2B, onde indústrias laticinistas comercializam entre si ou com indústrias de outros segmentos alimentícios, como a de chocolates, sorvetes, biscoitos, bem como indústria farmacêutica para produção de suplementos alimentares, nutracêuticos e/ou fórmulas infantis. Nesse canal também está representada a compra governamental através de programas oficiais, como o Programa de Aquisição de Alimentos modalidade leite, ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. A forma de apresentação do produto nesses canais geralmente é em sacos de 25 kg de leite em pó, acondicionados em pallets contendo entre 45 e 48 sacos, totalizando cerca de 1.200 kg.

ii. Comércio direto com redes atacadistas e/ou varejistas, considerando supermercados e hipermercados, lojas de varejo online e conveniências, entre outros, com vistas ao atendimento do consumidor final. Nesse canal, o produto é comercializado em embalagens menores e de tamanhos variados, podendo ser apresentadas caixas de papelão contendo latas ou sachês entre 800 g e 400 g.

Na presente investigação, reitera-se que faz parte do escopo investigado somente o leite em pó não fracionado, ou seja, acondicionado em embalagens não destinadas a consumo no varejo. (grifos da manifestante).

128. A empresa destacou, ainda, definição de fracionamento contida em resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Regulamento Técnico para Rotulagem de Produto de Origem Animal Embalado aprovado pela Instrução Normativa nº 22 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), as quais reforçariam a pertinência da solicitação da LEITESOL:

Art. 3º Para fins desta Resolução, aplicam-se as seguintes definições:

(...)

XI - fracionamento: operação pela qual o alimento é dividido e acondicionado para atender a sua distribuição, comercialização e disponibilização ao consumidor

(Resolução Anvisa/RDC nº 727, de 2022);

2.1 DEFINIÇÃO

Para efeito de aplicação deste Regulamento Técnico, entende-se por:

(...)

2.15. Fracionamento do produto de origem animal: é a operação pela qual o produto de origem animal é dividido e acondicionado, para atender a sua distribuição, comercialização e disponibilização ao consumidor.

(Regulamento Técnico para Rotulagem de Produto de Origem Animal Embalado - Anexo à Instrução Normativa Mapa nº 22, de 24 de novembro de 2005).

129. Conforme entendimento da LEITESOL, o fracionamento do leite em pó atenderia ao propósito de distribuição e comercialização ao consumidor final, não à transformação em chocolates, iogurtes etc., como seria o caso do leite em pó não fracionado, normalmente embalado e distribuído às indústrias em sacas de 25 kg.

130. Dessa maneira, a importadora brasileira registrou que, "embora o leite em pó fracionado exista entre os itens comercializados pelos exportadores argentinos, suas vendas não constarão de suas bases de vendas nem exportações" e requereu que a Autoridade Investigadora se manifestasse caso a interpretação da importadora brasileira estivesse equivocada.

131. Em atenção à manifestação da Leitesol, em 17 de janeiro de 2025 foi encaminhado o Ofício nº 412/2025/MDIC à CNA, pelo qual se solicitou à CNA apresentar manifestações acerca dos pontos trazidos pela importadora brasileira.

132. Em 21 de janeiro de 2025, a CNA se manifestou registrando que desde a petição, o produto objeto da investigação trataria apenas do produto não fracionado, o que teria sido corroborado no Parecer de Abertura e na própria Circular SECEX nº 72, de 10 de dezembro de 2024.

133. A peticionária complementou que o intuito era exatamente excluir os produtos destinados aos consumidores finais no Brasil, tendo em vista que o fracionamento tem o propósito de comercialização do produto ao consumidor final, conforme teria sido apontado pela própria Leitesol em sua manifestação. Para isso, o produto objeto da investigação de defesa comercial estaria delimitado usando critérios de embalagem, peso ou tamanho a fim de alinhar eventuais direitos aplicados às condições de mercado e evitar impacto em nichos ou mercados distintos àquele definido no escopo (razão pela qual teria havido a exclusão do produto fracionado do escopo do produto investigado).

134. De modo a garantir maior eficácia ao pretendido direito antidumping sobre as importações brasileiras de leite em pó objeto da presente investigação, a CNA solicitou que o produto objeto da investigação não fracionado fosse expressamente indicado como: "leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (ou seja, em embalagens superiores a 800g), usualmente classificado nos códigos 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM".

135. A definição de produto fracionado como aquele comercializado em embalagens de até 800g teria como base a prática de venda do produto ao consumidor final no mercado brasileiro, razão pela qual a CNA teria indicado nas informações complementares à petição que "o produto é comercializado em embalagens menores e de tamanhos variados, podendo ser apresentadas em caixas de papelão contendo latas ou sachês entre 800g e 400g".

136. A CNA prosseguiu em sua manifestação registrando que a fim de evitar a burla da aplicação dos direitos antidumping nas exportações de leite em pó acondicionado em embalagens inferiores a 25kg sob a justificativa de se tratar de produto para consumidor final, seria preciso adotar uma definição de produto não fracionado clara e específica, qual seja, produto acondicionado em embalagens superiores a 800g.

137. Segundo a CNA, enquanto embalagens de leite em pó superiores a 800g seriam "destinadas à utilização comercial, vendidas em mercado de atacada ou diretamente à indústria que o beneficia", o formato de embalagens até 800g seria amplamente aceito no mercado brasileiro por ser prático para o uso doméstico e seria também o padrão adotado por diversas marcas líderes de mercado no Brasil devido a fatores como:

i. custo-benefício: maior acessibilidade e quantidade suficiente para o consumo médio semanal ou quinzenal de uma família;

ii. disponibilidade: amplamente distribuída em supermercados e mercearias de todo o país;

iii. facilidade de armazenamento: menor espaço ocupado.

138. A CNA pontuou ainda que o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), instituição vinculada à Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), teria adotado a embalagem de 400g como referência para o preço do leite em pó no varejo brasileiro (ou seja, ao consumidor final). Além disso, o Cepea teria realizado pesquisas econômicas aplicadas ao agronegócio brasileiro, as quais forneceriam indicadores de preços, análises de mercado e estudos setoriais para auxiliar produtores, empresas e formuladores de políticas públicas.

139. Conforme a CNA, a comercialização do leite em pó ao consumidor final em embalagens de até 800g seria prática do mercado argentino, o que poderia ser observado na divulgação, pelo Observatorio de la Cadena Láctea Argentina - OCLA, do preço de venda do leite em pó integral na região da Grande Buenos Aires (GBA) em embalagem de 800g.

140. Nesse sentido, a definição de produto não fracionado proposta pela CNA ("leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (ou seja, em embalagens superiores a 800g), usualmente classificado nos códigos 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM") compreenderia dados de mercado e institutos de pesquisa tanto no Brasil quanto no exterior.

141. A CNA encerrou sua manifestação registrando a importância de ser expressamente indicado que o produto fracionado excluído do escopo da investigação referir-se-ia ao produto em embalagens de até 800g, o que seria essencial para garantir a eficácia da medida antidumping e evitar desvios comerciais com o intuito de burlar a aplicação dos direitos antidumping.

142. Em 31 de janeiro de 2025, a Leitesol apresentou nova manifestação na qual reiterou esclarecimentos apresentados pela CNA, os quais esclareceriam que a exclusão do produto fracionado teria por objetivo "excluir os produtos destinados aos consumidores finais no Brasil, para alinhar as condições de mercado e evitar impactos em nichos ou mercados distintos".

143. A Leitesol deu continuidade à argumentação ponderando que a definição de produto fracionado com limite em 800g teria sido feita de maneira arbitrária e sem embasamento técnico, porquanto teria deixado de considerar a existência de embalagens fracionadas de 1kg evidente destinadas ao consumidor final.

144. Segundo a Leitesol, o propósito do fracionamento de até 1kg seria a distribuição e comercialização ao consumidor final, enquanto o leite em pó não fracionado, normalmente embalado e distribuído às indústrias transformadoras em sacas de 25kg, destinar-se-ia à utilização industrial.

145. Dessa forma, em atenção ao objetivo de "excluir os produtos destinados aos consumidores finais no Brasil" registrado pela CNA, a LEITESOL registrou que a única conclusão possível seria pela exclusão do leite em pó fracionado em embalagens de 1kg do alcance desta investigação, e requereu revisão da definição do produto, excluindo do escopo da investigação embalagens de até 1kg.

146. Em manifestação conjunta apresentada no dia 26 de março de 2025, as empresas Mastellone, Glória, Noal e Leitesol destacaram que haveria indefinição quanto ao produto objeto da investigação, o que violaria preceito basilar de defesa comercial. Tal indefinição do escopo da investigação comprometeria a legalidade e a eficácia do processo conduzido pelo DECOM e teria sido apontada pela Leitesol em manifestações anteriores, nas quais, por se tratar de produto destinado ao consumidor final, teria sido questionada a remoção do leite em pó fracionado do escopo da investigação.

147. Além disso, a definição precisa do produto incluído no escopo seria essencial para a correta identificação do produto similar, dos produtores nacionais e dos itens a serem reportados pelas empresas nas respostas aos questionários enviados pelo DECOM. Ausente essa definição, estariam comprometidas as análises de dumping, dano e nexo causal, além de violados os princípios fundamentais do processo administrativo.

148. Nesse sentido, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC teria reconhecido que a definição do produto sob investigação seria o ponto de partida básico para qualquer determinação de dumping e dano.

Panel: US - SOFTWOOD LUMBER FROM CANADA 7.152 In our view, this means that the "like product", for purposes of the dumping determination, is the product which is destined for consumption in the exporting country. The "like product" is therefore to be compared with the allegedly dumped product, which is generally referred to in the AD Agreement as the "product under consideration". In the case of the injury determination (and the determination of domestic industry support for the application), the word "like product" refers to the product being produced by the domestic industry allegedly being injured by the dumped product. In both instances it is clear that the starting point can only be the product allegedly being dumped and that the product to be compared to it for purposes of the dumping determination, and the product the producers of which are allegedly being injured by the dumped product, is the "like product" for purposes of the dumping and injury determinations, respectively.

7.153 Article 2.6 therefore defines the basis on which the product to be compared to the "product under consideration" is to be determined, that is, a product which is either identical to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which has characteristics closely resembling those of the product under consideration. As the definition of "like product" implies a comparison with another product, it seems clear to us that the starting point can only be the "other product", being the allegedly dumped product. Therefore, once the product under consideration is defined, the "like product" to the product under consideration has to be determined on the basis of Article 2.6. However, in our analysis of the AD Agreement, we could not find any guidance on the way in which the "product under consideration" should be determined.

(Manifestação Mastellone, Glória, Noal e Leitesol de 26 de março de 2025, com referência a WT/DS264/R, US - Lumber V, parágrafos 7.152 e 7.153)

149. Segundo as manifestantes, a CNA teria inicialmente afirmado que o escopo estaria definido, mas, contraditoriamente, teria proposto, com base em suposta prática de mercado, a inclusão de uma nova definição de "produto não fracionado": aquele embalado em quantidades superiores a 800g. Tal critério teria sido contestado pela Leitesol em manifestação na qual foi apontada a venda direta a consumidor final de leite em pó em embalagens de 1kg, sem ulterior resposta.

150. Assim, as manifestantes sustentaram que a introdução tardia de critérios de definição, após o início da investigação, violaria o devido processo legal e o direito de defesa e protestaram contra a imposição de direitos provisórios, defendendo que eventuais lacunas fossem sanadas durante a fase probatória, em respeito à segurança jurídica e aos princípios da defesa comercial.

151. Em 3 de abril de 2025, a CNA apresentou manifestação a respeito dos canais de distribuição por meio dos quais o leite em pó investigado poderia ser comercializado no mercado brasileiro à luz da definição do produto não fracionado objeto da investigação.

152. Preliminarmente, a CNA retomou a proposição de que o produto objeto da investigação fosse expressamente indicado como:

Leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (ou seja, em embalagens superiores a 800g), usualmente classificado nos códigos 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM. (grifo da manifestante)

153. Nesse sentido, a manifestante requereu a retificação do seguinte trecho do Parecer de Abertura:

132. A comercialização de leite em pó pelos fabricantes pode ser realizada pelos seguintes canais de distribuição:

i. Mercados institucionais ou B2B, onde indústrias laticinistas comercializam entre si ou com indústrias de outros segmentos alimentícios, como a de chocolates, sorvetes, biscoitos, bem como indústria farmacêutica para produção de suplementos alimentares, nutracêuticos e/ou fórmulas infantis. Nesse canal também está representada a compra governamental através de programas Oficiais, como o Programa de Aquisição de Alimentos modalidade leite, ou o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE. A forma de apresentação do produto nesses canais geralmente é em sacos de 25 kg de leite em pó, acondicionados em pallets contendo entre 45 e 48 sacos, totalizando cerca de 1.200 kg.

ii. Comércio direto com redes atacadistas e/ou |varejistas, considerando supermercados e hipermercados, lojas de varejo online e conveniências, entre outros, com vistas ao atendimento do consumidor final| *atacarejos, considerando inclusive canal de vendas online*. Nesse canal, o produto é comercializado em embalagens menores e de tamanhos variados, podendo ser apresentadas caixas de papelão contendo latas ou sachês |entre| *acima de* 800 g |e 400g|.

(|tachadas| as exclusões e em *negrito* as inclusões)

154. Em 20 de maio de 2025, a Polenghi apresentou manifestação na qual argumentou que haveria controvérsia quanto à inclusão do "leite em pó fracionado" no escopo da investigação.

155. Além disso, a empresa destacou que a própria peticionária teria solicitado a retificação do produto objeto da investigação em data posterior ao requerimento de aplicação de direitos antidumping provisórios.

156. Pelo apresentado, a empresa manifestou-se pelo indeferimento do pedido para aplicação de direitos provisórios formulado pela CNA.

2.1.2. Dos comentários do DECOM acerca das manifestações

157. A necessidade de explicitar objetivamente o que se entende por "não fracionado" resta evidenciada nos autos e contribui para a clareza na delimitação do escopo da investigação.

158. Quanto à evidência do comércio de leite em pó em embalagens de até 1kg, ainda que demonstrada, não restou comprovado que tal apresentação seja significativamente predominante no comércio ao usuário final. Pelo contrário, os elementos apresentados pelas partes indicam que as embalagens de até 800g predominariam no comércio de leite em pó ao usuário final.

159. Dessa forma e para dar efetividade ao objetivo proposto pela própria peticionária, qual seja, excluir do escopo da investigação produtos destinados aos consumidores finais no Brasil, para fins de determinação preliminar, aplica-se a definição do produto objeto como sendo "leite em pó, integral ou desnatado, não fracionado (ou seja, em embalagens superiores a 800g), usualmente classificado nos códigos 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM".

160. No presente parecer, os parágrafos necessários à inequívoca delimitação de escopo encontram-se ajustados à definição pela qual ficam excluídas as embalagens superiores a 800g.

2.1.3. Da classificação e do tratamento tarifário

161. Segundo a Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM, o produto objeto da investigação classifica-se nos subitens 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20. As alíquotas do Imposto de Importação para esses subitens são apresentadas na tabela a seguir:

Alíquota do Imposto de Importação

NCM

Descrição

Alíquota (%)

0402.10.10

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, não superior a 1,5% - Com um teor de arsênio, chumbo ou cobre, considerados isoladamente, inferior a 5 ppm

28,0

0402. 10.90

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, não superior a 1,5% - Outros

28,0

0402.21.10

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, superior a 1,5% - Sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes - Leite integral

28,0

0402.21.20

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, superior a 1,5% - Sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes - Leite parcialmente desnatado

28,0

0402.29.10

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, superior a 1,5% - Outros - Leite integral

28,0

0402.29.20

Leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas, com um teor, em peso, de matérias gordas, superior a 1,5% - Outros - Leite parcialmente desnatado

28,0

Fonte: Siscomex (Consulta ao tratamento tributário do Imposto de Importação - https://portalunico.siscomex.gov.br/ttce/#/simulador-calculo?perfil=publico)

Elaboração: DECOM


162. Dentre os principais fornecedores ao Brasil, a Argentina e o Uruguai desfrutam de preferência tarifária de 100% por razão do ACE 18 - Mercosul, que também inclui o Paraguai. Ademais, foram celebrados acordos preferenciais ou de complementação econômica que abrangem as classificações tarifárias em que o produto objeto é comumente classificado: ACE 35 - Chile, ACE 36 - Bolívia e ACE 58 - Peru, todos concedendo preferência tarifária de 100% nas importações brasileiras de produto similar. Além desses, o ACE 59 - Colômbia e Equador, o ACE 69 - Venezuela, o ATPR04 (Brasil-Cuba e Brasil-México) e os Acordos de Livre Comércio Mercosul - Israel e Mercosul - Egito apresentam as seguintes preferências tarifárias, conforme consolidado abaixo:

Preferências tarifárias

NCM: 0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10 e 0402.29.20

País Beneficiário

Acordo

Preferência

Bolívia

ACE 36-Mercosul-Bolívia

100%

Chile

ACE 35-Mercosul-Chile

100%

Peru

ACE 58-Mercosul-Peru

100%

Colômbia e Equador

ACE 59-Mercosul-Colômbia e Equador

100%

Venezuela

ACE 69-Mercosul-Venezuela

100%

Cuba

APTR 04-Cuba-Brasil

28% (1)

México

APTR 04-México-Brasil

20% (1)

Panamá

APTR 04-Panamá-Brasil

28% (1)

Índia

APTF - Mercosul-Índia

10% (2)

Israel

ALC - Mercosul-Israel

100%

Egito

ALC - Mercosul - Egito

60% (3)

(1) Preferência outorgada ao produto classificado no código NALADI/NCCA: 04.02.2.01 - leite em pó ou em grânulos com um conteúdo em peso de matérias gordurosas superior a 1,5%;

(2) Preferência outorgada ao produto classificado no código NCM 2002: 0402.10.10;

(3) Preferência outorgada ao produto classificado nos códigos NALADI/NCCA: 04.02.2

Fonte: Siscomex - Preferências Tarifárias (www.gov.br/siscomex/pt-br/acordos-comerciais/preferencias-tarifarias/preferencias-tarifarias-na-importacao) e Página de Preferência Tarifária Regional entre países da ALADI (https://www.gov.br/siscomex/pt-br/paginas/preferencia-tarifaria-regional-entre-paises-da-aladi-ptr-04)

Elaboração: DECOM.


2.2. Do produto produzido no Brasil

163. O produto doméstico, para fins de análise de indícios de dano, foi definido como leite, entendido como o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas, nos termos do art. 235 do Decreto nº 9.013/2017, que dispõe sobre o regulamento da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal no Brasil. As especificações de qualidade do leite na propriedade no momento da coleta e recepção nas indústrias são estabelecidas pelas Instruções Normativas nº 76/2018 e nº 77/2018 do MAPA.

164. O processo produtivo do leite deve seguir o previsto nas Instruções Normativas nº 76/2018 e 77/2018 do MAPA, apresentado de forma resumida a seguir:

- Produção do leite cru refrigerado nas propriedades rurais. A sanidade do rebanho deve ser acompanhada por médico veterinário, os produtores devem adotar as boas práticas agropecuárias e seguir os critérios e procedimentos para a produção, acondicionamento e conservação do leite cru previstos na IN nº 77/2018. O leite deve ser produzido em condições higiênicas, abrangidos o manejo do gado leiteiro e os procedimentos de ordenha, conservação e transporte. Logo após a ordenha, manual ou mecânica, o leite deve ser filtrado por meio de utensílios específicos previamente higienizados. O vasilhame ou o equipamento para conservação do leite na propriedade rural até a sua captação deve permanecer em local próprio e específico e deve ser mantido em condições de higiene.

- Refrigeração e Transporte. A refrigeração do leite cru e o seu transporte da propriedade rural até o estabelecimento de leite e derivados sob serviço de inspeção oficial devem observar os limites máximos de temperatura previstos na IN nº 76/2018. Após receberem o leite cru refrigerado, os estabelecimentos de leite e derivados sob serviço de inspeção oficial fazem o beneficiamento ou industrialização do leite.

165. No que tange às especificações técnicas, todas as características e especificações do leite devem obrigatoriamente seguir o disposto na IN nº 76/2018, que contém os Regulamentos Técnicos que fixam a identidade e as características de qualidade que devem apresentar o leite cru refrigerado, o leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A.

166. São apresentadas a seguir as características que devem ser observadas pelo leite cru refrigerado, que é o primeiro produto produzido pelos produtores de leite (ou seja, refere-se ao início da cadeia produtiva e de beneficiamento do leite), o qual somente pode ser comercializado junto a indústrias com registro no serviço de inspeção oficial, sejam eles no âmbito federal (MAPA), estadual (secretarias estaduais de agricultura ou agências estaduais de defesa agropecuária), ou municipal (secretarias municipais de agricultura).

- Na definição da IN nº 76/2018, o leite cru refrigerado é o leite produzido em propriedades rurais, refrigerado e destinado aos estabelecimentos de leite e derivados sob serviço de inspeção oficial.

- O leite cru refrigerado deve atender às seguintes características sensoriais:

I - líquido branco opalescente homogêneo; e

II - odor característico

- O leite cru refrigerado deve atender aos seguintes parâmetros físico-químicos:

I - teor mínimo de gordura de 3,0g/100g (três gramas por cem gramas);

II - teor mínimo de proteína total de 2,9g/100g (dois inteiros e nove décimos de gramas por cem gramas);

III - teor mínimo de lactose anidra de 4,3g/100g (quatro inteiros e três décimos de gramas por cem gramas);

IV - teor mínimo de sólidos não gordurosos de 8,4g/100g (oito inteiros e quatro décimos de gramas por cem gramas);

V - teor mínimo de sólidos totais de 11,4g/100g (onze inteiros e quatro décimos de gramas por cem gramas);

VI - acidez titulável entre 0,14 (quatorze centésimos) e 0,18 (dezoito centésimos) expressa em gramas de ácido lático/100 mL;

VII - estabilidade ao alizarol na concentração mínima de 72% v/v (setenta e dois por cento);

VIII - densidade relativa a 15ºC/ 15ºC (quinze graus Celsius) entre 1,028 (um inteiro e vinte e oito milésimos) e 1,034 (um inteiro e trinta e quatro milésimos); e

IX - índice crioscópico entre -0,530ºH (quinhentos e trinta milésimos de grau Hortvet negativos) e -0,555°H (quinhentos e cinquenta e cinco milésimos de grau Hortvet negativos), equivalentes a -0,512ºC (quinhentos e doze milésimos de grau Celsius negativos) e a -0,536ºC (quinhentos e trinta e seis milésimos de grau Celsius negativos), respectivamente.

167. Os parâmetros físico-químicos listados acima são exatamente os mesmos previstos no art. 248 do Decreto nº 9.013, de 2017, que indica quais são as especificações que o leite precisa atender.

168. Além disso, o leite cru refrigerado não deve apresentar substâncias estranhas à sua composição, tais como agentes inibidores do crescimento microbiano, neutralizantes da acidez e reconstituintes da densidade ou do índice crioscópico. Tampouco pode apresentar resíduos de produtos de uso veterinário e contaminantes acima dos limites máximos previstos em normas complementares.

169. É proibido o uso de aditivos ou coadjuvantes de tecnologia no leite cru refrigerado, e antes do seu processamento no estabelecimento beneficiador, o leite cru refrigerado deve apresentar limite máximo para Contagem Padrão em Placas de até 900.000 UFC/mL (novecentas mil unidades formadoras de colônia por mililitro).

170. Optou-se por não apresentar as características técnicas dos demais tipos de leite previstos na IN nº 76/2018 (a saber, leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A) por se tratar de produto que necessariamente foi processado/beneficiado pelas indústrias com registro no serviço de inspeção oficial, que podem incluir granjas leiteiras que realizem o tratamento e envase do leite para consumo direto pela população (leite tipo A).

2.3. Da similaridade

2.3.1. Da análise de similaridade para fins de início da investigação

171. Conforme o art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, o termo "produto similar" será entendido como o produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto objeto da investigação ou, na sua ausência, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto objeto da revisão. O § 1o deste artigo estabelece lista dos critérios objetivos com base nos quais a similaridade deve ser avaliada. O § 2o do mesmo artigo estabelece que tais critérios não constituem lista exaustiva e que nenhum deles, isoladamente ou em conjunto, será necessariamente capaz de fornecer indicação decisiva.

172. Para fins de início da investigação, considerou-se que o produto objeto da investigação e o produto similar produzido pela indústria doméstica, não obstante não serem idênticos, apresentariam características suficientemente semelhantes, de forma a caracterizá-los como produtos similares, nos termos do Regulamento Brasileiro.

173. Os produtos possuiriam semelhança quanto à composição química, sendo necessário destacar que o produto objeto da investigação pode ser reconstituído para estado fluido, levando a atender ao mesmo fim e ao mesmo mercado que o produto similar nacional, apresentando alto grau de substitutibilidade.

174. Esclarece-se que o leite fluido e o leite em pó cumprem praticamente todos os critérios de previstos no Decreto nº 8.058, de 2013, a saber: I - matérias-primas; II - composição química; III - características físicas; IV - normas e especificações técnicas; V processo de produção; VI - usos e aplicações; VII - grau de substitutibilidade; e VIII - canais de distribuição.

175. A principal diferença entre o produto importado (leite em pó) e o produto similar doméstico, para fins de análise de dano, seria a forma de apresentação. No que tange ao processo de produção, além do beneficiamento, ao qual o leite cru refrigerado produzido no Brasil também é submetido, o leite em pó é sujeito a evaporação e secagem.

176. O marco legal que fixa as características do leite em pó no Brasil é a Instrução Normativa nº 53, de 1º de outubro de 2018, que incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro o Regulamento Técnico Mercosul de Identidade e Qualidade do Leite em Pó, aprovado pela Resolução Mercosul/GMC/RES. nº 07/18. Segundo o item 2.1, que trata da definição do produto, "entende-se por leite em pó o produto que se obtém por desidratação do leite de vaca, integral, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana, mediante processos tecnologicamente adequados".

177. Ressalte-se que, quando reconstituído, ou seja, dissolvido em água, o leite em pó tem as mesmas características físico-químicas que o leite fluido. Nesse sentido, o art. 248 do Decreto nº 9.013, de 2017, indica quais são as especificações que o leite precisa atender, independentemente de se tratar de leite fluido ou em pó.

178. Por sua vez, o art. 354 do Decreto nº 9.013, de 2017, coloca na mesma categoria de leites fluidos o leite cru refrigerado e o leite reconstituído, sendo este último definido como "o produto resultante da dissolução em água do leite em pó ou concentrado, com adição ou não de gordura láctea até atingir o teor de matéria gorda fixado para o respectivo tipo, seguido de homogeneização, quando for o caso, e de tratamento térmico previsto neste Decreto."

179. Dessa forma, diante das informações apresentadas e da análise precedente, concluiu-se, para fins de início da investigação, que o leite in natura produzido pela indústria doméstica é similar ao produto objeto da investigação.

2.3.2. Das manifestações acerca da similaridade

2.3.2.1. Das manifestações apresentadas pelo governo da Argentina quando das consultas prévias ao início da investigação

180. O governo da Argentina reduziu a termo os comentários apresentados durante a consulta realizada em 7 de novembro de 2024, em manifestação submetida em 15 de novembro de 2024.

181. Acerca da definição do produto similar, o governo da Argentina afirmou considerar que, como o produto objeto do pleito seria leite em pó e dado que o leite em pó seria produzido pela indústria láctea brasileira, seria incorreto considerar como produto similar o leite em seu estado natural, obtido a partir da ordenha de vacas.

182. Essa definição não cumpriria com as condições estabelecidas no Artigo 2.6 do Acordo Antidumping (doravante ADA), que estabeleceria que o termo "produto similar" ("like product") significa um produto que seja idêntico, i.e., igual sob todos os aspectos ao produto que se está examinando ou, na ausência de tal produto, outro produto que embora não exatamente igual sob todos os aspectos apresenta características muito próximas às do produto que se está considerando.

183. Segundo o governo da Argentina, na petição haveria a indicação de que a diferença entre o produto produzido pela indústria doméstica (de leite em estado natural, obtido a partir da ordenha de vacas) e o produto importado (leite em pó) se daria unicamente em termos da forma de apresentação. Contudo, de acordo com a manifestação, os parâmetros utilizados na prática internacional para estabelecer que dois produtos são similares mostrariam que, neste caso, existiriam grandes diferenças entre o produto que seria objeto de investigação e o produto similar. A título de exemplo, foram apresentadas as seguintes considerações:

- Características físicas, químicas e bromatológicas: por ser um produto rapidamente perecível, o leite seria modificado em suas condições básicas (físicas, químicas e bromatológicas) a fim de torná-lo apto para consumo, sem alterar suas propriedades nutricionais. A produção de leite em pó, por sua vez, implicaria processo de industrialização no qual se agregariam estabilizantes, antioxidantes ou vitaminas que o leite não conteria em seu estado natural, além de ser necessário adicionar produtos químicos destinados à sua conservação. Assim, o produto exportado pela Argentina e o produzido pelos produtores brasileiros de leite representados pela CNA não seriam similares sob o ponto de vista das características físicas, químicas e bromatológicas. A este respeito, o governo da Argentina destacou ainda que a peticionária reconheceria expressamente o caráter perecível do leite fluido ao justificar a inexistência de estoques;

- Usos e substitutibilidade: com relação aos usos, cabe destacar que tampouco seriam os mesmos, uma vez que a comercialização do produto similar leite se realizaria a granel através de caminhões refrigerados e especialmente acondicionados para ser transformado em leite apto para consumo, em forma líquida ou para sua transformação industrial em leite em pó. Por outro lado, o produto importado poderia ser utilizado para consumo direto, ou em processos posteriores de industrialização, como também para a elaboração de derivados do leite a ser realizada pela indústria láctea, usuários de produtos lácteos ou de envasadores que utilizariam leite industrializado como insumo. A utilização do produto leite em pó, por sua vez, permitiria acumular a matéria-prima a fim de evitar problemas sazonais derivados do ciclo de produção e permitiria estender a vida útil do produto. A lista, constante na petição, de empresas importadoras de leite em pó e de produtos finais que estas comercializam mostraria que, na maioria dos casos, o leite em pó seria utilizado por essas empresas como insumo para a elaboração de outros produtos alimentícios e não poderia ser substituído por leite fluido.

- Canais de distribuição: no caso dos embarques argentinos a granel (leite em pó, unicamente), os canais de distribuição do produto importado e do similar (leite produzido pelos ordenhadores brasileiros) não seriam estritamente os mesmos já que o produto similar seria destinado unicamente às usinas lácteas para seu processamento, enquanto o produto importado da Argentina se destinaria à indústria láctea, a usuários de produtos lácteos para seu processamento, ou a revendedores (fracionadores);

- Percepção do consumidor: para a indústria, a percepção do produto nacional em relação ao produto importado "leite em pó" seria distinta, uma vez que seriam produtos distintos. Nesse sentido, dado que o leite em pó corresponderia a uma etapa mais avançada na cadeia de produção, poderia ser utilizado diretamente tanto na elaboração de outros produtos (lácteos ou não) como para complementar a produção de leite fluido em períodos de escassez;

- Processo de produção, maquinário e pessoal da área de produção: dado que a transformação de leite fluido para leite em pó requer um processo de industrialização, não haveria coincidências no que tange à tecnologia, processos, investimentos realizados e qualificação da mão de obra. Em resumo, a atividade leiteira diferiria da atividade destinada à elaboração de leite em pó com relação à especificidade das instalações e tecnologias utilizadas para sua elaboração, assim como também no cumprimento de normas de qualidade exigidas em cada caso; e

- Preço: o preço relevante em transações comerciais entre os produtores e a indústria compradora de leite seria correspondente ao quilograma de gordura ou o seu equivalente por litro de leite, uma vez que a indústria pagaria mais pelo leite com maior rendimento industrial. Posteriormente, a partir da homogeneização e pasteurização do leite, o preço do leite se expressaria somente por litro, uma vez que os componentes seriam padronizados. Dessa forma, os preços do leite fluido e do leite em pó se expressariam em unidades distintas, tendo em conta as características distintas de ambos os produtos.

184. A respeito da análise de similaridade, o governo da Argentina concluiu que o produto similar (o leite em seu estado natural produzido pelos produtores brasileiros) seria distinto do produto importado (leite em pó) e esta diferença se refletiria claramente na formação de preços. Consequentemente, considerou relevante que a autoridade investigadora brasileira revisasse a petição conforme comentários apresentados pelos representantes do governo argentino.

185. No que tange aos dados da indústria doméstica e sua representatividade, o governo da Argentina destacou que a peticionária, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), teria se apresentado como representante da totalidade dos produtores nacionais de leite (1.176.295 estabelecimentos produtores de leite em 2017). A CNA representaria os produtores de leite que estariam sujeitos à inspeção sanitária dos organismos oficiais. Nesse sentido, o Governo argentino ressaltou que a petição indicaria que a CNA seria representante do sector lácteo do Brasil. A esse respeito, pontuou que se deveria analisar se não existiriam outras associações no Brasil que agrupassem produtores do setor lácteo, como por exemplo, produtores de leite em pó.

186. Alegou também que a definição de produto similar seria o que permitiria definir a indústria doméstica e o grupo de produtores cuja condição econômica é analisada durante a investigação. Na petição se considerou que o produto similar seria o leite em seu estado natural, obtido a partir da ordenha de vacas. Contudo, segundo o governo da Argentina, teria restado claramente fundamentado que o leite fluido não seria o produto similar ao produto importado, qual seja o leite em pó.

187. Por entender que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, cujos associados produzem leite "fluido", não representa os produtores que efetivamente elaboram o produto nacional similar, o governo da Argentina alegou que a CNA careceria de legitimação ativa para peticionar medida antidumping sobre as importações de leite em pó.

188. No que tange à análise dos indicadores de dano, considerando que, segundo o governo da Argentina, o leite fluido não seria produto similar ao leite em pó, não seria possível a análise da condição da indústria doméstica do produto similar nos termos do Artigo 2.6 do ADA.

189. Importante ressaltar que o governo da Argentina apresentou observações a respeito da informação disponível na petição com relação à indústria doméstica de leite fluido.

190. Inicialmente o Governo argentino alegou que a petição de início de investigação não conteria informação estatística de vários dos fatores enumerados no Artigo 3.4 do ADA. Segundo o governo da Argentina, ainda que a peticionária mencione que a informação foi obtida de fontes secundárias, por tratar-se de indústria fragmentada, o ADA não conteria nenhuma disposição que eximisse a autoridade investigadora de analisar a totalidade dos fatores enumerados no citado Artigo para esse caso em particular.

191. A respeito, a Argentina recordou que o texto do mencionado artigo estabeleceria claramente que, em todos os casos, devem ser examinados os fatores enumerados, podendo haver, segundo as circunstâncias de cada caso, outros fatores econômicos pertinentes, cujo exame seja também necessário. Contudo, ressaltou que o exame dos fatores mencionados no parágrafo 4 do Artigo 3 do ADA seria necessário em todos os casos, ainda quando esse exame possa levar a autoridade investigadora à conclusão de que um determinado fator carece de valor probatório dadas as circunstâncias de determinada indústria doméstica ou de um determinado caso, e de que, portanto, não seria pertinente para a determinação efetiva.

192. O governo da Argentina destacou que, sem prejuízo do exposto, a participação de mercado das importações objeto da petição não mostrariam comportamento agressivo. Adicionalmente, a partir das informações constantes da petição não se poderia concluir que os produtores de leite brasileiros poderiam abastecer a totalidade da demanda já que as importações de leite se relacionariam com problemas estruturais.

193. Dessa forma, o governo da Argentina aduziu não haver elementos suficientes na petição que permitiriam demostrar a existência de relação causal tal como estabelece o Artigo 3.5 do ADA.

194. A respeito da análise de causalidade, o governo da Argentina frisou que a petição não teria avaliado causas de dano distintas das importações originárias da Argentina. Dessa forma, não se teria levado em consideração que se trata de setor composto por pequenos produtores, que não seriam competitivos e, por consequência, que qualquer alteração nos preços, clima ou contexto geral os impactaria diretamente. Ademais, o governo da Argentina ressaltou que a evolução de preços das exportações argentinas acompanharia a tendência dos preços internacionais do setor lácteo segundo os dados da FAO (Food and Agricultural Organization).

195. Com respeito às importações originárias do Uruguai, ainda que se mencionasse que seus preços são superiores aos das importações originárias da Argentina, a petição não teria analisado que esta situação poderia dever-se, entre outras razões, a uma composição distinta de tipos de leite em pó nas importações uruguaias e argentinas.

196. A este respeito, destacou ainda que no sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) se haveria determinado a necessidade de separação e distinção dos efeitos de outras causas de dano, e que as autoridades investigadoras não poderiam chegar à conclusão de que as importações objeto de dumping causariam efetivamente o dano, o que, com base no ADA, justificaria o início de uma investigação antidumping.

197. Dessa forma, dado que a informação apresentada na petição seria de indústria doméstica que não seria correspondente - uma vez que, segundo o governo da Argentina, a CNA não produziria o produto similar ao importado - não se poderia cumprir com o estabelecido no Artigo 3.5 do ADA, que dispõe que as autoridades examinarão também quaisquer outros fatores de que tenham conhecimento, além das importações objeto de dumping, que ao mesmo tempo causem dano à indústria doméstica. Ademais, segundo o governo da Argentina, os danos causados por esses outros fatores não podem ser atribuídos às importações objeto de dumping. Entre os fatores que poderiam ser analisados a este respeito figurariam o volume e preços das importações não vendidas a preços de dumping, a contração da demanda ou variações da estrutura de consumo, as práticas comerciais restritivas dos produtores estrangeiros e nacionais e a concorrência entre uns e outros, a evolução da tecnologia e os resultados da atividade exportadora e a produtividade da indústria doméstica.

198. Com relação ao valor normal e à documentação utilizada como referência do preço de mercado interno, o governo da Argentina ressaltou que (i) não identificou a dedução de eventuais impostos incluídos nos valores do mercado interno, (ii) o ajuste ao nível de comércio deveria ser realizado anteriormente à conversão do câmbio e (iii) o câmbio adotado deveria ser baseado nas cotações disponibilizadas pelo Banco Central da República Argentina.

199. Como comentário adicional às objeções e alegadas deficiências da petição expostas nos comentários anteriores, o governo da Argentina expressou preocupação pela incorporação por parte da peticionária de elementos que seriam alheios e irrelevantes para eventual determinação da prática desleal, como medidas de proteção e mitigação ambiental.

200. Tendo em vista as considerações apresentadas, o governo da Argentina solicitou ao governo do Brasil que rejeitasse a petição de início de investigação apresentada pela CNA por entender não existir elementos que justificassem a continuação de investigação relativa ao caso.

2.3.2.2. Das manifestações apresentadas pelo governo do Uruguai quando das consultas prévias ao início da investigação

201. O governo do Uruguai reduziu a termo os comentários apresentados durante a consulta mencionada no item 1.2.3 deste documento, em manifestação submetida em 15 de novembro de 2024.

202. Inicialmente, o governo do Uruguai afirmou entender que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) não seria organização representativa do setor de produção nacional de leite em pó, dado que os produtores vinculados à CNA não seriam produtores de leite em pó, mas sim de leite cru ("leite fluido" na petição).

203. Dessa forma, a autoridade investigadora brasileira não poderia iniciar investigação antidumping sobre o produto leite em pó na medida em que não conta com o apoio do setor de produção nacional do produto similar, conforme estabelecido no ADA. Para fundamentar seu entendimento, o governo do Uruguai apontou os elos da cadeia produtiva necessários para produzir leite em pó e as definições relevantes acordadas a nível multilateral.

204. A este respeito, o governo do Uruguai destacou que o Codex Alimentarius incluiria diferentes definições para leite e produtos lácteos, nomeadamente:

- Leite: é a secreção mamária normal de animais leiteiros obtida através de uma ou mais ordenhas sem qualquer tipo de adição ou extração, destinada ao consumo na forma de leite líquido ou a posterior processamento (Norma Geral para Uso de Termos de Laticínios - CXS 2061999 Definições 2.1). Leite cru é o leite (conforme definido no CXS 206-1999) que não foi aquecido acima de 40ºC ou submetido a qualquer tratamento com efeito equivalente (CAC/Código de Práticas de Higiene para Leite e Produtos Lácteos RCP 57-2004). Ou seja, é o leite tal como sai do estabelecimento de produção, sem qualquer tipo de processamento posterior.

- Produto lácteo: é o produto obtido através de qualquer processamento do leite, podendo conter aditivos alimentares e outros ingredientes funcionalmente necessários à produção. Esta definição incluiria, segundo o governo uruguaio, o leite em pó. O insumo para a fabricação de leite em pó é o leite cru, que passaria por um processo de transformação (evaporação) do qual surgiria ou poderia surgir os seguintes produtos lácteos: manteiga, leite em pó integral e leite em pó desnatado.

205. O processo de produção do leite em pó, normalmente, envolveria as seguintes etapas, de acordo com o governo uruguaio:

- Recepção do leite: O leite cru é recolhido dos agricultores e transportado para uma unidade de processamento.

- Pasteurização: O leite cru é pasteurizado para eliminar patógenos e prolongar sua vida útil.

- Concentração: O leite pasteurizado resultante é concentrado para reduzir o seu teor de água.

- Secagem: Finalmente, um processo de secagem (como secagem por spray) é usado para remover a maior parte da água, resultando em leite em pó.

206. Em suma, o governo do Uruguai afirmou entender ser evidente que, de um produto primário, o leite cru, emergem ou poderão surgir vários produtos industrializados, entre os quais estão o leite fluido e o leite em pó. Para chegar a este último, deve ocorrer um primeiro processo de industrialização a partir do qual se produz o leite pasteurizado e, após um novo processo de industrialização, é produzido um novo produto industrializado: o leite em pó.

207. Os três produtos mencionados (leite cru, leite fluido e leite em pó) seriam produtos diferentes, segundo o governo do Uruguai:

- Tipo de Produto: O leite cru é um produto primário, enquanto o leite fluido e o leite em pó são produtos industriais, pois requerem processamento industrial para serem obtidos, conforme evidenciado no processo de produção descrito acima.

- Tratamento Tarifário: Segundo o governo do Uruguai, a distinção que existiria entre estes produtos se refletiria no tratamento tarifário diferenciado que o Mercosul lhes determinou na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e na sua correspondente Tarifa Externa Comum (TEC). O leite fluido é classificado na posição tarifária 0401 da NCM/SH e foi estabelecido um patamar tarifário de 12,6% ou 10,8%, taxas que foram reduzidas em julho de 2022. Ao contrário do caso anterior, o leite em pó é classificado na posição tarifária 0402 da NCM/SH, e um nível tarifário de 28% foi estabelecido desde 2007. Este produto foi excluído da redução da TEC negociada em julho de 2022. Isto mostraria que nunca se considerou que se tratava de produtos similares e/ou competitivos, ao decidir-se reduzir a alíquota de um dos produtos em 10% e não modificar a do outro. Seria frequente que produtos diferentes tivessem tratamentos tarifários diferentes. Por sua vez, o leite cru não seria produto comercializável.

- Regime de origem: O governo do Uruguai ressaltou que o regime de origem do Mercosul é estabelecido pela Decisão CMC nº 05/23. Em relação aos produtos apresentados como similares neste pedido de investigação, aplicam-se regras de origem diferente. Para o leite fluido classificado nos códigos 0401 seria estabelecida uma regra de "salto de partida más valor", enquanto para o leite em pó, conforme listado no Anexo II (Requisitos Específicos de Origem), considerar-se-ia leite em pó produzido em país do Mercosul quando produzido com leite cru produzido em algum dos Estados Partes. Ou seja, estaria definida uma regra ainda mais exigente. Neste caso, o processo de fabricação seria um requisito essencial para determinar se o produto é produzido e, portanto, originário de um país. Se o processo de transformação do leite cru em leite em pó fosse tão insubstancial como a petição pretende demonstrar, não teriam sido estabelecidas regras de origem diferentes para ambos os produtos nem teria sido estabelecido que o processo de produção é essencial no caso do leite em pó. A regra de origem seria extremamente restritiva e exigiria que o insumo, o leite, também fosse originário, o que equivaleria claramente a dizer que se trataria de dois produtos diferentes.

- Características Físicas e de Mercado: Leite cru, leite fluido e leite em pó possuiriam características físicas diferentes (por exemplo, teor de água e apresentação) e seriam utilizados de forma diferente no mercado. O leite em pó, por ser um produto desidratado, possuiria vida útil mais longa e processamento diferenciado na cadeia produtiva. Segundo o governo do Uruguai, o leite em pó costumaria ser utilizado como insumo na indústria alimentícia e, portanto, não concorreria com as vendas de leite fluido.

- Impacto no Comércio Internacional: A diferenciação entre estes produtos seria relevante para as políticas de comércio internacional. Devido às diferentes características físicas, às diferentes tarifas, aos diferentes requisitos de origem, os preços não seriam comparáveis, uma vez que seriam produtos diferentes. As investigações antidumping devem basear-se na comparação de produtos similares. Contudo, parece mais do que evidente que o leite em pó não compete diretamente com o leite cru, ainda que este último seja o insumo mais relevante na produção de leite em pó.

- Padrões de Qualidade e Segurança Alimentar: As regulamentações sobre qualidade e segurança alimentar no Brasil e no Uruguai diferem para leite fluido e leite em pó, o que mais uma vez mostra que não são produtos similares.

208. O governo do Uruguai frisou que esta questão já teria sido considerada no âmbito do sistema de resolução de controvérsias da OMC. No Painel da controvérsia "US - Lamb" (WT/DS177/12 e WT/DS178/13, 2 de outubro de 2001), uma das alegações levantadas pela Nova Zelândia e pela Austrália teria sido a de que a definição do ramo de produção nacional incluiria produtores de insumos (cordeiros vivos). Este caso tratou de uma investigação de salvaguardas, onde a produção nacional incluía não apenas produtos similares, mas também produtos diretamente competitivos, ou seja, uma definição mais ampla do que no caso de dumping. A este respeito, o Órgão de Apelação teria confirmado a conclusão do Painel, nos parágrafos 7.118, 8.1(b) e 8.1(g) do seu relatório, de que os Estados Unidos agiram de forma inconsistente com o Artigo 2.1 e o Artigo 4.1(c) do Acordo sobre Salvaguardas, porque a USITC teria formulado definição de indústria doméstica que incluía criadores e estabelecimentos de engorda de cordeiros vivos (ou seja, foram incluídos o insumo e o produto processado). Segundo o governo do Uruguai, seria claro que, se neste caso não foi permitido incluir os produtores de insumos na definição de indústria doméstica, muito menos seria permitido incluí-los ou substituir os verdadeiros produtores do produto considerado no caso de uma investigação de dumping.

209. Seria claro, ainda, que o primeiro elo da cadeia produtiva seria o do leite cru, cujos interesses dos produtores a CNA legitimamente representaria e defenderia em virtude da sua composição. Contudo, a autoridade investigadora deveria considerar o que estabelece o Acordo Antidumping para avaliar se os requisitos para eventual início de uma investigação seriam atendidos:

- O peticionário deverá ser a indústria nacional ou alguém em seu nome (Artigo 5.1);

- Para ser considerado feito por ou em nome da indústria nacional, a petição deveria ser apoiada por produtores nacionais que representassem mais de 50% da produção total do produto similar produzido pela parte da indústria nacional que reivindica o seu apoio ou oposição ao pedido. Os produtores nacionais que apoiarem expressamente o pedido deveriam representar pelo menos 25% da produção total do produto similar produzido pela indústria nacional. A indústria nacional deveria ser formada pelos produtores do produto similar (Artigo 5.4);

- O produto produzido pelos integrantes da indústria nacional (produto similar) deveria ser idêntico ao produto sob investigação, ou seja, idêntico em todos os atributos com os quais o produto sob investigação foi caracterizado. A única exceção é quando não existe tal produto similar (Artigo 2.6).

210. De acordo com o disposto no artigo 1º da Decisão CMC nº 13/02, o Acordo Antidumping da OMC é adotado no âmbito do Mercosul para a aplicação de medidas antidumping no comércio intrazona. O referido Acordo foi incorporado à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, e pela Lei nº 9.019, de 30 de março de 1995, sendo sua mais recente regulamentação o Decreto nº 8.058, de 26 julho de 2013.

211. Tanto o Acordo Antidumping quanto o Decreto nº 8.058 estabeleceriam claramente que não poderia ser iniciada uma investigação que não contasse com o apoio necessário da indústria nacional do produto similar. Em outras palavras, a autoridade investigadora não poderia autorizar a abertura de uma investigação de dumping sobre leite em pó que não conte com o apoio de mais de 50% da produção total do produto similar - ou seja, leite em pó - produzido pela parte que expressa o seu apoio ou oposição ao pedido, e que não cumpre a condição de os produtores que o apoiam representarem pelo menos 25% da produção. Nesse sentido, o governo do Uruguai destacou as definições de "produto similar" e "indústria nacional" constantes do Decreto nº 8.058.

212. O governo do Uruguai destacou que a CNA reuniria produtores primários, ou seja, produtores de leite cru ("leite fluido" na petição). No entanto, a indústria nacional para uma investigação de dumping de leite em pó seriam os processadores de leite em pó. No Brasil existiriam fabricantes de leite em pó de cada um dos tipos indicados na definição do produto sob investigação. Existiria, portanto, o produto idêntico, não sendo, portanto, necessário recorrer àqueles com características aparentemente semelhantes para efeitos de definição do produto nacional similar.

213. Na opinião do governo da República Oriental do Uruguai, as disposições referidas não deixam margem para interpretações alternativas. A violação às disposições geraria paradoxos ou situações potencialmente insolúveis: por exemplo, a de um produto (leite em pó) para o qual dois ramos diferentes da produção poderiam solicitar uma investigação (produtores primários e indústria de laticínios), ou a de um produto para o qual seria muito complexo determinar a representatividade dos requerentes, dadas as diferenças fundamentais que existem entre os produtores primários (de leite cru) e as empresas do setor dos laticínios (produtoras de leite em pó).

214. Em suma, não haveria espaço interpretativo para sustentar que os produtores primários de leite cru pudessem ter o direito de solicitar investigação de dumping para o produto industrializado leite em pó. Qualquer ação em contrário violaria claramente o ADA da OMC e os regulamentos do Mercosul.

2.3.2.3. Das manifestações apresentadas após o início da investigação

215. Em 10 de fevereiro de 2025, o Grupo Adeco apresentou manifestação na qual argumenta haver elementos de prova suficientes diferenciando o leite em pó do leite in natura para fins de definição do produto objeto da investigação e tais elementos demonstrariam que os critérios previstos no Artigo 2.6 do Acordo Antidumping e no art. 9º, § 1º, do Decreto 8.058, de 2013, não teriam sido cumpridos.

216. Nesse sentido, o Acordo Antidumping, em seu Artigo 2.6, teria estabelecido que a expressão "produto similar" ("like product") seria entendida como produto idêntico, ou seja, igual sob todos os aspectos ao produto que estivesse sendo examinado ou, na ausência de tal produto, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresentasse características muito próximas às do produto que estivesse sendo considerado.

217. O Órgão de Apelação da OMC teria interpretado o termo "produto similar" na disputa Japan - Alcoholic Beverages II, ao analisar a possível similaridade entre dois tipos de bebidas alcoólicas: vodka e shochu.

218. Conforme apresentado pela manifestante, o Órgão de Apelação teria determinado que este tipo de análise deveria ser realizada caso a caso, utilizando como critério os seguintes elementos:

(i) os usos finais do produto num determinado mercado;

(ii) gostos e hábitos dos consumidores; e

(iii) as propriedades, natureza e qualidade do produto.

219. Da mesma forma, nos termos do art. 9º do Decreto Antidumping, seria considerado similar o produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto objeto da investigação, ou, em sua ausência, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresentasse características muito próximas às do produto que estivesse sendo analisado.

220. A manifestante prosseguiu sua argumentação indicando haveria elementos de prova suficientes da diferença entre leite em pó e leite in natura para fins de definição do produto objeto da investigação, demonstrando que os critérios do art. 9º, § 1º, do Decreto Antidumping não seriam atendidos.

221. A despeito do entendimento da autoridade investigadora de que o leite em pó (objeto da investigação) e o leite in natura seriam produtos similares, possuiriam composição química semelhante, apresentariam características suficientemente semelhantes e cumpririam praticamente todos os critérios de similaridade previstos no Decreto nº 8.058, de 2013, a manifestante registrou compreender que os elementos analisados seriam insuficientes para a conclusão de similaridade porque:

I. haveria diferenças quanto à composição dos produtos;

I.1. o leite in natura consistiria em insumo para a produção do leite em pó;

I.2. o leite em pó seria um produto com maior grau de industrialização, concedendo maior durabilidade ao produto;

I.3. O leite in natura seria produto primário, destinado à industrialização básica, altamente perecível e inadequado ao consumo imediato.

II. as características técnicas do leite em pó incluiriam outras características físico-químicas para além do percentual de gordura e proteínas, tal como umidade, acidez e índice de insolubilidade (as quais permitiriam a diferenciação física entre os produtos);

III. os usos e aplicações do leite em pó (uso industrial como ingrediente/insumo para padarias, sorveterias, chocolaterias e ingrediente de receitas em alimentos em geral; bem como para fracionamento e venda ao consumidor final, podendo ser reconstituído a partir da adição de água potável) seriam mais abrangentes que aqueles adotados para o leite in natura (exclusivamente uso industrial);

IV. o processo produtivo do leite em pó é consideravelmente mais complexo do que aquele empregado ao leite cru refrigerado;

V. as normas e especificações aplicáveis a leite em pó e leite in natura se diferenciam nas origens investigadas e no Brasil (a Instrução Normativa MAPA nº 76/2018 regulamentaria o leite cru refrigerado, enquanto o leite em pó seria regulamentado pelos Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade - RTIQ para produtos lácteos, da Portaria MAPA nº 146/1996) por critérios de escopo, objeto, características físico-químicas e acondicionamento conforme tabela:

Normas e especificações técnicas (MAPA)

Critério

Leite em Pó

(Portaria MAPA nº 146/1996)

Leite in natura

(IN MAPA nº 76/2018)

Escopo

1.1. Objetivo. Fixar a identidade e as características mínimas de qualidade que deverão ser cumpridas para o leite em pó e o leite em pó instantâneo destinados ao consumo humano, com exceção do leite destinado às formulações para lactantes e farmacêuticas

Art. 1º Ficam aprovados os Regulamentos Técnicos que fixam a identidade e as características de qualidade que devem apresentar o leite cru refrigerado, o leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A, na forma desta Instrução Normativa e do Anexo Único.

Objeto

2.1. Definição. Entende-se por leite em pó o produto que se obtém por desidratação do leite de vaca, integral, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana, mediante processos tecnologicamente adequados.

Art. 2º Para os fins deste Regulamento, leite cru refrigerado é o leite produzido em propriedades rurais, refrigerado e destinado aos estabelecimentos de leite e derivados sob serviço de inspeção oficial.

Características físico-químicas

4.2.2. Características físico- químicas. O leite em pó deverá conter somente as proteínas, açúcares, gorduras e outras substâncias minerais do leite e nas mesmas proporções relativas, salvo pelas modificações originadas por um processo tecnologicamente adequado

Art. 5º O leite cru refrigerado deve atender aos seguintes parâmetros físico-químicos:

I - teor mínimo de gordura de 3,0g/100g (três gramas por cem gramas);

II - teor mínimo de proteína total de 2,9g/100g (dois inteiros e nove décimos de gramas por cem gramas);

III - teor mínimo de lactose anidra de 4,3g/100g (quatro inteiros e três décimos de gramas por cem gramas);

IV - teor mínimo de sólidos não gordurosos de 8,4g/100g (oito inteiros e quatro décimos de gramas por cem gramas);

   

V - teor mínimo de sólidos totais de 11,4g/100g (onze inteiros e quatro décimos de gramas por cem gramas);

VI - acidez titulável entre 0,14 (quatorze centésimos) e 0,18 (dezoito centésimos) expressa em gramas de ácido lático/100 mL;

VII - estabilidade ao alizarol na concentração mínima de 72% v/v (setenta e dois por cento);

VIII - densidade relativa a 15ºC/ 15ºC(quinze graus Celsius) entre 1,028 (um inteiro e vinte e oito milésimos) e 1,034 (um inteiro e trinta e quatro milésimos); e

   

IX - índice crioscópico entre -0,530ºH (quinhentos e trinta milésimos de grau Hortvet negativos) e - 0,555°H (quinhentos e cinquenta e cinco milésimos de grau Hortvet negativos), equivalentes a -0,512ºC (quinhentos e doze milésimos de grau Celsius negativos) e a -0,536ºC (quinhentos e trinta e seis milésimos de grau Celsius negativos), respectivamente.

Acondicionamento

4.2.3. Acondicionamento. O leite em pó deverá ser acondicionado em embalagem de um único uso, herméticos, adequados para as condições previstas de armazenamento e que confiram uma proteção apropriada contra a contaminação.

Art. 10. O leite cru refrigerado quando proveniente de posto de refrigeração deve ser identificado por meio de rotulagem e transportado em carros-tanques isotérmicos com todos os compartimentos lacrados e acompanhados de boletim de análises do laboratório do estabelecimento expedidor.

Fonte: Manifestação do Grupo Adeco de 10 de fevereiro de 2025


Figura 4. Parâmetros físico-químicos do leite em pó (Brasil)

[imagem suprimida]

Fonte: Manifestação do Grupo Adeco de 10 de fevereiro de 2025


Figura 6. Parâmetros físico-químicos do leite in natura (Argentina)

[imagem suprimida]

Fonte: Manifestação do Grupo Adeco de 10 de fevereiro de 2025


VI. Os processos de distribuição dos produtos seriam significativamente diferentes;

VII. Diferença quanto aos preços praticados na comercialização de leite em pó e leite in natura, decorrente do processo de industrialização ao qual o leite in natura é submetido para a produção do leite em pó, bem como dos custos de embalagem.

222. O entendimento apresentado pela manifestante seguiria o mesmo sentido daquele exarado pelos Governos da Argentina e do Uruguai nas consultas prévias à abertura da investigação anteriormente sintetizadas, e do entendimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) que diferenciaria o mercado de captação de leite in natura e o mercado de leite em pó, ambos relevantes e distintos, podendo o último ser segmentado de acordo com o consumidor final ao qual se destinaria:

78. Em seus precedentes, o Cade reconhece o mercado de captação de leite in natura como um mercado relevante por si só, sem subdivisões. Conforme explicado pelas Requerentes, a produção de refrigerados lácteos começa com a extração de leite in natura pelos produtores rurais. Posteriormente, empresas especializadas em produtos lácteos captam esse leite, marcando o início da participação das Requerentes na cadeia produtiva.

(...)

93. Em outros precedentes, o Cade reconheceu o leite em pó como um mercado relevante distinto, devido ao seu longo prazo de validade e diferenças em preço e uso. As Requerentes propuseram 3 (três) possíveis definições para o mercado de leite em pó: (i) leite em pó para uso industrial; (ii) leite em pó para venda ao consumidor final no varejo e (iii) uma definição agregada, que combina ambos os usos.

(Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025, com referência ao Ato de Concentração nº 08700.001142/2023-11 - SEI 1299396)

223. Dessa forma, defendeu a manifestante a reforma do entendimento quanto à similaridade em sede de determinação preliminar, por entender que não foram analisadas com a devida profundidade as diferenças entre os produtos e que não estariam atendidos os critérios de similaridade exigidos no Regulamento Brasileiro e no Acordo Antidumping.

224. Além disso, a manifestante sustentou que os produtos possuiriam tratamentos tarifários diferentes, o que explicitaria não serem produtos similares e reconheceria a diferença entre eles e a necessidade de tratamento diferenciado.

225. A manifestante prosseguiu registrando que os dois produtos seriam classificados em posições tarifárias diferentes, com descrições e níveis tarifários também distintos, inclusive, classificando o leite in natura conforme o teor de matérias gordas, e excluindo produtos concentrados ou adicionados de açúcar ou outros edulcorantes, o que explicitaria a diferença da composição química entre os produtos.

226. Além disso, na regra de origem aplicável para o produto objeto da investigação, o processo produtivo seria essencial para determinação da origem (o insumo - leite in natura - deveria ser produzido no bloco, e o local do processo industrial -transformação em leite em pó - deveria ocorrer no território de um dos países do Mercosul, como teria sido assinalado pelo governo do Uruguai.

227. A manifestante prosseguiu no sentido de que o leite em pó seria produto de maior complexidade industrial em comparação ao leite in natura, estando a jusante da cadeia produtiva.

228. Tal argumento seria corroborado por conclusão do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC no caso United States — Safeguard Measure on Imports of Fresh, Chilled or Frozen Lamb from New Zealand, em que se teria determinado que a inclusão de segmentos que não produzem o produto similar na definição da indústria doméstica geraria uma análise inadequada dos indicadores de dano.

229. Especificamente, teria sido constatado que a inclusão de produtores de insumos (ovelhas vivas) como parte da indústria de carne de cordeiro resultou em uma distorção dos dados de produção e dano. Nesse sentido:

88. There is no dispute that in this case the "like product" is "lamb meat", which is the imported product with which the safeguard investigation was concerned. The USITC considered that the "domestic industry" producing the "like product", lamb meat, includes the growers and feeders of live lambs. The term "directly competitive products" is not, however, at issue in this dispute as the USITC did not find that there were any such products in this case.

89. The United States argues, nevertheless, that it is permissible, on the facts and circumstances of this case, to include in the "domestic industry" the growers and feeders of live lambs because, as the USITC has found: (1) there is a "continuous line of production" from the raw product, live lambs, to the end-product, lamb meat; and (2) there is a "substantial coincidence of economic interests" between the producers of the raw product and the producers of the end-product.

90. This interpretation may well have a basis in the USITC case law, but there is no basis for this interpretation in the Agreement on Safeguards. The text of Article 4.1(c) defines the "domestic industry" exclusively by reference to the "producers ... of the like or directly competitive product". There is no reference in that definition to the two criteria relied upon by the United States. In our view, under Article 4.1(c), input products can only be included in defining the "domestic industry" if they are "like or directly competitive" with the end-products. If an input product and an end-product are not "like" or "directly competitive", then it is irrelevant, under the Agreement on Safeguards, that there is a continuous line of production between an input product and an end-product, that the input product represents a high proportion of the value of the end-product, that there is no use for the input product other than as an input for the particular end-product, or that there is a substantial coincidence of economic interests between the producers of these products. In the absence of a "like or directly competitive" relationship, we see no justification, in Article 4.1(c) or any other provision of the Agreement on Safeguards, for giving credence to any of these criteria in defining a "domestic industry".

(...)

96. As a result, the imposition of the safeguard measure at issue was based on a determination of serious injury caused to an industry other than the relevant "domestic industry". In addition, that measure was imposed without a determination of serious injury to the "domestic industry", which, properly defined, should have been limited only to packers and breakers of lamb meat. Accordingly, we uphold the Panel's finding, in paragraph 7.118 of the Panel Report, that the safeguard measure at issue is inconsistent with Articles 2.1 and 4.1(c) of the Agreement on Safeguards.

(Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025, com referência ao Relatório do Órgão de Apelação da OMC na disputa United States - Safeguard Measures on Imports of Fresh, Chilled or Frozen Lamb Meat from New Zealand and Australia - AB-2001-1)

230. Sobre o tema, a manifestante pontuou ainda que, não obstante o caso da OMC tratar de uma medida de defesa comercial distinta, os Artigos 2.1 e 4.1(c) do Acordo sobre Salvaguardas tratariam da definição de indústria doméstica e do produto nacional similar de forma semelhante, quando não mais abrangente, que Artigos 2.6 e 4.1 do Acordo Antidumping:

Quadro comparativo - Acordo Antidumping e Acordo sobre Salvaguardas

[imagem suprimida]

Fonte: Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025.


231. Dessa maneira, a inclusão de produtores de leite in natura como representantes da indústria de leite em pó comprometeria a precisão e confiabilidade dos indicadores de dano apresentados na investigação em questão, o que faria restar claro que o leite em pó é um produto de maior complexidade industrial em comparação ao leite in natura, não podendo os dois produtos serem considerados "similares", nos termos do Acordo Antidumping e do Decreto Antidumping.

232. A manifestante sumarizou seu entendimento de inexistência de similaridade entre os produtos no seguinte quadro:

Critérios de similaridade entre o produto objeto e o produto similar doméstico

Critério

Leite em Pó

Leite in natura

Composição química

Proteínas: Mínimo de 24% para leite integral, e 32,4 a 35,6% para leite desnatado

Gorduras: Mínimo de 26% para leite integral, e máximo de 1,5% para leite desnatado

Hidratos de carbono (lactose): 39-41% para leite integral, e 51% para leite desnatado

Proteínas: Mínimo 2,9g a cada 100ml

Gorduras: Mínimo 3g a cada 100ml

Umidade

Máximo de 3,5% para leite em pó integral, e máximo de 4% para leite em pó desnatado

Aproximadamente 87%

Acidez

Máxima de 18ml NaOH 0,1N/10g SNG

0,14 a 0,18 gramas de ácido láctico a cada 100ml de leite in natura

Aparência física

Pó amorfo, branco-amarelado

Líquido branco

Usos e aplicações

Uso industrial como ingrediente/insumo ou para o fracionamento pelo consumidor final

Insumo unicamente para industrialização

Processo produtivo

Maior complexidade, com procedimentos que incluem a pasteurização, homogeneização, evaporação, secagem e envase

Apenas a ordenha

Normas e especificações técnicas

Portaria MAPA nº 146/1996, Atualizada pela Instrução Normativa nº 53/2018

Instrução Normativa MAPA nº 76/2018

Distribuição

Deslocamento a nível nacional e internacional, sem restrições

Raio de deslocamento menor, necessita de refrigeração

Preços médios

R$ 31,54 a cada 400g (Cepea, nov/2024)

R$ 2,64 por litro (Cepea, nov/2024)

Tratamento tarifário

0402: Leite e creme de leite (nata), concentrados ou adicionados de açúcar ou de outros edulcorantes.

Abrange leite em pó, grânulos ou outras formas sólidas

0401: Leite e creme de leite (nata), não concentrados nem adicionados de açúcar ou de outros edulcorantes.

Abrange leite na forma líquida

Elo da cadeia produtiva

Produto industrializado com maior complexidade industrial

Insumo, produto de baixa complexidade industrial (produtores primários)

Fonte: Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025.


233. A manifestante requereu a reconsideração da similaridade entre leite in natura (insumo) e leite em pó (produto industrializado) para saneamento de quaisquer dúvidas sobre a representatividade da CNA como indústria doméstica, cujos elementos da manifestação são tratados em tópico específico.

234. Em 17 de janeiro de 2025, o Grupo Conaprole apresentou manifestação na qual registrou entendimento pela ausência de similaridade entre o leite em pó e o leite in natura.

235. O Grupo Conaprole argumentou que, com base no Artigo 2.6 do Acordo Antidumping da OMC e no art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, produto similar seria aquele idêntico ou com características muito próximas ao produto investigado, o que, em conformidade com a interpretação do Órgão de Apelação da OMC na disputa Japan - Alcoholic Beverages II, reforçaria que a análise de similaridade deve ser feita caso a caso, considerando critérios como usos finais, preferências dos consumidores e propriedades do produto.

236. O Regulamento Brasileiro complementaria a referida definição pela listagem não exaustiva de critérios para análise objetiva da similaridade, ainda que não decisivos isoladamente ou em conjunto, quais sejam: matérias-primas, composição química, características físicas, normas técnicas, processo de produção, usos e aplicações, grau de substitutibilidade e canais de distribuição.

237. Ao analisar as características do produto objeto da investigação constantes da Circular de abertura da investigação, o grupo manifestante ressaltou que, de acordo com a Instrução Normativa nº 53/2018 do MAPA, o leite em pó seria o produto obtido por desidratação do leite de vaca, integral, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana, mediante processos tecnologicamente adequados.

238. A partir de tal definição, o Grupo Conaprole sumarizou os processos pelos quais o leite in natura é submetido para a produção de leite em pó conforme: recepção do leite in natura; análise de qualidade; armazenamento (resfriado); higienização; pasteurização; evaporação; homogeneização; centrifugação; padronização; resfriamento; secagem; análise de qualidade e embalagem.

239. Ato contínuo, o grupo contestou a conclusão alcançada pelo DECOM no Parecer de Início da investigação e argumentou que o leite em pó e o leite in natura não seriam produtos similares porque suas diferenças iriam muito além da forma de apresentação.

240. Na manifestação, o grupo assevera que o leite em pó passaria por um processo industrial complexo, com etapas como pasteurização, evaporação e secagem, e poderia conter aditivos, além de possuir maior durabilidade, enquanto o leite in natura é apenas coletado e refrigerado; sendo também distintas as normas pelas quais os produtos seriam regulados.

241. Os canais de distribuição e os mercados de atuação também seriam diferentes: o leite in natura seria destinado exclusivamente às usinas para processamento imediato, enquanto o leite em pó seria distribuído para indústrias alimentícias e varejo, com logística e armazenamento distintos.

242. Haveria, portanto, ausência de substitutibilidade reforçada por exemplos de grandes empresas que não podem substituir o leite em pó pelo leite fluido em seus processos produtivos e reconhecida pelo CADE ao concluir que os dois produtos pertencem a mercados relevantes distintos.

243. Segundo o Grupo Conaprole, estudos demonstrariam a baixa correlação entre os preços do leite in natura e do leite em pó, indicando que suas dinâmicas de mercado são independentes, apresentando estudo pelo qual o preço do leite em pó seria influenciado por fatores internacionais e cambiais, enquanto o preço do leite in natura estaria mais relacionado a produtos como leite UHT e muçarela.

244. Com base nesses elementos, o grupo requereu que na investigação fosse considerado produto similar doméstico exclusivamente o leite em pó, o que impactaria a definição da indústria doméstica e a validade da investigação como um todo.

245. Em 27 de maio de 2025, a Alimentos Fray Bentos manifestou-se no sentido de que a definição do leite in natura como produto similar doméstico ao produto objeto leite em pó estaria em desconformidade com o estabelecido pelo art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013 e pelo Artigo 2.6 do Acordo Antidumping da OMC. Ambos estabeleceriam que o produto similar deveria ser idêntico ao produto objeto e, apenas no caso de inexistência do produto idêntico, poder-se-ia recorrer ao produto não exatamente igual sob todos os aspectos:

Pursuant to Article 2.6 of the AD Agreement, the ‘like product’ is ‘a product identical, i.e. alike in all respects to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which, although not alike in all respects, has characteristics closely resembling those of the product under consideration’. [...] Thus, except in the case where there is such an identical product produced domestically, it will be necessary for the investigating authority to look to another product which, while not identical, has characteristics closely resembling those of the product under consideration.

246. Segundo a AFB, conforme já demonstrado, existiria produção nacional de leite em pó que se qualificaria como o produto idêntico ao produto objeto da investigação, o que afastaria a possibilidade de definição do leite in natura como produto similar doméstico desta investigação. Inclusive, a própria autoridade investigadora já teria reconhecido que o leite em pó nacional atenderia a mais critérios de similaridade do que o leite in natura, nos seguintes termos:

Assim, com base na definição de produto similar, pode-se constatar que o leite em pó nacional é similar ao leite em pó utilizado no cálculo do valor normal, atendendo inclusive a mais critérios de similaridade que o próprio leite in natura. Desse modo, o leite em pó nacional também pode ser considerado produto similar doméstico. A menção ao produto similar da indústria doméstica como sendo o leite in natura decorria do fato de que, para os fins da aplicação do direito antidumping em vigor, a indústria doméstica foi estabelecida como a produção nacional de leite in natura, e seus indicadores econômicos refletiam dados de leite in natura.

247. Apesar de a referida determinação ter ocorrido no âmbito de discussões sobre o produto similar para fins de cálculo do valor normal, isso não afetaria a aplicação do art. 9º e nem do art. 2.6 do ADA, visto que ambos se baseiam em um conceito único de produto similar. Essa definição seguiria uma ordem de análise clara: primeiro buscar-se-ia o produto idêntico ao produto objeto da investigação e, caso não existisse, buscar-se-ia um produto semelhante ao produto objeto:

The AD Agreement defines ‘like product’ as a product which is identical to the subject product or absent an identical product, a product whose characteristics closely resemble those of the subject product. The reason for having more than one possibility is that the exporter might not sell in the domestic market of the country of export a product which is exactly the same as the subject product. Thus, when there is no perfect match between the goods sold in the domestic market of the country of export and the subject product, the AD agreement allows calculating the normal value on the basis of a good sold in the domestic market of the country of export which is very close to the subject product.

248. Embora existissem evidências contundentes da existência de produto idêntico ao produto objeto da investigação no mercado brasileiro, a peticionária não teria justificado nem demonstrado que o leite em pó nacional não seria o produto similar adequado nessa investigação. Assim, apesar de a CNA apresentar uma série de elementos para as discussões dos critérios objetivos de similaridade indicados do art. 9º, § 1º do Decreto nº 8.058, de 2013 - que, vale lembrar, não seriam atendidos - nenhum desses argumentos justificaria a exclusão do leite em pó nacional da definição do produto similar doméstico.

249. Vale lembrar que a definição inadequada do produto similar doméstico comprometeria não só a definição e representatividade da indústria doméstica, mas também a análise de dano e nexo causal. Dessa forma, conforme se detalharia nos itens a seguir, a incorreta definição do leite in natura como produto similar nacional comprometeria o prosseguimento da presente investigação, tanto por ausência de representatividade da indústria doméstica nos termos do art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, quanto pela impossibilidade de determinação de dano com base em elementos positivos nos termos do art. 30 e ss. do Decreto nº 8.058, de 2013.

250. Em 13 de fevereiro de 2025, o governo da Argentina apresentou manifestação na qual argumentou que um dos pontos mais críticos da investigação seria a consideração do leite cru como produto similar ao leite em pó, equiparação que não se sustentaria sob análise técnica rigorosa, pois os dois produtos possuiriam processos de produção, usos e mercados distintos: o leite cru seria um insumo altamente perecível que exige processamento imediato, enquanto o leite em pó seria um produto industrializado, com vida útil prolongada e características físico-químicas diferentes.

251. O governo argentino registrou ainda que a metodologia adotada para definir o produto similar teria permitido a inclusão de dados de produtores que não competem diretamente com as importações investigadas, o que comprometeria a precisão da análise de dano e distorceria as conclusões sobre o impacto das importações, afetando a objetividade da investigação.

252. Na manifestação, foram reiterados argumentos apresentados na consulta prévia à abertura da investigação:

- diferenças nas características físicas, químicas e bromatológicas;

- usos e substitutibilidade dos produtos;

- processos produtivos distintos;

- canais de comercialização diversos;

- percepção diferenciada por parte dos consumidores.

253. Em complemento a tais argumentos, foram acrescentados os seguintes novos elementos:

- preço;

- análise do salto de partida na classificação tarifária;

- divergências entre normas técnicas aplicáveis;

- restrições regulatórias à reconstituição do leite em pó;

- diferenças nas condições de concorrência entre leite cru e leite em pó;

- dados sobre a produção de leite em pó no Brasil;

- fatores estruturais que afetam a cadeia produtiva do leite cru.

254. O governo argentino argumentou que os preços do leite fluido e do leite em pó não seriam comparáveis, porque seriam expressos em unidades distintas e refletiriam produtos com características diferentes: o leite cru seria negociado com base no teor de gordura ou por litro, enquanto o leite em pó, por ser padronizado após processos industriais, seguiria outra lógica de precificação, o que reforçaria a tese de que não seriam produtos similares.

255. Segundo o governo argentino, o DECOM teria considerado que, exceto pelos conservantes, os produtos seriam equivalentes, o que levaria à conclusão de que o leite importado, mesmo em pó, teria as mesmas características do leite cru nacional.

256. Essa equivalência seria incorreta, contrariaria as normas da OMC e comprometeria a validade da análise de similaridade, pois o produto similar deveria ser o leite em pó produzido no Brasil e considerar o leite cru como similar violaria o Artigo 2.6 do Acordo Antidumping: os produtos não seriam idênticos nem suficientemente semelhantes.

257. Quanto ao salto de partida na classificação tarifária, o governo argentino defendeu em sua manifestação que a diferença de classificação entre leite cru e leite em pó reforçaria a ausência de similaridade entre os produtos: leite cru classificado na posição 0401 da NCM e leite em pó na posição 0402. Essa distinção refletiria diferenças físicas e funcionais essenciais, sendo reconhecida em diversos painéis da OMC como um indicativo válido de não similaridade, tendo sido citados os casos:

WT/DS484/R - Indonésia - Medidas relativas à importação de carne de frango", no qual o Grupo Especial da OMC teria reconhecido que "la diferencia a nivel de seis dígitos entre el pollo congelado y el pollo fresco debe tenerse en cuenta con cierta prudencia, aunque respalde la conclusión supra de que hay una indicación de falta de similitud. Como se ha visto supra, el Brasil no ha podido refutar esa indicación"; e

WT/DS103/R e WT/DS113/R - Canadá - Medidas que afetam a importação de leite e exportações de produtos lácteos, em que os Estados Unidos teriam manifestado que "los principios de clasificación de aranceles podían ser útiles porque daban ‘orientación en cuanto a qué características físicas entre los productos eran consideradas significativas por los expertos de aduana’ (...) a los fines de clasificación aduanera la leche líquida y la leche en polvo se clasificaban en categorías diferentes. La primera se clasificaba en la partida 0401, mientras que la segunda en la 0402".

258. Nesse sentido, o governo argentino sustentou que a diferença de partida tarifária entre leite cru e leite em pó evidenciaria que se trata de produtos distintos, com características essenciais próprias e ausente a similaridade exigida no Artigo 2.6 do Acordo Antidumping.

259. Quanto à divergência de normas técnicas aplicáveis, o governo argentino argumentou que o leite cru estaria sujeito à Instrução Normativa nº 76/2018 (a qual estabeleceria requisitos específicos para produção, manuseio e comercialização), enquanto o leite em pó seria regulado pela Instrução Normativa nº 53/2018 e pelo Regulamento Técnico do Mercosul - MERCOSUR/GMC/RES Nº 07/18 (os quais definiriam padrões próprios de identidade e qualidade para o produto).

260. Além disso, o Codex Alimentarius da FAO possuiria norma específica para leite em pó (Codex Stan 207-1999), e que o Manual de Leite e Produtos Lácteos da FAO/OMS classificaria o leite em pó como um entre diversos produtos lácteos derivados, com identidade própria.

261. Segundo registrado na manifestação, a referência a essas normas internacionais teria sido reforçada por manifestações do governo do Uruguai no processo, sem que a Autoridade Investigadora tivesse respondido a esses pontos.

262. Já no que tange às restrições regulatórias à reconstituição do leite em pó, o governo argentino argumentou que a justificativa para considerar o leite em pó como similar do leite cru estaria legalmente restrita no Brasil pelo Decreto nº 9.013/2017, que só permitiria a reconstituição em situações emergenciais e com autorização oficial. Mesmo que fosse admitida, a reconstituição exigiria um novo processo de transformação com estrutura específica, o que afastaria a equivalência entre os produtos.

263. Não obstante, o governo argentino registrou que o uso, pela peticionária, de manual argentino sobre boas práticas agropecuárias voltado ao leite cru indicaria confusão conceitual e destacou que o leite em pó importado não é fracionado, exigindo posterior processamento para alcançar o consumidor final.

264. Por sua vez, sobre as diferenças nas condições de concorrência entre leite cru e leite em pó, o governo argentino argumentou que não haveria evidência de concorrência direta entre os produtos, pois os importadores de leite em pó seriam, em sua maioria, indústrias alimentícias que o utilizariam como insumo sem reconstituí-lo, enquanto o leite cru seria destinado a processadores que o transformariam em leite para consumo direto.

265. O governo argentino ainda registrou que a análise conduzida pelo DECOM teria omitido a avaliação do mercado de leite em pó produzido no Brasil, a qual seria essencial para a correta definição do produto similar. A produção brasileira de leite em pó teria alcançado cerca de 650 mil toneladas em 2020, o que indicaria a existência de um segmento industrial relevante e distinto da produção de leite cru, como seria pontuado em publicação da MilkPoint.

266. Nesse sentido, o governo argentino sustentou que a análise de similaridade conduzida deveria ter considerado os dados e características da indústria brasileira de leite em pó (produto similar do objeto da investigação).

267. Quanto ao último argumento adicionado, fatores estruturais que afetam a cadeia produtiva do leite cru, o governo argentino apresentou tabela comparativa entre leite cru, leite em pó integral e leite em pó desnatado, com base nos critérios do art. 9º do Decreto 8.058, de 2013, para demonstrar que o leite cru seria produto similar do leite em pó:

Tabela Comparativa de Leite - Conforme Critérios de Similaridade

Criterio de comparación

Leche Cruda

Leche en polvo entera (LPE)

Leche en polvo descremada (LPD)

Materias primas

No es un producto que tenga una elaboración. Solo se la mantiene bajo refrigeración

Leche cruda, la que sufre una deshidratación mediante procesos tecnológicamente aptos.

Leche cruda, la que sufre una deshidratación mediante procesos tecnológicamente aptos.

Composición química

Por misma regulación que el punto anterior se define que la composición química de la leche cruda debe ser, en 100g de leche cruda, con un mínimo de grasa 3g, con un mínimo de Proteina 2,9g, con un mínimo de Lactosa 4,3g, con un mínimo de SNG 8,4g y con un mínimo de Sólidos totales 11,4g.

La misma regulacion que el punto anterior define que la composición química de la Leche en polvo entera debe ser con un mínimo de grasa 26g/100g de leche en polvo, con un mínimo de proteinas 34 % en Extrato seco desgrasado, con un máximo de humedad de 5%.

La misma regulacion que el punto anterior define que la composición química de la Leche en polvo entera debe ser con un mínimo de grasa 1,5g/100g de leche en polvo, con un mínimo de proteinas 34 % en Extrato seco desgrasado, con un máximo de humedad de 5%.

Características físicas

Leche cruda fluida, debe ser mantenida en contenedores acondicionado para ese fin, bajo refrigeración con una vida útil muy limitada

Leche en polvo entera (LPE) acondicionada en bolsas de 25 kg con barrera al oxígeno, con atmósfera modificada, larga vida útil en ambiente fresco, seco y al abrigo de la luz.

Leche en polvo descremada (LPD) acondicionada en bolsas de 25 kg, larga vida útil en ambiente fresco, seco y al abrigo de la luz.

Normas y especificaciones técnicas

Por definición del Decreto 9.013 de 2017 (y normas complementarias) establece en su capítulo III arts. 233 a 263, no solo, las condiciones que debe cumplir el producto y su manejo, sino que también las condiciones sanitarias, edilicias y operativas que debe responder todo aquel que maneje el producto leche cruda como tal.

Por IN nº 53 /2018 se incorporó la Res. GMC de Identidad y Calidad de LP nº 07/18. En la cual, por definición la leche en polvo se obtiene por deshidratación de la leche de vaca, integral desnatada o parcialmente desnatada y apta para la alimentación humana, mediante procesos tecnológicamente aptos. Con esto indica que la leche cruda es la materia prima de la leche en polvo

Por IN nº 53 /2018 se incorporó la Res. GMC de Identidad y Calidad de LP nº 07/18. En la cual, por definición la leche en polvo se obtiene por deshidratación de la leche de vaca, integral desnatada o parcialmente desnatada y apta para la alimentación humana, mediante procesos tecnológicamente aptos. Con esto indica que la leche cruda es la materia prima de la leche en polvo

Proceso de producción

Leche in natura, sin procesamiento alguno

El proceso completo de elaboración involucra el tratamiento térmico, estandarización, concentración, homogeneización, evaporación spray, aglomeración, envasado, análisis y liberación.

El proceso completo de elaboración involucra el tratamiento térmico, estandarización, concentración, homogeneización, evaporación spray, aglomeración, envasado, análisis y liberación.

Usos y aplicaciones

La leche cruda refrigerada es utilizada para el posterior procesamiento para su uso como leche fresca para consumo humano, leche fluida industrial, como para elaboración de productos lácteos y alimenticios en general. Si alguna industria pretendería hacer efectiva la sustituibilidad de la LP (importada o no) por leche cruda debería contar con una estructura operativa y/o edilicia dedicada para tal fin, y más aún tendrían que contar con los "Registros específicos del Ministério de Agricultura", así como aplicar los controles sanitarios específicos y diferentes a los de la leche en polvo. Se deben cumplir los establecido en

La LPE/LPD se utiliza en la industria para el aporte de sólidos lácteos a las formulaciones en la elaboración de alimentos en general, es por ello que no está establecido una determinada recomendacion de reconstitución. En comparación con la leche cruda, su conservación, manipulación, almacenaje y larga vida útil la hace por lejos de elección.

La LPE/LPD se utiliza en la industria para el aporte de sólidos lácteos a las formulaciones en la elaboración de alimentos en general, es por ello que no está establecido una determinada recomendacion de reconstitución. En comparación con la leche cruda, su conservación, manipulación, almacenaje y larga vida útil la hace por lejos de elección.

 

DECRETO Nº 9.013 de 2017, así como también lo establecido en Decreto 10.468 de 2020. La aplicación de la leche cruda lo determina su manejo en líquido, bajo refrigeración, con una vida útil muy acotada, la cual siempre deberá manejarse en tanques dedicados. Si la utilización del líquido no se adapta a todo tipo de elaboración posterior por el "bajo" aporte de sólidos en términos relativos.

Grado de sustituibilidad

Muy limitado

Muy limitado

Muy limitado

Canales de distribución

De los tambos a la industria láctea habilitada para el manejo de leche y productos lácteos

Industrias de alimentos en general

Industrias de alimentos en general

Fonte: Manifestação do governo da Argentina em 13 de fevereiro de 2025.


268. No que concerne à similaridade, o governo argentino solicitou que o DECOM avaliasse, em sede de determinação preliminar, o impacto das importações sobre a totalidade dos produtores nacionais de leite em pó ou, ao menos, sobre aqueles que representem uma parcela significativa da produção nacional desse produto, conforme seria exigido pelo Acordo Antidumping.

269. Em manifestação apresentada no dia 17 de fevereiro de 2025, os produtores/exportadores Mastellone, Glória, Noal e a importadora Leitesol reafirmaram entender que não existiria similaridade entre o leite em pó e o leite in natura e que a CNA não representaria adequadamente a indústria nacional do produto similar.

270. A CNA apresentou manifestação em 11 de março de 2025 refutando os argumentos que diferenciariam o leite em pó do leite in natura e propugnando pela similaridade entre os produtos, bem como pelo impacto das importações de leite em pó sobre o setor leiteiro brasileiro.

271. Segundo a CNA, a definição de produto similar consideraria a substitutibilidade entre os produtos entre os quais a principal diferença estaria na presença ou ausência de umidade, sem significativa alteração na composição nutricional.

272. A CNA registrou que sua argumentação teria por base normas técnicas e precedentes regulatórios, os quais reconheceriam a equivalência entre o leite em pó e o leite in natura e que a proibição da comercialização de leite reconstituído, em contextos específicos, visou proteger a indústria nacional, evidenciando a concorrência direta entre os produtos.

273. Além disso, a manifestante refutou a tese de que os diferentes usos e aplicações dos produtos justificariam a ausência de similaridade, destacando que ambos seriam amplamente utilizados pela indústria alimentícia e que haveria forte correlação entre o aumento das importações de leite em pó a preços de dumping e a queda na remuneração dos produtores de leite in natura, comprometendo a sustentabilidade da cadeia produtiva.

274. Quanto às diferenças tarifárias e regras de origem, a CNA argumentou que tais diferenças não descaracterizam a similaridade, mas refletiriam medidas de proteção adotadas no âmbito do Mercosul para evitar triangulações e preservar a produção nacional.

275. Prosseguindo na manifestação e contra o argumento de que um produto somente poderia ser considerado similar na ausência de produção nacional de produto idêntico, a CNA reiterou que a definição de produto similar consideraria o grau de substitutibilidade e que a única diferença relevante entre leite in natura e o leite em pó seria o teor de umidade, fazendo referência à definição de leite, na categoria pó ou granulado, constante do Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Leite em Pó, estabelecido pela Instrução Normativa - IN - Mapa nº 53/2018.

INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 53, DE 1° DE OUTUBRO DE 2018

(...)

Anexo

RESOLUÇÃO MERCOSUL/GMC/RES. Nº 7/2018

REGULAMENTO TÉCNICO MERCOSUL DE IDENTIDADE E QUALIDADE DO LEITE EM PÓ

2. DESCRIÇÃO

2.1. DEFINIÇÃO

"Entende-se por leite em pó o produto que se obtém por desidratação do leite de vaca, integral, desnatado ou parcialmente desnatado e apto para a alimentação humana, mediante processos tecnologicamente adequados."

276. Ademais, a CNA destacou que o leite em pó, por ser menos volumoso e mais estável, permitiria transporte e armazenamento mais eficientes e econômicos, ao contrário do leite in natura, cuja alta perecibilidade e risco sanitário não permitiriam a comercialização direta e exigiriam processamento industrial prévio, qual seja, a transformação em (i) UHT, (ii) pasteurizado ou (iii) em pó/granulado.

277. Dessa maneira, conforme registrado pela CNA na manifestação, "a única diferença entre o leite in natura e o leite em pó repousa[ria] sobre o teor de umidade, e com vistas à otimização dos processos logísticos internacionais, a forma de pó figura[ria] como o principal modal comercializado globalmente", diferença que só existiria "[...] por questões de segurança alimentar, conservação e transporte" as quais representariam "menor importância para efeito da análise de similaridade".

278. Segundo a CNA, o conceito de leite reconstituído consistiria "única e exclusivamente [n]a dissolução do leite em pó em água potável", o que demonstraria similaridade, substitutibilidade e concorrência entre os produtos em pó e fluido, as quais seriam reforçadas por normas e pelo histórico legislativo que levou à proibição da comercialização de leite reconstituído no Brasil, bem como pela definição de produto contida no padrão "Dry Whole Milk (DWM)" do American Dairy Products Institute (ADPI), o qual estabeleceria que o leite em pó deve manter composição equivalente ao leite fluido de origem:

Product Definition

Dry Whole Milk (DWM) usually is obtained by the removal of water from pasteurized milk, which also may have been homogenized. Alternatively, Dry Whole Milk may be obtained by blending fluid, condensed, or nonfat dry milk with liquid or dry cream, or with fluid, condensed, or dry milk; provided that the resulting Dry Whole Milk is equivalent in composition. Dry Whole Milk contains not less than 26% but not more than 40% milkfat (by weight) on an "as is" basis and not more than 5% moisture (by weight) on a milk solids-non-fat (SNF) basis. The primary Dry Whole Milk products are those having 26.0% and 28.5% milkfat. Optionally, Dry Whole Milk may be fortified with either vitamins A or D, or both.

(Anexo 6 da Manifestação CNA de 11 de março de 2025, "Dry Whole Milk (DWM) Standard" - American Dairy Products Institute - ADPI)

279. A manifestante prosseguiu registrando que o leite em pó nada mais seria do que leite in natura submetido a um processo de desidratação, sem que seja adicionado nenhum insumo de forma significativa e que altere sua natureza para fim de investigação de defesa comercial, tendo citado a renovação dos direitos antidumping sobre as importações brasileiras de leite em pó originárias da Europa e da Nova Zelândia (Processo MDIC/SECEX nº 52272.001196/2017-18), na qual o DECOM considerou que o leite in natura apresentava características suficientemente semelhantes às do leite importado, no estado líquido ou granuloso, sendo, consequentemente, similares entre si e considerou que as diferenças na forma de apresentação do produto importado (pó) e do nacional (in natura) não deveriam ser interpretadas de uma forma tão restrita que resultasse em produtos não similares entre si, uma vez que não provocam o efeito de tornar basicamente diferentes a aplicação, o uso ou a percepção dos clientes dos produtos.

280. A CNA continuou sua manifestação e argumentou que as diferenças físico-químicas teriam recebido destaque nas manifestações contrárias à similaridade entre o leite em pó e o leite in natura. Especificamente nas manifestações de Conaprole (17 de janeiro de 2025) e Adeco (10 de fevereiro de 2025), além das distinções quanto ao estado físico e à perecibilidade, teriam sido apontadas especificações técnicas com o intuito de diferenciar os produtos. Em atenção a tais manifestações, a CNA destacou a definição de leite em pó utilizada no Parecer de Início e argumentou que as partes interessadas teriam tentado sustentar que, pelas especificações técnicas normatizadas, tratar-se-ia de produtos distintos. No entanto, conforme já teria sido manifestado pela autoridade investigadora, o processamento industrial visaria mitigar a perecibilidade do produto, aumentando sua vida útil sem alterar significativamente sua composição nutricional.

281. Dessa forma, a CNA sustentou que as diferenças físicas na forma de apresentação seriam notáveis, mas a única diferença significativa residiria na presença ou ausência de água e que, naturalmente, as proporções percentuais de gordura, proteína e carboidratos refletiriam essas características e isso faria a similaridade entre os produtos ser ainda mais evidente no ordenamento normativo nacional, especialmente nas classificações de leite quanto ao teor de gordura, comuns às versões fluida e em pó.

282. Segundo a CNA, os dispositivos regulatórios aplicáveis — como as Instruções Normativas MAPA nº 76/2017 e nº 53/2018, o Decreto nº 9.013/2017 e a Portaria MAPA nº 370/1997 — determinariam que o leite, seja ele in natura, pasteurizado, UHT ou em pó, deve ser classificado como integral, desnatado ou parcialmente desnatado, conforme o percentual de gordura e, embora possam existir adições pontuais de componentes, elas não seriam suficientes para descaracterizar a similaridade, como a própria Danone teria pontuado ao se manifestar no sentido de que o leite em pó tem seu "teor de umidade reduzido para menos de 5% [e] [m]antém proteínas, gorduras, lactose e minerais", ou seja, manteria os nutrientes do leite in natura.

283. Para a CNA, do ponto de vista bromatológico, a alegação de divergência na composição não se sustentaria, uma vez que o § 1º do artigo 391 do RIISPOA estabelece que "[o] produto deve apresentar composição de forma que, quando reconstituído conforme indicação na rotulagem, atenda ao padrão do leite de consumo a que corresponda."

284. Assim, conforme manifestado pela CNA, o leite em pó, ao ser reconstituído com água, deveria apresentar os mesmos teores de gordura, proteínas e carboidratos do leite fluido, não havendo diferenças significativas em sua composição.

285. A CNA prosseguiu em sua manifestação rebatendo a alegação de que algumas partes teriam argumentado que o leite in natura seria matéria-prima, enquanto o leite em pó seria produto acabado, de alta complexidade industrial. Para tanto, a CNA afirmou que o processo de produção do leite em pó consistiria, em última instância, apenas na evaporação da umidade do leite in natura e que o leite em pó seria amplamente utilizado como insumo na produção de outros derivados, conforme previsto no RIISPOA.

286. Segundo a CNA, a alegação de que a produção de leite em pó exigiria alta tecnologia e processos industriais sofisticados seria falaciosa e exagerada, uma vez que, embora o processo de secagem envolva etapas técnicas, ele não superaria o "intrincado processo demandado para a produção de leite nas propriedades rurais".

287. A esse respeito, a CNA registrou que a produção leiteira envolveria um ciclo longo e complexo, desde a gestação da vaca até a produção efetiva de leite, passando por cuidados com alimentação, saúde, reprodução e manejo. Tal processo exigiria planejamento, investimentos, assistência técnica e gestão, sendo mais complexo do que o processo industrial de secagem.

288. Além disso, a CNA destacou que a importação de leite em pó a preços de dumping reduziria a pressão de captação de leite pela indústria nacional, substituindo o leite em pó produzido internamente — a partir do leite in natura — pelo produto importado.

289. Ante o exposto, a CNA ponderou que "[f]atores internos, atinentes ao processo produtivo, e que estão sob a alçada e gestão dos produtores rurais pode[riam] ser vencidos e contornados, inclusive adversidades climáticas, com planejamento, crédito rural e políticas públicas tempestivas, [m]as condições de mercado artificiais, que minam a competitividade da produção doméstica via práticas desleais de mercado[,] fer[iriam] de forma direta e irreversível a saúde econômico-financeira da indústria doméstica produtora de alimentos em um país".

290. A CNA ainda abordou, em sua manifestação, pontos relativos a diferentes usos e aplicações apresentados pelas demais partes interessadas no que concerne à discussão sobre similaridade. Segundo a CNA, os argumentos teriam sido apresentados com o intuito de diferenciar usos e aplicações do leite em pó e do leite in natura, buscando restringir a aplicação deste último à sua transformação em leite UHT, com base na Instrução Normativa MAPA nº 76/2018, que diferenciaria a aplicação do leite in natura de outros tipos de leite em estado líquido.

291. Entretanto, considerando que o leite in natura não pode ser comercializado diretamente e torna-se produto apenas após a pasteurização ou o tratamento por Ultra Alta Temperatura (UAT ou UHT), seria necessário considerar todos os usos e aplicações do leite UHT. Assim, a alegação de que apenas o leite em pó poderia ser revendido diretamente ao consumidor final e utilizado na fabricação de alimentos processados seria equivocada, uma vez que o leite líquido também atenderia a esses usos e aplicações.

292. A CNA ponderou ainda sobre a alegação de que o leite em pó seria insubstituível na produção de diversos alimentos processados, devido à sua maior capacidade de armazenamento e conservação. Por tal alegação, o leite em pó seria utilizado em alimentos com maior processamento, como sorvetes, bolos, chocolates e bebidas, enquanto o leite líquido seria essencial para produtos frescos, como queijos e iogurtes.

293. A CNA reiterou registros do DECOM no Parecer de Início, pelos quais (i) a ponderação de que "[...]a utilização do produto leite em pó permitiria ‘acumular a matéria-prima a fim de evitar problemas sazonais derivados do ciclo de produção e permitiria estender a vida útil do produto’, não impede, mas reforça, a conclusão de que os produtos analisados são substituíveis" e (ii) "[...] alegação de que na maioria dos casos o leite em pó seria utilizado como insumo para a elaboração de outros produtos alimentícios e não poderia ser substituído por leite fluido não foi acompanhada de elementos probatórios [...]".

294. Em complemento, a CNA registrou entender que as partes interessadas teriam buscado desqualificar a similaridade entre os produtos ao alegar que o leite in natura seria destinado exclusivamente à indústria para o processamento e produção de derivados, quando tal destinação também se aplicaria ao leite em pó, uma vez que o ordenamento brasileiro permitiria a utilização de leite reconstituído na elaboração de diversos derivados.

295. Segundo a CNA, as próprias partes interessadas teriam reconhecido que o leite em pó poderia substituir o leite in natura em períodos de sazonalidade, apresentando maior versatilidade de estocagem e dispensando cadeia de frio, admitindo, inclusive, que a simples adição de água seria suficiente para retornar o leite em pó ao seu estado original.

296. Nesse sentido, para a CNA restaria claro que os usos e aplicações dos dois produtos seriam os mesmos e a única diferença entre eles seria o teor de umidade.

297. A CNA destacou ainda aparente divergência no que tange às normas e especificações técnicas consideradas pelas partes interessadas como aplicáveis ao leite in natura e ao leite em pó, conforme quadro abaixo:

Normas e Especificações Técnicas Aplicáveis ao Leite em Pó/Leite in natura conforme parte interessada

 

Conaprole e Estancias del Lago

Adeco

Leite em Pó

IN MAPA nº 53/2018

(incorpora o Regulamento Técnico Mercosul de Identidade e Qualidade do Leite em Pó, aprovado pela Resolução GMC nº 07/18 ao ordenamento jurídico brasileiro)

Portaria MAPA nº 146/1996

(sujeita o Brasil às normas do RTIQ do Mercosul)

Leite in natura

IN MAPA nº 76/2018 e nº 77/2018

IN MAPA nº 76/2018

Fonte: Manifestação CNA de 11 de março de 2025.

Elaboração: DECOM


298. Quanto à questão, a CNA registrou entender que as informações já teriam sido devidamente tratadas pela autoridade investigadora no Parecer de Abertura da investigação e teriam sido reforçadas ao longo das manifestações do processo, concluindo sobre o tema "que a principal diferença entre os produtos repousa única e exclusivamente sobre a presença ou não de água".

299. A CNA argumentou ainda que as partes interessadas teriam tentado caracterizar a separação existente entre o mercado de leite em pó e o de leite in natura, e assim construir o argumento de insubstituibilidade entre os produtos a partir de (i) precedentes do CADE sobre mercado relevante, (ii) decisões proferidas sobre o mercado de captação de leite in natura e o mercado de leite em pó e (iii) alegações da necessidade de utilização do leite em pó na fabricação de alimentos processados, em razão da alta perecibilidade do leite in natura e sua baixa capacidade de armazenagem.

300. Em sua manifestação, a CNA afastou a relevância das decisões do CADE no contexto da investigação antidumping. Segundo a entidade, a definição de mercado relevante no âmbito da defesa da concorrência possuiria objetivos, critérios e metodologias distintos daqueles aplicáveis à definição de produto similar em investigações de defesa comercial e confundir tais conceitos poderia levar a decisões equivocadas.

301. A CNA também destacou que o próprio DECOM já teria reconhecido a similaridade entre leite em pó e leite fluido em investigações anteriores, inclusive em processos que resultaram na aplicação de medidas antidumping.

302. Ainda segundo a CNA, o argumento de que o leite em pó seria utilizado para enfrentar períodos de escassez reforçaria, na verdade, o grau de substitutibilidade entre os produtos, ainda que o leite em pó fosse utilizado prioritariamente pela indústria alimentícia e não pelas indústrias lácteas propriamente ditas.

303. A entidade reiterou que a importação de leite em pó a preços de dumping reduziria a pressão de captação de leite in natura pela indústria nacional, desbalancearia o mercado interno e pressionaria negativamente os preços pagos aos produtores.

304. A CNA também registrou que a prática de importar leite em pó para reidratação e comercialização seria comum em países com produção leiteira insuficiente, como os do Sudeste Asiático, Índia, Senegal, Ilhas Canárias e Cabo Verde. Essa prática reforçaria a tese da substitutibilidade.

305. Nesse sentido, haveria um mercado consolidado de equipamentos industriais voltados à reidratação de leite em pó, o qual, após reconstituição, "pode[ria] ser usado para os mesmos fins que o leite cru: beber, produção de iogurte, produção de queijo etc.", como seria possível confirmar a partir do sítio eletrônico da empresa Tetra Pak (https://www.tetrapak.com/pt-br/solutions/categories/dairy/recombined-milk). Além disso, existiriam até mesmo soluções tecnológicas específicas para a reidratação (tecnologia One Step) que a tornam mais barata e eficaz, bem como casos de sucesso no mercado de leite reconstituído (Arábia Saudita).

306. Essa argumentação encontraria respaldo no ordenamento jurídico brasileiro em hipóteses nas quais o RIISPOA expressamente permitiria o uso de leite reconstituído para produção de diversos derivados, como queijos, requeijão, leite fermentado, doce de leite e bebidas lácteas (artigos 354, 373 e 386 do Regulamento).

307. Além disso, segundo a manifestante, estudos da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) também destacariam o uso de leite reconstituído na fabricação de derivados, como requeijão e queijos diversos e, embora o uso de leite reconstituído não fosse comum no Brasil em razão do custo elevado do leite em pó, essa realidade teria mudado com a prática de dumping e a alteração na dinâmica comercial internacional.

308. A despeito de o produto objeto da investigação excluir o produto fracionado, destinado ao consumidor final, o qual seria, para a CNA, aquele acondicionado em embalagens de até 800g, a manifestante apresentou, em corroboração ao entendimento de similaridade do produto: (i) estudo de Saboya et al., segundo o qual até 40% de leite reconstituído poderia ser utilizado na fabricação de queijo minas frescal sem prejuízo às características do produto e (ii) artigo do especialista Wagner Beskow, que orientaria consumidores a compararem os custos do leite UHT e do leite reconstituído, reforçando que a escolha entre as formas de apresentação do leite dependeria de fatores como praticidade, economia doméstica e infraestrutura disponível.

309. A CNA refutou, ainda, que a diferenciação de classificação tarifária entre o leite em pó (0402) e o leite fluido (0401) seria indicativo de não similaridade dos produtos ou que refletiria uma separação comercial relevante.

310. Segundo a manifestante, a classificação tarifária não estaria entre os critérios objetivos elencados no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, para definição de produto similar e as partes interessadas não teriam demonstrado de que forma a diferença de classificação tarifária indicaria ausência de similaridade. Além disso, a prática da autoridade investigadora brasileira, segundo a CNA, seria considerar o código NCM apenas como elemento auxiliar na identificação do produto investigado.

311. Para a CNA o leite in natura não poderia ser comercializado diretamente ao consumidor nem exportado por razões de perecibilidade e segurança alimentar, sendo necessário seu processamento industrial, o que, naturalmente, implicaria distintas classificações tarifárias entre os produtos.

312. Além disso, segundo a entidade, a origem das tarifas de importação estaria vinculada ao GATT e à criação da OMC em 1995, desde quando transformações significativas teriam ocorrido no comércio global de commodities agrícolas, exigindo ajustes tarifários para proteger as indústrias nacionais.

313. Nesse sentido, a cadeia de valor do leite seria considerada uma das mais sensíveis em todo o mundo. Países como Canadá, Suíça e Japão aplicariam tarifas de importação sobre lácteos que poderiam chegar a 249%, 165% e 91%, respectivamente, enquanto o Brasil e os demais Estados Partes do Mercosul aplicariam a Tarifa Externa Comum (TEC) de 28% para o leite em pó originário de fora do bloco.

314. A CNA explicou, ainda, que originalmente a TEC para leite em pó variava entre 14% e 16% e diante do aumento das importações de produtos lácteos subsidiados, em 2007 o Brasil teria incluído 11 produtos lácteos (0402.10.10, 0402.10.90, 0402.21.10, 0402.21.20, 0402.29.10, 0402.29.20, 0402.99.00, 0404.10.00, 0406.10.10, 0406.90.10 e 0406.90.20) na Lista de Exceções à TEC (LETEC), elevando temporariamente a alíquota para 28%. Essa medida teria sido posteriormente adotada por todos os Estados Partes do Mercosul, conforme decisão do Conselho de Mercado Comum em julho de 2015, o que refletiria não apenas a natureza física dos produtos, mas também a conjuntura comercial e os impactos potenciais sobre a indústria doméstica.

315. Ademais, a CNA abordou a redução temporária das alíquotas de importação de diversos produtos como medida emergencial de contenção da inflação, objeto das resoluções GECEX mº 269/2021 e 353/2022. Segundo a manifestante, o produto objeto da investigação não fora contemplado por tais reduções, o que reforçaria sua sensibilidade para a balança comercial brasileira.

316. Continuando na manifestação, a CNA observou que governo do Uruguai teria apresentado argumento segundo o qual as regras de origem aplicadas aos produtos no âmbito do Mercosul evidenciariam uma distinção substancial entre o leite em pó e o leite fluido: para ser considerado originário do Mercosul, o leite em pó deveria ser produzido a partir de leite cru 100% obtido dentro do bloco, enquanto o leite fluido poderia ser considerado originário mesmo que apenas 40% de seu conteúdo tivesse sido produzido em um dos Estados Partes, conforme o critério de salto de partida de maior valor.

317. Além de reiterar posição do DECOM no Parecer de Início, qual seja, que seria natural tratamento tarifário e regime de origem distintos entre o leite em pó e o leite in natura devido este último ser altamente perecível e tal característica impedir a comercialização internacional, a CNA destacou que as regras de origem, assim como as classificações tarifárias, não estariam entre os critérios objetivos previstos no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058,de 2013, para definição de produto similar e que as partes interessadas não teriam demonstrado de que forma as regras de origem poderiam indicar ausência de similaridade.

318. Segundo a CNA, as regras de origem seriam instrumentos previstos em acordos comerciais para garantir a legitimidade do comércio preferencial entre os países signatários, prevenindo práticas como a triangulação (importação de produtos extrabloco por um país membro, com posterior reexportação a outro país do mesmo bloco, em burla às preferências tarifárias).

319. Nesse sentido, a exigência de que o leite em pó seja produzido a partir de leite cru 100% originário do Mercosul teria sido estabelecida para proteger a indústria leiteira dos Estados Partes contra práticas desleais e a adoção de regras de origem mais rigorosas para o leite em pó não indicaria ausência de similaridade com o leite fluido, mas sim a sensibilidade do setor lácteo e a necessidade de garantir a competitividade da produção nacional de leite in natura frente a substitutos importados.

320. Dessa maneira, conforme manifestação da entidade, a existência de regras de origem diferenciadas refletiria preocupações comerciais e sanitárias legítimas, mas não comprometeria a análise de similaridade entre os produtos para fins de defesa comercial.

321. Já no que tange à distinção dos canais de distribuição entre o leite em pó e o leite in natura impedir a caracterização de similaridade entre os produtos, a CNA reiterou pontos do DECOM no Parecer de Início segundo os quais (i) a utilização de modais distintos não impactaria nos usos e aplicações dos consumidores, (ii) a fabricação de chocolates, sorvetes, biscoitos e outros produtos derivados faria parte do mercado de leite e (iii) careceria de elementos comprobatórios a declaração de que o produto similar destinar-se-ia unicamente a usinas lácteas enquanto o produto importado da Argentina destinar-se-ia à indústria láctea, a usuários de produtos lácteos para seu processamento ou a revendedores (fracionadores).

322. Além de tal reiteração, a CNA manifestou que, ao contrário do alegado por outras partes interessadas, o transporte de leite in natura seria realizado em tanques isotérmicos, não refrigerados, em distâncias que muitas vezes superariam 200km.

323. A CNA prosseguiu apontando que as manifestações do governo do Uruguai e do governo da Argentina, bem como do Grupo Adeco e do Grupo Conaprole teriam comentado sobre a distinção dos fatores atinentes à precificação do leite em pó e do leite in natura, constando da manifestação do Grupo Conaprole estudo sobre os fatores de oscilação dos preços do leite e seus derivados no qual se concluiria pela fraca relação entre o preço do leite em pó e o preço pago ao produtor de leite.

324. A CNA contrapôs esses argumentos com análise estatística própria (regressão linear simples) a qual demonstraria haver forte correlação entre o preço do leite em pó integral de uso industrial (variável independente) e o preço do leite in natura pago ao produtor (variável dependente). O resultado da regressão teria identificado uma correlação de 92,27% entre as duas variáveis durante o período de análise de dano e que aproximadamente 85% da variação no preço do leite ao produtor seria explicada pelo preço do leite em pó integral de uso industrial. Conforme apresentados no Anexo 13 da manifestação, o resumo dos resultados e os gráficos da regressão encontram-se abaixo representados:

Resumo dos Resultados da Regressão Linear Simples

Leite ao Produtor (R$/L) x Preço do Leite em Pó Integral (R$/kg)

 

Coeficientes

Erro padrão

Stat t

valor-P

95% inferiores

95% superiores

Inferior 95,0%

Superior 95,0%

Interseção

8,617583535

1,23469859

6,979504

4,75E-08

6,108374105

11,12679296

6,108374105

11,12679296

Variável X 1

6,574144276

0,470916947

13,96031

1,22E-15

5,617125895

7,531162656

5,617125895

7,531162656

Análise

O R-Quadrado de 0,85 significa que aproximadamente 85% da variação da variável dependente (Preço do Leite ao Produtor) é explicada pelo modelo (Preço do Leite em Pó Integral)

O R-quadrado ajustado de 0,847 considera o número de variáveis no modelo. Como está próximo do R², indica um bom ajuste.

A Variável X1 - coeficiente da regressão de 6,5741 - indica que o aumento em uma unidade do Preço do Leite em Pó Integral resulta no aumento da variável dependente em 6,5741 unidades.

O p-valor de X1 de 1,22E-15 demonstra que o impacto de X e Y apresenta uma significância estatística extremamente alta (menor que 0,05).

Fonte: Anexo 13 da Manifestação CNA de 11 de março de 2025, com referência a MilkPoint Mercado


Regressão Linear Simples e Gráfico de Dispersão

Leite ao Produtor (R$/L) x Preço do Leite em Pó Integral (R$/kg)

[RESTRITO]

[imagem RESTRITA suprimida]

Fonte: Manifestação CNA de 11 de março de 2025, com referência a MilkPoint Mercado


325. A CNA destacou ainda que, embora os produtos sejam precificados em unidades distintas (litros para o leite fluido e quilogramas para o leite em pó), tal diferença refletiria apenas a presença ou ausência de água.

326. Segundo a CNA, a diferença de preços seria compatível com os fatores de conversão estabelecidos pela Embrapa Gado de Leite: 1 kg de leite em pó desnatado geraria 11 litros de leite fluido e 1 kg de leite em pó integral geraria 8,2 litros, tendo sido utilizada como fator de correção a média ponderada entre essas proporções, qual seja, 9,6 litros/kg.

327. A entidade ponderou ainda que com base nos preços médios entre janeiro de 2021 e dezembro de 2023, o preço do leite em pó integral de uso industrial representaria 9,93 vezes o preço do leite ao produtor, valor bastante próximo ao fator de correção da Embrapa, conforme demonstraria memória de cálculo (Anexo 14 da manifestação).

328. Dessa forma, a CNA reforçou seu entendimento de que a correlação de preços entre os produtos seria mais uma evidência da similaridade e da substitutibilidade entre o leite em pó e o leite in natura, requerendo que fosse formalmente mantida a determinação de similaridade entre tais produtos para fins da investigação em curso.

329. Na manifestação conjunta apresentada em 26 de março de 2025, as empresas Mastellone, Glória, Noal e Leitesol reiteraram a argumentação de que não existiria similaridade entre o leite em pó e o leite in natura.

330. Em manifestação apresentada em 17 de abril de 2025, o Grupo Adeco retomou argumentação segundo a qual o Acordo Antidumping, no Artigo 2.6 e o art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, estabeleceriam uma metodologia para definição de qual será o produto correspondente e adequadamente comparável ao produto objeto da investigação:

2.6 Throughout this Agreement the term "like product" ("produit similaire") shall be interpreted to mean a product which is identical, i.e. alike in all respects to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which, although not alike in all respects, has characteristics closely resembling those of the product under consideration. (grifos da manifestante)

Art. 9º Para os fins deste Decreto, considera-se "produto similar" o produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto objeto da investigação (...) (grifos da manifestante)

331. Somente na sua ausência do produto idêntico poderiam ser considerados produtos não exatamente iguais, mas que apresentem características muito próximas às do produto objeto.

332. Nesse sentido, conforme o grupo manifestante, existindo um produto objeto da investigação (leite em pó originário da Argentina e do Uruguai) e um produto idêntico a ele que seja produzido nacionalmente (leite em pó produzido pela indústria brasileira), não haveria necessidade de se utilizar um produto com características próximas (leite in natura) para qualquer adequação do produto a ser investigado, ficando claro que a discussão de similaridade seria acessória, sendo essencial definir, desde o início da investigação, se haveria produto fabricado no Brasil idêntico ao produto objeto.

333. Segundo Grupo Adeco, a peticionária teria tergiversado sobre o tema e não teria encarado o problema central tratado nas manifestações das demais partes interessadas, razão pela qual o DECOM precisaria se debruçar em relação aos temas teóricos e arcabouço probatório levados aos autos pelas partes interessadas.

334. Em 27 de maio de 2025, AFB apresentou manifestação na qual argumentou que haveria dois recursos administrativos contra a Circular SECEX nº 72/2024, os quais questionariam a definição do produto similar e a habilitação da CNA como representante da indústria doméstica.

335. Segundo a manifestante, a definição do leite in natura como produto similar doméstico ao leite em pó estaria em desconformidade com o art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013 e com o Artigo 2.6 do Acordo Antidumping da OMC, dispositivos que estabeleceriam que o produto similar deve ser idêntico ao produto objeto e, apenas na ausência de produto idêntico, poder-se-ia recorrer a um produto com características semelhantes.

Pursuant to Article 2.6 of the AD Agreement, the ‘like product’ is ‘a product identical, i.e. alike in all respects to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which, although not alike in all respects, has characteristics closely resembling those of the product under consideration’. [...] Thus, except in the case where there is such an identical product produced domestically, it will be necessary for the investigating authority to look to another product which, while not identical, has characteristics closely resembling those of the product under consideration. (grifos da manifestante)

(Manifestação da AFB de 27 de maio de 2025, com referência a CZAKO, J.; HUMAN, J.; MIRANDA, J., "A Handbook on Anti-Dumping Investigations", Cambridge University Press, OMC (2003), p. 232.)

336. A AFB sustentou que haveria produção nacional de leite em pó qualificável como produto idêntico ao investigado e que a própria autoridade investigadora teria reconhecido que o leite em pó nacional atenderia a mais critérios de similaridade do que o leite in natura, conforme trecho citado:

Assim, com base na definição de produto similar, pode-se constatar que o leite em pó nacional é similar ao leite em pó utilizado no cálculo do valor normal, atendendo inclusive a mais critérios de similaridade que o próprio leite in natura. Desse modo, o leite em pó nacional também pode ser considerado produto similar doméstico. A menção ao produto similar da indústria doméstica como sendo o leite in natura decorria do fato de que, para os fins da aplicação do direito antidumping em vigor, a indústria doméstica foi estabelecida como a produção nacional de leite in natura, e seus indicadores econômicos refletiam dados de leite in natura. (grifos da manifestante)

(Manifestação da AFB de 27 de maio de 2025, com referência à Circular SECEX nº 5, de 5 de fevereiro de 2019, fls. 26)

337. A AFB ainda reforçou que a definição inadequada do produto similar comprometeria não apenas a representatividade da indústria doméstica, mas também a análise de dano e nexo causal, contrariando o entendimento consolidado no ADA:

The AD Agreement defines ‘like product’ as a product which is identical to the subject product or absent an identical product, a product whose characteristics closely resemble those of the subject product. The reason for having more than one possibility is that the exporter might not sell in the domestic market of the country of export a product which is exactly the same as the subject product. Thus, when there is no perfect match between the goods sold in the domestic market of the country of export and the subject product, the AD agreement allows calculating the normal value on the basis of a good sold in the domestic market of the country of export which is very close to the subject product. (grifos da manifestante)

(Manifestação da AFB de 27 de maio de 2025, com referência a CZAKO, J.; HUMAN, J.; MIRANDA, J., "A Handbook on Anti-Dumping Investigations", Cambridge University Press, OMC (2003), p. 98.)

338. Segundo a AFB, pelo art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, e pelo Artigo 4.1 do ADA, a indústria doméstica deveria ser composta pela totalidade dos produtores do produto similar doméstico e, ao se reconhecer que o leite em pó nacional é o produto similar idêntico ao objeto da investigação, a exclusão dos seus produtores da definição de indústria doméstica violaria diretamente esses dispositivos.

339. A empresa destacou que os produtores nacionais de leite em pó seriam facilmente identificáveis por meio de dados públicos e que haveria inclusive entidade representativa do setor (Viva Lácteos), razão pela qual a exclusão desses produtores comprometeria a precisão da análise de dano, conforme entendimento do Órgão de Apelação da OMC:

414. [...] to ensure the accuracy of an injury determination, an investigating authority must not act so as to give rise to a material risk of distortion in defining the domestic industry, for example, by excluding a whole category of producers of the like product."

(...)

419. [...] a domestic industry defined on the basis of a proportion that is low, or defined through a process that involves active exclusion of certain domestic producers, is likely to be more susceptible to a finding of inconsistency under Article 4.1 of the Anti-Dumping Agreement. (grifos da manifestante)

(Manifestação da AFB de 27 de maio de 2025, com referência ao Relatório do Órgão de Apelação, EC - Fasteners (China), §§ 414 e 419)

340. Nesse sentido, segundo a AFB, a exclusão injustificada dos produtores de leite em pó geraria sérios riscos à legalidade da investigação, pois os dados utilizados não refletiriam com precisão a situação da indústria doméstica. A AFB sustentou ainda que os dados utilizados pela peticionária para demonstrar suposto dano à indústria doméstica seriam inconsistentes, metodologicamente heterogêneos e, portanto, incapazes de sustentar uma análise objetiva conforme exige o art. 30 do Decreto nº 8.058, de 2013. As fontes utilizadas (PTL/IBGE, Comexstat, Cepea/Esalq, Projeto Campo Futuro) adotariam metodologias distintas, com diferentes critérios de coleta e amostragem, sem explicações adequadas para sua escolha ou ajustes de compatibilização.

341. Em manifestação apresentada no dia 16 de julho de 2025, a ABIA reproduziu por escrito a argumentação oralmente apresentada na audiência de 4 de julho de 2025 e afirmou que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) representaria majoritariamente produtores de leite in natura e não contaria com co-peticionárias do setor de leite em pó.

342. Segundo a associação, essa configuração não atenderia ao critério de representatividade de 25% da produção nacional do produto similar exigido pelo § 2º do art. 37 do Decreto nº 8.058, de 2013.

343. A ABIA sustentou que, ainda que o DECOM tivesse acolhido a tese de similaridade entre leite in natura e leite em pó com base na possibilidade de reconstituição, isso não afastaria a obrigação de comprovar, de forma quantitativa, a representatividade da produção do produto similar, qual seja, o leite em pó ou de seu equivalente reconstituído.

344. Segundo a ABIA, a delimitação do conceito de "produto similar" deveria vir acompanhada de demonstração objetiva e quantitativa da representatividade dos produtores efetivamente envolvidos na cadeia de leite em pó, o que não teria sido comprovado nos autos.

345. A entidade apontou que empresas-chave da cadeia produtiva, como Italac, Embaré, Frimesa e Lactalis (responsáveis por significativa parcela da produção nacional de leite em pó) não teriam participado da petição nem sido formalmente consultadas, exclusão que comprometeria a legitimidade da petição.

346. Segundo a ABIA, a ausência de representatividade não seria uma mera formalidade técnica, mas um risco de distorção sistêmica na investigação porque a medida de proteção teria sido deslocada da indústria de transformação para o setor primário, sem que os impactos reais sobre o elo mais afetado — o industrial — tivessem sido mensurados ou considerados.

347. Diante da ausência de comprovação objetiva da representatividade mínima legal, da não inclusão de produtores industriais relevantes e da desconexão entre a base representada e o produto efetivamente investigado, a ABIA entendeu que a petição não preencheria os requisitos legais de admissibilidade e deveria ter sua legitimidade reavaliada à luz do § 2º do art. 37 do Decreto nº 8.058, de 2013.

348. Em manifestações apresentadas no dia 16 de julho de 2025, os grupos Adeco e Conaprole reiteraram que a investigação em curso seria incompatível com o Acordo Antidumping ao desconsiderar a existência de produto idêntico (leite em pó de produção nacional) e adotar o leite in natura como produto similar doméstico:

- Artigo 2.6 do Acordo Antidumping: A investigação antidumping desconsiderou a existência de leite em pó (produto idêntico ao produto investigado) no mercado brasileiro e definiu o leite in natura como produto similar doméstico;

- Artigos 4.1 e 5.4 do Acordo Antidumping: Nenhum produtor de leite em pó foi consultado ou se manifestou favoravelmente ao pleito. Assim, diante da ausência de similaridade entre leite em pó e leite in natura, a peticionária CNA não pode representar a indústria doméstica;

- Artigos 3.1, 3.4 e 5.3 do Acordo Antidumping: A investigação antidumping não se fundamenta em provas positivas, objetivas e verificáveis, mas em dados originários de distintas fontes de informação, parciais e imprecisas; e

- Artigo 3.5 do Acordo Antidumping: A investigação antidumping deixa de examinar todos os fatores que possam estar causando dano à indústria doméstica, e desconsidera fatores como o movimento dos preços internacionais e as ineficiências estruturais do setor nacional.

(Manifestação Adeco e Manifestação Conaprole de 16 de julho de 2025)

349. As manifestantes reiteraram o argumento de que, no Brasil, haveria produção nacional de leite em pó (produto idêntico ao importado), ante o que a consideração do leite in natura como produto similar contrariaria entendimentos como os já apresentados pela manifestante (Paineis da OMC nos contenciosos US - Softwood Lumber V, EC - Salmon (Norway), Japan - Taxes on Alcoholic Beverages II).

350. Além disso, as manifestantes destacaram que o leite in natura e o leite em pó apresentariam diferenças substanciais em diversos aspectos, como:

- matéria-prima e composição química;

- características físicas e especificações técnicas;

- processo de produção;

- usos e aplicações;

- grau de substitutibilidade;

- canais de distribuição e preços; e

- tratamento tarifário e regime de origem.

351. Segundo os grupos Adeco e Conaprole, a definição incorreta do produto similar comprometeria toda a estrutura da investigação antidumping, desde a análise de dumping até a avaliação de dano e nexo causal, razão pela qual as manifestantes pleitearam o encerramento da investigação por violação aos parâmetros legais e internacionais aplicáveis.

352. Em 16 de julho de 2025, a AFB apresentou manifestação na qual expressou preocupação quanto à incorreção e ilegalidade da definição do leite in natura como produto similar doméstico ao leite em pó, objeto da investigação.

353. A AFB reforçou argumentação previamente apresentada segundo a qual o art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, e o Artigo 2.6 do Acordo Antidumping da OMC estabeleceriam que somente na ausência de produto idêntico é admissível considerar um produto não exatamente igual como similar, entendimento o qual teria sido corroborado por doutrina especializada:

As mentioned earlier, according to AD Agreement 2.6, the term ‘like product’ refers either to an identical product or, in the absence of such, a product that closely resembles the product under analysis. Accordingly, the analysis proceeds as follows:

• First, identify the ‘product under consideration’, which is the product potentially dumped into the domestic market; next, identify the domestically produced goods that are identical or, if none exist, closely resemble the goods potentially dumped into the domestic market.

• Then, identify the firms manufacturing products that are ‘like’ the goods potentially dumped. In practice, most countries launch anti-dumping investigations upon request of their domestic manufacturers, who initiate petitions that typically identify both the relevant like product and the firms producing it.

(destaques da manifestante)

(Manifestação AFB - 16 de julho de 2025, com referência a GAO, H.; HILLMAN, J.; LAMP, N.; PAUWELYN, J. "International Trade Law: A Casebook for a System in Crisis", disponível em https://genevatradeplatform.org/e-casebook/)

354. A AFB sustentou que o primeiro passo da investigação deveria ser a verificação da existência de produto idêntico ao leite em pó e que haveria provas irrefutáveis nos autos da existência de produção nacional de leite em pó, único produto que poderia ser considerado similar doméstico.

355. A existência de produto similar idêntico impediria, por si só, a utilização de produto distinto e qualquer interpretação em sentido contrário violaria o princípio da efetividade, tornando inútil a expressão "na sua ausência" constante do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, e do ADA.

356. Segundo a AFB, a peticionária não teria respondido adequadamente às questões apresentadas sobre a ausência de similaridade entre o leite em pó e o leite in natura e teria apenas alegado que (i) o tema foi superado pelo Parecer de Abertura e (ii) investigações anteriores teriam reconhecido a similaridade entre os produtos.

357. A comprovação da produção nacional de leite em pó não teria sido refutada pela peticionária e inviabilizaria o prosseguimento da investigação, tanto pela ausência de representatividade da indústria doméstica quanto pela impossibilidade de análise de dano e nexo causal, os quais dependeriam da correta definição do produto similar.

358. A AFB também argumentou que, mesmo que não existissem produtores nacionais de leite em pó, não seria razoável concluir pela similaridade entre leite in natura e leite em pó porque os critérios objetivos de similaridade previstos no §1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013 não estariam presentes, conforme seria demonstrado pela seguinte tabela:

Similaridade e ausência de representatividade da indústria doméstica

[imagem suprimida]

Fonte: Manifestação da AFB nos recursos nº 19972.000051/2025-39 e 19972.000052/2025-39 e nº 19972.000050/2025-94 e 19972.000095/2025-69 e Apresentação AFB - Audiência de 4 de julho de 2025.


359. Por fim, mesmo que se aceitasse o leite in natura como similar ao leite em pó, a AFB reforçou seus argumentos na manifestação de 27 de maio de 2025, pelos quais não seria possível excluir os produtores nacionais de leite em pó da análise de dano sem que houvesse distorção dos dados da indústria doméstica (considerados somente em parte), em violação ao Artigo 4.1 do ADA.

360. Em 16 de julho de 2025 a CNA apresentou manifestação na qual defendeu a similaridade entre o leite em pó importado e o leite in natura produzido no Brasil e reiterou que a definição de produto similar considera a substitutibilidade entre os produtos, conforme reconhecido pelo DECOM e demonstrado pela CNA por um conjunto de normativas e precedentes regulatórios que atestam a equivalência dos produtos.

361. Segundo a CNA, em investigações passadas protocoladas pela CNA em defesa da produção nacional de leite teriam sido apresentados exatamente os mesmos argumentos contrários à similaridade dos produtos ante os quais o DECOM teria concluído pela similaridade entre o leite em pó e o leite in natura brasileiro, sendo destacados pela manifestante os seguintes precedentes administrativos:

- Resolução CAMEX nº 1/2001: tratou do encerramento da investigação original sobre importações de leite em pó originárias da Nova Zelândia, União Europeia, Uruguai, Argentina e Dinamarca. Reconheceu o leite in natura como produto similar ao leite em pó integral e desnatado, não fracionado, com base em características, uso, mercado e intercambialidade.

- Resolução CAMEX nº 4/2007: corresponde à primeira revisão da medida antidumping aplicada às importações de leite em pó da Nova Zelândia e da União Europeia. Reafirmou o entendimento anterior, mantendo o leite in natura como produto similar ao leite em pó, com base na possibilidade de reconstituição e uso comum.

- Resolução CAMEX nº 2/2013: refere-se à segunda revisão da medida antidumping sobre as mesmas origens (Nova Zelândia e União Europeia). Reiterou a similaridade entre leite in natura e leite em pó, destacando a substituição funcional entre os produtos.

- Circular SECEX nº 5/2019: encerrou a última revisão da medida antidumping sem prorrogação das medidas contra Nova Zelândia e União Europeia, mas manteve a conclusão de que o leite in natura é similar ao leite em pó, com base na composição química, possibilidade de reconstituição e alto grau de substitutibilidade.

362. A CNA reiterou argumentos constantes de suas manifestações anteriores segundo os quais a reconstituição do leite em pó para leite fluido seria tecnicamente viável e reconhecida pelas normas brasileiras, os produtos atenderiam ao mesmo mercado e finalidade e diferenciar-se-iam tão somente quanto à presença de água.

363. A manifestante contestou ainda a leitura das demais partes interessadas no sentido de que haveria obrigatoriedade de o produto similar ser produto idêntico ao investigado, uma vez que, em seu entendimento, o termo "ausência" no Artigo 2.6 do ADA não exigiria "inexistência" do produto idêntico, mas tão somente sua não disponibilidade para fins de comparação.

364. Segundo a CNA, a prática internacional e a jurisprudência do DECOM mostrariam que produtos com características próximas seriam comumente aceitos como similares e, caso houvesse a obrigação de sempre e em qualquer situação se incluir somente o produto idêntico na definição do produto similar, (i) não haveria que se falar em realização de ajustes quando da comparação dos preços e (ii) transformar-se-ia em letra morta o Artigo 2.4 do Acordo Antidumping, o qual estabelece que "due allowance shall be made in each case, on its merits, for differences which affect price comparability, including differences in (...) physical characteristics or any other differences which are also demonstrated to affect price comparability".

365. A manifestante enfatizou ainda argumentação de manifestações prévias segundo a qual as importações de leite em pó impactariam diretamente o mercado de leite in natura, afetando preços e captação, a substituição entre os produtos seria reconhecida por regulamentos técnicos (ex.: uso de leite em pó na produção de queijos) e a proibição da reidratação para venda direta ao consumidor não eliminaria a substitutibilidade industrial.

366. Nesse sentido, a Autoridade Investigadora não teria "obrigação de comprovar a representatividade da produção do leite em pó[,] uma vez que os efeitos das importações objeto de dumping s[eriam] observados sobre os produtores do leite in natura".

2.3.2.4. Do posicionamento do DECOM acerca das manifestações apresentadas pelos governos da Argentina e do Uruguai quando das consultas prévias ao início.

367. A respeito dos comentários aportados pelos governos da Argentina e do Uruguai no âmbito das consultas prévias ofertadas pelo Brasil a título de cortesia, algumas ponderações se revelam, de pronto, oportunas, sem prejuízo de esquadrinhamento mais detido a seguir, a ser esposado no tópico 2.3.2.5. deste documento.

368. Consoante narrado no item 1.1, o produto objeto da investigação possui longevo histórico de submissão a procedimentos investigatórios e revisionais, bem como de proteção por medida antidumping, datando o início da primeira investigação ainda de 1999.

369. Àquela época, alcançou-se conclusão pela similaridade entre o leite in natura brasileiro e o leite em pó ou granulado importado. Com efeito, constou da Resolução CAMEX no 01/2001, que encerrou a investigação, a seguinte análise:

2.1 - DA SIMILARIDADE DO PRODUTO

O exame de similaridade levou em consideração algumas das proposições apresentadas pelas partes interessadas no processo.

Na análise da similaridade foram consideradas as características do produto, o seu uso, o mercado a que se destina e a intercambialidade entre os produtos. Para fins de determinação final considerou-se que o leite in natura é similar ao leite em pó desnatado e integral, não fracionado, ou seja, em embalagem que não esteja pronto para o consumo no varejo.

370. Nas revisões de final de período subsequentes, a conclusão foi ratificada nos seguintes termos:

- Resolução Camex 04/2007 (1ª revisão):

4. Da similaridade do produto

Não obstante contestações a respeito da similaridade tenham sido apresentadas, foi mantido o entendimento adotado na investigação original, tendo sido considerado produto similar ao importado (leite integral e desnatado, não fracionado) o leite in natura, definido como produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas, nos termos do contido no art. 475 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal.

Na análise da similaridade foram consideradas as características dos produtos, o seu uso, o mercado a que se destinam e a intercambialidade entre eles.

- Resolução Camex 02/2013 (2ª revisão):

2.3.1. Do Posicionamento

Conforme estabelecido desde o Parecer no 4, de 2001, que tratou do encerramento da investigação original, considerou-se o leite in natura produzido no Brasil similar ao leite em pó, não fracionado, nas categorias integral e desnatado, não obstante esses produtos (leite in natura e leite em pó), reconhecidamente, não apresentarem composição idêntica. Essa determinação considerou a possibilidade de reconstituição do leite fluido a partir do leite em pó integral e desnatado, e também os mercados a que se destinam, o que demonstra a possibilidade de substituição de um pelo outro.

Portanto, a afirmação de que a CNA como representante dos produtores leite in natura não teria representatividade para peticionar uma investigação ou revisão antidumping relativa a leite em pó não se sustenta.

No que se refere aos painéis da OMC citados para referendar o entendimento de que leite in natura e leite em pó são produtos diferentes à luz do Acordo Geral de Tarifas e Comércio e na Organização Mundial de Comércio, primeiramente, note-se que nenhum deles ocorreu à luz do Acordo Antidumping.

O caso dos Estados Unidos da América contra Japão: Restrições à importação de certos produtos agrícolas, o painel em questão diz respeito à controvérsia no âmbito do Art. XI.2 (exceções às regras de eliminação de restrição quantitativas) do Acordo Geral. Trata-se de medida de exceção à regra geral de proibição da imposição de medidas de restrição quantitativa, e, portanto, procura evitar a inclusão de mais produtos dentro de uma regra de exceção.

No caso dos Estados Unidos da América contra Canadá: Medidas afetando as importações de leite e a exportação de produtos lácteos, os EUA questionam o Canadá no âmbito do Acordo Geral, Acordo sobre Agricultura e Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias com relação a seu programa de subsídios para produtos lácteos e sua administração de sua quota tarifária para leite e creme. Mais uma vez, o caso abrange outros instrumentos legais em um contexto totalmente diferente.

No caso das uvas e do vinho e dos cordeiros e da carne de cordeiro, não só os questionamentos não se enquadram no Acordo Antidumping, mas nos Acordos de Subsídios e Medidas Compensatórias e de Salvaguardas, respectivamente, mas também a questão discutida em relação à definição da indústria doméstica não é a similaridade entre os produtos, mas sim, o conceito de cadeia de interesse econômico, defendido pelos EUA para incluir os plantadores de uvas e os criadores de cordeiros, respectivamente, como indústria doméstica.

Portanto, mantém-se o entendimento de que a CNA tem legitimidade para peticionar uma investigação ou revisão antidumping relativa a leite em pó.

[...]

3.3. Da Similaridade dos Produtos

Segundo o Parecer no 4, de 2001, que tratou do encerramento da investigação original, não obstante não serem idênticos, tanto o leite em pó quanto o leite in natura apresentam características suficientemente semelhantes, de forma a caracterizá-los como produtos similares, nos termos do art. 2.6 do Acordo Antidumping.

Essa determinação considerou a possibilidade de reconstituição do leite fluido a partir do leite em pó integral e desnatado, levando-o a atender ao mesmo fim e ao mesmo mercado, o que demonstrou a possibilidade de substituição de um pelo outro.

Assim, reitera-se a conclusão alcançada na investigação original, quanto à existência de similaridade entre o leite em pó importado e o leite in natura produzido no Brasil.

[...]

3.5.1. Do Posicionamento

Em complementação aos argumentos já apresentados no posicionamento referente à representatividade, o Departamento reafirma seu entendimento de que o leite in natura, não obstante não ser idêntico ao leite em pó, apresenta características suficientemente semelhantes, destinando-se ao mesmo fim e que o fato do produto importado apresentar-se em pó e o produzido no Brasil na forma líquida, não constitui diferença suficiente para afastar a determinação alcançada quanto à similaridade entre ambos os produtos. Com a adição de água ao leite em pó qualquer diferença deixa de existir, sendo a desidratação um modo de facilitar o transporte e o manuseio do leite in natura.

Assim, o Departamento reitera a conclusão alcançada na investigação original e em sua primeira revisão, que o leite in natura produzido no Brasil é similar ao leite em pó importado, nos termos do § 1o do art. 5o do Decreto no 1.602, de 1995, e do artigo 2.6 do Acordo de Implementação do Artigo VI do Acordo Geral de Tarifas e Comércio Exterior de 1994.

- Circular SECEX 05/2019 (3ª revisão):

3.4. Da similaridade

O § 1o do art. 9o do Decreto no 8.058, de 2013, estabelece lista dos critérios objetivos com base nos quais a similaridade deve ser avaliada. O § 2o do mesmo artigo estabelece que tais critérios não constituem lista exaustiva e que nenhum deles, isoladamente ou em conjunto, será necessariamente capaz de fornecer indicação decisiva.

O produto objeto da medida antidumping e o produto similar produzido pela indústria doméstica, não obstante não serem idênticos, apresentam características suficientemente semelhantes, de forma a caracterizá-los como produtos similares, nos termos do Decreto no 8.058, de 2013.

Os produtos possuem semelhança quanto à composição química, sendo necessário destacar que o produto objeto da revisão pode ser reconstituído para estado fluido, levando a atender ao mesmo fim e ao mesmo mercado que o produto similar nacional, apresentando alto grau de substitutibilidade.

Dessa forma, diante das informações apresentadas e da análise precedente, ratifica-se a conclusão alcançada na investigação original de que o leite in natura produzido pela indústria doméstica é similar ao produto objeto da medida antidumping.

[...]

4.3. Dos comentários sobre as manifestações

No tocante à manifestação sobre produto e indústria doméstica, reitera-se o entendimento de que o leite in natura, a despeito de não ser idêntico ao leite em pó, apresenta características suficientemente semelhantes, destinando-se ao mesmo fim e que o fato de o produto importado se apresentar em pó e o produzido no Brasil na forma líquida não constitui diferença suficiente para afastar a determinação alcançada quanto à similaridade entre ambos os produtos. Com a adição de água ao leite em pó qualquer diferença deixa de existir, sendo a desidratação um modo de facilitar o transporte e o manuseio do leite in natura.

Assim, reitera-se a conclusão alcançada na investigação original e em revisões anteriores, que o leite in natura produzido no Brasil é similar ao leite em pó importado, nos termos do § 1o do art. 5o do Decreto no 1.602, de 1995, e do artigo 2.6 do Acordo de Implementação do Artigo VI do Acordo Geral de Tarifas e Comércio Exterior de 1994.

[...]

5.3.1. Dos comentários sobre as manifestações

[...]

As ponderações sobre a concorrência entre o leite em pó e o leite in natura apenas confirmam o entendimento de que se tratam de produtos similares. De forma alguma, contudo, elimina a necessidade de realizar ajustes, com vistas a levar em consideração diferenças que afetem a comparação de preços, tais com as características físicas, conforme determina o § 2º do art. 22 do Decreto nº 8.058/2013, que reflete o disposto no Artigo 2.4 do ADA. Nesse sentido, quem inverte a lógica da cadeia produtiva é a própria peticionária, pois pretende comparar o preço de um produto da cadeia a jusante (o leite em pó destinado ao mercado interno das origens investigadas), decorrente de um processo produtivo que ela mesma considera como sendo agregador de valor, com o preço de um produto da cadeia a montante (o leite in natura da indústria doméstica). Assim, na presente revisão, para fins de determinação final, utilizou-se a mesma metodologia considerada nas revisões anteriores.

A peticionária se baseia no § 3º do artigo 107 do Decreto nº 8.058/2013 para afirmar que o valor normal deve ser comparado ao preço do leite in natura nacional para fins de avaliação da retomada de dumping, uma vez que o produto similar doméstico foi definido como o leite in natura. Todavia, o artigo 9º do mesmo ato normativo traz a definição de produto similar: "Para os fins deste Decreto, considera-se "produto similar" o produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto objeto da investigação ou, na sua ausência, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto objeto da investigação." Ademais, no parágrafo primeiro do referido artigo são relacionados os principais critérios objetivos com base nos quais a similaridade será avaliada: matérias-primas; composição química; características físicas; normas e especificações técnicas; processo de produção; usos e aplicações; grau de substitutibilidade; e canais de distribuição.

Assim, com base na definição de produto similar, pode-se constatar que o leite em pó nacional é similar ao leite em pó utilizado no cálculo do valor normal, atendendo inclusive a mais critérios de similaridade que o próprio leite in natura. Desse modo, o leite em pó nacional também pode ser considerado produto similar doméstico. A menção ao produto similar da indústria doméstica como sendo o leite in natura decorria do fato de que, para os fins da aplicação do direito antidumping em vigor, a indústria doméstica foi estabelecida como a produção nacional de leite in natura, e seus indicadores econômicos refletiam dados de leite in natura.

[...]

A peticionária afirmou ainda que não haveria razoabilidade em se desidratar o leite fluido para então vendê-lo às indústrias alimentícias onde seria incorporado ao processo com a inclusão de água. Contudo, de acordo com o item 5.2 do anexo da Resolução CAMEX n° 2, de 2013, já transcrito anteriormente, a própria peticionária informou na revisão anterior que também é produzido leite em pó não fracionado no Brasil para uso industrial. Assim, para ser competitivo no mercado interno, o produto objeto do direito antidumping teria que concorrer não somente como o leite in natura, mas com o preço do leite em pó não fracionado. Por esse motivo, a comparação mais adequada possível do valor normal do produto similar seria com o preço do produto similar nacional mais próximo, ou seja, o leite em pó, com vistas a determinar a probabilidade de retomada do dumping.

371. A partir dos excertos acima, assim se podem sintetizar os fundamentos adotados para a conclusão quanto à similaridade entre o leite em pó importado e o leite in natura brasileiro ao longo do histórico dos procedimentos:

- haveria semelhanças entre os produtos no que tange às suas características, ao seu uso, ao mercado a que se destina e à composição química;

- os produtos seriam intercambiáveis;

- seria possível reconstituir o leite fluido a partir do leite em pó, o que faria com que qualquer diferença deixasse de existir. A desidratação consistiria em processo para facilitar o transporte e o manuseio do leite in natura; e

- as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio trazidas pelas partes interessadas para embasar as alegações de ausência de similaridade não teriam sido exaradas à luz do Acordo Antidumping. Ademais, os assuntos tratados seriam distintos.

372. Considerando o iter decisório até então trilhado por este Departamento, bem como as fundamentações expendidas pela peticionária, reputou-se, para fins de início da presente investigação, ser juridicamente admissível a caracterização de similaridade entre o leite em pó importado e o leite in natura de produção nacional, à luz dos critérios técnicos e normativos pertinentes.

373. Malgrado a sedimentação paulatina desse entendimento, impende trazer à baila que esta, ou qualquer outra consolidação exegética, não se reveste de imutabilidade, tampouco obsta nova incursão interpretativa. A propósito, o encerramento acrítico da questão, mormente em se tratando de investigação original, implicaria risco de indevido esvaziamento, em sua substância, do exercício do contraditório e da ampla defesa, reduzindo-o a mero rito formal.

374. Subsiste, pois, incólume, a possibilidade de reapreciação da temática e, por conseguinte, de inflexão hermenêutica, seja diante de alteração fática, seja à vista das considerações articuladas pelas partes, ou, ainda, de revisitação de precedentes do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio.

375. Nessa senda, impende reconhecer que, conforme assinalado pelos governos da Argentina e do Uruguai, o Artigo 2.6 do Acordo Antidumping estabelece o conceito de produto similar mediante construções dotadas de gradação hierárquica. Com efeito, em sua primeira dimensão, reputa-se produto similar aquele que se revele idêntico ao objeto da investigação. Apenas na ausência de produto nacional que ostente tal identidade é que se admite, à luz do referido dispositivo, a averiguação da existência de produtos domésticos que, conquanto não idênticos, apresentem características muito semelhantes às do produto investigado. Essa leitura, aliás, encontra guarida na decisão do Painel na disputa EC — Salmon (Norway) (DS337), como se verá no item 2.3.2.5 a seguir.

376. A par dessas considerações, impõe-se, antes de qualquer juízo conclusivo acerca da similaridade entre o leite em pó importado da Argentina e do Uruguai e o leite in natura de fabricação nacional, a partir de suas semelhanças, o necessário enfrentamento a duas indagações preliminares, a saber:

- o leite em pó objeto da investigação é idêntico ao leite in natura produzido no Brasil?

- se não, há no Brasil produção de produto idêntico ao objeto da investigação?

377. No que concerne à primeira indagação, tanto a Resolução CAMEX nº 2, de 2013, quanto a Circular SECEX nº 5, de 2019, manifestam-se de forma categórica no sentido de inexistir identidade entre o leite em pó objeto da investigação e o leite in natura de produção nacional.

378. Já quanto à segunda, a Circular SECEX nº 5, de 2019, elucida que "de acordo com o item 5.2 do anexo da Resolução CAMEX n° 2, de 2013, [...] a própria peticionária informou na revisão anterior que também é produzido leite em pó não fracionado no Brasil para uso industrial".

379. Diante dessa conjuntura, exsurge como medida inarredável o reposicionamento desta Autoridade Investigadora quanto à matéria, porquanto, havendo produção nacional de leite em pó e não se configurando identidade entre o leite in natura brasileiro e o produto investigado, deve-se reconhecer, no caso vertente, que o produto similar doméstico é o leite em pó produzido no Brasil, e não o leite in natura.

380. Saliente-se não se disputar a existência, de fato, de semelhanças entre o leite em pó e o leite in natura, tampouco a intercambialidade entre ambos, ainda que de forma imperfeita. Não obstante, referida análise torna-se despicienda na medida em que se constata a fabricação, no território nacional, não apenas de produto semelhante, mas de item cuja definição coincide integralmente com aquela do produto objeto da investigação. Nessa hipótese, desvela-se necessário, por força da hierarquia conceitual estabelecida pelo Artigo 2.6 do Acordo Antidumping, o reconhecimento do leite em pó nacional como produto similar doméstico, em detrimento do leite in natura.

381. Repise-se que o tema será objeto de maior aprofundamento no item 2.3.2.5. infra. Por fim, tendo em vista a análise ora apresentada e a conclusão esposada no item 2.4, perdem objeto as demais alegações trazidas pelos governos da Argentina e do Uruguai, as quais, por essa razão, se deixa de endereçar.

2.3.2.5. Dos comentários do DECOM acerca das manifestações

382. A respeito das diversas menções à disputa US - LAMB, antes que se avance na análise do mérito dos demais argumentos das partes interessadas apresentados após o início da investigação, convém rememorar que, conforme exposto no parecer de início, os fatos observados na disputa US - LAMB eram distintos dos atualmente evidenciados uma vez que a definição de indústria doméstica adotada na presente investigação decorreu da definição de produto similar.

383. Na disputa em questão, os EUA foram condenados por promover o alargamento do conceito de indústria doméstica, por meio da inclusão, nesse conceito, dos produtores do produto processado, similar ao importado, e dos produtores da matéria-prima, sob diversos argumentos, tais como elevada integração, inclusive propriedade comum, alta coincidência de interesses econômicos, continuidade do processo produtivo etc. Contudo, não houve disputa quanto à definição do produto similar (ou diretamente concorrente, visto tratar-se de controvérsia no âmbito do Acordo sobre Salvaguardas). Uma vez que a definição de indústria doméstica deriva da identificação do produto similar, o painel considerou inexistir no texto legal base para incluir, no conceito de indústria doméstica, um produtor que não produz ele próprio o produto em questão.

384. Para fins de início, o Departamento ressaltou que na presente investigação, contudo, a indústria doméstica era constituída apenas pelo conjunto dos produtores do produto considerado similar para fins de início. O produto similar, tal como definido para fins de início, efetivamente não seria idêntico ao produto importado, mas, no entendimento do Departamento, apresentaria características suficientemente semelhantes. As situações não guardam, portanto, paralelo relevante para a presente discussão.

385. De outro lado, conforme já mencionado ao longo deste documento, o Departamento revisitou sua análise a respeito do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, no que toca às etapas necessárias para o estabelecimento da similaridade entre o produto objeto da investigação e o produto produzido pela indústria doméstica.

Art. 9º Para os fins deste Decreto, considera-se "produto similar" o produto idêntico, igual sob todos os aspectos ao produto objeto da investigação ou, na sua ausência, outro produto que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto objeto da investigação. (grifos nossos)

386. Ressalte-se, de pronto, que a modificação do posicionamento anteriormente assumido decorre da análise detida de argumentos trazidos aos autos após o início da investigação, os quais justificam a revisão da compreensão outrora adotada.

387. De acordo com o mencionado dispositivo legal, qual seja o caput do art. 9º do Decreto Antidumping, que reflete, por sua vez, o Artigo 2.6 do ADA, seria considerado, inicialmente, como similar ao produto objeto da investigação o produto idêntico, i.e., aquele igual, sob todos os aspectos, ao produto objeto da investigação. Na ausência de produto fabricado pelo país importador que seja idêntico ao produto objeto da investigação, poderá ser considerada a similaridade de outro produto, que, embora não exatamente igual sob todos os aspectos, apresente características muito próximas às do produto sendo analisado.

388. Dessa forma, como ressaltado por algumas partes interessadas, as aludidas disposições normativas estabeleceriam que apenas no caso de inexistência do produto idêntico, poder-se-ia recorrer ao produto não exatamente igual sob todos os aspectos.

389. Nesse sentido, importa destacar jurisprudência do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a respeito da necessidade de conclusão pela inexistência de produto idêntico para que uma autoridade investigadora passe, então, à análise de similaridade de outros produtos com características próximas àquele sob consideração:

It is important to note that the assessment of whether goods are "like" in the sense of Article 2.6 entails first, a consideration of whether goods are identical. Only if there are no goods which are identical to the product under consideration does Article 2.6 allow an investigating authority to consider whether there is some other good which "has characteristics closely resembling those of the product under consideration. (grifo nosso)

390. Insta notar, nesse sentido, as ponderações presentes na obra "A Handbook on Anti-Dumping Investigations", cujos coautores foram membros da Divisão de Regras do Secretariado da OMC:

Pursuant to Article 2.6 of the AD Agreement, the ‘like product’ is ‘a product identical, i.e. alike in all respects to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which, although not alike in all respects, has characteristics closely resembling those of the product under consideration’. [...] Thus, except in the case where there is such an identical product produced domestically, it will be necessary for the investigating authority to look to another product which, while not identical, has characteristics closely resembling those of the product under consideration.

391. Conforme demonstrado nos autos da presente investigação pelas partes interessadas, restou comprovada a existência de produção nacional de leite em pó, para além da produção do leite in natura. A existência do leite em pó produzido no Brasil, qualificado, a priori, com definição idêntica à do produto objeto da investigação, afastaria a possibilidade de definição do leite in natura como produto similar doméstico desta investigação. Por consequência, a definição de indústria doméstica do produto similar e a análise dos indicadores de dano aportados pela peticionária restariam prejudicadas.

392. Ressalte-se que, de acordo com a interpretação de algumas partes interessadas, a ordem indicada nos textos do Artigo 2.6 do ADA e do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, a metodologia a ser adotada para definição de qual será o produto "correspondente e adequadamente comparável" ao produto objeto da investigação não implicaria imediatamente a análise dos critérios dispostos no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013. Tal empreendimento só seria devido caso não houvesse produto idêntico. Embora se admita a razoabilidade de determinados aspectos da tese apresentada, não se pode desconsiderar a existência de elementos que demandam análise complementar.

393. Ainda que houvessem sido apresentados dados pela indústria doméstica de leite em pó, a análise dos critérios dispostos no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, seria necessária, de modo a se avalizar a similaridade do produto doméstico ao produto investigado, examinando se o produto doméstico seria idêntico ou teria características próximas.

394. Desta forma, conquanto não concorde com o argumento de que a discussão de similaridade seria acessória, o Departamento assente ser essencial definir, desde o início da investigação, se haveria produto fabricado no Brasil prima facie idêntico ao produto objeto da investigação. Na sua ausência, seria estabelecida a possibilidade de serem considerados produtos não exatamente iguais, mas que apresentem características muito próximas às do produto objeto, também a partir da análise dos critérios dispostos no § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013.

395. É oportuno consignar também os dizeres do Painel em US - Lumber V (DS294), reproduzidos a seguir:

Article 2.6 therefore defines the basis on which the product to be compared to the 'product under consideration' is to be determined, that is, a product which is either identical to the product under consideration, or in the absence of such a product, another product which has characteristics closely resembling those of the product under consideration. As the definition of 'like product' implies a comparison with another product, it seems clear to us that the starting point can only be the 'other product', being the allegedly dumped product. Therefore, once the product under consideration is defined, the 'like product' to the product under consideration has to be determined on the basis of Article 2.6. However, in our analysis of the AD Agreement, we could not find any guidance on the way in which the 'product under consideration' should be determined. (grifos nossos)

396. A jurisprudência do OSC, portanto, reconhece que o ponto de início de uma investigação é a definição do produto objeto da investigação. Em seguida, deve ser avaliada a existência de produto idêntico ao produto objeto da investigação. Apenas em não existindo tal produto, avaliar-se-á se outro produto é similar ao produto objeto da investigação.

397. Nesse sentido, convém pôr em relevo a seguinte preleção:

[...] according to AD Agreement 2.6, the term ‘like product’ refers either to an identical product or, in the absence of such, a product that closely resembles the product under analysis. Accordingly, the analysis proceeds as follows:

• First, identify the ‘product under consideration’, which is the product potentially dumped into the domestic market; next, identify the domestically produced goods that are identical or, if none exist, closely resemble the goods potentially dumped into the domestic market.

• Then, identify the firms manufacturing products that are ‘like’ the goods potentially dumped. In practice, most countries launch anti-dumping investigations upon request of their domestic manufacturers, who initiate petitions that typically identify both the relevant like product and the firms producing it. (grifo nosso)

398. A definição do produto idêntico ou semelhante ("like product"), por sua vez, é basilar para a definição da indústria doméstica que aportará os dados utilizados na análise de dano.

399. No caso em comento, ao se reconhecer que o leite em pó nacional guarda perfeita identidade com a definição do produto objeto da investigação, a situação da indústria doméstica, que deve, pelo art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, e pelo Artigo 4.1 do ADA, ser composta pela totalidade, ou conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção significativa, da produção nacional total do produto similar doméstico, somente pode ser avaliada de forma objetiva ao refletir os indicadores dos produtores efetivamente envolvidos no setor de leite em pó.

400. A exclusão desses produtores comprometeria a precisão da análise de dano, conforme entendimentos exarados pelo OSC da OMC:

414. [...] to ensure the accuracy of an injury determination, an investigating authority must not act so as to give rise to a material risk of distortion in defining the domestic industry, for example, by excluding a whole category of producers of the like product.

(...)

419. [...] a domestic industry defined on the basis of a proportion that is low, or defined through a process that involves active exclusion of certain domestic producers, is likely to be more susceptible to a finding of inconsistency under Article 4.1 of the Anti-Dumping Agreement.

[Relatório do Órgão de Apelação, EC - Fasteners (China), §§ 414 e 419]

401. A esse respeito, a própria CNA confirma que a produção nacional de leite em pó não teria sido refutada pela peticionária. Contudo, contestou a leitura das demais partes interessadas no sentido de que haveria obrigatoriedade de o produto similar ser produto idêntico ao investigado, uma vez que, em seu entendimento, o termo "ausência" no Artigo 2.6 do ADA não exigiria "inexistência" do produto idêntico, mas tão somente sua não disponibilidade para fins de comparação.

402. Não obstante, a tese propugnada pela CNA não prospera. Dissecando o comando regulamentar, denota-se que o texto do Artigo 2.6 do Acordo Antidumping não trata de ausência de dados, por quaisquer motivos, mas de ausência de produção doméstica de produto idêntico.

403. Também importa trazer à baila, nesse contexto, transcrições do texto em espanhol e francês do Artigo 2.6 do ADA.

2.6 En todo el presente Acuerdo se entenderá que la expresión "producto similar" ("like product") significa un producto que sea idéntico, es decir, igual en todos los aspectos al producto de que se trate, o, cuando no exista ese producto, otro producto que, aunque no sea igual en todos los aspectos, tenga características muy parecidas a las del producto considerado.

2.6 Dans le présent accord, l'expression "produit similaire" ("like product") s'entendra d'un produit identique, c'est-à-dire semblable à tous égards au produit considéré, ou, en l'absence d'un tel produit, d'un autre produit qui, bien qu'il ne lui soit pas semblable à tous égards, présente des caractéristiques ressemblant étroitement à celles du produit considéré.

404. Para além do próprio texto em inglês do dispositivo, sua versão em espanhol parece evidenciar de modo ainda mais patente que a expressão "in the abscence" traduz-se em inexistência de produto idêntico, e não apenas de ausência de informações a seu respeito nos autos da investigação.

405. Segundo a CNA, "a prática internacional e a jurisprudência do DECOM" mostrariam que produtos com características próximas seriam comumente aceitos como similares. De fato. Porém, na presente investigação, há setor produtivo nacional que fabrica produto que possui características que se amoldam exatamente à definição do produto objeto da investigação, o que lhe confere, nos termos do Artigo 2.6 do Acordo Antidumping, precedência, para fins de definição do produto similar doméstico, em relação a outro produto não idêntico, mas que apresente características semelhantes àquele.

406. Diferentemente do advogado pela CNA, tal entendimento não equivaleria a uma "obrigação de sempre e em qualquer situação se incluir somente o produto idêntico na definição do produto similar", mas de privilegiar o uso de informações referentes a produto que teria, sob os critérios do § 1º do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, maior correspondência ao produto investigado.

407. No que toca aos argumentos relacionados à necessidade de realização de ajustes, refuta-se a proposição de que se transformaria em letra morta o Artigo 2.4 do Acordo Antidumping, que dispõe que a "fair comparison shall be made between the export price and the normal value", tratando o referido artigo de comparações entre o produto similar no mercado interno do país investigado e o produto objeto da investigação.

408. Isso porque o artigo em questão se aplica tanto às situações em que o produto similar doméstico corresponde a um produto idêntico ao produto objeto da investigação quanto aos casos em que, dada a inexistência de produto idêntico, se recorre a produto não idêntico, mas com características semelhantes. Essa análise deve ser realizada à luz das circunstâncias particulares de cada caso ("on its merits"), a fim de que se possa concluir quais ajustes são cabíveis e quais não são. Ademais, o dispositivo demanda ajustes não apenas relacionados às características físicas ou químicas do produto, mas igualmente a aspectos mercadológicos e tributários. Destarte, não há que se falar em "letra morta".

409. De outra parte, ressalte-se que, conforme apontado pela AFB, a determinação exarada pelo Artigo 2.6 do ADA seria que o primeiro passo da investigação equivaleria à verificação da existência de produto idêntico (ao leite em pó). Em havendo provas irrefutáveis nos autos da existência de produção nacional de leite em pó, este seria produto que deveria ser considerado similar doméstico. A existência de produto similar idêntico impediria, por si só, a prospecção de produto distinto, ainda que semelhante, e qualquer interpretação em sentido contrário violaria o princípio da efetividade, tornando inútil a expressão "na sua ausência" constante do art. 9º do Decreto nº 8.058, de 2013, e do ADA.

2.4. Da conclusão a respeito do produto e da similaridade

410. Como resultado da presente investigação, a imposição de eventual medida antidumping basear-se-ia em determinação de dano causado a produtores que não os produtores de leite em pó, produto prima facie idêntico ao produto objeto da investigação, ou seja, a setor da indústria doméstica diferente do relevante, que, devidamente definido, seria equivalente aos produtores domésticos de leite em pó.

411. Importa esclarecer que a evolução de entendimento ora encampada por este Departamento não se reveste de arbitrariedade, tampouco de ruptura injustificada com a linha interpretativa anteriormente adotada. Trata-se, ao revés, de legítima evolução institucional, fruto da incorporação aos autos de elementos jurídicos que não haviam sido objeto de apreciação nas deliberações pretéritas.

412. Dentre tais elementos, destaca-se, com especial relevo, decisão proferida pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio no caso EC — Salmon (Norway), até então não suscitada, cuja leitura contribuiu de modo relevante para a reconfiguração do juízo técnico acerca da definição do produto similar no presente caso.

413. A modificação de posicionamento, pois, emerge como consequência natural do dever de constante aperfeiçoamento hermenêutico por parte desta autoridade investigadora.

414. Assim, conclui-se, para fins de determinação preliminar, que o produto similar doméstico ao investigado é o leite em pó produzido no Brasil, e não o leite in natura nacional.

3. DA INDÚSTRIA DOMÉSTICA

415. O art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, define indústria doméstica como a totalidade dos produtores do produto similar doméstico. Nos casos em que não for possível reunir a totalidade destes produtores, o termo "indústria doméstica" será definido como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção significativa da produção nacional total do produto similar doméstico.

416. Conforme destacado no item 1.2.4 deste documento, nos termos do Decreto nº 53.516, de 31 de janeiro de 1964, o setor produtivo de leite in natura está representado pela CNA, entidade sindical de grau superior, constituída pela categoria econômica dos ramos da agricultura, da pecuária, do extrativismo rural, pesqueiras e florestais, independentemente da área explorada, incluindo ainda a agroindústria no que se refere às atividades primárias, em todo o território nacional.

417. A CNA é responsável pela Comissão Nacional de Pecuária de Leite - CNPL, órgão dedicado a estudos setoriais ou regionais de interesse da categoria econômica. A CNPL, por sua vez, é composta por outras entidades de representação dos produtores brasileiros de leite, tais como Organização das Cooperativas do Brasil - OCB, a Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios - CBCL e Associação Brasileira dos Produtores de Leite - Abraleite.

418. Isto posto, considerou-se, para fins de início da investigação, que a CNA, como representante de 100% da produção nacional de leite in natura, possuiria legitimidade de apresentar petição em nome da indústria doméstica.

419. Portanto, naquela ocasião se definiu como indústria doméstica, para fins de análise dos indícios de dano, a totalidade da produção nacional de leite in natura.

420. Não obstante, nos termos da análise esposada no item 2.3.3, para fins de determinação preliminar, em revisita às decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC e em atenção à dialética desenvolvida até o presente momento processual, acatou-se, para fins de determinação preliminar, a argumentação no sentido de que o produto similar doméstico no presente caso constitui-se, na verdade, no leite em pó produzido no Brasil, e não no leite in natura nacional, porquanto, em guardando aquele identidade em relação à definição do produto objeto da investigação, se lhe atribui antelação para esse fim, à luz do Artigo 2.6 do Acordo Antidumping.

421. Por conseguinte, é imperioso igualmente reformular a definição de indústria doméstica, a qual passa a ser conceituada como a totalidade dos produtores nacionais de leite em pó ou, ante eventual impossibilidade de reuni-los em sua inteireza, como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção significativa da produção nacional total de leite em pó.

3.1. Do caráter fragmentário da indústria doméstica

422. Conforme apresentado no item 1.2.1 deste documento, a peticionária solicitou ao DECOM a habilitação da produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada com vista à apresentação de petição de investigação de dumping. Os dados analisados no processo de habilitação indicaram haver a pulverização da produção nacional de leite in natura, tanto considerando o número de produtores nacionais, quanto considerando o porte dos produtores, o volume da produção nacional e o volume de vendas no mercado brasileiro.

423. Dessa forma, o DECOM concluiu que a produção nacional de leite in natura apresentou características de indústria fragmentada no período de janeiro a dezembro de 2023, deferindo a habilitação da produção nacional de leite in natura como indústria fragmentada para fins de defesa comercial. Em decorrência dessa habilitação, e atendendo a pedido da CNA, decidiu-se por estender o prazo para apresentação da petição até o dia 31 de outubro de 2024.

424. A natureza fragmentária da produção de leite in natura se reflete na disponibilidade de dados para fins da análise dos indícios de dano, os quais são basicamente originários de fontes secundárias. Na petição de início, foram apresentados dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Embrapa Gado de Leite e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - Cepea Esalq/USP ("Cepea").

425. Portanto, a maior parte dos dados analisados para fins de caracterização do dano, quando do início da investigação, referiam-se à totalidade da produção de leite in natura no Brasil. Não foi possível contar, para fins de início da investigação, com nenhum dado individualizado de produtor brasileiro.

426. Desse modo, a peticionária se utilizou do procedimento de habilitação como indústria fragmentada regulamentado pela Portaria SECEX nº 162, de 06 de janeiro de 2022.

3.2. Das manifestações acerca da representatividade da indústria doméstica

427. Em 17 de janeiro de 2025, o Grupo Conaprole apresentou manifestação pela qual propugnou a ausência de indústria fragmentada bem como de representatividade da indústria doméstica na investigação, considerando que a CNA não representaria a indústria doméstica do produto similar (leite em pó).

428. O Grupo Conaprole argumentou que, diante da ausência de similaridade entre leite em pó e leite in natura, a definição da indústria doméstica deveria se restringir aos produtores de leite em pó, os quais não configuram uma indústria fragmentada, sendo representados por um número limitado de empresas processadoras como Piracanjuba, Italac e Nestlé. Assim, não se justificaria a flexibilização dos critérios de representatividade previstos na legislação antidumping, tampouco o uso de dados agregados de produtores de leite in natura.

429. O grupo ressaltou ainda que a CNA representaria majoritariamente produtores de leite in natura e não os processadores de leite em pó, cuja exclusão da análise comprometeria a legitimidade da petição inicial, em violação aos Artigos 4.1 e 5.4 do Acordo Antidumping da OMC, destacando, em apoio à essa interpretação, a interpretação do OSC da OMC nos contenciosos (i) Argentina - Poultry Anti-Dumping Duties ("... não pode ser iniciada uma investigação que não tenha o apoio necessário da indústria nacional do produto similar") e (ii) EC - Salmon (Norway) ("uma definição equivocada da indústria doméstica compromete a legitimidade de uma investigação antidumping"):

Regarding the ordinary meaning of the phrase ‘major proportion’, Brazil asserts that the term ‘major proportion’ is synonymous with ‘major part’, which in turn is defined as ‘the majority’. Brazil submits that ‘the majority’ is understood to mean ‘the greater number or part’. Brazil submits that 46 per cent of total domestic production cannot be considered as the greater part of 100 per cent of total domestic production. The European Communities and the United States assert that the word ‘major’ does not necessarily mean ‘majority’, but may also mean ‘unusually important, serious, or significant’.’

(Manifestação do Grupo Conaprole em 17 de janeiro de 2025, com referência a Argentina — Definitive Anti-Dumping Duties on Poultry from Brazil ("Argentina - Poultry Anti-Dumping Duties"), WT/DS241/R, parágrafo 7.340.)

7.115 There is no dispute that filleted salmon is within the scope of the like product identified by the EC in this case. Thus, based on our interpretation of the plain language of Article 4.1, we consider that any enterprise that produced any form of the like product should be considered, at least in the first instance, a ‘producer’ of the like product, and as such, part of the domestic industry.

7.116 It is clear that the investigating authority never considered EC producers of salmon fillets who did not also farm salmon fish to be part of the domestic industry. This is apparent from the fact that the volume of production cited by the EC as ‘total domestic production’, 22,000 tonnes, is, as we understand it, the EC's estimate of the volume of salmon fish farmed by EC salmon growers. It certainly does not include the volume of salmon fillets produced by enterprises that produced salmon fillets from purchased salmon fish. In our view, this wholesale exclusion of an entire category of producers from the domestic industry is not compatible with the definition of domestic industry as set out in Article 4.1.

(Manifestação do Grupo Conaprole em 17 de janeiro de 2025, com referência a European Communities — Anti-Dumping Measure on Farmed Salmon from Norway ("EC - Salmon (Norway)"), WT/DS337/R, paras. 7.107-7.124.)

430. Pelo exposto, o Grupo Conaprole defendeu que a entidade representativa legítima da indústria de leite em pó no Brasil seria a associação Viva Lácteos, que reuniria os principais fabricantes do setor e responderia por cerca de 70% da produção nacional de leite e derivados, solicitando que o DECOM desconsiderasse a CNA como representante da indústria doméstica e, se necessário, oficiasse a Viva Lácteos para obtenção de dados representativos, sob pena de distorção dos indicadores de dano e comprometimento da validade da investigação.

431. Em 10 de fevereiro de 2025, o Grupo Adeco apresentou manifestação na qual registrou que o tema da indústria doméstica fragmentada teria sido analisado pelo Órgão de Apelação no contencioso EC — Fasteners (China), travado perante o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Na ocasião, teria sido ressaltada a importância da definição da indústria doméstica e a obrigação da autoridade investigadora em assegurar que os dados da indústria doméstica não gerassem distorções na análise de dano material, haja vista que a definição da indústria doméstica definiria o escopo das empresas que a constituem. Tratar-se-ia de uma obrigação que deveria caminhar lado a lado com a faculdade de adoção de indústria fragmentada, devendo ser atendida plenamente:

The Appellate Body recognized the difficulty of obtaining information regarding domestic producers, particularly in special market situations, such as fragmented industries with numerous producers. In such special cases, the term 'a major proportion' in Article 4.1 provides an investigating authority with some flexibility to define the domestic industry. Nevertheless, while 'what constitutes a major proportion' may be lower in the light of the practical constraints on obtaining information in a special market situation, an investigating authority bears the obligation to ensure that the way in which it defines the domestic industry does not introduce a material risk of skewing the economic data and, consequently, distorting its analysis of the state of the industry.

(Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025, com referência a European Communities — Definitive Anti-Dumping Measures on Certain Iron or Steel Fasteners from China | "EC — Fasteners (China), WT/DS397/AB/RW).

432. A manifestante prossegue registrando que, para fins de início da investigação, nenhum dado individualizado de produtor brasileiro teria sido analisado tendo em vista a conclusão de natureza fragmentária da produção de leite in natura e que os dados utilizados para fins de análise acerca dos indícios de dano teriam sido basicamente originários de fontes secundárias: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Embrapa Gado de Leite e Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - Cepea/Esalq/USP.

433. À continuação da manifestação, o Grupo Adeco registrou entendimento de que a correta definição de indústria doméstica englobaria apenas produtores de leite em pó, de modo que a indústria doméstica não seria fragmentada e a CNA não possuiria representatividade para fins de investigação antidumping.

434. Nesse sentido, ante os argumentos de inexistência de similaridade entre leite em pó anteriormente apresentados, objeto da investigação, e o leite in natura, a representatividade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) como "indústria doméstica" na presente investigação antidumping não estaria comprovada por não constar dos autos qualquer indício de representação dos produtores brasileiros de leite em pó.

435. Ainda que se insistisse na similaridade entre o leite in natura (insumo) e o leite em pó (produto industrializado), nenhum produtor de leite em pó teria se manifestado favoravelmente à abertura desta investigação e não haveria evidência de que os processadores de leite em pó tivessem sido consultados ou que o apoio necessário tivesse sido alcançado.

436. Segundo o Grupo Adeco, a petição da CNA não teria incluído consultas ou manifestações de apoio por parte dos processadores de leite em pó, que seriam os reais representantes da indústria doméstica deste produto, omissão que poderia levar a uma distorção significativa dos indicadores de dano, considerando que a dinâmica de mercado enfrentada pelos produtores de leite in natura diferiria substancialmente daquela dos processadores de leite em pó.

437. A manifestante registrou ainda precedentes decididos pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC a respeito da interpretação dos Artigos 5.4 e 4.1 do Acordo Antidumping. No contencioso EC - Salmon (Norway), o Painel teria considerado que a definição errônea da indústria doméstica comprometeria a legitimidade da investigação antidumping e a exclusão de produtores relevantes, como produtores de salmão orgânico e de filés de salmão, teria resultado em uma base incorreta para o cálculo da proporção da indústria representada na investigação antidumping:

(...)

7.124 We therefore conclude that the EC’s approach to defining the domestic industry in this case resulted in an investigation concerning a domestic industry that did not comport with the definition set forth in Article 4.1 of the AD Agreement. As a consequence, the EC’s determination of support for the application under Article 5.4 was based on information relating to a wrongly-defined industry, and is therefore not consistent with the requirements of that Article.(...).

(Manifestação do Grupo Adeco, de 10 de fevereiro de 2025, com referência ao Relatório do Painel da OMC na disputa EC - Salmon (Norway), paras. 7.107-7.124)

438. Segundo a manifestante, o Parecer de Abertura teria violado o Artigo 5.4 do Acordo Antidumping ao definir a indústria doméstica exclusivamente com base nos produtores de leite in natura, excluindo os processadores de leite em pó; exclusão que teria impedido a participação efetiva dos verdadeiros representantes da indústria do produto investigado, distorcendo a análise dos impactos econômicos e comerciais das importações, ao adotar referências de mercado e produto que não refletiriam a realidade concorrencial.

439. Além disso, a manifestante registra que existiria no Brasil uma indústria láctea com atuação específica na produção de leite em pó, composta por empresas de grande porte reunidas na Associação Brasileira de Laticínios - Viva Lácteos, entidade que representaria 70% da produção nacional de leite e derivados, sendo, portanto, mais adequada para representar o setor de leite em pó do que a CNA.

440. Diante da existência de produtores nacionais reconhecidos e de uma associação representativa legítima, a manifestante compreende que seria imprescindível desconsiderar a CNA como representante da indústria doméstica, permitindo ao DECOM obter junto à Viva Lácteos permitiria ao DECOM dados reais da indústria de leite em pó e, inclusive, estender o período de análise de dano para os cinco anos exigidos pela legislação antidumping.

441. Em manifestação apresentada no dia 13 de fevereiro de 2025, o governo da Argentina argumentou que a autoridade investigadora brasileira não teria demonstrado adequadamente que os produtores representados pela CNA constituiriam parte significativa da produção nacional de leite em pó, conforme seria exigido pelos Artigos 3.4 e 4.1 do Acordo Antidumping.

442. Segundo o governo argentino, a CNA representaria os produtores de leite cru e poderiam existir no Brasil associações mais específicas que representassem os produtores de leite em pó, sem que houvesse evidência de consulta ou apoio formal dos processadores de leite em pó à investigação; omissão que comprometeria a validade dos indicadores de dano utilizados.

443. Além disso, o governo argentino questionou se existiriam no Brasil associações mais específicas que representassem os produtores de leite em pó, as quais deveriam ser consideradas como partes interessadas.

444. Na manifestação conjunta apresentada em 26 de março de 2025, as empresas Mastellone, Glória, Noal e Leitesol repisaram a argumentação previamente apresentada de que a peticionária não representaria a indústria doméstica em decorrência da ausência de similaridade entre o produto objeto da investigação e o produto de fabricação do setor representado pela CNA.

445. Na manifestação apresentada em 17 de abril de 2025, o grupo Adeco reiterou que a CNA não representaria a indústria doméstica porque estaria inadequada a definição do produto similar doméstico do objeto da investigação (leite em pó).

446. Segundo o grupo Adeco, a comercialização do leite em pó requereria que as empresas nacionais demonstrem conformidade de sua produção com as regras do MAPA, sendo obrigatório o registro do estabelecimento produtor no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal ("DIPOA") no qual a classificação dos produtores de leite em pó seria "unidade de beneficiamento de leite e derivados".

447. Além do registro no DIPOA, haveria registro dos produtores nacionais de leite em pó publicamente disponível no sítio eletrônico do MAPA em razão da necessidade de obtenção, por tais produtores, do selo dos Serviços de Inspeção Federal ("SIF") que atestaria a qualidade do produto e demonstraria a autorização das empresas para atuar como unidades de beneficiamento de leite e derivados.

448. O grupo manifestante exemplificou o registro ativo para o beneficiamento do leite da empresa Goiasminas Indústria de Laticínios Ltda. ("Italac"), empresa cujo sítio eletrônico (https://www.italac.com.br/sobre-a-italac/) evidenciaria possuir produção de leite em pó em suas fábricas localizadas em Corumbaíba/GO, Jaru/RO e Tapejara/RS.

449. Dada a existência de produtores de leite em pó nacionais reconhecidos, bem como de associação representativa desses produtores brasileiros, seria imprescindível a desconsideração da CNA como representante da indústria doméstica e aferição e verificação dos dados reais da indústria doméstica de leite em pó, oferecendo, inclusive, a extensão do período de análise de dano à indústria doméstica para os cinco anos exigidos pela legislação antidumping - e que teria sido aplicado pelo DECOM virtualmente em todas as investigações antidumping nos últimos 30 anos.

450. O grupo Adeco reiterou que haveria informações disponíveis sobre o mercado e a indústria nacional de leite em pó, as quais permitiriam o exame adequado do desempenho dos produtores nacionais ao longo do período de investigação, bem como de todos os fatores e índices econômicos relevantes que influenciam a situação da indústria.

451. Em manifestação apresentada no dia 16 de julho de 2025, a ABIA sustentou que a peticionária representaria majoritariamente produtores de leite in natura e, sem incluir co-peticionárias do setor de leite em pó, não atenderia ao requisito legal de representatividade mínima de 25% da produção nacional do produto similar, conforme exigido pelo §2º do art. 37 do Decreto nº 8.058, de 2013.

452. A ABIA reiterou a argumentação de que, mesmo que fosse acolhida a tese de similaridade entre leite in natura e leite em pó, com base na possibilidade de reconstituição seria exigido da peticionária a comprovação, com dados concretos, de participação mínima na produção do produto efetivamente investigado: leite em pó não fracionado, em embalagens industriais de 25 kg, destinado à indústria de alimentos.

453. Segundo a ABIA, empresas-chave da cadeia produtiva de leite em pó, como Italac, Embaré, Frimesa e Lactalis, não teriam sido incluídas ou consultadas na petição, o que, em conjunto com a ausência de comprovação objetiva da representatividade mínima legal e a desconexão entre a base representada e o produto investigado levariam à conclusão de que a petição não preencheria os requisitos legais de admissibilidade.

3.3. Dos comentários do DECOM acerca das manifestações

454. A controvérsia a ser dirimida reside na exata identificação dos produtores que se enquadram no conceito de "indústria doméstica" que teria sofrido dano causado pelas importações a preços de dumping. Para tanto, o Artigo 4.1 do ADA impõe às autoridades investigadoras a incumbência de proceder à análise dos dados de "domestic producers as a whole of the like products or those of them whose collective output of the products constitutes a major proportion of the total domestic production of those products".

455. Em harmonia com o ADA, o caput do art. 34 do Decreto nº 8.058, de 2013, dispõe que o termo indústria doméstica será interpretado como a totalidade dos produtores do produto similar doméstico e seu parágrafo único prevê que a indústria doméstica também poderá ser definida como o conjunto de produtores cuja produção conjunta constitua proporção significativa da produção nacional total do produto similar doméstico.

456. Incorreções na definição do produto similar geram também falhas na definição da indústria doméstica que aporta os indicadores de dano a serem analisados. A partir da definição do produto similar ao produto objeto da investigação, a autoridade investigadora deve identificar quem são os produtores do produto similar doméstico.

457. Nos autos em tela, restou patente a existência de produtores brasileiros de leite em pó, produto similar doméstico ao leite em pó originário da Argentina e do Uruguai objeto da presente investigação. Dessa forma, sem os dados de tais produtores, resta prejudicada a análise da representatividade mínima legal prevista no art. 37 do Regulamento Antidumping, bem como as análises de dano e nexo causal previstas no Capítulo III do Decreto nº 8.058, de 2013.

4. DO DANO

458. Considerando a conclusão alcançada no item 2, no sentido de que o produto similar doméstico ao produto objeto da investigação é o leite em pó fabricado no Brasil, e não o leite in natura, endente-se inexistirem nos autos processuais elementos que permitam a avaliação (i) do impacto das importações a preços de dumping sobre os preços do produto similar no mercado doméstico e (ii) do consequente impacto dessas importações nos produtores domésticos de tais produtos, conforme determinam os Artigos 3.1, 3.2 e 3.4 do Acordo Antidumping. À míngua de tais elementos, não se pode concluir, no presente caso, pela existência ou não de dano à indústria doméstica, requisito essencial à aplicação de medida antidumping.

459. Por essa razão, deixar-se-á de examinar a evolução das importações e do mercado brasileiro, enquanto elementos integrantes da análise de dano, conforme preceituam os Artigos 3.1 e 3.2 do Acordo Antidumping.

5. DO DUMPING E DO NEXO DE CAUSALIDADE

460. Diante da ausência de elementos que permitam avaliar a existência ou não de pressuposto material indispensável à imposição de direito antidumping, qual seja, o dano à indústria doméstica, deixa-se, por razões de economia processual e em observância ao princípio da eficiência administrativa, de proceder à análise da existência dos demais requisitos autorizadores da adoção da medida protetiva, a saber: o dumping e o nexo de causalidade entre este e eventual dano à indústria doméstica.

6. DA RECOMENDAÇÃO

461. Tendo em vista as análises desenvolvidas ao longo deste documento, concluiu-se não ser possível afirmar que as importações de leite em pó originárias da Argentina e do Uruguai causaram dano aos produtores domésticos de leite em pó, uma vez que (i) o exame dos efeitos das importações alegadamente objeto de dumping sobre os preços do produto similar no mercado brasileiro e o (ii) exame do consequente impacto de tais importações sobre a indústria doméstica restaram prejudicados pela falta de dados acerca de fatores e índices econômicos pertinentes, relacionados com a situação da indústria nacional de leite em pó.

462. Uma vez que não há elementos suficientes para comprovar dano, sopesando, de um lado, (i) a ruptura com a linha interpretativa anteriormente adotada e prestigiando o direito à ampla defesa e ao contraditório previsto no Artigo 6.9 do ADA, e, por outro, (ii) as balizas normativas estatuídas pelos Artigos 5.8 do ADA e pelo inciso I do art. 74 do Decreto nº 8.058, de 2013, que conduzem ao encerramento da investigação, recomenda-se o prosseguimento da investigação, sem a aplicação de direito antidumping provisório, conforme cronograma exposto no item 1.2.13 deste documento.

463. Ressalte-se que a efetiva execução do cronograma previsto no supramencionado item, em sua completude, dependerá da conclusão a ser alcançada e exposta na Nota Técnica de Fatos Essenciais.