Solução de Consulta COTRI Nº 10 DE 23/05/2025


 Publicado no DOE - DF em 23 mai 2025


Não incide ITCD sobre a doação de bens móveis localizados no exterior, mesmo que doadores e donatários tenham domicílio no Distrito Federal, conforme § 3º do art. 2º da Lei nº 3.804/2006 e entendimento do STF no Tema 825 (ADI 6833/DF).


Monitor de Publicações

PROCESSO nº 04044-00033419/2024-50

ITCD. Doação de bens móveis localizados no exterior. Domicílio dos doadores e donatários no Distrito Federal. § 3º do art. 2º da Lei nº 3.804/2006. ADI 6833/DF. Tema 825 do STF. Não incidência.

I – Relatório

1. Trata-se de Consulta formulada por patrono, devidamente constituído, de pessoa física integrante de fato jurídico com possíveis efeitos tributários, envolvendo a legislação do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e a Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD, instituído pela Lei nº 3.804/2006 e regulamentado neste território pelo Decreto nº 34.982/2013 (RITCD) e alterações legislativas posteriores.

2. Na inicial, o Consulente apresenta a descrição de uma doação de ações ordinárias de instituição estrangeira, na qual tanto os doadores quanto os donatários estão domiciliados no Distrito Federal (DF).

3. Relata que os tributos federais pertinentes foram recolhidos.

4. Aponta que a legislação do DF contém dispositivos atacados no bojo da ADI 6833/DF, com sua “ratio decidendi” lastreada pelo Tema 825 do STF.

5. Em seguida, defende argumento de que qualquer elemento da matriz de incidência do ITCD ligado ao exterior, seja o domicílio, seja a origem dos bens móveis, acarretaria a não incidência tributária.

6. Ratifica seu entendimento por meio de jurisprudência, em destaque:

“JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. DIREITO TRIBUTÁRIO. ITCMD.

DOAÇÃO DE BEM. EXTERIOR. ART. 155/CF. NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. TEMA 825/STF. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO

(...)

9. No caso em questão, a doação, em dinheiro, teve origem no exterior, portanto, não pode haver cobrança do tributo sem a edição de Lei Complementar.

(...)

(Acórdão 1885717, 0704078-39.2024.8.07.0016, Relator(a): ANTONIO FERNANDES DA LUZ, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 28/06/2024, publicado no PJe: 10/07/2024.)”

7. Repisa o supra entendimento pelo fato de o Tabelião do Cartório do 4º Ofício de Notas do DF ter lavrado a escritura pública de doação.

8. Ao final, apresenta os seguintes questionamentos, “ipsis litteris”:

“Por outro lado, as manifestações da fazenda pública distrital nas ações judiciais que tramitaram no TJDF demonstram a controversa do tema, justificando a eficácia da consulta, pois naqueles casos o DF fundamentava-se no Tema 825 e na necessidade da cumulação de elementos relevantes de conexão com o exterior para afastar a exação.

Por exemplo, a combinação de que os bens sejam recebidos no estrangeiro e o doador tenha domicílio no exterior.

Assim, com o objetivo de eliminar qualquer dúvida e evitar acréscimos moratórios de multa e juros, ainda dentro do prazo para o pagamento, requeremos que Vossa Senhoria se digne dirimir a dúvida concernente a ponto controverso de interpretação e aplicação da legislação tributária do Distrito Federal, qual seja a incidência ou não do ITCD sobre a doação de bens móveis recebidos no exterior cujos doadores e donatários têm domicílio no Distrito Federal, em vista da decisão na ADI 6833/DF.

Em seguida, se for o caso, determine a remessa dos autos administrativos – após o trânsito em julgado deste processo de consulta – ao setor responsável pelo lançamento e expedição da guia do ITCD, de modo a viabilizar o pagamento do referido tributo sem acréscimos legais.”

9. Em ato contínuo, os autos seguiram aos demais setores competentes desta Secretaria de Estado de Economia (SEEC) para as providências formais cabíveis.

10. Nesses termos, os autos foram remetidos a esta GEESC para apreciação e manifestação.

II - ANÁLISE - Fundamentação

11. Por oportuno, cabe destacar que a Solução de Consulta não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual. Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações ou interpretações e não gera qualquer efeito caso se   constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a Solução de Consulta.

12. De plano, vejamos a literalidade dos dispositivos constitucionais que lastreiam a competência tributária do DF:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(...)

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

(...)

III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;” (grifos nossos)

13. Em virtude da previsão de lei complementar na situação em destaque, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a controvérsia por meio do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851.108, com repercussão geral (Tema 825), cujo teor é o seguinte:

“Tese: É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”

14. Com base nessa tese, diversas ações de inconstitucionalidade foram impetradas no STF, sendo a ADI 6833 aquela pertinente aos dispositivos do Distrito Federal.

15. Em direta síntese, o Egrégio Tribunal reconheceu a inconstitucionalidade de parte da legislação distrital, declarando a inconstitucionalidade formal:

“(i) da expressão “ou no exterior”, constante da alínea a do inciso I do § 3º do art. 2º;

(ii) das expressões “ou no exterior ” e “ainda que o de cujus fosse residente ou domiciliado no exterior”, constante da alínea b do inciso I do § 3º do art. 2º;

(iii) das expressões “ou no exterior, no caso de o inventário ou arrolamento processar-se no exterior” e “ainda que o de cujus fosse residente ou domiciliado no exterior”, constantes da alínea c do inciso I do § 3º do art. 2º;

(iv) das expressões “ou no exterior” e “ainda que tenha residência no exterior”, constantes da alínea b do inciso II do § 3º do art. 2º; e

(v) da expressão “no exterior, quando o doador for domiciliado no exterior”, constante da alínea c do inciso II do § 3º do art. 2º, todos da Lei 3.804/2006 do Distrito Federal.” (grifos nossos) 

16. Com isso, todas as menções ao “exterior” foram formalmente suprimidas da Lei distrital nº 3.804/2016, a qual passou a dispor nos seguintes termos:

“Art. 2º O ITCD incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos havidos:

(...)

§ 3º A incidência do Imposto alcança:

I - as transmissões causa mortis:

a) de propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos, situados no território do Distrito Federal, ainda que o respectivo inventário ou arrolamento seja processado em outra unidade da Federação ou no exterior; (Expressão Declarado(a) Inconstitucional pelo(a) ADI 6833 de 03/05/2021)

b) de bens móveis, direitos, títulos e créditos, inclusive os que se encontrem em outra unidade da Federação ou no exterior, no caso de o inventário ou arrolamento processar-se no Distrito Federal, ainda que o de cujus fosse residente ou domiciliado no exterior; (Expressões Declarados(as) Inconstitucionais pelo(a) ADI 6833 de 03/05/2021)

c) de bens móveis, direitos, títulos e créditos, inclusive os que se encontrem em outra unidade da Federação ou no exterior, no caso de o inventário ou arrolamento processar-se no exterior e o herdeiro ou legatário possuir domicílio no Distrito Federal, ainda que o de cujus fosse residente ou domiciliado no exterior; (Expressões Declarados(as) Inconstitucionais pelo(a) ADI 6833 de 03/05/2021)

II - as doações:

a) de bens imóveis e de direitos a eles relativos, situados no território do Distrito Federal, ainda que doador, donatário ou ambos não tenham domicílio ou residência no Distrito Federal;

b) de bens móveis, direitos, títulos e créditos, inclusive os que se encontrem em outra unidade da Federação ou no exterior, quando o doador for domiciliado no Distrito Federal, ainda que tenha residência no exterior; (Expressões Declarados(as) Inconstitucionais pelo(a) ADI 6833 de 03/05/2021)

c) de bens móveis, direitos, títulos e créditos, inclusive os que se encontrem em outra unidade da Federação ou no exterior, quando o doador for domiciliado no exterior e o donatário no Distrito Federal. (Expressão Declarado(a) Inconstitucional pelo(a) ADI 6833 de 03/05/2021)” (grifos nossos)

17. Ainda na ementa da ADI 6833/DF, consta o seguinte:

“A recente jurisprudência desta Casa firmou-se no sentido da impossibilidade de exercício da competência supletiva, ainda que temporária e excepcional. Precedente – RE 851.108/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 20.04.2021, Tema n.º 825 da Repercussão Geral, no qual fixada a seguinte tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. Manutenção do entendimento em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Precedentes.” (grifos nossos)

18. Cingindo o efeito prático da decisão da ADI ao seu fundamento, percebe-se que a Suprema Corte buscou, em última análise, afastar do âmbito da competência legislativa plena dos Estados e do Distrito Federal (§ 3º do art. 24 da CF/88) os casos de incidência do ITCD cuja regulamentação dependa de lei complementar.

19. Conforme replicado acima, no que se refere às doações, a Carta estabeleceu a necessidade de regulamentação por lei complementar apenas quando o doador possuir domicílio ou residência no exterior (alínea "a" do inciso III do § 1º do inciso I do art. 155).

20. Todavia, considerando os termos da ADI 6833, que determinou a exclusão da expressão “ou no exterior ” das alíneas "b" e "c" do inciso II do § 3º do art. 2º, desde a sua produção de efeitos, no Distrito Federal não há previsão legal de incidência do ITCD nas doações de bens móveis, direitos, títulos e créditos, que se encontrem no exterior, independentemente de o doador ou donatário residir ou for domiciliado no Distrito Federal ou no exterior.

21. Esse é o ordenamento jurídico vigente a ser aplicado pela Administração Tributária, haja vista a obrigatoriedade do cumprimento da decisão, mesmo que ela tenha ampliado o entendimento esposado no Tema 825 do STF e extrapolado a Constituição Federal.

22. Importa destacar, ainda, que se encontra em tramitação no Senado Federal - após aprovação na Câmara dos Deputados - o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108, de 2024, inserido no contexto da reforma tributária, que, dentre outras matérias, trata sobre o ITCD, e assim vem disciplinando, para o caso em análise:

“Art. 179. É sujeito ativo do ITCMD relativamente a bens móveis, incluindo títulos, créditos e outros direitos e bens incorpóreos:

(...)

II - na transmissão por doação, independentemente da localização dos bens:

a) em caso de doador com domicílio no Brasil, o Estado ou Distrito Federal de domicílio do doador; ou

b) em caso de doador domiciliado no exterior, o Estado ou Distrito Federal de domicílio do donatário; e

III - na transmissão causa mortis ou doação, em caso de transmitente e recebedor domiciliados no exterior, o Estado ou Distrito Federal.” (grifos nossos)

23. Dessa forma, até eventual aprovação do PLP nº 108/2024 nesses termos e sua posterior internalização por meio de lei ordinária no âmbito do Distrito Federal, à luz da decisão do STF na ADI 6833, resta afastada a tributação pelo ITCD sobre as doações de bens móveis, direitos, títulos e créditos localizados no exterior, independentemente de o doador ou donatário residir ou for domiciliado no Distrito Federal ou no exterior.

III - Conclusão - Resposta

24. Pelo exposto, informa-se que, tendo a ADI 6833 declarado a inconstitucionalidade formal da expressão “ou no exterior”, constante da alínea "b" do inciso II do § 3º do art. 2º da Lei nº 3.804/2006, na situação analisada, em que os bens móveis se encontram no exterior e tanto os doadores quanto os donatários residem no Distrito Federal, não há incidência de ITCD no âmbito do DF.

25. Nos termos do disposto no art. 80 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011 (Regulamento do Processo Administrativo Fiscal – RPAF), a presente Consulta é eficaz aplicando-se a esta o disposto no inciso III do art. 81 e caput do art. 82, ambos do RPAF. Encaminho à aprovação desta Coordenação o Parecer supra.

Brasília/DF, 11 de abril de 2025

LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA

Gerência de Esclarecimento de Normas

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "c" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 14, de 26 de fevereiro de 2025 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 42, de 28 de fevereiro de 2025, págs. 3 e 4).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa após seu trânsito em julgado.

Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o inciso II do art. 78 combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.

Brasília/DF, 16 de maio de 2025

MATEUS TORRES CAMPOS

Coordenação de Tributação

Coordenador Substituto