Leitores de livros digitais não têm imunidade fiscal


28 mai 2013 - IR / Contribuições

Gestor de Documentos Fiscais

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região entendeu que a imunidade fiscal garantida pela Constituição Federal a livros, periódicos e papel não alcança os leitores de livros digitais (e-readers). Em um dos poucos processos sobre o tema, os desembargadores deram provimento a um recurso contra liminar obtida pela Livraria Cultura, que isentava de impostos a importação do e-reader Kobo.

Os contribuintes, porém, ainda contam com um precedente favorável à isenção. Uma sentença beneficia um advogado paulista. No Legislativo, as atenções de fabricantes e importadores se voltam para um projeto de lei que estende o benefício ao leitores de livros digitais, equiparando-os aos exemplares em papel.

A rede havia conseguido uma liminar contra o pagamento de PIS, Cofins, Imposto de Importação e IPI sobre a importação do e-reader Kobo. A ação foi ajuizada antes mesmo de autuação pela Fazenda Nacional. No processo, alega que o leitor digital desempenha a mesma função do livro convencional e, portanto, enquadraria-se no artigo 150 da Constituição Federal. A norma estipula que é vedada a cobrança de tributos sobre "livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão".

Já em relação ao PIS e Cofins, que não são abrangidos pela Constituição, a Livraria Cultura defende que o Kobo estaria contemplado pela Lei nº 10.865, de 2004. A norma estabelece que as contribuições sociais não devem incidir sobre operações envolvendo livros.

Para a desembargadora Alda Basto, entretanto, a equiparação seria indevida. A magistrada considerou que a Constituição traz de maneira expressa os produtos abarcados pela imunidade. "Embora os leitores eletrônicos possam 'aparentemente' conter finalidade educativa, já que visam a divulgação de informações de conteúdo educativo e científico, não há como se equiparar os e-readers ao papel destinado à impressão de livros", afirma a magistrada na decisão.

Para o procurador Leonardo Curty, não há urgência no pedido e não é possível estender a imunidade aos leitores. "Alegamos que a empresa não demonstrou que o item serve única e exclusivamente para leitura. Se for partir desse pressuposto, qualquer tablet também é um leitor", diz Curty, que faz parte da Divisão de Acompanhamento Especial da Procuradoria da Fazenda Nacional em São Paulo.

Procurada pelo Valor, a Livraria Cultura não quis comentar a decisão.

Uma ação semelhante foi analisada em 2010 pela 22ª Vara Federal de São Paulo, que decidiu de forma favorável a um advogado. O profissional obteve o direito de importar o e-reader Kindle sem o pagamento de impostos. Para o juiz José Henrique Prescendo, relator do caso, a Justiça não deve analisar o artigo 150 da Constituição literalmente, e a isenção deve ser estendida a outros produtos. "Assim há de ser interpretada a norma constitucional para que nossa Carta Magna tenha vida longa, ou seja, que não precise ser emendada a cada evolução tecnológica que surja", afirma o magistrado na decisão.

O advogado Fernando Ayres, do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados, concorda com a extensão da imunidade aos e-readers, desde que seja comprovado que a única funcionalidade do produto é ler e-books. "O artigo 150 não pode ser interpretado literalmente, mas com a finalidade que foi inserido na Constituição, de incentivo à leitura", diz.

"Se admitirmos que o leitor tem como função exclusiva permitir a leitura de obra literária, não tenho dúvida alguma que deveria estar coberto pela imunidade", afirma o advogado Tácito Matos, tributarista do L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira, Agel.

O assunto, porém, poderá ser resolvido pelo Legislativo. Tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 4.534, de 2012, que tem como autor o senador Acir Gurgacz (PDT-RO). A proposta adiciona um inciso à Lei nº 10.753, de 2003, que instituiu a Política Nacional do Livro, para equiparar os leitores digitais aos livros.

Para o senador, a isenção fiscal poderia estimular a compra de aparelhos, que hoje chegam muitas vezes ao país de forma ilegal. "É importante que fique claro que a proposta não representa uma queda de arrecadação. Serão vendidos mais aparelhos de forma legal."

 

Supremo discute isenção de e-books

Ao contrário dos leitores eletrônicos (e-readers), os livros digitais (e-books) estão conseguindo obter no Judiciário a isenção de impostos. A discussão está mais adiantada e já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deu repercussão geral a um recurso sobre o tema.

O relator do caso, que discute a comercialização de uma enciclopédia jurídica eletrônica, é o ministro Dias Toffoli. A ação foi proposta pela empresa Elfez Edição Comércio e Serviços, que conseguiu no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) garantir à enciclopédia a isenção prevista na Constituição Federal.

No texto em que reconheceu a repercussão geral, em agosto de 2012, Toffoli destacou que atualmente existem duas correntes no direito, uma que acredita que o artigo 150 da Constituição deve ser interpretado literalmente e outra que atribui uma análise extensiva à norma.

"No caso em apreço, almeja-se aferir se o legislador, ao criar a norma imunizante, realmente pretendeu contemplar apenas o papel e seus derivados ou, finalisticamente, pretendeu acobertar, de forma genérica, outros suportes físicos ou mesmo imateriais utilizados na veiculação de livros, periódicos e similares", afirma o ministro no texto em que reconheceu a repercussão geral do caso.

Advogados tributaristas consideram que, por mais que os livros digitais e os e-readers estejam relacionados, judicialmente as discussões são distintas. Desta forma, o que for decidido pelo Supremo valeria apenas para os livros digitais, e não poderia ser estendido aos leitores. "Caso esse julgamento seja favorável aos contribuintes, a tendência é de empresas que atuam com e-readers ajuizarem ações com base no entendimento do Supremo", afirma o advogado Daniel Mariz Gudiño, do escritório Dannemann Siemsen Advogados.

Procurada pelo Valor, a Elfez Edição Comércio e Serviços não deu retorno até o fechamento da edição.


Fonte: Valor Econômico