O aumento do IOF e o trilema de política econômica


7 out 2010 - IR / Contribuições

Impostos e Alíquotas por NCM

Medida não deve alterar tendência de fortalecimento da moeda nacional.

Em mais uma tentativa de conter a tendência de valorização do real, o governo brasileiro elevou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% para 4% para investimentos estrangeiros em renda fixa. A medida é uma extensão da introdução do imposto para capital estrangeiro de 2% sobre renda fixa e variável, implementada em outubro de 2009.

Inúmeros países adotaram, no passado, mecanismos de controles de capitais como tentativa de evitar a valorização de suas moedas em consequência do ingresso de capitais externos, causado, principalmente, pelo diferencial dos juros do país em relação à taxa americana ou à de outros países desenvolvidos. Apenas como exemplo, a taxa básica no Brasil (Selic) é de 10,75% ao ano, enquanto os juros nos Estados Unidos se situam no intervalo entre 0% e 0,25% ao ano. Nessas condições, estrangeiros preferem obter um retorno expressivo no Brasil ao invés de aplicar no mercado americano. É possível, ainda, tomar empréstimos com baixas taxas de juros em países desenvolvidos e aplicar os recursos em países emergentes, como o Brasil, o que garante lucro significativo na operação.

Mas, afinal, qual é a relação entre o IOF e a taxa de câmbio no Brasil? Em um cenário de integração de mercados financeiros e diante do fato de que inúmeros países utilizam regimes de câmbio flutuante na atualidade, ganhou força no fim da década de 1990, entre os estudos de economia internacional, a tese do "trilema" de política econômica. O trilema de política econômica consiste na escolha de uma combinação desejável de apenas duas de três metas macroeconômicas importantes para os países: a independência da política monetária, a estabilidade da taxa de câmbio e a livre mobilidade de capitais.

Após várias crises que atingiram países ou regiões como o México (1995), Ásia (1997), Brasil (1999) e Argentina (2002), verificou-se que apenas dois dos três objetivos podem ser alcançados de forma concomitante. Desse modo, três combinações são possíveis: estabilidade da taxa de câmbio com livre mobilidade de capitais, independência de política monetária com livre mobilidade de capitais e estabilidade da taxa de câmbio com independência de política monetária. Para cada uma das combinações é necessária a adoção de um dos seguintes instrumentos: Conselho monetário, taxa de câmbio flutuante e controles de capital.

Nesse sentido, para que um país tenha estabilidade da taxa de câmbio com livre mobilidade de capitais é necessário que se adote um conselho monetário. Esse conselho é um órgão independente do governo com o objetivo de emitir moeda conversível a uma taxa de câmbio fixa com o dólar. Em outras palavras, consiste num regime rígido de taxa de câmbio garantido por um órgão independente de pressões políticas. Experiência semelhante foi vivenciada pela economia argentina com a adoção do Plano de Conversibilidade na década de 1990. No entanto, como se verificou no início da década seguinte, o sistema teve que ser abandonado, em um cenário de forte recessão econômica.

A outra possibilidade, de independência de política monetária com livre mobilidade de capitais, somente é possível se o governo adotar taxas flutuantes de câmbio. Pode-se caracterizar o caso brasileiro como tal após a mudança cambial promovida em 1999. Com a flutuação do real em relação do dólar, os dois instrumentos têm coexistido na economia brasileira.

Para a combinação ocorrer, entretanto, é imprescindível a flutuação da taxa de câmbio, indesejada principalmente em períodos de valorização acentuada ou de fuga de capitais.

Finalmente, a combinação de estabilidade da taxa de câmbio com independência de política monetária exige a imposição de controles de capitais. Este é justamente o objetivo da medida atual. Para evitar instabilidade na taxa de câmbio ao mesmo tempo em que se utiliza a política monetária para controle da inflação, o governo brasileiro se viu obrigado a implementar controles de capitais. A medida, no entanto, não deve alcançar os resultados desejados.

O que se nota, geralmente, é que os mecanismos de controle, como a implementação ou elevação de IOF, produzem apenas efeitos de curto prazo sobre a taxa de câmbio. Foi o que ocorreu no ano passado com a adoção da alíquota de 2% sobre investimento de estrangeiros em renda fixa e variável no Brasil. A mudança atual, que dobra o valor da alíquota e impede uma valorização de curto prazo do real, não deve alterar a tendência de longo prazo de fortalecimento da moeda nacional.

A solução do problema envolve a discussão da coordenação de políticas macroeconômicas internacionais. Uma nova arquitetura financeira internacional é necessária para evitar desequilíbrios decorrentes do uso de distintos regimes cambiais.

Enquanto EUA, Europa, Japão e outros países emergentes se utilizam de regimes flutuantes de câmbio, alguns países, como a China, mantêm suas moedas em níveis desvalorizados com intervenção no mercado cambial, o que incentiva fortemente as exportações e favorece o acúmulo de reservas sem a necessidade de imposição de controles de capitais.

Regimes cambiais distintos tendem a provocar assimetrias no sistema financeiro internacional, beneficiando alguns países em detrimento de outros. Como o regime cambial no Brasil é flutuante, o forte ingresso de recursos provoca a valorização do real. Se, no entanto, o governo alterar a política cambial, pode remover os controles de capitais ao mesmo tempo em que evita a valorização cambial. Vale ressaltar, contudo, que se todos os países decidirem por intervenção no mercado de câmbio, políticas cambiais se transformarão em guerras comerciais e resultarão, inevitavelmente, na piora do bem-estar de todos.

Desse modo, apesar de a economia brasileira conviver com uma política de flutuação cambial desde 1999, é possível notar sinais de esgotamento do regime flutuante na medida em que são adotados sucessivos aumentos de alíquota do imposto para evitar que o processo de valorização do real continue ao mesmo tempo em que determinados países intervêm nas taxas de câmbio. Indiretamente, a medida constitui uma intervenção no mercado de câmbio. Uma medida necessária, contudo insuficiente, em um sistema financeiro internacional que convive com distintos regimes cambiais que podem favorecer ou prejudicar determinados países.


Fonte: Valor Econômico