Lei Nº 14701 DE 20/10/2023


 Publicado no DOU em 20 out 2023


Regulamenta o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, altera as Leis Nº 11460/2007, que dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação, Nº 4132/1962, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação, e Nº 6001/1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.


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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.

Art. 2º São princípios orientadores desta Lei:

I - o reconhecimento da organização social, dos costumes, das línguas e das tradições indígenas;

II - o respeito às especificidades culturais de cada comunidade indígena e aos respectivos meios de vida, independentemente de seus graus de interação com os demais membros da sociedade;

III - a liberdade, especialmente de consciência, de crença e de exercício de qualquer trabalho, profissão ou atividade econômica;

IV - a igualdade material;

V - a imprescritibilidade, a inalienabilidade e a indisponibilidade dos direitos indígenas.

CAPÍTULO II DO RECONHECIMENTO E DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS

Seção I Das Modalidades de Terras Indígenas

Art. 3º São terras indígenas:

I - as áreas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, nos termos do § 1º do art. 231 da Constituição Federal;

II - as áreas reservadas, consideradas as destinadas pela União por outras formas que não a prevista no inciso I deste caput;

III - as áreas adquiridas, consideradas as havidas pelas comunidades indígenas pelos meios admissíveis pela legislação, tais como a compra e venda e a doação.

Seção II Das Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas

(Caput do artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente:

I - habitadas por eles em caráter permanente;

II - utilizadas para suas atividades produtivas;

III - imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;

IV - necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 1º A comprovação dos requisitos a que se refere o caput deste artigo será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

§ 2º A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

§ 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

§ 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no § 3º deste artigo. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

§ 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico.

§ 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, aos laudos, às suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente a dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

§ 7º As informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando fornecidas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

§ 8º É assegurada às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.

Art. 5º A demarcação contará obrigatoriamente com a participação dos Estados e dos Municípios em que se localize a área pretendida, bem como de todas as comunidades diretamente interessadas, franqueada a manifestação de interessados e de entidades da sociedade civil desde o início do processo administrativo demarcatório, a partir da reivindicação das comunidades indígenas. (Caput do artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Parágrafo único. É assegurado aos entes federativos o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.

Art. 6º Aos interessados na demarcação serão assegurados, em todas as suas fases, inclusive nos estudos preliminares, o contraditório e a ampla defesa, e será obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento, bem como permitida a indicação de peritos auxiliares. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 7º As associações de partes interessadas podem representar os associados, desde que autorizadas em assembleias gerais convocadas para esse fim.

Art. 8º O levantamento fundiário da área pretendida será acompanhado de relatório circunstanciado.

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 9º Antes de concluído o procedimento demarcatório e de indenizadas as benfeitorias de boa-fé, nos termos do § 6º do art. 231 da Constituição Federal, não haverá qualquer limitação de uso e gozo aos não indígenas que exerçam posse sobre a área, garantida a sua permanência na área objeto de demarcação.

§ 1º Consideram-se de boa-fé as benfeitorias realizadas pelos ocupantes até que seja concluído o procedimento demarcatório.

§ 2º A indenização das benfeitorias deve ocorrer após a comprovação e a avaliação realizada em vistoria do órgão federal competente.

Art. 10. Aplica-se aos antropólogos, aos peritos e a outros profissionais especializados, nomeados pelo poder público, cujos trabalhos fundamentem a demarcação, o disposto no art. 148 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 11. Verificada a existência de justo título de propriedade ou de posse em área considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, em razão do erro do Estado, nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo às posses legítimas, cuja concessão pelo Estado possa ser documentalmente comprovada.

Art. 12. Para os fins desta Lei, fica a União, por meio do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, ao seu preposto ou ao seu representante, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis.

Art. 13. É vedada a ampliação de terras indígenas já demarcadas. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 14. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos serão adequados ao disposto nesta Lei. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 15. É nula a demarcação que não atenda aos preceitos estabelecidos nesta Lei. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Seção III Das Áreas Indígenas Reservadas

Art. 16. São áreas indígenas reservadas as destinadas pela União à posse e à ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e a preservação de sua cultura.

§ 1º As áreas indígenas reservadas poderão ser formadas por:

I - terras devolutas da União discriminadas para essa finalidade;

II - áreas públicas pertencentes à União;

III - áreas particulares desapropriadas por interesse social.

§ 2º As reservas, os parques e as colônias agrícolas indígenas constituídos nos termos da Lei nº 6.001, de 19 dezembro de 1973, serão considerados áreas indígenas reservadas nos moldes desta Lei.

§ 3º As áreas indígenas reservadas são de propriedade da União e a sua gestão fica a cargo da comunidade indígena, sob a supervisão da Funai.

§ 4º (VETADO).

Art. 17. Aplica-se às terras indígenas reservadas o mesmo regime jurídico de uso e gozo adotado para terras indígenas tradicionalmente ocupadas, nos moldes do Capítulo III desta Lei.

Seção IV Das Áreas Indígenas Adquiridas

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 18. São consideradas áreas indígenas adquiridas as havidas pela comunidade indígena mediante qualquer forma de aquisição permitida pela legislação civil, tal como a compra e venda ou a doação.

§ 1º Aplica-se às áreas indígenas adquiridas o regime jurídico da propriedade privada.

§ 2º As terras de domínio indígena constituídas nos termos da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, serão consideradas áreas indígenas adquiridas nos moldes desta Lei.

CAPÍTULO III DO USO E DA GESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS

Art. 19. Cabe às comunidades indígenas, mediante suas próprias formas de tomada de decisão e solução de divergências, escolher a forma de uso e ocupação de suas terras.

Art. 20. O usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

Parágrafo único. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 21. Fica assegurada a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, no âmbito de suas atribuições, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 22. Ao poder público é permitida a instalação, em terras indígenas, de equipamentos, de redes de comunicação, de estradas e de vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação.(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 23. O usufruto dos indígenas em terras indígenas superpostas a unidades de conservação fica sob a responsabilidade do órgão federal gestor das áreas protegidas, observada a compatibilidade do respectivo regime de proteção.

§ 1º O órgão federal gestor responderá pela administração das áreas das unidades de conservação superpostas a terras indígenas, com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, considerados os seus usos, tradições e costumes, e poderá, para tanto, contar com a consultoria do órgão indigenista federal competente.

§ 2º O trânsito de visitantes e pesquisadores não indígenas deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação, nos horários e condições estipulados pelo órgão federal gestor.

Art. 24. O ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito:

I - por particulares autorizados pela comunidade indígena;

II - por agentes públicos justificadamente a serviço de um dos entes federativos;

III - pelos responsáveis pela prestação dos serviços públicos ou pela realização, manutenção ou instalação de obras e equipamentos públicos;

IV - por pesquisadores autorizados pela Funai e pela comunidade indígena;

V - por pessoas em trânsito, em caso de existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.

§ 1º No caso do inciso IV do caput deste artigo, a autorização será dada por prazo determinado e deverá conter os objetivos da pesquisa, vedado ao pesquisador agir fora dos limites autorizados.

§ 2º No caso do inciso II do caput deste artigo, o ingresso deverá ser reportado à Funai, informados seus objetivos e sua duração.

§ 3º O ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas não podem ser objeto de cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 25. São vedadas a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza ou a troca pela utilização das estradas, dos equipamentos públicos, das linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocados a serviço do público em terras indígenas. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 26. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas.

§ 1º As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que elimine a posse direta pela comunidade indígena. (Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

(Parágrafo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 02/01/2024):

§ 2º É permitida a celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas, desde que:

I - os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade indígena;

II - a posse dos indígenas sobre a terra seja mantida, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade;

III - a comunidade indígena, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual;

IV - os contratos sejam registrados na Funai.

I - os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade indígena; (Inciso acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

II - a posse dos indígenas sobre a terra seja mantida, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade; (Inciso acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

III - a comunidade indígena, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual; (Inciso acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

IV - os contratos sejam registrados na Funai. (Inciso acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 27. É permitido o turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade indígena, admitida a celebração de contratos para a captação de investimentos de terceiros, desde que respeitadas as condições estabelecidas no § 2º do art. 26 desta Lei.

Parágrafo único. Nas terras indígenas, é vedada a qualquer pessoa estranha às comunidades indígenas a prática de caça, pesca, extrativismo ou coleta de frutos, salvo se relacionada ao turismo organizado pelos próprios indígenas, respeitada a legislação específica.

Art. 28. (VETADO).

CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 29. As terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no inciso XVI do caput do art. 49 e no § 3º do art. 231 da Constituição Federal, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, vedada a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros. (Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023).

Art. 30. (VETADO).

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 31.O caput do art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IX:

'Art. 2º ......

......

IX - a destinação de áreas às comunidades indígenas que não se encontravam em área de ocupação tradicional em 5 de outubro de 1988, desde que necessárias à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

(Artigo acrescentado devido a Derrubada de Veto no DOU de 28/12/2023):

Art. 32. O inciso IX do caput do art. 2º de Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 2º ......

......

IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição Federal, a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas em 5 de outubro de 1988, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

Art. 33. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 20 de outubro de 2023; 202º da Independência e 135º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Luiz Paulo Teixeira Ferreira

Silvio Luiz de Almeida

Flávio Dino de Castro e Costa

Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima

Simone Nassar Tebet

Sonia Bone de Sousa Silva Santos

Celso Sabino de Oliveira

Rui Costa dos Santos

Jorge Rodrigo Araújo Messias