Publicado no DOE - GO em 2 abr 2025
Isenção para empresa do Simples Nacional. Pedido de restituição do imposto pago.
Relatório:
Trata-se de consulta encaminhada pelo contribuinte (...), em que objetiva solucionar dúvidas acerca da legislação tributária.
Informa que atua no segmento de confecção de roupas e é enquadrado no Simples Nacional, recolhendo os tributos aplicando a faixa correspondente do anexo II da Lc nº 123/2003.
Após verificar a existência da isenção prevista no art. 6º, inciso CXXII do Anexo IX do RCTE/GO, deseja obter a restituição do ICMS recolhido sem a aplicação do benefício. Para tanto, questiona se deve retificar o PGDAS antes de realizar o requerimento de repetição do indébito e quais seriam os documentos necessários para instruir a demanda.
É o relatório.
Fundamentação:
A isenção é um benefício fiscal que tem como intuito excluir o crédito tributário. Esse instrumento tem dupla finalidade: por um lado, promove a desoneração fiscal, aliviando a carga tributária de determinados setores ou operações; por outro, estimula a atividade produtiva, incentivando investimentos e fomentando o desenvolvimento econômico.
Ao reduzir o encargo tributário, o legislador cria condições mais favoráveis para que setores estratégicos possam expandir suas atividades e gerar empregos. Aliomar Baleeiro (Direito tributário brasileiro, 11. ed., p. 931) assevera que a isenção "não é privilégio de classe ou de pessoas, mas uma política e aplicação da regra da capacidade contributiva ou de incentivos de determinadas atividades, que o Estado visa a incrementar pela conveniência pública".
Imbuído desse espírito, foi publicada a lei estadual nº 13.453/1999, segundo a qual o Chefe do Poder Executivo poderia conceder isenção do ICMS incidente na saída de vestuário ou roupas de cama, mesa e banho fabricadas por estabelecimento optante pelo Simples Nacional:
Art. 2º Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado, na forma limites e condições que estabelecer, a conceder:
[...]
X - isenção do ICMS devido por empresa fabricante de vestuário, de roupas de cama, de mesa e de banho, optante pelo regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional, na operação com produto de fabricação própria destinado à comercialização ou industrialização; (Redação conferida pela Lei nº 18.640 - vigência: 15.09.14)
Com base nessa autorização legal, foi publicado o Decreto nº 8.304/2014, que incluiu o inciso CXXII ao art. 6º do anexo IX do RCTE, prevendo a seguinte hipótese de isenção:
CXXII - a operação que destine produto de fabricação própria à comercialização ou industrialização, realizada por empresa fabricante do vestuário, de roupas de cama, de mesa e de banho optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional -, aplicando-se, o benefício, inclusive (Lei nº 13.453/99, art. 2º, X): (Redação acrescida pelo Decreto nº 8.304 - vigência 30.12.14)
a) ao vestuário, às roupas de cama, de mesa e de banho cuja industrialização tenha sido efetuada por terceiro situado no Estado de Goiás por encomenda do industrial fabricante (Lei nº 13.453/99, art. 2º, §1º); (Redação acrescida pelo Decreto nº 8.304 - vigência 30.12.14)
b) à operação realizada por estabelecimento atacadista pertencente à empresa fabricante de vestuário, de roupas de cama, de mesa e de banho (Lei nº 13.453/99, art. 2º, § 2º); (Redação acrescida pelo Decreto nº 8.304 - vigência 30.12.14)
Embora parte da doutrina brasileira conceitue a isenção como uma exceção à norma de tributação, impedindo o nascimento da obrigação tributária (Machado, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29. ed., p. 228), o Supremo Tribunal Federal, apoiado pela doutrina mais tradicional, posicionou-se no sentido de que a isenção se caracteriza como a dispensa legal do pagamento de determinado tributo devido, pelo que ocorre o fato gerador, mas a lei dispensa o seu pagamento. Para o Pretório Excelso, no campo das isenções, o fato jurídico ocorre, nascendo o vínculo obrigacional. Confira a ementa:
EMENTA: ICM. ISENÇÃO. (...) A expressão “incidirá” pressupõe que o Estado-membro, como decorre do caput desse artigo 23, tenha instituído, por lei estadual, esse imposto, e nada impede, evidentemente, que ele conceda, também por lei estadual, isenção, que, aliás, pressupõe a incidência, uma vez que ela – no entendimento que é o acolhido por este Tribunal – se caracteriza como a dispensa legal do pagamento de tributo devido. Recurso Extraordinário não conhecido. (RE 113.711/SP, 1a T., rel. Min. Moreira Alves, j. 26-06-1987)
Assim, à luz da interpretação do STF, podemos dizer que a isenção é um instituto que impede a constituição do crédito tributário, mas que não impede a ocorrencia do fato gerador e da obrigação que dele decorre.
É cediço que a isenção fiscal opera com eficácia ex nunc, ou seja, seus efeitos se iniciam a partir de sua publicação, não alcançando fatos geradores ocorridos anteriormente. A norma isentiva, por se referir a tributos, deve total subserviência ao postulado da irretroatividade tributária, podendo desonerar apenas os tributos cujos fatos geradores sejam futuros. Portanto, a lei tributária é impedida de retroagir para atingir fatos geradores pretéritos.
Para o caso concreto submetido a consulta, é importante definirmos se a isenção prevista no inciso CXXII do art. 6º do anexo IX do RCTE/GO é uma isenção concedida de forma geral ou em caráter individual.
A diferença é fundamental porque a isenção, se for concedida em caráter individual, segundo o art. 179 do Código Tributário Nacional, somente é efetivada por despacho da autoridade administrativa após requerimento em que o contribuinte prove que atende aos requisitos da lei. Já se for concedida em caráter geral, o requerimento é dispensado e a publicação da lei já é suficiente para que o sujeito passivo goze do benefício legal. Vejamos como dispõe o CTN:
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.
§ 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.
§ 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155.
Analisando o disposto no inciso CXXII do art. 6º do anexo IX do RCTE, verifica-se que se trata de uma isenção mista, em que há um requisito subjetivo (empresa do Simples Nacional) e um requisito objetivo (operação com determinada mercadoria), concedida em caráter geral. Não se observa a necessidade de preenchimento de requisitos específicos e de requerimento por parte do possível beneficiário da norma.
Por conseguinte, eventual crédito tributário decorrente da operação isenta tem existência apenas virtual, já que a isenção impediria a própria constituição do referido crédito. Desse modo, entende-se que os pagamentos realizados posteriormente à instituição da isenção foram indevidos, sendo possível, em tese, o requerimento pela restituição.
Entretanto, a restituição tem como pressuposto os requisitos estabelecidos no art. 166 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a restituição somente pode ser feita a quem prove ter assumido o ônus do imposto ou a quem este tenha autorizado o recebimento. Preceitua o dispositivo:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
O artigo impõe uma condição essencial para a restituição de tributos indiretos, como é o caso do ICMS: o contribuinte que pede a devolução deve provar que não repassou o custo do tributo a terceiros (como consumidores finais ou empresas na cadeia produtiva) ou, se repassou, precisa ter autorização expressa de quem arcou com o custo. O fundamento ético da norma é o princípio segundo o qual é vedado o enriquecimento sem causa, impedindo que uma empresa receba de volta um tributo que já foi repassado a outra pessoa.
Nesse sentido, posicionou-se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Vejamos a ementa do acórdão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ICMS - RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR - REGIME TRIBUTÁRIO DO SIMPLES NACIONAL - INAPLICABILIDADE - ADOÇÃO DO REGIME DE DÉBITOS E CRÉDITOS -APLICAÇÃO DO ART. 166 DO CTN - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - TRANSFERÊNCIA DO ENCARGO FINANCEIRO OU AUTORIZAÇÃO PARA REQUERER A REPETIÇÃO DO INDÉBITO - AUSÊNCIA DE PROVAS - RECURSO DESPROVIDO.
O artigo 166 do Código Tributário Nacional estabelece que todo pedido de restituição de indébito tributário, relativo a tributos cujo ônus financeiro restou transferido a terceira pessoa, somente será possível se o requerente demonstrar que arcou sozinho com tal ônus ou, então, se a terceira pessoa que recebeu esse encargo lhe autorizar, expressamente, a realizar tal repetição.
Considerando que a apelante não se desincumbiu de comprovar que assumiu o encargo tributário ou que o contribuinte de fato tenha autorizado a apelante a pleitear o ressarcimento dos valores pagos supostamente de forma indevida, consoante determina o art. 166 do CTN, a manutenção da sentença é à medida que se impõe, não se admitindo a repetição do indébito. (TJMG - Apelação Cível 1.0479.16.005837-2/001 0058372-64.2016.8.13.0479 (2), 19ª CÂMARA CÍVEL, Rel. Des. Leite Praça, Julgado em 13/05/2021, publicado no DJe em 18/05/2021)
Com efeito, quando o contribuinte submetido à sistemática do Simples Nacional revende uma mercadoria, ele pode fazer o destaque do ICMS na nota fiscal aplicando a alíquota efetiva a que está sujeito, com base na receita bruta acumulada dos últimos 12 meses. Sendo assim, o repasse do ônus do tributo ao adquirente da mercadoria é plenamente possível, ainda que o contribuinte seja optante pelo regime diferenciado de tributação.
Quanto à necessidade de retificação do PGDAS como condição prévia para o pedido de restituição, é necessário observarmos o que prescreve a Resolução nº 140/2018 do Comitê Gestor do Simples Nacional.
Segundo o §5º do art. 39 da referida resolução, a retificação do PGDAS deve ocorrer no prazo de 5 anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte ao da declaração:
Art. 39. A alteração das informações prestadas no PGDAS-D será efetuada por meio de retificação relativa ao respectivo período de apuração. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
§ 1º A retificação terá a mesma natureza da declaração originariamente apresentada, substituindo-a integralmente, e servirá para declarar novos débitos, e aumentar ou reduzir os valores de débitos já informados. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
§ 2º A retificação não produzirá efeitos quando tiver por objeto reduzir débitos relativos aos períodos de apuração: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
I - cujos saldos a pagar tenham sido objeto de pedido de parcelamento deferido ou já tenham sido enviados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), ou, com relação ao ICMS ou ao ISS, transferidos ao Estado ou Município que tenha efetuado o convênio previsto no art. 139; ou
§ 3º Na hipótese prevista no inciso I do § 2º, o ajuste dos valores dos débitos decorrentes da retificação no PGDAS-D, nos sistemas de cobrança pertinentes, poderá ser efetuado: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
I - pelo Estado ou Município, com relação ao ICMS ou ISS, quando firmado o convênio previsto no art. 139 e os débitos já tiverem sido transferidos;
II - pela RFB, nos demais casos.
§ 4º O ajuste a que se refere o § 3º dependerá de prova inequívoca da ocorrência de erro de fato no preenchimento da declaração. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º; Lei nº 5.172, de 1966, art. 147, § 1º)
§ 5º O direito de a ME ou EPP retificar as informações prestadas no PGDAS-D extingue-se em 5 (cinco) anos contados a partir do 1º (primeiro) dia do exercício seguinte àquele ao qual se refere a declaração. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º)
§ 6º Não se considera espontânea e não produzirá efeitos a declaração entregue após a data da ciência de início de procedimento fiscal relativo às informações declaradas ou retificadas. (Lei nº 5.172, de 1966, art. 138, parágrafo único) (Incluído(a) pelo(a) Resolução CGSN nº 145, de 11 de junho de 2019)
A restituição dos valores equivocadamente pagos a título de ICMS segue o procedimento previsto nos arts. 128 a 130 da Resolução:
Art. 128. A restituição e a compensação de tributos arrecadados no âmbito do Simples Nacional serão realizadas de acordo com o disposto neste Capítulo.
§1º Entende-se como restituição, a repetição de indébito decorrente de valores pagos indevidamente ou a maior pelo contribuinte, por meio do DAS.
§2º Entende-se como compensação, a utilização dos valores passíveis de restituição para pagamento de débitos no âmbito do Simples Nacional.
Art. 129. Em caso de apuração de crédito decorrente de pagamento indevido ou em valor maior que o devido, a ME ou a EPP poderá requerer sua restituição.
Art. 130. O pedido de restituição de tributos abrangidos pelo Simples Nacional deverá ser apresentado pela ME ou pela EPP optante diretamente ao ente federado responsável pelo tributo do qual originou o crédito.
§ 1º Ao receber o pedido a que se refere o caput o ente federado:
I - verificará a existência do crédito a ser restituído, mediante consulta às informações constantes nos aplicativos disponíveis no Portal do Simples Nacional; e
II - registrará os dados referentes ao pedido de restituição processada no aplicativo específico do Simples Nacional, a fim de impedir o registro de novos pedidos de restituição ou de compensação do mesmo valor.
§ 2º A restituição será realizada em conformidade com o disposto nas normas estabelecidas pela legislação de cada ente federado, observados os prazos de decadência e prescrição previstos no CTN.
§ 3º Os créditos a serem restituídos no âmbito do Simples Nacional poderão ser objeto de compensação de ofício com débitos perante a Fazenda Pública do próprio ente.
Como se trata de restituição de ICMS, o contribuinte deverá observar também o disposto no RCTE/GO, notadamente o disposto nos arts. 486 a 492. O pedido de restituição deve ser dirigido à Administração Tributária segundo formulários próprios disponíveis no site https://www.go.gov.br/servicos/servico/solicitar-restituicao-de-icms-pago-indevido.
CONCLUSÃO:
À luz da legislação vigente, conclui-se que a isenção prevista no inciso CXXII do art. 6º do Anexo IX do RCTE, concedida às empresas fabricantes de vestuário optantes pelo Simples Nacional, opera como benefício fiscal de natureza declaratória, impedindo a constituição do crédito tributário, embora o fato gerador ocorra. Assim, eventual crédito decorrente da operação isenta possui existência apenas virtual, de modo que os valores recolhidos após a vigência do benefício constituem pagamento indevido.
No caso da consulente, considerando tratar-se de isenção concedida em caráter geral, não se impõe o requerimento prévio para a efetivação do benefício. Contudo, para a restituição dos valores pagos a título de ICMS é imprescindível que o contribuinte demonstre que atende aos requisitos do art. 166 do CTN, vale dizer, deve comprovar que o mesmo arcou com o referido encargo ou, caso contrário, que tenha sido autorizado expressamente pelo terceiro a quem o ônus tenha sido transferido, e que proceda à retificação do PGDAS, nos termos da Resolução nº 140/2018 do CGSN, no prazo de 5 anos a contar do primeiro dia do exercício subsequente à declaração. Essa retificação deverá refletir a situação fática, de forma a comprovar que os créditos tributários não se constituíram em decorrência da isenção.
Por fim, o pedido de restituição deverá ser encaminhado à Administração Tributária, mediante o uso dos formulários específicos disponibilizados no portal do Governo do Estado de Goiás, observando-se os prazos decadencial e prescricional previstos na legislação tributária. Dessa forma, a empresa poderá pleitear a repetição do indébito, com base na comprovação dos pagamentos indevidos realizados após a instituição da isenção.
É o parecer.
GOIANIA, 02 de abril de 2025.
HELVECIO VIEIRA DA CUNHA JUNIOR
Auditor Fiscal da Receita Estadual