Parecer Nº 39 DE 21/02/2000


 Publicado no DOE - RO em 21 fev 2000


Auto de infração - aplicação da legislação tributária penal no tempo, por ocasião do julgamento – direito intertemporal – “interpretatio legis”.


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“DA CONSULTA”

1. O Nusertri da 2ª Delegacia Regional da Fazenda/Ji-Paraná questiona sobre a aplicação de legislação tributária penal sobre fatos geradores pretéritos impugnados por meio de Auto de Infração, por ocasião de seu julgamento.

2. É o escorço da consulta. Passamos, pois, a tecer o parecer. “DOS ASPECTOS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS”

3. A “quaestio” centra-se na aplicação da lei no tempo.

4. Pela colocação na peça vestibular, o caso concreto seria o seguinte: “penalidade aplicada com fulcro na Lei nº 688/96 original e julgamento a ser exarado sob a égide dessa Lei com suas alterações.

5. Registremos, previamente, que a Lei nº 787/98 mitigou as penalidades previstas na Lei nº 688/96.

6. Pois bem. O caso é de aplicação de lei mais benigna, que deve retroagir no tempo. Busquemos, então, no arcabouço jurídico- tributário os elementos necessários para desenvolver o nosso trabalho.

7. O artigo 101 do Código Tributário Nacional preconiza que “a vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto neste Capítulo.” De modo que a vigência da legislação tributária submete-se às diretrizes traçadas pelos artigos 1º, 2º e 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que são normas jurídicas gerais e mais as disposições especiais, das quais o Código Tributário Nacional traz as dispostas nos artigos 102 a 104.

8. Sobre os artigos 102 a 104, irrelevante se torna interpretá-los, considerando que, como já dito, porém, “repetita iuvant”, o caso em tela requer análise somente quanto a aplicação da lei em tempo pretérito.

9. Vejamos, então, ditames tangentes à aplicação da legislação tributária.

Reza o artigo 105 do C.T.N. que “a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa...”. Quando a lei entra em vigor, isto é, passa a compor o manto jurídico que cobre a nação, imediatamente passa a regular as relações fáticas nela traçadas e que se realizem a partir de sua eficácia. Se o elemento fático disposto na lei, no momento de sua entrada em vigor, é uma “situação” consumada ou em consumação no tempo, para realizar os efeitos que a “lex” previu, alcança tanto a situação fática futura como a pendente no tempo e até, excepcionalmente, determinadas situações ocorridas no pretérito.

10. O Código Tributário Nacional define os casos em que a legislação tributária aplica-se a situações fáticas ocorridas no passado, em seu artigo 106, “in verbis”:

“Art. 106 - a lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.

11. Analisemos, pois, o dispositivos transcritos:

11.1 - aflora do inciso I que a lei retroagirá em qualquer caso, quando for expressamente interpretativa, ressalvando a não aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados. Alcunha-se de interpretativa uma lei que interpreta outra. Foi largamente utilizada em tempos de há muito idos.

Nos dias de hoje, no moderno Estado de Direito, uma lei que interpreta outra já caiu em desuso, mesmo porque a interpretação conclusiva está reservada ao Poder Judiciário, “ex vi” do inciso XXXV do artigo 5º da Magna Carta;

11.2 - o inciso II e suas letras “a”, “b” e “c”, são por demais esclarecedores quando trazem as hipóteses em que a lei tem efeitos retroativos no que tange a atos não definitivamente julgados. Estão em conformidade com o princípio da retroatividade da lei penal menos gravosa(“lex mitior”), consagrado pelo inciso XL do artigo 5º da Magna Carta, não merecendo, portanto, largos comentários “in casu” por trazerem em seus bojos clareza solar. Dá guarida a essa afirmação lição do eminente mestre Ruy Barbosa Nogueira “in Curso de Direito Tributário”- Editora Saraiva - 12ª edição - pág. 85: “...são bem claras as disposições das letras a, b e c do item II por esclarecerem hipóteses em que a lei tem efeito retroativo em relação a ato não definitivamente julgado, quando a lei não mais o define como infração ou deixe de tratá-lo como contrário a exigência de ação ou omissão (ressalvadas fraude ou falta de pagamento do tributo) ou comine penalidade menos severa.” (grifo nosso)

12. No caso em tela é aplicável o inciso II, alínea “c”, do C.T.N. Para um melhor desenvolvimento da resposta necessário se torna aplicarmos agora o dispositivo citado a um caso hipotético, considerando que no processado nenhum caso concreto foi apresentado pelo consulente. Vamos lá.

13. Digamos que um Auto de Infração tenha sido lavrado impugnando fato gerador ocorrido em outubro de 1997, portanto sob a égide da Lei nº 688, de 27 de dezembro de 1996, ainda, à época, original; que a capitulação da penalidade tenha sido na alínea “a” do inciso III do artigo 78 daquela Lei; que, no prazo legal, o contribuinte tenha oferecido Razões de 1ª Defesa ou outro recurso previsto na legislação; e que o julgamento ocorra hoje, seja de 1ª ou 2ª instância administrativa, ou, ainda, judicial.

14. Nesse ínterim (outubro/1997) e hoje (27 de julho de 1999) sobreveio a Lei nº 787/98 que minorou a maioria das penalidades dos artigos 77 a 79 da Lei nº 688/96, inclusive a prevista no inciso III do artigo 78. Coloquemos, por oportuno, as diversas redações desse último dispositivo, para determinarmos qual deve ser aplicada ao caso hipotético ora proposto.

“Art. 78. (“omissis”) (“omissis”)

III - 40% (quarenta por cento) do valor da operação ou da prestação: (Nova redação dada pela Lei nº 828, de 07/07/99 - D.O.E. de 09/07/99)

Redação anterior:
(III - 25% (vinte e cinco por cento) do valor da operação ou da prestação: (Nova redação dada pela Lei nº 787, de 08/07/98 - D.O.E. de 10/07/98)

Redação original:
(III - de 40% (quarenta por cento) do valor da operação ou da prestação:)


a) pela adulteração, vício ou falsificação de documentos fiscais;

15. Observe que temos 03 (três) redações. Na original o gravame era de 40% (quarenta por cento) do valor da operação ou da prestação. Com o advento da Lei nº 787/98 a penalidade caiu para 25% (vinte e cinco por cento). Depois, mais recentemente, veio ao mundo jurídico-tributário rondoniense a Lei nº 828/99 que restabeleceu o percentual de 40% (quarenta por cento) do valor da operação ou da prestação.

16. Qual legislação aplicar-se-ia no julgamento do nosso caso hipotético? Eis a questão!!!

17. Para a resposta basta uma outra pergunta: qual a lei mais benéfica? Obviamente a nº 787/98. Então é essa que deve retroagir por ser mais benigna em favor do devedor, em obediência ao artigo 106, inciso II, alínea “c”, do Código Tributário Nacional, embora, diga-se de passagem, a infração colocada hipoteticamente seja de natureza gravíssima.

18. É de bom alvitre, todavia, que aqueles que liquidaram débito fiscal reclamado em Auto de Infração segundo a norma anterior mais gravosa, não podem repetir o excesso correspondente à diferença. Isto porque com o pagamento da multa pelo percentual maior, foi extinta a obrigação tributária, motivo pelo qual não cabe devolução. A própria doutrina confere o mais amplo respaldo à essa nossa tese quando ensina que “a retroatividade da lei fiscal in mitius não envolve restituição de tributos já arrecadados” (in WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, Direito Intertemporal, pág. 519, Ed. Forense, 1980).

19. D’outro ângulo, embora não seja questionamento da peça inaugural, também entendemos importante analisar os casos de liquidação de débitos fiscais reclamados em Autos de Infração lavrados anteriormente ao dia 09/07/99, data em que entrou em vigência a Lei nº 828/99, que alterou para menores os descontos para pagamento das multas previstas nos artigos 77 e 78 da Lei nº 688/96.

20. O dispositivo que trata dos descontos por ocasião do pagamento das multas previstas nos artigos 77 e 78 é o artigo 80 da Lei nº 688/96. A Lei nº 787/98, publicada em 10/07/98) aumentou os descontos (beneficiou o contribuinte), o que, é bom que se diga, reduzia o crédito tributário a quase nada, com profundos efeitos negativos na arrecadação, só incentivando os “useiros e vezeiros” no campo da sonegação.

Posteriormente, com o advento da Lei nº 828/99 (publicada em 09/07/99) os descontos foram diminuídos. Vejamos, pois, as diversas redações do  artigo 80 da Lei nº 688/96:

“Art. 80. 0 valor das multas, observado o disposto no § 3º do artigo 121, será reduzido: (Nova redação dada pela Lei nº 828, de 07/07/99 - D.O.E. de 09/07/99)

I - no caso de pagamento integral, em:

a) 50%(cinqüenta por cento) se efetuado no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da ciência do Auto de Infração;

b) 30% (trinta por cento), se efetuado até 60 dias, contados da data da ciência do Auto de Infração; e

c) 10% (dez por cento), antes de sua inscrição na Dívida Ativa.

II - no caso de pagamento parceladamente, no prazo de 30 (trinta dias) contado da data da ciência do Auto de Infração, em:

a) 30% (trinta por cento) se efetuado em até 04 (quatro) parcelas;

b) 20% (vinte por cento) se efetuado em até 08 (oito) parcelas, e

c) 15% (quinze por cento) se efetuado em até 12 (doze) parcelas.

Redação anterior:
(Art. 80. 0 valor das multas, observado o disposto no § 3º do artigo 121, será reduzido: (redação dada pela Lei nº 787, de 08/07/98 - D.O.E. de 10/07/98)

I - no caso de pagamento integral, em:

a) 80%(oitenta por cento) se efetuado no prazo de 05(cinco) dias, contado da data da ciência do Auto de Infração;

b) 70% (setenta por cento), se efetuado após o prazo previsto na alínea anterior até o 30º (trigésimo) dia, contado da data da ciência do Auto de Infração;

c) 50% (cinqüenta por cento), se efetuado entre o 31º (trigésimo primeiro) até o 60º (sexagésimo) dia, contado da data da ciência do Auto de Infração;

d) 20% (vinte por cento) se efetuado após o prazo previsto na alínea anterior, desde que antes de sua inscrição na Dívida Ativa.

II - no caso de pagamento parceladamente, no prazo de 30 (trinta dias) contado da data da ciência do Auto de Infração, em:

a) 50% (cinqüenta por cento) se efetuado em até 12 (doze) parcelas;

b) 40% (quarenta por cento) se efetuado em até 24 (vinte e quatro) parcelas;

c) 30% (trinta por cento) se efetuado em até 36 (trinta e seis) parcelas;

Redação original:
(Art. 80. 0 valor das multas será reduzido:

I - no caso de pagamento integral, em:

a) 50 % (cinqüenta por cento), se efetuado no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da ciência do Auto de Infração;

b) 40% (quarenta por cento), se efetuado até 60 dias, a contados da data da ciência do Auto de Infração.

c) 10% (dez por cento), antes de sua inscrição na Dívida Ativa. (Acrescentado pela Lei nº 765,de 29/12/97 - D.O.E. de 29/12/97)

II - no caso de pagamento parceladamente, no prazo de 30 (trinta dias) contados da data da ciência do Auto de Infração, em:

a)30% (trinta por cento) se efetuado em até 04 (quatro) parcelas;

b) 20% (vinte por cento) se efetuado em até 08 (oito) parcelas;

c) 15% (quinze por cento) se efetuado em até 12 (doze) parcelas;

d) REVOGADA (LEI Nº 787, DE 08/07/98 - D.O.E. de 10/08/97) - ( d)10% (dez por cento) se efetuado em até 24 (vinte e quatro) parcelas.)


§ 1º. O disposto neste artigo não se aplica: (Nova redação dada pela Lei nº 828, de 07/07/99 - D.O.E. de 09/07/99)

I - às penalidades previstas no artigo 79 e seu parágrafo único;

II - à multa moratória prevista no artigo 149;

Redação anterior:
(§ 1º. O disposto neste artigo não se aplica às penalidades dos incisos I e II do artigo 77, e penalidades do artigo 79.(redação dada pela Lei nº 765, de 29/12/97 - D.O.E. de 29/12/97)

Redação original:
(§ 1º. O disposto neste artigo não se aplica à penalidade do artigo 77, inciso I e penalidades do artigo 79.)


§ 2º. O sujeito passivo não fará jus às reduções previstas no inciso II deste artigo, quando o pagamento da parcela for efetuado em atraso.

§ 3º. O pagamento efetuado nos termos deste artigo implica renúncia à defesa ou aos recursos previstos na legislação. (Acrescentado pela Lei nº 765, de 29/12/97 - D.O.E. de 29/12/97)

§ 4º. Quando o crédito tributário reclamado no Auto de Infração for pago nos termos da alínea “a” do inciso I deste artigo, o prazo nela previsto não será computado para efeito de incidência da atualização monetária e dos juros de mora de que tratam os artigos 46 e 51. (Nova redação dada pela Lei nº 828, de 07/07/99 - D.O.E. de 09/07/99)

Redação anterior:
(§ 4º. Quando o auto de infração for pago nos termos do inciso I, alíneas "a" e "b", os prazos neles previstos não serão computados para efeito de incidência dos juros de mora. (Acrescentado pela Lei nº 787, de 08/07/98 - D.O.E. de 10/07/98)

§ 5º. O pagamento do Auto de Infração implica na renúncia à defesa ou recurso previsto na legislação, mesmo que já interpostos, e reconhecimento incondicional do delito fiscal apontado, não cabendo qualquer reivindicação posterior no âmbito administrativo. (Acrescentado pela Lei nº 787, de 08/07/98 - D.O.E. de 10/07/98)”

21. De modo que, aplicando o princípio da retroatividade da lei mais benigna, entendo que no caso citado no item 19 (liquidação de débitos fiscais reclamados em Autos de Infração lavrados antes do dia 09/07/99, data em que entrou em vigência a Lei nº 828/99) aplica-se o artigo 80, respeitados os prazos nele previstos, na redação dada pela Lei nº 787, de 08 de julho de 1998.

22. Importante salientar que, com a nova redação ao § 4º do artigo 80 da Lei nº 688/96, dada Lei nº 828/99, quando o crédito tributário reclamado no Auto de Infração for pago nos termos da alínea “a” do inciso I do artigo 80, o prazo nela previsto não será computado para efeito de incidência da atualização  monetária e dos juros de mora.

23. Motivada a conclusão a que cheguei, passo a dispor a mesma em sumário.

“DO SUMÁRIO DA CONCLUSÃO”

24. Em suma:

24.1 - em todos os julgamentos atuais, sejam administrativos ou judiciais, de Autos de Infração que tenham impugnado fatos geradores ocorridos sob a égide da Lei nº 688/96, em sua redação original, aplica-se, relativamente às penalidades, a redação dada pela Lei nº 787/98, por ser mais benéfica ao contribuinte autuado. Isto embora a Lei nº 828/99 tenha trazido novamente a lume a maioria dos patamares de penalidades da redação original da Lei nº 688/96.

24.2 - mesmo que se dê a superveniência de Lei que preveja penalidade menos gravosa, em caso de pagamento de acordo com a norma anterior mais severa não cabe a restituição correspondente à diferença;

24.3 - na liquidação de débitos fiscais reclamados em Autos de Infração lavrados antes do dia 09/07/99, data em que entrou em vigência a Lei nº 828/99 aplica-se o artigo 80, respeitados os prazos nele previstos, na redação dada pela Lei nº 787, de 08 de julho de 1998;

24.4 - quando o débito fiscal reclamado no Auto de Infração for pago nos termos da alínea “a” do inciso I do artigo 80, observado o seu § 1º, o prazo naquela letra previsto não pode ser computado para efeito de incidência da atualização monetária e dos juros de mora.

“DO ENCERRAMENTO E ENCAMINHAMENTO”

25. Sem mais delongas, por entender que as considerações até aqui tecidas são por demais suficientes para lançar luz à “quaestio”, dou por encerrada a resposta à consulta, submetendo-a ao crivo dos meus Chefes imediato e mediato, e PROPONDO O ENCAMINHAMENTO, POR PARTE DESTE DEPARTAMENTO, DE CÓPIAS REPROGRÁFICAS DO VERTENTE PARECER A TODAS AS DELEGACIAS REGIONAIS DA FAZENDA, PARA CONHECIMENTO DOS SEUS SUBORDINADOS.

GETRI, PVH/RO, 21 de fevereiro 2000.

-Carlos Magno de Brito-

-Auditor Fiscal de Tributos Estaduais-

-Matrícula nº 88.737-4-

CMB/cmb

DE ACORDO COM O PARECER Nº 039/00/GETRI/CRE.

-MARIA DO SOCORRO BARBOSA PEREIRA-

-Gerente de Tributação-

WAGNER LUÍS DE SOUZA

-Coordenador Geral da Receita Estadual-