CONSULTA FISCAL. ICMS. CRÉDITO FISCAL. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEL PARA ENTREGA DE MERCADORIAS. EMPRESA NÃO PRESTADORA DO SERVIÇO DE TRANSPORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Empresa não possui como atividade econômica a prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal. 2. Ausência de consumo direto e integral no processo de industrialização. 3. Não são produtos intermediários os materiais que não são afetados ao processo de produção e os consumidos pelo estabelecimento em serviços diversos dos executados na linha de produção. 4. Bem de uso e consumo. 5. Crédito fiscal quanto à aquisição de bens de uso e consumo será permitido apenas a partir de 2033, nos termos do art. 138, IV, da Lei n.º 5.900/1996 e do art. 33, I, da Lei Complementar n.º 87/1996.
Trata-se de Consulta Fiscal sobre a aplicação da legislação tributária estadual, proposta por contribuinte que possui como sua principal atividade econômica a moagem e fabricação de produtos de origem vegetal (CNAE 1069-4/00). A Interessada é beneficiária de incentivo fiscal previsto na Lei n.º 5.671/1995, que se refere ao Programa de Desenvolvimento Integrado do Estado de Alagoas (PRODESIN), instituído pela Lei n.º 5.519/1993.
As dúvidas da Consulente giram em torno do direito ao crédito fiscal na aquisição de combustível utilizado em seus veículos para entrega de mercadorias. Afirma-se, na petição inicial, que “a empresa não tem como objeto o serviço de transporte, uma vez que a entrega do produto até o seu Cliente é inerente à atividade industrial”.
É o que importa relatar.
Preliminarmente, constata-se que o requerimento inicial veio assinado por representante legalmente habilitado, com a indicação dos dispositivos da legislação tributária e do fato sobre os quais recaem as dúvidas quanto à interpretação e aplicação e, ainda, com as declarações exigidas pela legislação. Tudo isso em conformidade com o art. 56 da Lei n.º 6.771/2006, combinado com o art. 204 do Decreto n.º 25.370/2013. Ademais, comprovou-se o pagamento da Taxa de Fiscalização e Serviços Diversos, merecendo a consulta ser analisada em seu mérito.
Inicialmente, cumpre observar que a não cumulatividade do ICMS é prevista, no ordenamento jurídico brasileiro, na própria Constituição Federal, reforçando sua importância, vejamos:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
Na prática, a operacionalização ocorre da seguinte maneira: o contribuinte adquire mercadorias e produtos sujeitos ao ICMS, se credita do imposto pago em sua escrita fiscal e, quando da revenda, ao apurar o valor do ICMS a recolher, deduz os créditos anteriores, de forma a evitar a cumulatividade. Como se percebe, a não cumulatividade é um instituto que possui um único objetivo: evitar “acúmulo” de imposto até o final da cadeia produtiva, fazendo com que o imposto, em última análise, seja aplicado apenas ao valor da mercadoria ou produto no final da cadeia econômica. Ilustrando:
*Imagem gerada com inteligência artificial (ChatGPT)
O efeito que a não cumulatividade provoca é que, considerando uma tributação hipotética de 18% (dezoito por cento) e os valores da imagem acima, no final do ciclo econômico, em vez de termos um total de tributo de R$ 108,00 (cento e oito reais), teremos apenas R$ 54,00 (cinquenta e quatro reais), pois compensou-se o montante devido com aquele anteriormente creditado.
Nesse sentido, só há sentido falar em direito ao crédito enquanto ainda houver etapas do ciclo econômico para determinada mercadoria ou produto. Sempre que a aquisição tenha por finalidade o uso ou consumo, ocorre o encerramento desse ciclo, sendo indevido qualquer creditamento, pois não existe a possibilidade de acúmulo do tributo. Essa lógica ainda é válida para o ICMS, uma vez que não há um amplo direito ao crédito. A Lei Complementar n.º 87/1996 estabelece a data inicial a partir da qual será permitido o crédito fiscal sobre aquisição de bens para uso e consumo:
Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.
Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:
I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2033;
No âmbito do Estado de Alagoas, a Lei n.º 5.900/1996 assim prevê:
Art. 32 - O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores por esta ou por outra unidade da Federação, nos termos e condições estabelecidos neste capítulo.
Art. 33 - Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada da mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao respectivo ativo permanente, ou ao recebimento de serviço de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.
Art. 138 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de:
IV – da data prevista na Lei Complementar nº 87/96, relativamente ao direito de crédito correspondente à entrada de mercadoria destinada ao uso ou consumo do estabelecimento, a partir da mencionada data.
Logo, por ora, é necessário identificar a finalidade do produto ou mercadoria dentro do desempenho da atividade econômica de cada contribuinte. Isso porque é preciso identificar aqueles que encerram o ciclo econômico e aqueles que se integram a um processo industrial.
Vejamos o que dispõe o Decreto n.º 381/2001:
Art. 1º O direito ao crédito fiscal do ICMS nas aquisições ou recebimentos, por estabelecimento industrial, de matéria-prima, produto intermediário e demais insumos do processo industrial, energia elétrica, serviço de comunicação, bens de uso ou consumo e do ativo permanente imobilizado, desde o advento do sistema tributário nacional em vigor, nos termos da Lei n.º 5.077, de 1989 (Conv. ICMS 66/88) e da Lei n.º 5.900, de 1996 (LC n.º 87/96), tem a sua explicitação nos termos deste Decreto.
Art. 4º Para fins de apropriação de crédito fiscal do ICMS, por estabelecimento industrial, considera-se:
III - produtos intermediários, aqueles que sejam consumidos direta e integralmente, inutilizando-se no referido processo de industrialização e exigindo sua renovação ao cabo de cada participação no processo produtivo, embora não se integrem, fisicamente, ao produto acabado, exceto os seus resíduos, de modo indesejado, não se confundindo com os bens de uso ou consumo ou do ativo imobilizado, observado o disposto no parágrafo único;
V - consumo direto, também entendido como consumo imediato, aquele que se der num ponto qualquer da linha de produção, nunca marginalmente ou em linhas independentes, tendo o produto na linha de produção o caráter de indiscutível essencialidade na obtenção do novo produto;
VI - consumo integral, aquele que se dá por inteiro, implicando o esgotamento do produto, seu exaurimento, inutilização, por força do cumprimento de sua finalidade específica no processo industrial, não implicando apenas o desgaste com sua substituição periódica inerente à atividade industrial;
VII - bens do ativo imobilizado, os bens destinados à manutenção das atividades normais do estabelecimento, de permanência duradoura, de correta contabilização no ativo permanente imobilizado, em conformidade com a Lei n.º 6.404/76, ainda que a legislação do Imposto de Renda, em face do pequeno valor de determinada aquisição, permita o registro em outras contas para fins de simplificar a contabilidade do contribuinte;
VIII - bens de uso ou consumo, aqueles que, não se confundindo com os bens do ativo imobilizado, não forem destinados à comercialização, industrialização, produção, geração, extração ou prestação, por não serem consumidos diretamente e nem integrarem o produto final ou o serviço na condição de elemento indispensável nos referidos processos;
§1º Não podem ser considerados produtos intermediários as máquinas, ferramentas, equipamentos e suas partes ou peças de reposição, de correta contabilização no ativo imobilizado da empresa, ou ainda, no ativo circulante ou diretamente como despesas operacionais, gastos gerais de fabricação, custos de produção ou termo equivalente, nem tampouco os materiais que não são afetados ao processo de produção e os consumidos pelo estabelecimento na conservação, limpeza e em serviços diversos dos executados na linha de produção.
§2º As definições previstas neste artigo aplicam-se, no que couber, aos demais contribuintes não exercentes de atividades industriais.
Essencial que se considere, também, as disposições do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação do Estado de Alagoas (RICMS/AL):
Art. 91. Para fins de compensação do imposto devido, constitui crédito fiscal o valor do imposto relativo:
V - aos serviços de transporte e de comunicação utilizados pelo estabelecimento na execução de serviços da mesma natureza, na comercialização de mercadorias ou em processo de produção, extração, industrialização ou geração, inclusive de energia;
VI - as mercadorias recebidas para emprego na prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, consumidas direta e exclusivamente na prestação;
Art. 96. Fica vedada ao contribuinte creditar-se do imposto nas seguintes hipóteses:
III - entrada de mercadorias ou produtos que, utilizadas no processo industrial, não sejam nele direta ou imediatamente consumidos ou não integrem o produto final como elemento indispensável a sua composição;
Isso posto, é possível verificar que o inciso V do art. 91 do RICMS/AL não se aplica ao caso relatado pela Consulente, pois esse dispositivo se refere ao direito de crédito fiscal em relação aos serviços de transporte e comunicação. A indagação da petição inicial gira em torno da aquisição de combustível. No que tange ao inciso VI do mesmo artigo, perceba-se que é aplicável apenas para “emprego na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal”. A própria Consulente reconhece que não possui como uma de suas atividades econômicas a prestação de serviço de transporte. Afirma-se na inicial que” a entrega do produto até o seu Cliente é inerente à atividade industrial”.
O art. 4º, III, do Decreto n.º 381/2001 define que, para considerarmos algum produto como intermediário, é necessário que haja o consumo direto e integral no processo de industrialização.
Mais relevante é a norma contida no §1º do art. 4º do Decreto n.º 381/2001, a qual ressalta que não podem ser considerados produtos intermediários os materiais que não são afetados ao processo de produção e os consumidos pelo estabelecimento na conservação, limpeza e em serviços diversos dos executados na linha de produção. Veja-se que o combustível adquirido para realização de entregas não é pertinente à produção de alimentos, processamento e conservação de vegetais ou inovação e desenvolvimento de produtos. Tal mercadoria é bem de uso e consumo, devendo atender ao disposto no art. 138, IV, da Lei n.º 5.900/1996 e ao art. 33, I, da Lei Complementar n.º 87/1996.
Com base no acima exposto e na legislação citada, sugere-se que se responda às indagações feitas pela consulente nos seguintes termos:
Diante do exposto, indaga o correto procedimento para escriturar os respectivos créditos de ICMS referentes à entrada de combustíveis em seus livros fiscais (Registro de Entradas e Registro de Apuração do ICMS), tendo em vista que a empresa não tem como objeto o serviço de transporte, uma vez que a entrega do produto até o seu Cliente é inerente à atividade industrial.
Resposta: Não deve ocorrer a escrituração de créditos fiscais em decorrência da aquisição de combustível para utilização em veículos nas estregas de mercadorias que sejam inerente à atividade industrial, notadamente por empresa não prestadora do serviço de transporte interestadual e intermunicipal, consoante vedação contida no §1º do art. 4º do Decreto n.º 381/2001, c/c o art. 96, III, do RICMS/AL, o art. 138, IV, da Lei n.º 5.900/1996 e o art. 33, I, da Lei Complementar n.º 87/1996.
É como penso. Submeto à consideração superior.
Gerência de Tributação
Maceió/AL, na data da assinatura.
Matheus Lima Carneiro
Auditor Fiscal da Receita Estadual
Matrícula 173-2
De acordo.
Aprovo o parecer exarado e encaminho os autos à apreciação da Superintendência de Tributação, recomendando o envio à Superintendência Especial da Receita Estadual.
José Edson Lima e Silva
Chefe de Análises Tributárias
Elka Gonçalves Lima de Oliveira
Gerente de Tributação