Parecer Nº 130 DE 05/03/2009


 Publicado no DOE - RO em 5 mar 2009


Consulta – Imputação de pagamento parcial de tributos estaduais – entendimento firmado pelo STJ não respalda a utilização da analogia do art. 354 do Código Civil. A imputação ao pagamento deve ser feita de forma proporcional, conforme adotam a união federal e outros estados da federação. Recomendação para normatização da matéria no âmbito estadual.


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1. RELATÓRIO:

A Gerência de Arrecadação encaminhou a este setor de consultoria, consulta acerca de imputação de pagamentos de tributos parciais, nos seguintes termos:

“...visando a promover adequações nos cálculos realizados pelo SITAFE, solicitamos dessa Gerência, parecer acerca de qual deve ser a forma de imputação de pagamentos de tributos realizados de forma parcial.

O art. 163 do CTN prevê a regra de imputação de pagamento para os casos em que há mais de um débito vencido. Não trata, todavia, na ordem de imputação, em relação aos componentes de um mesmo lançamento (principal, multa e juros). Salvo melhor juízo, essa regra se encontra, em relação ao principal e juros, no art. 354 do Código Civil, o qual, no que pertine a essa questão, seria aplicável à matéria tributária por força do art. 109 do CTN.

Assim, solicitamos esclarecimento de como devem ser imputados os pagamentos parciais de lançamentos que contemplem o valor principal, multa e juros, devendo ser imputado proporcionalmente a cada rubrica ou segundo uma ordem predeterminada?

Esclarecemos que fica de fora o questionamento da correção monetária, pois, consoante entendimento jurisprudencial majoritário, a correção monetária integra o principal do tributo lançado.”

2. ANÁLISE:

2.1 – Legislação:

2.1.1 – Disposições do CTN:

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

(...)

Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em que enumeradas:

I - em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributária;

II - primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos;

III - na ordem crescente dos prazos de prescrição;

IV - na ordem decrescente dos montantes.

2.1.2. Disposições do Código Civil – Lei nº 10.406/2002

Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.

(...)

Capítulo VII – Da compensação

Art. 374. A matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capítulo. (Vide Medida Provisória nº 75, de 24.10.2002) (Revogado pela Lei nº 10.677, de 22.5.2003).

Apesar de transparecer uma solução bastante conveniente a aplicação por analogia das disposições do art. 354 do Código Civil quanto à imputação do pagamento no âmbito tributário, a matéria é controvertida no campo doutrinário e, no contexto jurisprudencial, tal solução não encontra guarida, notadamente no âmbito das decisões do Superior Tribunal de Justiça.

STJ:

“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CÓDIGO CIVIL. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. AMORTIZAÇÃO DOS JUROS ANTES DO PRINCIPAL. ART. 354 DO CC/02. INAPLICABILIDADE. OFENSA AO ART. 108 DO CTN. INOCORRÊNCIA.

1. "Se as normas que regulam a compensação tributária não prevêem a forma de imputação não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916) e não se pode concluir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloqüente do legislador que não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que o art. 374 do CC/2002, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002" (REsp 987.943/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 28.02.2008).

2. A imputação de pagamento não é causa de extinção do crédito tributário, representa apenas a forma de processamento da modalidade extintiva, que é o pagamento. Daí porque, silenciando o Código Tributário sobre esse ponto específico, nada impede que a Administração expeça atos normativos que regulem o processamento da causa extintiva.

3. O fato de, na seara tributária, a imputação vir regulamentada em atos normativos expedidos pela Secretaria da Receita Federal -IN's 21/97, 210/2002, 323/2003 e 600/2005 -não implica qualquer violação da ordem constitucional ou legal, uma vez que a reserva de lei complementar (art. 146 da CRFB/88) não abrange essa matéria e o art. 97 do CTN não exige a edição de lei formal para tratar do tema.

4. Nos termos do art. 108 do CTN, a analogia só é aplicada na ausência de disposição expressa na "legislação tributária". Por essa expressão, identificam-se não apenas as leis, tratados e decretos, mas, também, os atos normativos expedidos pela autoridade administrativa (arts. 96 e 100 do CTN).

Dessa forma, não há lacuna na legislação tributária sobre o tema imputação de pagamento, o qual, como dito, não é objeto de reserva legal.

5. Inexistência de ofensa aos arts. 354 do CC/2002 e 108 do CTN.

6. Agravo regimental não provido”.

Julgado no mesmo sentido:

Resp. 921.611-RS. Rel. Min. José Delgado. Julg. 1º/04/2008.

Conforme se verifica nas transcrições retro dispostas, o CTN no seu art. 163 trata da imputação do pagamento quando há existência simultânea de dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo, entretanto, é omisso acerca da imputação do pagamento nos casos em que há crédito tributário composto de valor principal e juros moratórios.

Nas relações de direito privado, o art. 354 do Código Civil estabelece que: “havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital”.

Por outro lado, no direito tributário, o uso da analogia do art. 354 do Código Civil, com respaldo no art. 109 do CTN, pelas razões que a jurisprudência indica (mas não vincula), não é recomendável, inobstante ao fato de que em Rondônia existe uma lacuna normativa em relação à matéria, fato que poderia justificar o uso da analogia, entretanto, salvo melhor juízo, doravante, não se subsume na melhor orientação.

A regra de imputação do pagamento constante do Código Civil pátrio, ao priorizar a quitação dos juros vencidos, deixando o valor principal em segundo plano, no contexto tributário, é injusta, uma vez que promove maior desembolso ao contribuinte.

Parece mais adequada e justa a imputação proporcional do débito do valor principal e juros, conforme se verifica no âmbito federal e nas unidades da federação: 

Receita Federal:

“ACÓRDÃO Nº 388, DE 18 DE ABRIL DE 2002 – 1ª TURMA - SRF

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

EMENTA: RECOLHIMENTO INTEMPESTIVO DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES. MULTA MORATÓRIA. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, devem ser acrescidos de multa e juros moratórios. IMPUTAÇÃO PROPORCIONAL DE PAGAMENTO Quando o pagamento é feito com insuficiência, decorrente da falta de inclusão da multa e dos juros moratórios, a diferença é apurada por meio de imputação proporcional de pagamento”.

Estado de São Paulo - Lei nº 6.374/89 – ICMS:

"Artigo 103 - Verificado o recolhimento do débito fiscal com inobservância das disposições estabelecidas nos artigos 87, 96 e 98, será o devedor notificado a recolher a diferença apurada de ofício, dentre de 10 (dez) dias, inscrevendo-se o débito na Dívida Ativa em caso de inadimplemento.

(...)

§ 2º - A imputação deve ser efetivada mediante distribuição proporcional do valor recolhido dentre os componentes do débito, assim entendidos, o imposto e/ou a multa, a correção monetária, os juros de mora, a multa de mora e os honorários adocatícios devidos na data do recolhimento incompleto."

Estado de são Paulo - Lei nº 12.181/05 - IPVA:

“Artigo 2º - Fica acrescentado à Lei nº 6.606, de 20 de dezembro de 1989 o artigo 13-A:

"Artigo 13-A - Verificado que o débito fiscal relativo ao imposto não foi recolhido, ou que o seu recolhimento tenha sido efetuado com inobservância das disposições estabelecidas nesta lei, será o contribuinte ou responsável notificado a recolher o imposto ou a diferença apurada de ofício, com os acréscimos legais estabelecidos nesta lei, no prazo de 30 (trinta) dias contados da data do recebimento da notificação, sob pena de inscrição do débito na dívida ativa, reservado o direito de contestação.

(...)

§ 2º - A imputação deverá ser efetuada mediante distribuição proporcional do valor recolhido entre os componentes do débito, assim entendidos: o imposto, os juros e a multa de mora devidos na data do recolhimento do imposto”.

3. CONCLUSÃO:

Diante do exposto e considerando a orientação do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de não respaldar a utilização da analogia do art. 354 do Código Civil em matéria tributária, entendemos que a imputação do pagamento de tributos realizados de forma parcial (tributo e juros moratórios) deve ser feita proporcional aos valores do principal e juros, segundo exemplo da Receita Federal e do Estado de São Paulo.

Nesse sentido, recomendamos a normatização da matéria no âmbito da legislação estadual, o que, conforme entendimento expendido pela jurisprudência retro citada, não se constitui em objeto de reserva legal, podendo ser estabelecida e regulada por decreto do poder executivo ou outro instrumento normativo infra legal.

É o parecer.

À consideração superior.

Porto Velho, 05 de março de 2009.

Francisco das Chagas Barroso 

AFTE – Cad. 300024021

Mário Jorge de Almeida Rebelo

AFTE – Chefe da Consultoria Tributária

De acordo: 

Daniel Antonio de Castro

Aprovo o Parecer acima:_____________________________

Ciro Muneo Funada

Gerente de Tributação Coordenador Geral da Receita Estadual