Resposta à Consulta COPAT Nº 48 DE 04/07/2025


 


ICMS. Software essencial integrado ao hardware. Incidência do imposto e inclusão na base de cálculo, independentemente de segregação no faturamento. Software de melhoramento, opcional e personalizável, não integra a base do ICMS e é tributado pelo ISS. Distinção dependente da natureza e da forma de comercialização do software.


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DA CONSULTA
A consulente é uma indústria cuja atividade principal envolve a fabricação de aparelhos e centrais telefônicas, instrumentos de sinalização, alarme, controle, segurança, equipamentos de processamento e transmissão de dados, computadores e periféricos, entre outros. Formaliza consulta nos termos da Portaria 226/01.

Expõe que importa e fabrica produtos eletroeletrônicos para telecomunicações por internet e Wi-Fi (tais como ONUs, ONTs, OLTs e roteadores), compostos por hardware e pelo software responsável pelo seu funcionamento, denominado firmware. Relata que, para fins de faturamento, sempre considerou o valor do hardware e do firmware/software como integrantes do preço do produto, compondo a base de cálculo do ICMS.

Todavia, observa que é prática generalizada de mercado o faturamento segregado do hardware e do software (firmware), tanto em produtos nacionais quanto importados. Argumenta que concorrentes, ao individualizarem os custos relacionados ao software do produto, conseguem reduzir a carga tributária de ICMS e IPI, pois o software, quando faturado separadamente, estaria sujeito ao ISS.

Diante disso, a consulente buscou as bases legais para essa prática de segregação, mas encontrou dúvidas quanto à interpretação da legislação vigente, motivo pelo qual apresenta a presente consulta.

Cita a legislação correlata ao tema e questiona:

1. Incide ICMS sobre o software necessário para o funcionamento do produto (firmware)?

2. É possível a segregação do hardware e do software para fins de faturamento e tributação pelo ICMS, conforme delimitado no primeiro cenário de estudo?

3. É possível a segregação do hardware e do software para fins de faturamento e tributação pelo ICMS, conforme delimitado no segundo cenário de estudo?

4. Considerando a possibilidade de uso do software da consulente em equipamentos de outros fabricantes, ou seja, não sendo nativo ao funcionamento do equipamento da consulente, esse software pode ser excluído do campo de incidência do ICMS?

5. Quais as características necessárias ao software que permitem segregá-lo do equipamento para fins de faturamento e incidência do ICMS?

É o relatório, passo à análise.

LEGISLAÇÃO

Lei Complementar 87/1996, art. 2º, 12, 13;

Lei Complementar 116/2003, art. 1º;

RICMS/SC-01, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, art. 1º, VIII, e § 2º, I e II.

FUNDAMENTAÇÃO

A tributação das operações com softwares no Brasil historicamente gerou intensos debates e insegurança jurídica, principalmente diante da dificuldade em definir se a disponibilização de programas de computador configuraria circulação de mercadoria, sujeita ao ICMS, ou prestação de serviço, sujeita ao ISS. Até o início de 2021, prevalecia o entendimento de que softwares padronizados ( “de prateleira”) estariam sujeitos ao ICMS, enquanto aqueles desenvolvidos sob encomenda seriam tributados pelo ISS.

Esse quadro foi substancialmente alterado a partir do julgamento das ADIs 1.945 e 5.659 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte fixou o entendimento de que, independentemente de o software ser padronizado ou personalizado, o licenciamento ou a cessão de direito de uso caracteriza prestação de serviço, atraindo a incidência exclusiva do ISS, conforme previsto no subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/2003. Para evitar impactos abruptos, o STF modulou os efeitos da decisão, estabelecendo que a nova orientação se aplica apenas a partir da publicação da ata de julgamento, em 3 de março de 2021.

Apesar disso, considerando o cenário ainda envolto em zona gris, a consulente apresenta a seguinte consulta COPAT com cinco questionamentos, analisados a seguir.

1. Incide ICMS sobre o software necessário para o funcionamento do produto (firmware)?

Sim, incide ICMS sobre o software básico necessário para o funcionamento do produto (firmware) quando este software é essencial e indissociável do equipamento.

O software básico, também chamado de 1ª camada ou firmware, é considerado integrante e fundamental para o funcionamento do equipamento como um todo. Sem a ativação dessas licenças de software básico, o equipamento fica totalmente disfuncional, incapaz de realizar suas funções esperadas, como gerenciar o tráfego de rede.

A perspectiva do Fisco é a de que o software essencial (básico, da placa ou do equipamento) que executa ou habilita funções básicas sem as quais o equipamento não funciona como esperado faz parte da base de cálculo do ICMS. Esta instalação do software básico é considerada mandatória para que o equipamento realize as funções esperadas. Nesse sentido, o Pronunciamento Técnico CPC nº 04 (R1), referente ao Ativo Intangível, dispõe que se um ativo contém elementos intangíveis e tangíveis, deve-se avaliar qual elemento é mais significativo:

“4. Alguns ativos intangíveis podem estar contidos em elementos que possuem substância física, como um disco (como no caso de software), documentação jurídica (no caso de licença ou patente) ou em um filme. Para saber se um ativo que contém elementos intangíveis e tangíveis deve ser tratado como ativo imobilizado de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 27 – Ativo Imobilizado ou como ativo intangível, nos termos do presente Pronunciamento, a entidade avalia qual elemento é mais significativo. Por exemplo, um software de uma máquina-ferramenta controlada por computador que não funciona sem esse software específico é parte integrante do referido equipamento, devendo ser tratado como ativo imobilizado. O mesmo se aplica ao sistema operacional de um computador.

Quando o software não é parte integrante do respectivo hardware, ele deve ser tratado como ativo intangível.” (grifamos)

Embora, no caso da revenda de equipamentos de telecomunicações, trate-se de estoque, e não de ativo imobilizado, a interpretação sistêmica é que o software essencial, sendo parte integrante do equipamento e fundamental para o seu funcionamento, não deve ser tratado como um intangível separado. A venda também não deve ser feita de forma separada.

Do ponto de vista do consumidor final, ele adquire o equipamento para tê-lo em pleno funcionamento. Ele paga pelo equipamento completo, não por um direito autoral ou sublicenciamento do software. O custo do licenciamento do software básico é incluído na base de cálculo do ICMS que incide sobre a saída do equipamento. Não é possível fazer a segregação entre hardware e software essencial sem que haja desnaturação do próprio equipamento, tornando-o sem função ou utilidade ao usuário.

Essa situação é distinta daquelas abordadas em recentes decisões do STF sobre a tributação de software pelo ISS. Tais decisões se aplicam ao licenciamento ou cessão de direito de uso de software quando consumido de forma restrita a essa licença, caracterizado como prestação de serviço.

No entanto, essas decisões não abrangem o software que é imprescindível para o funcionamento básico de um equipamento, que é a real essência do negócio jurídico praticado na circulação da mercadoria.

Portanto, o contribuinte não deve segregar o equipamento e as licenças básicas de uso do software nas notas fiscais de saída. Tudo deve ser escriturado como saída de mercadoria, e a base de cálculo para incidência do ICMS deve ser o valor total, somando o valor do equipamento e o valor do software básico. Isso se aplica às licenças básicas, e não aos softwares de melhoramento (enhanced hardware software), cuja instalação é opcional e que habilitam novas funções, que podem ser encarados como serviço.

2. É possível a segregação do hardware e do software para fins de faturamento e tributação pelo ICMS, conforme delimitado no primeiro cenário de estudo?

A segregação entre hardware e software essencial, como o firmware (relacionado ao chamado "primeiro cenário" ou aos softwares tipo 1 e 2), para fins de faturamento e tributação, não é considerada correta ou possível sob a ótica fiscal adotada.

O primeiro cenário, que abrange softwares tipo 1 (BIOS, firmware) e tipo 2 (sistema operacional), reconhece esses elementos como essenciais ao funcionamento dos hardwares. Não é possível separar hardware e software essencial sem descaracterizar o próprio equipamento, pois, na ausência desse software, o hardware não teria função ou utilidade para o usuário.

Do ponto de vista do consumidor, o que se adquire é o equipamento em pleno funcionamento, de modo que o custo do software essencial integra o custo total do produto e deve ser incluído na base de cálculo do ICMS.

Ainda que o fornecedor separe a compra do hardware e a licença de uso do software em ordens de compra distintas, não se justifica a segregação na saída da mercadoria no Brasil, pois o ordenamento jurídico-tributário brasileiro não pode ser afastado por práticas do mercado internacional.

As normas contábeis, como o CPC nº 04 (R1), estabelecem que o software essencial a uma máquina, sem o qual ela não funciona, é parte integrante do equipamento e deve ser tratado como ativo imobilizado (ou estoque, se destinado à venda), e não como intangível separado. A base de cálculo do ICMS deve ser o valor total do equipamento, incluindo o software essencial.

3. É possível a segregação do hardware e do software para fins de faturamento e tributação pelo ICMS, conforme delimitado no segundo cenário de estudo?

Considerando o segundo cenário, é possível a segregação para fins de faturamento e tributação, mas com uma distinção crucial entre o software básico (ou firmware, 1ª camada, software essencial) que executa ou habilita funções sem as quais o equipamento não realiza suas funções esperadas e é mandatório para o seu funcionamento, e os "softwares de melhoramento (enhanced hardware software)" ou "licenças adicionais".

O software básico (ou firmware, 1ª camada, software essencial), é considerado parte integrante do equipamento. A venda deste software básico junto com o hardware não permite a segregação.

A base de cálculo do ICMS deve ser composta pelo valor da mercadoria, e isso inclui o valor do software básico cuja instalação é mandatória para que o equipamento realize as funções esperadas. Na visão do consumidor final, ele adquire o equipamento para tê-lo em pleno funcionamento, e o custo do licenciamento do software básico é incluído na base de cálculo do ICMS que incide sobre a saída deste equipamento.

Já os softwares de melhoramento são descritos como aqueles cuja instalação é opcional e que executam ou habilitam novas funções que melhoram a percepção do resultado e do uso do equipamento. Podem ser customizados para um cliente específico.

Estes softwares de melhoramento devem, sim, ser encarados como serviço.

4. Considerando a possibilidade de uso do software da consulente em equipamentos de outros fabricantes, ou seja, não sendo nativo ao funcionamento do equipamento da consulente, esse software pode ser excluído do campo de incidência do ICMS?

Este questionamento leva a outras questões: estamos diante de hardware receptivo à instalação do firmware da consulente?

Veja:

· se a instalação do firmware da consulente em hardware de terceiro não for acessível ao público comum, mas demandar trabalho de pessoa altamente capacitada em informática, o hardware não está sendo receptivo;

· se o manual do hardware não orienta o usuário a como proceder à troca do software básico, ele não está sendo receptivo;

· se o fabricante do hardware limita ou extingue o serviço de garantia em caso de substituição do firmware, não estamos diante de receptividade;

Se o hardware não for receptivo, a intercambialidade do firmware sugere que, mesmo que tecnicamente possível em ambiente controlado, não está invalidada a classificação do software como essencial e integrado ao hardware para fins tributários, especialmente sob a ótica do consumidor final e das condições de uso e garantia.

Por outro lado, se o hardware for receptivo à instalação do firmware de terceiro, estaríamos diante da possibilidade de o software ser excluído do campo de incidência do ICMS.

5. Quais as características necessárias ao software que permitem segregá-lo do equipamento para fins de faturamento e incidência do ICMS?

As características que permitiriam segregar o software do equipamento para fins de tributação pelo ISS (ou não inclusão na base do ICMS do hardware) estão ligadas à sua não essencialidade para o funcionamento básico do equipamento e à possibilidade de escolha ou personalização pelo cliente.

As características do software que o qualificariam para segregação incluem:

- Não ser essencial para o funcionamento básico do equipamento :

O software que não é imprescindível para que o equipamento realize suas funções conforme esperado.

- Ser um software de melhoramento ou aplicação : Softwares que adicionam funções ou melhoram a percepção do resultado/uso do equipamento, mas não são fundamentais para sua operação inicial.

- Ter instalação opcional : A instalação do software não é mandatória para que o equipamento funcione em sua concepção básica.

- Possibilidade de escolha ou personalização pelo adquirente : O cliente pode selecionar quais softwares de seu interesse serão instalados no hardware, indicando uma separação do produto.

- Não desnaturar o equipamento ao ser removido/não instalado : A ausência deste software não torna o equipamento sem função ou utilidade básica para o usuário (o oposto da característica do software essencial).

- Software dormente/pré-carregado que exige compra de licença para ativação : Software que vem pré-carregado, mas não ativo, e cuja funcionalidade depende da compra posterior de uma licença para ativação. A ativação pode ser feita mediante pagamento ao fornecedor do equipamento ou do software. Este software é considerado sujeito ao ISS quando da ativação.

- Possibilidade de ativação posterior para funcionalidade adicional :

A ativação de determinado software previamente instalado, posteriormente à aquisição do equipamento, para possibilitar outra funcionalidade do equipamento.

Em resumo, a possibilidade de segregação parece depender de o software ser um adicional, opcional ou que confere funcionalidades extras, não sendo intrínseco ou fundamental para que o equipamento funcione em sua finalidade primária desde a aquisição, e onde o cliente tem a possibilidade de escolha.

RESPOSTA

Diante do exposto, conclui-se que o ICMS incide sobre o software essencial, ou seja, aquele indispensável e indissociável do equipamento, pois é considerado parte integrante do produto, devendo seu valor compor a base de cálculo do imposto, independentemente de eventuais tentativas de segregação no faturamento.

Por outro lado, softwares de melhoramento, que agregam funções extras e cuja instalação depende da escolha do cliente, podem ser tratados de forma separada, sendo tributados pelo ISS e não compondo a base do ICMS do equipamento.

A possibilidade de exclusão do software do campo de incidência do ICMS depende, portanto, de sua natureza: se for essencial ao funcionamento do hardware, permanece integrado ao produto para fins fiscais; se for opcional, personalizável e não comprometer a funcionalidade básica do equipamento, pode ser segregado e tributado de forma distinta.

Dessa forma, a análise deve sempre considerar as características técnicas e a forma de comercialização do software em relação ao equipamento.

É o parecer que submeto à apreciação desta Comissão Permanente de Assuntos Tributários.

ANDRE CAPOBIANGO AQUINO

AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 6454275

De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 24/06/2025.

A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.

Responsáveis

Nome Cargo
DILSON JIROO TAKEYAMA Presidente COPAT
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA Gerente de Gerente de Tributação
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA Presidente do TAT
CAROLINA VIEITAS KRAJNC ALVES Secretário(a) Executivo(a)

Data e Hora Emissão: 04/07/2025 14:41:51

ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA

COMISSÃO PERMANENTE DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS