Publicado no DOE - GO em 17 mar 2025
ICMS. Transferência de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular. Não incidência. Transferência do crédito quando a aquisição ocorreu com isenção. LC nº 204/2023; Convênio ICMS nº 109/2024; art. 58-A do CTE-GO.
(...), solicita esclarecimentos acerca da transferência do crédito do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, quando a aquisição ocorrer com isenção do imposto.
Em relação às transferências de mercadorias para suas unidades fora do Estado de Goiás, cuja operação de aquisição não gerou créditos de ICMS para serem escriturados em conta gráfica, indaga:
Qual será o critério, até a publicação da normativa ou decreto regulamentando os procedimentos internos e interestaduais da mudança do estoque, para transferência do crédito do ICMS ao estado de destino quando não houve créditos do imposto na origem?
Anote-se que, consoante os registros cadastrais, o estabelecimento consignado na inicial teve sua inscrição no CCE-GO suspensa em 30/10/2023 por falta de regularização da condição de precariedade. Todavia, considerando que a Consulente informa estar em andamento a regularização e, ainda, tendo em vista que a empresa possui outro estabelecimento ativo neste Estado, a consulta será respondida.
A Lei Complementar nº 204, de 28 de dezembro de 2023, pacificou a celeuma atinente às transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. Seguindo o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, a circulação de mercadorias juridicamente relevante para efeito de incidência do ICMS é apenas a circulação jurídica, isto é, a que envolve a mudança de titularidade das mercadorias ou bens.
Desse modo, com a nova lei, que alterou a Lei Complementar nº 87/1996, a regra é que não há incidência do ICMS na saída de mercadoria para outro estabelecimento do mesmo titular, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que parte do crédito deverá ser transferido para a unidade federada de destino e a diferença positiva será assegurada pela unidade federada de origem.
O crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores relativas às mercadorias transferidas, limitado, contudo, ao montante obtido pela aplicação do percentual correspondente à alíquota interestadual sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada, conforme estabelece a cláusula quarta do Convênio ICMS nº 109, de 3 de outubro de 2024, abaixo:
“Cláusula quarta O crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores, relativas às mercadorias transferidas.
§ 1º O crédito a ser transferido nos termos do “caput” fica limitado ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, definidas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, sobre os seguintes valores das mercadorias:
I – o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência;
II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento;
III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, e material de acondicionamento.
§ 2º No cálculo do crédito a ser transferido, os percentuais de que trata o § 1º devem integrar o valor das mercadorias.”
Cabe destacar que o valor do crédito a ser transferido não pode ser superior àquele escriturado por ocasião da entrada das mercadorias. O contribuinte poderá transferir ao seu estabelecimento localizado em outra unidade federada somente os créditos efetivamente apropriados ainda que estes não atinjam o limite estabelecido pela Lei Complementar nº 204/2023. Na hipótese de que não tenha havido apropriação de crédito do ICMS na entrada da mercadoria, em decorrência de isenção, por exemplo, não haverá crédito do imposto a ser transferido.
Evidencie-se que, no caso das mercadorias produzidas por terceiros, adquiridas para revenda, o Convênio ICMS nº 109/2024 estabelece, para o cálculo do limite a ser observado nas operações interestaduais, o “valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência” e não mais o “valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria”, definido anteriormente no Convênio ICMS nº 178/2023, revogado a partir de 01/11/2024.
Ressalte-se, ainda, que, nos termos do § 2º da cláusula quarta do mencionado Convênio, os percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS integram o valor das mercadorias para fins de cálculo do limite a ser respeitado na transferência do crédito, ou seja, deve ser excluído do valor da mercadoria o ICMS destacado na nota fiscal e incluído o ICMS correspondente à alíquota interestadual da operação de saída.
Apenas para que não restem dúvidas, esclareça-se que a determinação do valor da operação de transferência nas operações não tributadas tem como finalidade principal a definição do valor de crédito de ICMS que será transferido para o destino. O valor deve ser destacado na nota fiscal, contudo não implicará recolhimento do imposto.
A propósito, o Ajuste SINIEF nº 33/2024 disciplinou o procedimento de emissão da Nota Fiscal Eletrônica - NF-e na transferência de créditos da remessa interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, nos termos das cláusulas primeira a quarta do Convênio ICMS nº 109/2024. Segundo o normativo, o documento fiscal emitido para acobertar a operação deve conter as seguintes informações:
1) Natureza da Operação, o texto "Transferência de Mercadoria - Estabelecimentos mesmo titular";
2) Informações Adicionais de Interesse do Fisco - infAdFisco, o texto "Procedimento autorizado conforme Convênio ICMS nº 109/24";
3) Código Fiscal de Operações e de Prestações - CFOP, um dos códigos do grupo "6.150 - Transferências de produção própria ou de terceiros", conforme o caso, sendo:
3.1) CFOP 6.151 (quando for transferência de produção próprio do contribuinte);
3.2) CFOP 6.152 (quando for mercadoria adquirida de terceiros ou decorrente de importação);
4) Código de Situação Tributária - CST, o código 90;
5) Valor Base de Cálculo do ICMS - vBC , "valor zerado";
6) Alíquota do imposto - pICMS, "valor zerado";
7) Valor do ICMS - vICMS, o valor do crédito a ser transferido, caso exista.
Noutro vértice, a Lei Complementar nº 204/2023 ofereceu uma alternativa ao contribuinte que transfere mercadorias para outro estabelecimento de sua titularidade: a transferência poderá ser equiparada a uma operação tributada, hipótese em que o contribuinte deve fazer essa opção expressamente para todos os seus estabelecimentos em território nacional.
Nesse caso, a base de cálculo será, nos termos da cláusula sexta do Convênio ICMS nº 109/2024:
“Cláusula sexta Alternativamente ao disposto nas cláusulas primeira à quarta, por opção do contribuinte, a transferência da mercadoria poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto, para todos os fins.
§ 1º Na hipótese desta cláusula, considera-se valor da operação para determinação da base de cálculo do imposto:
I - o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
II - o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;
III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, assim entendidos os gastos com insumos, mão-de-obra e acondicionamento.”
As regras estabelecidas pela Lei Complementar nº 204/2023 e pelo Convênio 109/2024 foram incorporadas na legislação interna goiana. A Lei nº 23.174, de 26 de dezembro de 2024, conferiu alterações ao art. 58-A do Código Tributário do Estado de Goiás - CTE-GO, acrescido pela Lei nº 22.575, de 22 de março de 2024, o qual vigora com a seguinte redação:
“Art. 58-A. Na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, o crédito correspondente às operações e às prestações anteriores relativas às mercadorias transferidas deve ser transferido ao estabelecimento do destino da mercadoria.
§ 1º Na hipótese de transferência interestadual, os créditos serão assegurados, observado o disposto em regulamento:
I - pela unidade federada de destino, por transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada; e
II - pela unidade federada de origem, no caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e às prestações anteriores e o transferido na forma indicada no inciso I deste parágrafo.
§ 2º O valor atribuído à operação de transferência de que trata o inciso I do § 1º deve ser:
I - o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência;
II - o custo da mercadoria produzida, entendido como a soma dos custos de matéria-prima, insumos, material secundário e de acondicionamento; e
III - no caso de mercadoria não industrializada, a soma dos gastos com insumos e material de acondicionamento.”
Insta salientar que o art. 58-A do CTE-GO expressamente consignou que “Na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, o crédito correspondente às operações e às prestações anteriores relativas às mercadorias transferidas deve ser transferido ao estabelecimento do destino da mercadoria.”, de onde se infere que tanto nas transferências interestaduais quanto nas internas de mercadorias, o crédito apropriado do ICMS relativo às operações e prestações anteriores deve ser transferido ao estabelecimento de destino.
É importante acrescentar que a cláusula segunda do Convênio ICMS nº 109/2024 determinou, em relação à remessa interestadual, que o crédito a ser transferido deve ser lançado a débito no estabelecimento remetente e a crédito no estabelecimento destinatário. Veja-se:
“Cláusula segunda A apropriação do crédito pelo estabelecimento destinatário se dará por meio de transferência, pelo estabelecimento remetente, do ICMS incidente nas operações e prestações anteriores, na forma prevista na cláusula quarta deste convênio.
§ 1º O crédito a ser transferido será lançado:
I - a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante o registro do documento no Registro de Saídas;
II – a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas.
§ 2º A apropriação e o aproveitamento do crédito atenderão às mesmas regras previstas na legislação tributária da unidade federada de destino aplicáveis à apropriação do ICMS incidente sobre operações ou prestações recebidas de estabelecimento pertencente a titular diverso do destinatário.
§ 3º Na hipótese de haver saldo credor remanescente de ICMS no estabelecimento remetente, este será apropriado pelo contribuinte junto à unidade federada de origem, observado o disposto na sua legislação interna.”
Conforme o § 3º da cláusula segunda do Convênio ICMS nº 109/2024, acima, na hipótese de haver saldo credor remanescente de ICMS no estabelecimento remetente, este será apropriado na origem em conformidade com a legislação interna.
Já a hipótese alternativa, de opção do contribuinte pela equiparação a operação tributada, foi estampada no art. 13, § 4º e a determinação da base de cálculo no art. 19, XX, ambos do CTE-GO, nestes termos:
“Art. 13. Ocorre o fato gerador do imposto, no momento:
(…)
§ 3º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, observado o disposto no art. 58-A.
§ 4º Alternativamente ao disposto no § 3º deste artigo, por opção do contribuinte, na forma definida em regulamento, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular pode ser equiparada à operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto, hipótese em que devem ser observadas:
I - nas operações internas, as alíquotas estabelecidas na legislação; e
II - nas operações interestaduais, as alíquotas fixadas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal.
(…)
Art. 19. Nas seguintes situações específicas, a base de cálculo do imposto é:
(…)
XX - na transferência de mercadorias para estabelecimento de mesma titularidade equiparada, por opção do contribuinte, à operação sujeita ao fato gerador do imposto, nos termos do § 4º do art. 13 desta Lei:
a) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
b) o custo da mercadoria produzida, entendido como a soma dos custos de matéria-prima, material secundário, mão de obra e acondicionamento; e
c) no caso de mercadoria não industrializada, a soma dos gastos com insumos, mão de obra e acondicionamento.”
Deve-se enfatizar, portanto, que conforme o § 4º do art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996, incluído pela Lei Complementar nº 204/2023, não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte.
Por sua vez, o caput do art. 58-A do CTE-GO prescreve que na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, o crédito correspondente às operações e às prestações anteriores relativas às mercadorias transferidas deve ser transferido ao estabelecimento do destino da mercadoria.
Nos termos da cláusula quarta, caput do Convênio ICMS nº 109/2024 o crédito a ser transferido corresponderá ao imposto apropriado referente às operações anteriores relativas às mercadorias transferidas.
Dessa forma, se as mercadorias objeto da transferência interestadual foram adquiridas pelo estabelecimento remetente com isenção do ICMS, ou seja, se não houve apropriação de créditos referentes às operações anteriores relativas às mercadorias transferidas, não haverá crédito do imposto a ser transferido.
Com base no exposto, pode-se concluir:
Em relação às transferências de mercadorias para suas unidades fora do Estado de Goiás, cuja operação de aquisição amparada pelo benefício fiscal da isenção não gerou créditos de ICMS para serem escriturados em conta gráfica, não haverá crédito do imposto a ser transferido, conforme disposto no § 4º do art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996, incluído pela Lei Complementar nº 204/2023; no caput do art. 58-A do CTE-GO e no caput da cláusula quarta do Convênio ICMS nº 109/2024.
É o parecer.
GOIANIA, 17 de março de 2025.
OLGA MACHADO REZENDE
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