Publicado no DOE - GO em 28 jan 2025
Consulta sobre a retroatividade de legislação que estabeleceu penalidade mais benéfica ao contribuinte.
(...), expõe para ao final consultar o seguinte:
Trata-se de pedido por parte das sociedades empresárias (...), dirigido inicialmente ao escrutínio da Superintendência de Política Tributária, no sentido de se aplicar a retroatividade benigna prevista no art. 106 do CTN, nos PATs (...), em virtude do advento da Lei 22.063/25 que, entre outras providências, revogou os incisos I e II do art. 71 e inciso II do art. 89 do CTE.
Os PATs são referentes a ICMS devidamente apurado e não pago pelo contribuinte cuja pena cominada é no valor de 60% do imposto omitido, de acordo com a legislação vigente à época (inciso I do art. 71 do CTE). O ICMS lançado nos quatro processos perfaz a quantia de R$ 1.886.362,91 (um milhão, oitocentos e oitenta e seis mil trezentos e sessenta e dois reais e noventa e um centavos) e a multa aplicada é de R$ 1.131.817,73 (um milhão, cento e trinta e um mil oitocentos e dezessete reais e setenta e três centavos).
Retirando-se as delongas retóricas, o contribuinte pede que se exclua a penalidade aplicada de 60% e se readeque as parcelas vincendas dos acordos de parcelamentos relacionados aos referidos PATs.
Considerando o relatado, buscando transformar este caso particular em paradigma geral que abranja: (a) o valor remanescente de todos os PATs já lavrados cuja penalidade seja os incisos revogados, em qualquer fase processual; (b) os acordos de parcelamento já celebrados a estes referentes; (c) as omissões de ICMS apurado ainda não constituídos no regime legal anterior; PERGUNTA-SE:
I - Pode-se aplicar a retroatividade benigna em relação ao valor remanescente de todos os PATs já lavrados em qualquer etapa processual? Entendendo-se por aplicação de retroatividade benigna a substituição da pena de 60 ou 80% pela multa moratória prevista no art. 169, II, "b" do CTE (0,33% ao dia, no limite de 20%). Considerando-se que o inciso II, do art. 106 do CTN restringe a aplicação da lei em fato pretérito a ato não devidamente julgado.
II - Eventualmente, havendo valor remanescente de fatos geradores anteriores a vigência da Lei 21.004/21, deve-se aplicar a multa de 12% ou até mesmo 6%, considerando a norma vigente à época do fato gerador, quando mais favorável ao contribuinte? Pode-se substituir a multa fiscal (art. 71, I e II ou art. 89, II) pela moratória do art. 169, II do CTE em PATs em qualquer etapa processual?
A questão (...) diz respeito à norma constante do artigo 157-A, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 11.651/91 – CTE, com redação conferida pela Lei º 23.063, de 5 de novembro de 2024, nestes termos:
"Art. 157-A. O tributo declarado pelo sujeito passivo, nas formas previstas na legislação, independentemente da lavratura de auto de infração ou de notificação de lançamento, implica a confissão de dívida e constitui o crédito tributário.
§ 1º A declaração do tributo, nos termos do caput deste artigo, é instrumento hábil e suficiente para sua exigência, caso não seja pago no prazo regulamentar.
§ 2º O disposto neste artigo se estende à declaração de débitos apresentada para:
I - autorregularização, conforme o § 1º do art. 142-A desta Lei; e
II - denúncia espontânea, conforme o art. 169 desta Lei.
§ 3º O tributo declarado e não pago no prazo regulamentar deve ser acrescido:
I - dos juros de mora de que trata o art. 167 desta Lei; e
II - de multa de caráter moratório, calculada nos termos da alínea "b" do inciso II do art. 169 desta Lei."
De imediato, depreende-se da leitura do dispositivo legal em apreço, combinada com a intelecção do art. 3º da Lei nº 23.063/24, a seguir transcrito, que a partir da data de publicação desta (05/11/2024), e antes ainda da data em que se iniciarão os seus efeitos, abarcando todas as situações de tributo já declarado pelo sujeito passivo, e ainda não objeto de lançamento do crédito tributário mediante auto de infração ou notificação de lançamento, deve ser observada automaticamente a nova penalidade imposta pelo § 3º do artigo 157-A do CTE, pois há a determinação de que a mesma seja aplicada, alcançando as autoridades fiscais no ato de inscrição em dívida ativa.
Eis a transcrição do citado art. 3º da Lei nº 23.063/24:
Art. 3º As inovações introduzidas por esta Lei aplicam-se ao tributo declarado pelo sujeito passivo antes do início da produção de efeitos desta Lei, cujo prazo de pagamento esteja vencido e que não tenha sido objeto de lavratura de Auto de Infração ou Notificação de Lançamento.
Entretanto, cumpre obtemperar que para os autos de infração e notificações de lançamento lavrados anteriormente à data de sua publicação e vigência, momento em que a novel norma ainda não obrigava a administração tributária, e consequentemente não havia compulsoriedade de sua aplicação pela autoridade fiscal no exercício de sua competência de lançamento do crédito tributário, sua observância remete-nos à leitura do disposto no art. 106, inciso II, alínea “c” da Lei nº 5.172/66 – CTN, que transcrevemos a seguir para clareza desta orientação:
Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
(...)
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
(...)
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
Como se sabe o CTN impõe a aplicação retroativa da penalidade mais benéfica ao sujeito passivo, e a nova penalidade, que substituirá as penalidades dos incisos I e II do art. 71 do CTE e inciso II do art. 89 do CTE, é indubitavelmente mais benéfica, posto que limitada ao percentual de 20% (vinte por cento), ao passo que as multas de ofício alcançam o percentual de 60% (sessenta por cento) ou 80% (oitenta por cento), do valor do tributo, conforme o caso.
Contudo, o CTN ressalta que a penalidade mais benéfica será aplicada a ato não definitivamente julgado, devendo-nos debruçar sobre tal expressão para realizar sua interpretação clareando seu alcance e aplicação.
Nesse sentido, atentemo-nos ao que preleciona a doutrina pátria sobre tal expressão do CTN. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 836, assim se manifesta:
“Que dizer, entretanto, do lançamento não impugnado, ou da decisão administrativa definitiva? Num e noutro caso, em matéria administrativa, ter-se-á um ato final, que permitirá a inscrição do crédito na dívida ativa.
Isso não significa que o sujeito passivo não possa continuar a discutir o tema, já que o acesso ao Poder Judiciário lhe é assegurado constitucionalmente.
Poderá ele propor ação anulatória ou, mesmo, embargos à Execução. Diante de tal possibilidade, não há como considerar esteja "definitivamente julgado" o ato.
Aliás, o próprio Código Tributário Nacional, em diversas ocasiões, reserva a expressão "julgado" para se referir à decisão judicial, não à administrativa. Assim é que o artigo 156, ao versar sobre as hipóteses de extinção do crédito tributário, prevê, em seu inciso X, a decisão judicial passada em julgado. O artigo 168 é ainda mais explícito na diferenciação, já que fala em "tornar definitiva a decisão administrativa" e "passar em julgado a decisão judicial", evidenciando que a expressão "julgado" só se aplica ao último caso.
Assim, até que haja decisão judicial final, a sobreveniência de lei tributária penal mais benéfica poderá aproveitar ao sujeito passivo”.
A avaliação quanto ao significado e alcance da expressão "ato não definitivamente julgado", presente no inciso II do artigo 106 do Código Tributário Nacional, também foi realizada no Parecer PGFN/CAT/CDA nº 1.961/2008, cujo trecho vale a transcrição:
“É certo que o “ato não definitivamente julgado”, necessariamente, implica que ainda haveria um novo julgamento; pressupõe, portanto, a pendência de uma decisão judicial. Em outras palavras, o “ato não definitivamente julgado” consiste no ato sobre o qual incida “decisão judicial de que já não caiba recurso” – o que, aliás, corresponde ao conceito legal de coisa julgada plasmado no §3º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil”.
Portanto, da interpretação do disposto no art. 106, inciso II, alínea “c” do CTN depreende-se, inconteste pela doutrina brasileira, que a penalidade mais benéfica ao sujeito passivo que exsurge do diploma legal deverá ser aplicada a atos pretéritos nos casos em que ainda não houve superveniência de decisão definitiva judicial, frisando que a decisão definitiva na seara administrativa não ostenta a qualidade de "ato definitivamente julgado", posto que sua finalidade restringe-se apenas a garantir os atributos de liquidez e certeza necessários para propiciar a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, não pondo fim à discussão à legalidade do crédito tributário, o qual poderá ser objeto de apreciação pelo Judiciário, a quem compete a palavra final quanto à sua procedência.
Quanto ao questionamento relacionado à Lei nº 21.004/21, que fixou a multa de mora hoje vigente até o limite de 20%, enquanto as normas anteriores, a depender do período, limitavam-na ao teto de 12% (doze por cento) ou de 6% (seis por cento), esclarecemos que a norma que deverá ser aplicada não retroage a ponto de alcançar a multa de mora aplicada nos períodos de vigência dos limites de 12% e 6%, visto que a redação da nova norma refere-se à alínea “b” do inciso II do art. 169 do CTE, frisando que à época da vigência daquelas normas, que limitam a multa aos percentuais de 12% e 6%, inexistia a alínea “b” do inciso II do art. 169 do CTE. Por esse motivo, não há que se cogitar em limitação da multa de mora aos percentuais de 12% ou 6%, devendo persistir a multa de 20% (vinte por cento), nesses casos, que é a penalidade mais benéfica, hodiernamente em vigor, face ao novo arcabouço legal.
Nesse compasso, conclui-se que (...) deverá aplicar a nova penalidade do § 3º do art. 157-A do CTE a todo o estoque da dívida ativa, considerando os autos de infração e notificações de lançamento em que a penalidade outrora aplicada esteja tipificada nos incisos I ou II do art. 71 do CTE ou inciso II do art. 89, do CTE, desde que tais processos não tenham submetidos à decisão final do Poder Judiciário. Ressalte-se que em havendo decisão final do Poder Judiciário, a multa não será alterada para aplicação da nova penalidade, prevalecendo a decisão judicial ao caso.
Por derradeiro, reprisamos que a penalidade aplicável às infrações capituladas nos incisos I e II do art. 71 do CTE e no inciso II do art. 89 do CTE será sempre limitada ao percentual de 20% (vinte por cento), em quaisquer hipótese, não se havendo que falar em aplicação de limites máximos de 12% (doze por cento) ou 6% (seis por cento).
Posto isso, concluímos orientando (...)nos seguintes termos, conforme cada questionamento formulado no requerimento de consulta:
QUESTIONAMENTO I - Pode-se aplicar a retroatividade benigna em relação ao valor remanescente de todos os PATs já lavrados em qualquer etapa processual? Entendendo-se por aplicação de retroatividade benigna a substituição da pena de 60 ou 80% pela multa moratória prevista no art. 169, II, "b" do CTE (0,33% ao dia, no limite de 20%). Considerando-se que o inciso II, do art. 106 do CTN restringe a aplicação da lei em fato pretérito a ato não devidamente julgado.
RESPOSTA: Sim, entendimento correto, ressalvados os processos com decisão judicial transitada em julgado, hipótese que prevalece a penalidade de 60% ou 80%, conforme o caso, devendo ser observado o teor da decisão judicial em cada caso concreto.
QUESTIONAMENTO II - Eventualmente, havendo valor remanescente de fatos geradores anteriores a vigência da Lei 21.004/21, deve-se aplicar a multa de 12% ou até mesmo 6%, considerando a norma vigente à época do fato gerador, quando mais favorável ao contribuinte? Pode-se substituir a multa fiscal (art. 71, I e II ou art. 89, II) pela moratória do art. 169, II do CTE em PATs em qualquer etapa processual?
RESPOSTA: Não, a multa de mora a ser aplicada deverá observar o percentual máximo de 20% (vinte por cento), visto que a redação da nova norma refere-se à alínea “b” do inciso II do art. 169 do CTE, frisando que à época da vigência daquelas normas, que limitam a multa aos percentuais de 12% e 6%, inexistia a alínea “b” do inciso II do art. 169 do CTE. Por esse motivo, não há que se cogitar em limitação da multa de mora aos percentuais de 12% ou 6%, devendo persistir a multa de 20% (vinte por cento), nesses casos, que é a penalidade mais benéfica, hodiernamente em vigor, face ao novo arcabouço legal.
É o parecer.
GOIANIA, 28 de janeiro de 2025.
DAVID FERNANDES DE CARVALHO
Auditor Fiscal da Receita Estadual