Parecer Técnico Nº 14 DE 29/08/2024


 Publicado no DOE - PA em 29 ago 2024


Prestação de serviço de transporte no transbordo de mercadoria importada do exterior em território paraense com destino a outra unidade federativa. É ineficaz a petição de consulta que trata de matéria expressamente disposta na legislação tributária.


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ASSUNTO: Prestação de serviço de transporte no transbordo de mercadoria importada do exterior em território paraense com destino a outra unidade federativa. É ineficaz a petição de consulta que trata de matéria expressamente disposta na legislação tributária.

DA CONSULTA

A consulente é empresa com estabelecimento em Manaus/AM e atua ordinariamente na importação de combustíveis para revenda, conforme objeto social e atividade econômica.

Em agosto de 2023, praticou operação de importação de 47.304.894 m³ de óleo diesel S10 por meio de embarcação especificada com destino final terminal fluvial localizado em Manaus/AM. No entanto, em razão de estiagem e proibição de navegação pelas passagens de baixos níveis de água, solicitou à autoridade aduaneira o transbordo de parte da mercadoria (7.500 m³ de óleo diesel S10), que deferiu extraordinariamente e em caráter eventual e único para a operação consubstanciado em força maior.

Juntou aos autos a Portaria nº 57/23 da capitania fluvial de porto velho (seq. 1 fls. 25/30), a Portaria nº 158/23 da capitania fluvial da Amazônia ocidental (fls. 32/33), o Decreto nº 48.049/23 de situação de emergência ambiental (fls. 35) e o despacho decisório SAANA nº 33/23 da autoridade aduaneira de Santarém (fls. 40/46).

Entende a consulente que com relação ao transbordo excepcional da mercadoria não incide o ICMS, por não ocorrência de início de nova prestação de serviço de transporte, sendo devido integralmente o imposto ao Estado do destino final incidente sobre o transporte internacional.

Ao fim e ao cabo, a consulente faz os seguintes questionamentos:

a) Com relação à interpretação do art. 3º, II e parágrafo único do RICMS/PA, está correto o entendimento da Consulente de que o fato gerador do ICMS no caso de transporte internacional da carga, ainda que haja o transbordo, somente ocorre no ato final da prestação do serviço de transporte, ou seja, quando da entrega da mercadoria no seu destino final?

b) Com relação à interpretação do art. 18, Il, a, itens 3 e 4 do RICMS/PA, está correto o entendimento da Consulente de que o mero transbordo de carga não caracteriza início de nova prestação de serviço de transporte iniciada no Pará?

c) Em caso de resposta negativa às perguntas acima, qual seria a interpretação correta dos referidos dispositivos?

DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

➢ Lei nº 6.182, de 30 de dezembro de 1998, que dispõe sobre os Procedimentos Administrativo-Tributários do Estado do Pará e dá outras providências.

➢ Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, denominado RICMS/PA, aprovado pelo Decreto n.º 4.676, 18 de junho de 2001.

Decreto nº 428, de 04 de dezembro de 2019, que dispõe sobre os procedimentos administrativos relativos à Consulta Tributária.

DA MANIFESTAÇÃO

A Lei n.º 6.182/98, que regula os procedimentos administrativo-tributários no Estado do Pará, assegura ao sujeito passivo a formulação de consulta sobre a aplicação da legislação tributária, em relação a fato concreto de seu interesse.

A mesma lei impõe ao consulente o atendimento dos requisitos do expediente previstos nos artigos 54 e 55 da referida lei de regência, no intuito de garantir o atendimento do pleito na forma de solução às questões provocadas.

Para melhor esclarecimento, trazemos à colação os preceptivos:

Art. 54. É assegurado ao sujeito passivo que tiver legítimo interesse o direito de formular consulta sobre dispositivos da legislação tributária aplicados a fato concreto de seu interesse.

Parágrafo único. Os órgãos da administração pública e as entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais também poderão formular consulta.

Art. 55. A consulta será apresentada por escrito, na repartição fazendária que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo, e conterá:

I - a qualificação do consulente;

II - a matéria de fato e de direito objeto de dúvida, na seguinte forma:

a) exposição completa e exata da hipótese consultada, com a citação dos correspondentes dispositivos da legislação e a indicação da data do fato gerador da obrigação principal ou acessória, se já ocorrido;

b) informação sobre a certeza ou possibilidade de ocorrência de novos fatos geradores idênticos;

c) indicação, de modo sucinto e claro, da dúvida a ser dirimida.

III - a declaração de existência ou não de início de procedimento fiscal contra o consulente;

IV - o comprovante de recolhimento da taxa. (negritamos)

No caso em questão, o assunto ventilado no expediente está expressamente disposto na legislação tributária deste Estado, conforme se depreende pela leitura do art. 3º da Seção II do RICMS-PA, o qual trazemos à colação por força do que prediz o § 2º do art. 12 do Dec. 428/19, in verbis:

Art. 3º Nas prestações de serviços de transporte de pessoas, mercadorias ou valores, considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento:

I - do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via;

II - do ato final da prestação de serviço de transporte iniciada no exterior;

Parágrafo único. Considera-se serviço de transporte iniciado no exterior aquele vinculado a contrato de transporte internacional, ainda que haja transbordo, subcontratação ou redespacho, inclusive em se tratando de transporte intermodal. (grifo nosso)

Assim, considera-se serviço de transporte iniciado no exterior aquele vinculado a contrato de transporte internacional, ainda que haja transbordo, tendo ocorrido o fato gerador do ICMS no momento do ato final da prestação de serviço de transporte iniciada no exterior.

O cerne da questão consiste, portanto, se o transbordo expresso na legislação se trata daquele realizado em território nacional ou se trata do transbordo ocorrido fora da jurisdição brasileira.

Art. 18. O local da operação ou da prestação, para os efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

II - tratando-se de prestação de serviço de transporte:

a) o do lugar onde tenha início a prestação de serviço, observadas as seguintes situações especiais:

3. não caracterizam o início de nova prestação de serviço de transporte os casos de transbordos de carga, de turistas, de outras pessoas ou de passageiros, realizados por empresa transportadora;

4. se o serviço de transporte iniciado no exterior for efetuado por etapas, a que tiver origem em território paraense constituir-se-á como início de nova prestação, desde que tenha natureza
interestadual ou intermunicipal, com início e fim no território nacional, salvo em se tratando de transporte intermodal ou de mero transbordo; (grifo nosso)

Veja-se que o art. 18, II, item 4, do RICMS/PA, condiciona que se o serviço de transporte iniciado no exterior for efetuado por etapas, a que tiver origem em território paraense constituir-se-á como início de nova prestação, desde que tenha natureza interestadual ou intermunicipal, com início e fim no território nacional, salvo em se tratando de transporte intermodal ou de mero transbordo.

Assim, o transbordo se refere àquele realizado em território paraense interpretando se no sentido de que o serviço de transporte iniciado no exterior vinculado a contrato de transporte internacional se estende no território nacional. Ou seja, a legislação restringe à hipótese de transbordo que ocorre na jurisdição do território paraense, exclusivamente, sendo omissa quanto ao transbordo realizado no exterior. Ainda, o art. 18, II, item 3, do RICMS/PA, esclarece que não caracterizam o início de nova prestação de transporte os casos de transbordos de carga realizados por empresa transportadora.

Os dispositivos legais especificam o local da operação para fins de definição da sujeição ativa do imposto incidente na prestação de serviço de transporte internacional. O item 4 restringe a análise no serviço de transporte iniciado no exterior efetuado em etapas, ressalvando expressamente o mero transbordo realizado em território paraense.

Desta feita, caberia a subsunção do caso concreto na hipótese elencada pela legislação no que se refere ao transbordo, termo elegido pela legislação tributária.

Ao recorrer à definição técnica, para pesquisa do conteúdo e de seu alcance a que alude o art. 109 do CTN, o transbordo de carga consiste em movimentação ou transferência de carga a bordo realizada entre embarcações distintas, conforme Resolução ANTAQ nº 3.290/14, art. 2º, XVI, a seguir:

Art. 2º XVI - Transbordo de Cargas: movimentação de cargas realizada entre distintas embarcações ou entre essas embarcações e outras modalidades de transporte. (grifo nosso)

O transbordo refere-se à transferência direta de carga a bordo de um para outro veículo. São, portanto, atividades auxiliares, utilizadas nos tipos de serviços de cabotagem. (Carvalho, Marcelo Almeida, 2023, p. 32, TCU/ISC, Navegação de Cabotagem para o Transporte de Cargas História, desafios, regulação e futuro)

A agência reguladora especializada define o transbordo no transporte aquaviário de combustíveis por meio da Resolução ANTAQ nº 59/21, que regulamenta o transporte a granel de petróleo, seus derivados, gás natural e biocombustíveis, que realize as operações de transbordo ship to ship.

Art. 2º I - operação de transbordo ship to ship (operação STS): o transbordo ou transferência de petróleo, seus derivados, gás natural e biocombustíveis entre embarcações localizadas em Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), sem a utilização de dutos, tancagem ou bombas de terminal aquaviário em terra, podendo ocorrer com as embarcações em movimento, atracadas ou fundeadas; (grifo nosso)

Em relação à emissão de documento fiscal, da mesma forma, não caracterizam o início de nova prestação de serviço de transporte os casos de transbordo de cargas.

Entretanto, o art. 281, caput, do RICMS/PA dispõe que, para tal finalidade, o transbordo deve ser realizado pela mesma empresa transportadora, desde que seja utilizado apenas uma modalidade de transporte, em veículo próprio, e sejam mencionados o local de transbordo e as condições que o ensejaram.

Art. 281. Não caracteriza, para efeito de emissão de documento fiscal, o início de nova prestação de serviço de transporte, os casos de TRANSBORDO de cargas, de turistas ou outras pessoas ou de passageiros, realizados pela mesma empresa transportadora, ainda que através de estabelecimentos situados no mesmo ou em outro Estado e desde que seja utilizado apenas uma modalidade de transporte, em veículo próprio, como definido no art. 575, e no documento fiscal respectivo sejam mencionados o local de transbordo e as condições que o ensejaram. (grifo nosso)

À fls. 22, o conhecimento mercante delimita a operação de transbordo para as balsas Rio Grande do Norte X capacidade 4.200 m³ e Pernambuco capacidade 3.300 m³, sendo a capacidade da embarcação de origem de 47.304.894 m³.

Às fls. 40/46, a autorização de transbordo RFB se refere unicamente ao desembaraço de mercadorias e não especifica as embarcações destinadas a operações de transbordo, o que poderia ensejar autorização tácita dos demais 40 milhões de m3.

Assim, apenas o caso concreto apresentado se enquadraria na hipótese prevista na legislação aqui analisada, tal qual o volume de 7.500 m³ (Rio Grande do Norte X capacidade 4.200 m³ e Pernambuco capacidade 3.300 m³) e não da totalidade de 47.304.894 m³, e desde que caracterizado o transbordo na jurisdição estadual nos estritos termos técnicos.

Deveras, fica claramente demonstrado que a hipótese levantada a cabo pela consulente se subsumem ao dispositivo em destaque, o que obriga este setor consultivo a sugerir a declaração de ineficácia da consulta, ex vi do inc. III do art. 58 da L. 6.182/98, independentemente do fato a ser averiguado pelos órgãos competentes:

Art. 58. A consulta será declarada ineficaz e arquivada de plano quando:

I - formulada em desacordo com o previsto nos arts. 54 e 55;

II - contiver dados inexatos ou inverídicos ou, ainda, quando o fato for definido como crime ou contravenção penal;

III - que seja meramente protelatória, assim entendida a que verse sobre disposições claramente expressas na legislação tributária ou sobre questão de direito já resolvida por decisão administrativa definitiva, publicada antes da apresentação da consulta;

IV - formulada após o início de procedimento fiscal.

V - o fato houver sido objeto de solução anterior proferida em consulta em que tenha sido parte o consulente, e cujo entendimento por parte da administração não tenha sido alterado por ato superveniente;

VI - a matéria tiver sido objeto de decisão proferida em processo administrativo já findo, de interesse do consulente;

VII - não descrever, completa e exatamente, a hipótese a que se referir ou não contiver os elementos necessários à sua solução, salvo se a inexatidão ou omissão for escusável, a critério da autoridade consultada;

VIII - o sujeito passivo tiver sido comunicado a observar obrigação relativa a fato objeto da consulta. (grifo nosso)

Ao fim e ao cabo, este setor consultivo compreende que o presente expediente não apresenta elementos suficientes e bastantes, aptos a impor o dever de emissão de parecer para fins de solução de consulta tributária, de modo que não cabe outra opinião a ser dada nesta manifestação a não ser sugerir que o feito seja declarado liminarmente ineficaz, por força do art. 58, III, da L. 6.182/98, sem prejuízo de formulação de novo processo sobre o mesmo assunto, desde que sanados os vícios que lhe deram causa, observados os demais requisitos legais (Dec. 428/19, art. 12, § 3º).

Ex positis, explanada a compreensão da CCOT sobre o assunto trazido a exame, e em caso de sua aprovação, cabe a observação do procedimento previsto no art. 13 do Dec. 428/19, que assim reza: "descaracterizada a petição, com despacho denegatório de sua admissibilidade, como expediente de consulta, o interessado será notificado e o processo arquivado".

DA RESPOSTA

Diante do exposto, sugere-se as seguintes orientações para a situação exposta pela empresa:

a) Com relação à interpretação do art. 3º, II e parágrafo único do RICMS/PA, está correto o entendimento da Consulente de que o fato gerador do ICMS no caso de transporte internacional da carga, ainda que haja o transbordo, somente ocorre no ato final da prestação do serviço de transporte, ou seja, quando da entrega da mercadoria no seu destino final?

Resposta: Não, o fato gerador do ICMS na prestação de serviço de transporte internacional não ocorre quando da entrega da mercadoria no seu destino final. O local e o momento de incidência do ICMS referentes à circulação de mercadoria não se confundem com os referentes à prestação de serviço de transporte.

b) Com relação à interpretação do art. 18, Il, a, itens 3 e 4 do RICMS/PA, está correto o entendimento da Consulente de que o mero transbordo de carga não caracteriza início de nova prestação de serviço de transporte iniciada no Pará?

Resposta: É a literalidade do art. 18, II, alínea “a”, item 4, do RICMS/PA: se o serviço de transporte iniciado no exterior for efetuado por etapas, a que tiver origem em território paraense constituir-se-á como início de nova prestação, desde que tenha natureza interestadual ou intermunicipal, com início e fim no território nacional, salvo em se tratando de transporte intermodal ou de mero transbordo.

Caso o transbordo seja realizado entre embarcações de empresas diversas, não se refira a um único contrato de prestação de serviço de transporte internacional ou não se enquadre na definição técnica de transbordo, dentre outras hipóteses de incidência do imposto, poderá ser caracterizado o início de nova prestação de serviço de transporte interestadual sujeito à incidência do ICMS. Cabe salientar que na hipótese de desembaraço aduaneiro em jurisdição do estado haverá, em regra, a incidência do ICMS quanto a circulação de mercadorias.

Sugere-se, com base no inc. III do art. 58 da L. 6.182/98, que a consulta seja declarada ineficaz, porquanto o assunto estar claramente expresso na legislação.

É a nossa manifestação. S.M.J., a qual submetemos a apreciação superior.

Belém (PA),10 de novembro de 2023.

EDUARDO TETSUO AMEKU, AFRE – CCOT/DTR

De acordo com a manifestação do Ilmo. AFRE, a qual tem status de parecer técnico na forma do art. 8º do Dec. 428/19.

À consideração da Titular da DTR

ANDRÉ CARVALHO SILVA, Coordenador da CCOT

Em juízo de Admissibilidade, motivado pelas razões de fato e de direito explanadas pela

Célula de Consulta e Orientação Tributária, descaracteriza-se a petição como processo administrativo de consulta tributária, em razão de sua ineficácia, e recomenda-se, após a notificação do interessado, o encaminhamento do feito para a DFI para arquivamento do expediente, em obediência ao art. 58, III, da Lei n.º 6.182/98 c/c art. 13 do Dec. 428/19.

SIMONE CRUZ NOBRE Diretora de Tributação