ICMS. Saídas de mercadoria em bonificação. Incidência do icms.
A consulente requer, com fulcro no art. 25 da Lei Complementar n° 107/2005 e no art. 662 do Regulamento do ICMS, a revogação da Consulta n° 108, de 2 de agosto de 2016, por ela formulada, que diz respeito a saídas de mercadoria a título de bonificação, argumentando que o entendimento manifestado pelo Setor Consultivo afronta pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que o montante das mercadorias bonificadas não deve integrar a base de cálculo do ICMS, por caracterizar desconto incondicional.
Defende seu pedido, aduzindo ter sido promulgada pelo Estado do Paraná a Lei n° 18.877, de 29 de setembro de 2016, que estabelece, em seu art. 42, o dever de observância ao entendimento consolidado em súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ, nas decisões proferidas em processos administrativos fiscais.
Argumenta, ainda, que o disposto na referida consulta conflita com o respondido na Consulta 21, de 15 de março de 2016, em que foi reconhecido não constituir receita bruta para efeitos da tributação de que trata o regime do Simples Nacional, o montante correspondente às saídas de mercadorias a título de bonificação, doação ou brinde.
RESPOSTA
Primeiramente, cabe observar que o fato novo apresentado pela consulente em relação ao exposto na Consulta n° 108/2016 diz respeito à edição da Lei n° 18.877/2016, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal e o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, mais precisamente quanto ao contido no art. 42, in verbis:
“Art. 42. As decisões proferidas em processo administrativo fiscal observarão o entendimento consolidado:
I - em súmula do STF, do Superior Tribunal de Justiça - STJ ou do próprio CCRF;
II - em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos de que trata o art. 1.036 da Lei Federal n° 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil - CPC;
III - em incidente de resolução de demandas repetitivas de que trata o art. 976 do CPC.
Parágrafo único. As decisões contrárias aos entendimentos consolidados descritos no caput deste artigo deverão conter, de maneira expressa, as razões de discordância.”
Verifica-se do dispositivo legal transcrito que as autoridades administrativas, ao proferir decisões em processos administrativos fiscais, em primeira instância ou no âmbito do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais (CCRF), devem observar jurisprudência firmada pelo STF ou pelo STJ em súmulas ou em acórdãos proferidos em julgamentos de recursos repetitivos, sendo que, no caso de adoção de posição diversa, devem ser esclarecidas, de forma expressa, as razões da discordância, nos termos do seu parágrafo único.
Portanto, desde que motivada, inclusive no curso do processo administrativo fiscal, pode ser adotada decisão diversa de entendimento jurisprudencial.
Relativamente à resposta dada à consulta questionada, embora as razões que a motivaram estejam nela expressas, entende-se oportuno reafirmar alguns aspectos.
Segundo o STJ, a bonificação, enquanto modalidade de desconto não submetido a condições, não integra a base de cálculo do ICMS, nos termos da Súmula 457: “Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS. (PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 08/09/2010).”
O Tribunal argumenta que essa circulação, por não possuir valor econômico, não preencheria o critério material da hipótese de incidência do ICMS. Aduz ainda que a Lei Complementar n° 87/1996, no inciso I do art. 13, delimitou a base de cálculo do imposto como sendo o valor da operação mercantil, de modo que a ausência desse valor, afasta a ocorrência do fato gerador.
É oportuno registrar que, em se tratando de mercadorias submetidas à substituição tributária, o STJ reconheceu, em razão da impossibilidade de se provar que o desconto praticado pelo contribuinte substituto também seria observado pelos demais contribuintes da cadeia de circulação, que o valor do ICMS em relação às operações subsequentes deve ser calculado sobre a base de cálculo de retenção.
Contesta-se a posição de que a saída de mercadorias bonificadas não caracteriza hipótese de incidência do ICMS, por ausência de critério material, com fundamento nas disposições constitucionais relativas ao ICMS e nas regras contidas na Lei Complementar n° 87/1996.
Em consonância com tais disposições, as unidades federadas defendem que configura fato gerador do ICMS a saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte independentemente de sua natureza jurídica, conforme expressa o § 2° do art. 2° (A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.).
Ainda, o legislador complementar elegeu o momento da saída de estabelecimento de contribuinte como fato de exteriorização da hipótese de incidência relativa à circulação de mercadoria (art. 12, inciso I, da LC n° 87/1996), sem qualquer ressalva quanto a seu aspecto jurídico, indicando, inclusive, que apenas a ocorrência de circulação física já determina a ocorrência do fato gerador. Desse modo, a saída de mercadorias promovida por contribuinte acarreta consequências fiscais, independentemente da natureza do negócio jurídico e da vontade das partes.
Sob o aspecto jurídico-tributário, portanto, não está afastada a tributação das saídas promovidas a título de bonificação ou doação.
Menciona-se a doação, pois o paralelo entre bonificação e doação é interessante para análise da matéria, já que nas duas hipóteses tem-se a distribuição gratuita de mercadorias.
A diferença consiste na circunstância de a primeira relacionar-se a operações comerciais (a título de bônus, ou estímulo, ocorre a entrega gratuita de mercadorias a clientes da empresa com objetivo vinculado ao incremento de sua atividade), o que não ocorre nas doações de mercadorias (usualmente associadas a fins assistenciais ou filantrópicos, em que o destinatário não é cliente da empresa e não as destina a revenda).
No tocante à doação, as legislações estaduais preve em, a partir de acordos firmados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, hipóteses de isenção do ICMS, confirmando que tal modalidade de circulação de mercadorias é abrangida pelo tributo, nas situações em que não afastada sua incidência.
Quando a doação é fruto de uma negociação comercial, em que mercadorias são dadas a título de prêmio a terceiro que as destinará ao comércio, denomina-se de bonificação. Nesse caso, os produtos dados a título de bônus não perdem a condição de mercadorias, pois impulsionados a novas etapas de comercialização, cujo objetivo, tanto do remetente quanto dodestinatário, é o lucro.
Os motivos mencionados (vínculo com a atividade econômica do remetente e destinação à nova etapa de comercialização) são aspectos que reforçam a tributabilidade das bonificações frente às doações, sendo que ambas acontecem sob a marca da gratuidade.
Abatimento de cem por cento do valor da mercadoria, portanto, caracteriza doação, não se confundindo com desconto.
Ademais, transfere-se a titularidade das mercadorias, portanto, também ocorre circulação jurídica, circunstância que não está presente nas operações realizadas entre estabelecimentos de mesma empresa, e que nem por isso deixam de constituir hipótese de incidência do ICMS, conforme prescreve o inciso I do art. 12 da Lei Complementar n° 87/1996. Aliás, o fato gerador relativo à circulação de mercadoria de um para outro estabelecimento de mesmo titular também tem sua ocorrência negada pelo STJ, posição à qual não aderem às unidades da Federação e sequer os contribuintes do ICMS.
A ausência de valor da operação também não é determinante para afastar a incidência do imposto de uma operação de circulação de mercadoria.
Por esse motivo, para as situações em que não há valor de operação a ser considerado, o que é o caso da transferência entre estabelecimentos de mesmo titular, em que não há preço envolvido, a lei complementar antes mencionada estabelece regras próprias, no seu artigo 15, também reproduzidas na Lei n° 11.580/1996.
Outro argumento da consulente que merece contestação é o de que a resposta dada à Consulta 21, de 15 de março de 2016, conflita com aquela dada na consulta em exame, pois naquele caso foi analisada a repercussão da bonificação na forma de tributação do Simples Nacional, em que a base de cálculo corresponde à receita bruta auferida, e não sob os aspectos do ICMS, que não incide sobre a receita de vendas, mas sobre a circulação de mercadorias.
Conforme esclarece, também, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, em relação aos tributos de sua competência que têm como fato gerador o auferimento de receitas (PIS/Pasep e COFINS), na cessão gratuita de bens, a qualquer título, não pode haver tributação que tenha como base de cálculo o valor do faturamento.
Em relação a esses tributos, a bonificação equivalente a um desconto incondicional, desde que conste na nota fiscal de venda.
Não é esse o caso do IPI, por exemplo, cujo fato gerador é a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial.
A incidência, tanto do IPI quanto do ICMS, se dá sobre a saída de mercadorias do estabelecimento, sendo que, em relação ao tributo federal, no § 2° do art. 14 da Lei n° 4.502/64, consta a determinação de que não podem ser deduzidos do valor da operação os descontos, diferenças ouabatimentos, concedidos a qualquer título, ainda que incondicionalmente.
Ainda assim, a mesma discussão judicial travada em relação ao ICMS, quanto à tributabilidade das bonificações, ocorre relativamente ao IPI.
Logo, tendo em vista que a atividade tributária deve ser desenvolvida com foco na legalidade, o Setor Consultivo reafirma o disposto na Consulta n° 108/2016, de que as saídas de mercadorias dadas em bonificação se submetem à incidência do ICMS, devendo a operação ser tributada por não haver regra na legislação que afaste a exigência do imposto.