Solução de Consulta COTRI Nº 11 DE 27/05/2025


 Publicado no DOE - DF em 27 mai 2025


ICMS. DROPSHIPPING. VENDA À ORDEM. Incidência do imposto sobre a operação de circulação de mercadoria. Responsabilidade solidária do revendedor perante o consumidor. Não caracterização como serviço de intermediação. Regramento fiscal e consumerista aplicável.


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Processos: 04044-00009083/2025-95 e 04044-00011357/2025-14

I – RELATÓRIO

1. O contribuinte, ora Consulente, apresenta consulta sobre o enquadramento tributário adequado à atividade comercial que desempenha, descrita como intermediação de vendas por meio do modelo dropshipping. Apresenta dois processos de igual teor, sendo que o segundo, na ordem cronológica, fora anexado ao primeiro.

2. Segundo relata, o cliente final adquire o produto por meio da plataforma da Consulente, que, por sua vez, repassa o pedido a um fornecedor nacional ou estrangeiro, responsável pela entrega direta ao consumidor. O lucro da Consulente decorreria da diferença entre o valor pago pelo consumidor e o custo de aquisição junto ao fornecedor.

3. O Consulente entende que tal operação se configura como intermediação comercial, sugerindo o enquadramento no subitem 10.09 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003 – “representação de qualquer natureza, inclusive comercial”, e, portanto, tributada pelo ISS, e não pelo ICMS.

II – LEGISLAÇÃO CONSULTADA

Constituição Federal de 1988 – art. 155, inciso II;

Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) – arts. 2º e 12;

Convênio SINIEF s/nº, de 1970 – art. 40;

Lei nº 1.254/1996 (DF) – legislação local do ICMS, em consonância com a Lei Kandir;

Lei nº 8.078/1990 (CDC) – arts. 3º, 7º, 12, 18;

Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) – arts. 421, 422 e 425; e

Pareceres e consultas fiscais:

o SC COSIT nº 293/2024 – Receita Federal.

III – ANÁLISE

A) Natureza Jurídico-Tributária da Operação

4. A sistemática adotada pelo Consulente, ainda que não envolva o trânsito físico da mercadoria pelo seu estabelecimento, configura uma venda à ordem, conforme previsto no art. 40 do Convênio SINIEF s/nº, de 1970. Uma cadeia de consumo, nesse molde, é estabelecida, que se finaliza com a revenda ao consumidor final. Isso caracteriza operação de circulação de mercadoria, com incidência de ICMS. Convênio SINIEF s/nº, de 1970

Art. 40. Nas vendas à ordem ou para entrega futura, poderá ser exigida a emissão da Nota Fiscal, para simples faturamento, com lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados nos termos de legislação específica, vedado o destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação - ICMS.

(...)

§ 3º No caso de venda à ordem, por ocasião da entrega global ou parcial das mercadorias a terceiros, deverá ser emitida Nota Fiscal:

1. pelo adquirente originário: com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, em nome do destinatário das mercadorias, consignando-se, além dos requisitos exigidos, nome do titular, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do estabelecimento que irá promover a remessa das mercadorias;

2. pelo vendedor remetente:

a) em nome do destinatário, para acompanhar o transporte das mercadorias, sem destaque do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão como natureza da operação, “Remessa por Conta e Ordem de Terceiros”, número, série e subsérie e data da Nota Fiscal de que trata o item anterior, bem como o nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do seu emitente;

b) em nome do adquirente originário, com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão, como natureza da operação “Remessa Simbólica - Venda à Ordem”, número, série e subsérie da Nota Fiscal prevista na alínea anterior.

5. Mesmo que a mercadoria seja remetida diretamente pelo fornecedor ao cliente final, ocorre circulação jurídica da mercadoria, conforme conceituado pela jurisprudência administrativa e pela legislação federal.

Lei Complementar nº 87/1996

Art. 2º – “O imposto incide sobre: I - operações relativas à circulação de mercadorias (…)”

Art. 12, I – “Considera-se ocorrido o fato gerador no momento: I - da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte

(…)” 

Constituição Federal de 1988, art. 155, II

“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias

(...)”

B) Harmonização entre as Legislações Federal e Distrital

6. A temática também atrai comentários à Solução de Consulta COSIT nº 293/2024, emitida pela Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil. Aquele parecer tratou da aplicação do regime do Simples Nacional às operações realizadas sob a sistemática de dropshipping.

A consulta foi formulada por contribuinte que pretendia atuar no comércio eletrônico, por meio de site próprio, comercializando mercadorias adquiridas somente após o pedido do consumidor final, com entrega direta ao cliente pelo fornecedor parceiro, sem manutenção de estoque.

A análise concentrou-se na definição do anexo aplicável no Simples Nacional e na identificação dos documentos fiscais corretos para amparar tais operações.

7. A Receita Federal concluiu que a sistemática de dropshipping adotada por empresa optante pelo Simples Nacional não descaracteriza o contrato de compra e venda, mantendo-se a natureza jurídica de revenda de mercadorias. Nessa modalidade, a receita deve, pois, ser tributada pelo Anexo I da Lei Complementar nº 123/2006, considerando-se a receita bruta mensal auferida ou recebida de revenda de mercadorias. O citado Anexo I daquela lei é próprio à tributação nas operações de revenda.

Ressaltou-se que o revendedor não atua como mero intermediário, mas como parte contratual ativa na relação jurídica com o cliente final.

C) Responsabilidade do Revendedor no Âmbito do Direito do Consumidor

8. Independentemente do tipo contratual ou do modelo operacional, o revendedor por dropshipping integra a cadeia de fornecimento e responde solidária e objetivamente perante o consumidor, conforme o Código de Defesa do Consumidor.

CDC – Lei nº 8.078/1990

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

(...)

Art. 7º, parágrafo único – “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

(...)

Art. 12 – “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

(...)

Art. 18 – “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo…”

9. Essa responsabilidade independe da existência de culpa, do local de origem da mercadoria ou do fato de o produto ser entregue diretamente pelo fornecedor.

O consumidor tem com o revendedor a relação jurídica direta, inclusive nos casos de importação por encomenda, situação em que este é considerado importador de fato.

D) Conclusão sobre a Tributação

10. A operação de dropshipping praticada pelo Consulente não se caracteriza ser prestação de serviço de intermediação, pois:

Há compra e revenda de mercadorias, com lucro na operação, com absorção de parcela considerável da matriz de riscos próprios da mercancia pelo Consulente;

A remuneração se dá pela margem comercial, e não por comissão.

11. Portanto, a operação está sujeita à incidência do ICMS, sendo inaplicável a tributação pelo ISS, prevista na LC nº 116/2003.

IV – CONCLUSÃO

12. Diante do exposto, conclui-se que:

12.1. A operação descrita como dropshipping caracteriza venda à ordem, com incidência do ICMS, nos termos da legislação federal e distrital, integrando o Consulente, assim, cadeia de consumo, hipótese que enseja a assunção dos riscos próprios à promoção da circulação de mercadorias;

12.2. O modelo adotado não configura intermediação de negócios, afastando-se a incidência de ISS.

Registre-se que a presente Solução de Consulta vincula a Administração Tributária, nos termos do art. 100, II e parágrafo único, do CTN, combinado com o art. 60, parágrafo único, da Lei Distrital nº 4.567/2011. O tributo objeto da dúvida não poderá ser exigido em desacordo com esta manifestação, salvo modificação normativa superveniente.

À consideração superior.

Brasília/DF, 09 de maio de 2025

ANTONIO BARBOSA JÚNIOR

Auditor-Fiscal da Receita do Distrito Federal

Matrícula 46.181-4

De acordo.

Encaminhamos à análise desta Coordenação o Parecer supra.

Brasília/DF, 15 de maio de 2025

LUÍSA MATTA MACHADO FERNANDES SOUZA

Gerência de Esclarecimento de Normas

Gerente

Aprovo o Parecer supra e assim decido, nos termos do que dispõe a alínea "c" do inciso VI do art. 1º da Ordem de Serviço SUREC nº 14, de 26 de fevereiro de 2025 (Diário Oficial do Distrito Federal nº 42, de 28 de fevereiro de 2025, págs. 3 e 4).

A presente decisão será publicada no DODF e terá eficácia normativa quanto ao questionamento admitido, após seu trânsito em julgado.

Saliente-se que, independentemente de comunicação formal ao Consulente e aos demais sujeitos passivos, as considerações, os entendimentos e as respostas definitivas ofertadas ao presente caso poderão ser modificados a qualquer tempo, em decorrência de alteração na legislação superveniente.

Alerte-se não caber recurso da decisão quanto aos questionamentos inadmitidos, nos termos
do parágrafo único do artigo 79 do Decreto nº 33.269/2011.

Esclareço que o Consulente poderá recorrer da presente decisão, exclusivamente quanto ao questionamento admitido e respondido na Consulta, ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda no prazo de trinta dias, contado de sua publicação no DODF, conforme dispõe o art. 78, II, combinado com o caput do art. 79 do Decreto nº 33.269, de 18 de outubro de 2011.

Encaminhe-se para publicação, nos termos do inciso III do art. 252 da Portaria nº 140, de 17 de maio de 2021.

Brasília/DF, 22 de maio de 2025

MATEUS TORRES CAMPOS

Coordenação de Tributação

Coordenador Substituto