Reconhecimento de Imunidade/Não Incidência de IPVA
Trata-se de consulta jurídico-tributária elaborada em papel timbrado do SESC – Serviço Social do Comércio. Entretanto, na documentação relativa aos comprovantes do pagamento da TSE, às fls. 27 e 28, estão consignados os dados cadastrais do SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Consideramos como consulente a empresa que pagou a Taxa de Serviços Estaduais. Portanto, na presente consulta, a consulente é o SENAC. No caso de necessidade de interpretação da legislação tributária, por falta de regulamentação específica, os resultados e efeitos da presente somente se aplicam à consulente de fato.
A consulente acima identificada, com sede no município do Rio de Janeiro, vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência de Tributação acerca do reconhecimento de imunidade tributária para fins de não cobrança de IPVA dos seus veículos.
O processo encontra-se instruído com cópias reprográficas que comprovam habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da consulente (fls. 25 e 26). O presente foi formalizado na AFE 09 – IPVA, que no seu pronunciamento (fls. 29/32), questiona se pode simplificar a análise dos processos de reconhecimento de imunidade e não incidência, formalizados por integrantes do chamado sistema “S” (SESC, SENAC, SENAI, etc.), considerando que as entidades postulantes preencheriam todos os requisitos legais para serem reconhecidas como entidades imunes. Tal reconhecimento como entidade imune acarretaria na dispensa da análise personalista, em cada processo tributário, efetuada pela especializada, tornando todo o procedimento mais célere.
Na realidade, o presente é um misto de consulta jurídico-tributária e consulta interna. A consulente inicia afirmando que está atendendo a uma solicitação da Inspetoria. Pelo teor do pronunciamento da AFE 09 – IPVA fica claro que o objetivo é obter o respaldo desta Superintendência para o reconhecimento dos componentes do sistema “S” como entidades imunes, simplificando as análises dos processos administrativos formalizados para o reconhecimento de não incidências e/ou imunidades. Cabe ressaltar que o presente não cumpre os requisitos para consultas internas, de acordo com o disposto no Ofício Circular ST n.º 02/2014.
A consulente se apresenta como entidade de educação e de assistência social, sem fins lucrativos. E para embasar seu pedido de reconhecimento como entidade imune, cita a alínea “c” do Inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal - CF, o artigo 14 do Código Tributário Nacional - CTN, o artigo 14 da Lei n.º 9.532/97, e ainda os artigos 11 e 13 da Lei n.º 2.613/55. Além do inciso V do artigo 4º da Lei estadual do Rio de Janeiro, que prevê a não incidência de IPVA para veículos das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos.
Prossegue a consulente apresentando partes de seu Regulamento interno, citando programas desenvolvidos, e finalmente cita e junta cópias de decisões judiciais do RJ (fls. 07/10), e de reconhecimentos de isenção/imunidade de outros estados da federação (fls. 11/15).
A legislação, iniciando pela CF, prevê imunidade tributária para o patrimônio de instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, conforme alínea “c” do inciso VI do artigo 150, abaixo reproduzido.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
...
VI - instituir impostos sobre:
...
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
Ou seja, a imunidade constitucional é condicionada ao atendimento dos requisitos legais.
O artigo 14 do CTN, citado pela consulente e abaixo reproduzido, determina algumas condições para usufruto da não incidência/imunidade prevista na alínea “c” do inciso IV do artigo 9º do mesmo CTN, que praticamente reproduz o dispositivo constitucional acima mencionado.
Art. 14 - O disposto na alínea "c" do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º - Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2º - Os serviços a que se refere a alínea "c" do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.
Ou seja, o CTN já apresenta algumas condições para usufruto da imunidade em questão.
A consulente cita o artigo 12 da Lei n.º 9.532/1997, abaixo reproduzido, cujo parágrafo 2º dispõe sobre as condições para enquadramento no dispositivo constitucional:
Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea "c", da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos
§ 1º Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
§ 2º Para o gozo da imunidade, as instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos seguintes requisitos:
a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados, exceto no caso de associações, fundações ou organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, cujos dirigentes poderão ser remunerados, desde que atuem efetivamente na gestão executiva e desde que cumpridos os requisitos previstos nos arts. 3o e 16 da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações;
b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;
c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão;
d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial
e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal;
f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes;
g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público;
h) outros requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere este artigo.
§ 3° Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.
§ 4º A exigência a que se refere a alínea “a” do § 2o não impede
I - a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; e
II - a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal.
§ 5º A remuneração dos dirigentes estatutários referidos no inciso II do § 4o deverá obedecer às seguintes condições:
I - nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3o (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, sócios, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição de que trata o caput deste artigo; e
II - o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido neste parágrafo.
§ 6º O disposto nos §§ 4o e 5o não impede a remuneração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.
Ou seja, uma Lei Federal determina condições para enquadramento na imunidade constitucional.
A consulente cita os artigos 11 e 13 da Lei n.º 2.613/1955, e “reproduz” o texto de um suposto parágrafo único, que determinaria “ que os bens do SESC gozam de ampla imunidade fiscal, consoante o disposto no artigo 20, inciso III, alínea “C”, da Constituição Federal.” (SIC). Não identificamos na Lei citada dispositivo com o teor alegado pela consulente. Reproduzimos abaixo os artigos 11 a 13 da Lei, adiantando que o termo “S.S.R” citado significa Serviço Social Rural.
Art 11. O S. S. R. é obrigado a elaborar anualmente um orçamento geral, cuja aprovação cabe ao Presidente da República, que englobe as previsões de receitas e as aplicações dos seus recursos e de remeter ao Tribunal de Contas no máximo até 31 de março do ano seguinte, as contas da gestão anual, acompanhadas de sucinto relatório do presidente, indicando os benefícios realizados.
Art 12. Os serviços e bens do S. S. R. gozam de ampla isenção fiscal como se fossem da própria União.
Art 13. O disposto nos arts. 11 e 12 desta lei se aplica ao Serviço Social da Indústria (SESI), ao Serviço Social do Comércio (SESC), ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
Por fim, a consulente cita a Lei n.º 2.877/1997, do IPVA, no estado do Rio de Janeiro, que prevê, de fato, no inciso V do artigo 4º, a não incidência do imposto para veículos de instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos. Ressaltamos que o parágrafo 2º desse artigo, abaixo reproduzido, discrimina as condições de fruição da não incidência.
§ 2º - O reconhecimento da não-incidência de que trata o inciso V deste artigo fica condicionado à observância dos seguintes requisitos estatutários pelas entidades nele referidas:
1. fim público, sem qualquer discriminação quanto aos beneficiados;
2. ausência de finalidade de lucro;
3. não distribuírem qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou de participação em seu resultado;
4. ausência de remuneração para seus dirigentes ou conselheiros;
5. aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais; e
6. manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades regulamentares capazes de comprovar sua exatidão.
Além dos dispositivos já citados temos que considerar ainda o Inciso III e o parágrafo 4º do artigo 3º Decreto-Lei n.º 05/1975 – o Código Tributário do estado do Rio de Janeiro- CTE, abaixo reproduzidos, que dispõem sobre o reconhecimento da imunidade em nível estadual. Observamos que as condições de fruição do parágrafo 4º foram levadas, ao pé da letra, para a Lei n.º 2.877/1997.
Art. 3º - Os impostos estaduais não incidem sobre:
...
III - o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei;
...
§ 4º - O reconhecimento da imunidade de que trata o inciso III deste artigo é subordinado à efetiva observância dos seguintes requisitos estatutários pelas entidades nele referidas:
a) fim público, sem qualquer discriminação quanto aos beneficiados;
b) ausência de finalidade de lucro;
c) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação em seu resultado;
d) ausência de remuneração para seus dirigentes ou conselheiros;
e) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais; e
f) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades regulamentares capazes de comprovar sua exatidão.
Ou seja, para o estado do RJ foram incluídas mais exigências, relativas ao estatuto das entidades. É possível extrair do CTE (e da Lei n.º 2.877/1997) que as condições de fruição da imunidade estejam consignadas no estatuto social da entidade, devido ao uso da expressão “requisitos estatutários” no parágrafo 4º do artigo 3º.
Entendemos que, como se trata de um imposto estadual, cabe ao estado a fixação das condições legais de fruição das não incidências. A legislação federal citada pela consulente estabelece as condições de fruição da imunidade para os tributos federais.
Percebe-se, claramente, que a Lei estadual do IPVA recepcionou o disposto na CF, ao prever a não incidência do imposto para veículos de instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos. Percebe-se também que foram definidos os requisitos legais necessários para fruição da não incidência/imunidade, tanto no CTE quanto na lei, que as reproduziu.
Consequentemente, para que seja concedida a imunidade/não incidência de IPVA, o fisco estadual deve verificar o cumprimento das condições legais de fruição definidas na Lei n.º 2.877/1997. Entendemos que a instituição deve, no seu pleito de reconhecimento da não incidência, relacionar os dispositivos de seu estatuto que comprovem, em tese, o cumprimento dos requisitos legais consignados nas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e” do parágrafo 2º do artigo 4º, anexando cópia desse instrumento. Para a comprovação do requisito previsto na alínea “f”, a instituição deve anexar cópia das páginas iniciais de seus livros comerciais em uso.
Analisando a legislação citada, constata-se que existe um conflito de condições das legislações estadual e federal, em especial no que tange à remuneração dos dirigentes. A legislação estadual fala em “ausência” de remuneração de seus dirigentes e conselheiros. A legislação federal fala em limite remuneratório para dirigentes estatutários que atuem na gestão executiva. Entendemos que para fruição da não incidência de IPVA dos seus veículos, a instituição deve comprovar que seus dirigentes estatutários não são remunerados. Gestores e dirigentes não estatutários podem ser remunerados.
Quanto à consulta se é possível o reconhecimento da instituição como entidade imune, para acelerar o procedimento da concessão da não incidência, entendemos que não. A própria Lei n.º 2.877/1997 determina, no seu artigo 28A, citado pela repartição fiscal, que a concessão de não incidência deve ser efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa. Não temos na legislação tributária estadual a figura de “entidade imune”.
Entretanto, entendemos também, que a comprovação das condições de fruição da não incidência não se altera em curto prazo. Estatuto Social, em geral, não é alvo de alterações frequentes. Os balanços são feitos, em geral, anualmente. Consideramos que uma comprovação anual seria suficiente. Ou seja, pelo menos uma vez por ano os interessados devem comprovar o cumprimento das condições de fruição, apresentando a documentação necessária.
Em suma, a repartição fiscal deveria verificar as condições caso a caso, mas consideramos aceitável que os requisitos legais de fruição sejam comprovados e analisados, no mínimo, anualmente. A repartição pode simplificar seu trabalho, citando o nº do administrativo em que reconheceu a não incidência para a instituição no ano em questão.
Na realidade, não se trata de consulta tributária usual. A consulente, no final de seu pleito, apenas requer o cumprimento do que estabelece o artigo 4º, inciso V e parágrafo 2º da Lei n.º 2.877/1997, “por ser uma questão de DIREITO”. Em nenhum momento percebemos o descumprimento desses dispositivos. O estado reconhece o direito da não incidência, DESDE que comprovados o cumprimento das condições de fruição. O mesmo instrumento legal citado determina que a concessão da não incidência deve ser efetuada, caso a caso, por despacho da autoridade fiscal. Cabe, portanto, a consulente, pleitear o reconhecimento de seu direito, comprovando o cumprimento dos requisitos necessários, discriminados no parágrafo 2º da Lei n.º 2.877/1997.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou, seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em de novembro de 2017.