Consulta Nº 77 DE 18/10/2022


 


SÚMULA: ITCMD. DOADOR RESIDENTE NO EXTERIOR


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O consulente aduz que se encontra na condição de sujeito passivo quanto ao Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), porquanto receberá de seu pai, residente em Portugal desde dezembro de 2021, doação de importância financeira.

Esclarece que a referida doação ocorrerá mediante transferência de depósitos bancários, em que os valores serão remetidos da conta de Domiciliado no Exterior (Conta CDE), prevista nos artigos 168 e seguintes da Circular n° 3.691, de 16 de dezembro de 2013, do Banco Central do Brasil, para conta bancária de titularidade do consulente, também em instituição financeira brasileira.

Informa que a doação será formalizada por intermédio de escritura pública de doação, celebrada em cartório de notas localizado neste Estado, que informalmente já indicou que exigirá do consulente a comprovação do recolhimento do ITCMD, nos termos do art. 16 da Lei n° 18.573, de 30 de setembro de 2015.

Menciona que a referida lei prevê a exigência de ITCMD sobre doações realizadas por doadores residentes no exterior, conforme previsto no § 3° de seu art. 8°.

Entretanto, também faz referência à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 825, em que restou assentado ser "vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1°, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional".

Destacando não ter sido ainda editada a lei complementar pelo Congresso Nacional, que tem o prazo de doze meses, contados de 4 de agosto de 2022, para editá-la, conforme estabelecido pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n° 67, manifesta o entendimento de que este Estado não pode exigir imposto sobre a doação antes relatada.

Cita, inclusive, ter tentado emitir a guia de recolhimento na página pública da Secretaria de Estado da Fazenda, tendo o sistema apresentado a seguinte mensagem, para a hipótese de doador domiciliado no exterior: "Não há incidência de ITCMD ao Estado do Paraná".

Porém, alegando que o cartório de notas onde será celebrada a escritura pública exigirá o comprovante de pagamento do imposto, questiona se incide ITCMD sobre doação, realizada por doador residente e domiciliado no exterior, de moeda nacional mantida em instituição financeira no Brasil, em Conta de Domiciliado no Exterior (CDE).

RESPOSTA

Conforme menciona o consulente, o STF, no julgamento do RE 851108/SP, ocorrido na sistemática de repercussão geral (Tema 825), definiu que os Estados não podem exigir ITCMD sem a existência de lei complementar, nas hipóteses previstas no art. 155, § 1°, III, alíneas "a" e "b", da Constituição da República, quais sejam, (a) quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior e (b) quando o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Para melhor compreensão, transcreve-se excertos da ementa, assinalando, conforme consta em seu item 9, terem sido modulados os efeitos dessa decisão, para atribuir-lhes eficácia "ex nunc", a contar data de publicação do acórdão, que ocorreu em 20 de abril de 2021, ressalvadas as ações judiciais pendentes de conclusão até aquele momento:

"RE 851.108 SÃO PAULO

EMENTA

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo 146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária. Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão "causa mortis". Doação. Artigo 155, § 1°, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar. Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem supletivamente na ausência da lei complementar definidora da competência tributária das unidades federativas.

........................................................................................

4. Sobre a regra especial do art. 155, § 1°, III, da Constituição, é importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar - e não a leis estaduais - regular tal competência em relação aos casos em que o "de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior" (art. 155, § 1°, III, b).

5. Prescinde de lei complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis - e respectivos direitos -, móveis, títulos e créditos no contexto nacional. Já nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto.

6. O art. 4° da Lei paulista n° 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1°, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados.

7. Recurso extraordinário não provido.

8. Tese de repercussão geral:

'É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1°, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional'.

9. Modulam-se os efeitos da decisão, atribuindo a eles eficácia 'ex nunc', a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente".

Por seu turno, em sessão virtual encerrada em 18 de março de 2022, o STF, no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República contra dispositivos de leis ordinárias editadas por vários Estados, dentre eles o Paraná (ADI 6.818), o Plenário do STF reafirmou a decisão antes mencionada e, por razões de segurança jurídica, definiu que a decisão tomada nas ADIs terão eficácia a partir da data da publicação do acórdão do RE 851.108, qual seja 20 de abril de 2021, ressalvando, como o fez naquele julgamento, as ações pendentes de conclusão, até a mesma data, cuja discussão envolva em qual unidade federada deveria o contribuinte efetuar o pagamento do imposto ou a validade da cobrança do imposto, se não pago anteriormente.

Em relação à Lei n° 18.573/2015, o STF declarou a inconstitucionalidade formal da expressão "ou no exterior", constante do inciso I do § 1° e da integralidade do § 3°, ambos do art. 8°, que apresentam a seguinte redação:

"Art. 8° O ITCMD também incidirá sobre a transmissão:

........................................................................................

§ 1° A transmissão de propriedade ou de domínio útil, de bem imóvel situado neste Estado, e de direito a ele relativo, sujeita-se ao imposto, ainda que:

I - o respectivo inventário ou arrolamento seja processado em outro Estado, no Distrito Federal ou no exterior;

........................................................................................

§ 3° O imposto também é devido se o doador residir ou tiver domicílio no exterior, ou se o de cujus era residente ou teve seu inventário processado fora do país:

I - no caso de bens imóveis e de direitos a eles relativos, quando os bens se encontrarem no território do Estado;

II - no caso de bens móveis e de direitos a eles relativos, quando os bens se encontrarem no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado;

III - no caso de bens incorpóreos, quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado, ou quando ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado".

À vista do antes exposto, enquanto não editada lei complementar definidora da competência tributária das unidades federadas, reconhece-se prejudicada a cobrança de ITCMD nas transmissões de bens e direitos identificadas como hipóteses de incidência do imposto na Lei n° 15.573/2015, ocorridas a partir de 20 de abril de 2021, quando o doador residir no exterior.

Nesses casos, deve o tabelião exigir dos interessados, por ocasião da lavratura da escritura pública de doação, elementos de prova que certifiquem se tratar de hipótese em que impossibilitada a cobrança. No caso de eventuais dúvidas, poderá ser solicitado, ao fisco de domicílio tributário do tabelionato, a análise da específica situação fática e da documentação que ateste se tratar de situação em relação à qual descabe a exigência do imposto.