Publicado no DOE - CE em 13 nov 2023
Art. 150, VI, “c”, da CF/88. Imunidade condicionada. Requisitos do art. 14 do CTN. Necessidade de comprovação por CEBAS ou perícia técnica. ICMS-importação. Alcance da imunidade na condição de contribuinte direto. Mercadorias e serviços devem ser utilizados nas finalidades essenciais.
Art. 150, VI, “c”, da CF/88. Imunidade condicionada. Requisitos do art. 14 do CTN. Necessidade de comprovação por CEBAS ou perícia técnica. ICMS-importação. Alcance da imunidade na condição de contribuinte direto. Mercadorias e serviços devem ser utilizados nas finalidades essenciais.
Trata-se de requerimento elaborado pela empresa supra qualificada, sediada neste Estado, enquadrada como entidade beneficente de assistência social, de natureza filantrópica e sem fins lucrativos, que presta serviços ao Estado do Ceará na área de saúde, atuando no tratamento de pessoas portadoras de câncer.
Considerando a qualificação acima exposta, requer o reconhecimento de imunidade ao pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as operações de importação de bens e/ou mercadorias que são consumidos e/ou utilizados na prestação dos serviços médicos assistenciais executados pela Requerente, nos termos dos arts. 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Alega que atende todos os requisitos previstos nos arts. 9 e 14, do CTN e no art. 29, da Lei n.º 12.101/2009, tendo anexado documentos diversos.
Afirma, ainda, que esta Secretaria da Fazenda tem exigido o pagamento do ICMS-Importação (doc. 18) na ocasião da aquisição de aparelhos médicos necessários à prestação dos seus serviços, a exemplo de tomógrafos, máquinas de ressonância, reagentes, filmes, peças de reposição.
É a síntese do requerimento. Passa-se à análise jurídica do caso.
II- DO PARECER
A Requerente pretende o reconhecimento de direito à imunidade ao pagamento do ICMS nas operações de importação de bens e/ou mercadorias que são consumidos e/ou utilizados na prestação dos serviços médicos assistenciais por ela executados, conforme o entendimento firmado em Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do RE 608872.
A. Da Imunidade Condicionada. Requisitos estabelecidos no art. 14 do Código Tributário Nacional Sobre o tema, deve-se primeiro mencionar o art. 150, VI, “c”, da CF/88, que determina a vedação da instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.
Trata-se de imunidade denominada de subjetiva ou pessoal, voltada à proteção direta daqueles sujeitos estabelecidos na norma constitucional, impedindo a tributação de impostos incidentes sobre patrimônio, renda ou serviços, desde que relacionados com as finalidades essenciais das entidades, conforme dispõe o § 4º, do art. 150 da CF/88.
Além do mais, pode-se classificar a referida imunidade como condicionada, uma vez que exige o atendimento de requisitos estabelecidos em lei. No caso em questão, trata-se do disposto no art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN), que subordina o reconhecimento da imunidade à observância dos seguintes pressupostos:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Considerando os documentos acostados a este processo, observa-se que a Requerente não detém Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) atualmente válido, pois este restou vencido em 31 de dezembro de 2020 (arq. 04), muito embora tenha havido, em 30 de dezembro de 2020, o protocolo de pedido de renovação do CEBAS (arq. 05).
Importante ressaltar, contudo, que a ausência do CEBAS, por si só, não é impeditivo para o reconhecimento da imunidade tributária à entidade, desde que seja provada a observância dos requisitos do art. 150, VI, “c”, da CF/88 e do art. 14, do CTN. Nesse sentido, veja-se precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
Não é possível condicionar a concessão de imunidade tributária prevista para as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos à apresentação de certificado de entidade de assistência social na hipótese em que prova pericial tenha demonstrado o preenchimento dos requisitos para a incidência da norma imunizante.
De fato, o art. 150, VI, c, da CF/1988 prevê a concessão de imunidade tributária às instituições de educação sem fins lucrativos, delegando à lei infraconstitucional os requisitos para a incidência da norma imunizante. Nesse contexto, o art. 14 do CTN elencou os pressupostos para qualificar uma instituição de ensino como entidade desprovida de finalidade lucrativa, dispondo que essas entidades não podem distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas a qualquer título, devem aplicar integralmente no país os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais e devem manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Assim, condicionar a concessão de imunidade tributária à apresentação do certificado de entidade de assistência social, na hipótese em que perícia técnica tenha demonstrado o preenchimento dos requisitos legais, implica acréscimo desarrazoado e ilegal de pressupostos não previstos em lei para tanto, ainda mais quando o próprio texto constitucional prevê como condicionante para a concessão do referido benefício apenas a inexistência de finalidade lucrativa por parte da instituição. AgRg no AREsp 187.172-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/2/2014. (grifo nosso)
Assim, desde que apresentado o CEBAS ou comprovado o preenchimento dos requisitos acima transcritos, mediante prova pericial, a Requerente fará jus ao reconhecimento do seu direito à imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF/88.
Por fim, destaca-se que, na hipótese de posterior deferimento do CEBAS, este terá efeitos retroativos, nos termos da súmula 612 do STJ, que assim dispõe:
Súmula 612-STJ: O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade.
O verbete deixa claro que, após a concessão do certificado, sua eficácia retroagirá à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei para possibilitar a fruição da imunidade, não havendo qualquer prejuízo no tocante às operações praticadas pela entidade imunizada em momento anterior à concessão do CEBAS. No sentido oposto, enquanto não houver a concessão do certificado, restará impossibilitado o reconhecimento da referida imunidade.
Nesse sentido, a referida súmula acaba por reforçar o entendimento exposto neste parecer, no sentido do não reconhecimento da imunidade tributária quando da ausência do CEBAS ou prova pericial.
B. Alcance da Imunidade sobre o ICMS devido na importação. Contribuinte de Direito.
Conforme exposto anteriormente, a norma constitucional defere a imunidade tributária apenas no que diz respeito ao “patrimônio, renda e serviços” das referidas entidades, de modo que se faz necessário o enfrentamento do alcance desta condicionante, a fim de definir se a imunidade abrange, também, os valores de ICMS devidos pela Requerente nas operações de importação realizadas.
Nesse contexto, a própria Requerente bem adverte que o Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema 342 de Repercussão Geral, pacificou o entendimento de que as Entidades Beneficentes de Assistência Social não estão sujeitas ao pagamento do ICMS-Importação quando importam mercadorias ou bens para uso e/ou consumo na prestação dos seus serviços assistenciais.
Veja-se:
(...)
5. À luz da jurisprudência consagrada na Corte, a imunidade tributária subjetiva (no caso do art. 150, VI, da Constituição Federal, em relação aos impostos) aplica-se ao ente beneficiário na condição de contribuinte de direito, sendo irrelevante, para resolver essa questão, investigar se o tributo repercute economicamente.
6. O ente beneficiário de imunidade tributária subjetiva ocupante da posição de simples contribuinte de fato – como ocorre no presente caso –, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias (a exemplo do IPI e do ICMS), caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não é tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual. A existência ou não dessa translação econômica e sua intensidade dependem de diversos fatores externos à natureza da exação, como o momento da pactuação do preço (se antes ou depois da criação ou da majoração do tributo), a elasticidade da oferta e a elasticidade da demanda, dentre outros.
7. A propósito, tal orientação alinha-se aos precedentes desta Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, c, da Constituição aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprios. Essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento do beneplácito constitucional. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia. Precedentes.
8. Em relação ao caso concreto, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar não ser aplicável à recorrida a imunidade tributária constante do art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula nº 512/STF. Custas ex lege.
9. Em relação ao tema nº 342 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet, fixa-se a seguinte tese: “A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido. (RE 608872, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 26-09-2017 PUBLIC 27-09-2017) (grifo nosso)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, nos autos do Recurso Extraordinário 630.790/SP, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso clarifica que o alcance da norma imunizante é determinado pela destinação dos recursos auferidos pela entidade, e não pela origem ou natureza da renda. Dessa maneira, restará demonstrado o liame exigido pelo texto constitucional quando houver correspondência entre o recurso obtido pela entidade e a aplicação em suas finalidades essenciais.
Trata-se, pois, da adoção de interpretação teleológica do art. 150, VI, “c”, e § 4º, da CF/88, a qual conduz ao entendimento de que a imunidade abrange não só os impostos diretamente incidentes sobre patrimônio, renda e serviços, mas também aqueles devidos na importação de mercadorias ou serviços a serem utilizados em suas atividades essenciais.
No caso apreciado neste parecer, a atividade de importação de mercadorias pela Requerente se amolda ao exposto nos precedentes do STF. A aquisição de aparelhos médicos, como tomógrafos, máquinas de ressonância, reagentes, filmes, peças de reposição, é necessária ao desenvolvimento das funções precípuas da entidade, estando afeta à sua finalidade essencial, qual seja a de prestação de serviços de saúde, precipuamente no tratamento oncológico, razão pela qual faz jus ao reconhecimento da imunidade sobre o ICMS-Importação, desde que observado o disposto no art. 150, VI, “c”, da CF/88 e art. 14, do CTN.
Ante o exposto, conclui-se:
a) A Requerente faz jus à imunidade tributária, desde que preenchidos os requisitos do art. 150, VI, “c”, da CF/88 e do art. 14, do CTN, comprovados mediante apresentação do CEBAS ou, ausente o certificado, por meio de prova pericial;
b) Preenchidos os requisitos nos termos do item anterior, a imunidade prevista no art. 150, VI, “c”, da CF/88 abrange o ICMS-Importação, quando a Requerente ocupar a condição de contribuinte de fato, e desde que as mercadorias ou serviços importados sejam utilizados em suas atividades essenciais.
É o Parecer. À consideração superior.
A data da publicação indicada refere-se à data em que a consulta foi incluída digitalmente no Portal da SEFAZ/CE.