Parecer CECON Nº 615 DE 30/10/2023


 Publicado no DOE - CE em 30 out 2023


Consulta fiscal. ICMS. Benefício fiscal. Diferimento. Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará (FDI). Irretroatividade da legislação tributária. Termo de Acordo é ato jurídico perfeito. Indeferimento de aplicação retroativa. Art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988.


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Consulta fiscal. ICMS. Benefício fiscal. Diferimento. Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará (FDI). Irretroatividade da legislação tributária. Termo de Acordo é ato jurídico perfeito. Indeferimento de aplicação retroativa. Art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988.

I – DO RELATO:

A pessoa jurídica acima qualificada, exercendo a atividade industrial têxtil, cujo CNAE Principal é 1412601 (confecção de peças de vestuário), submete a este órgão consulta fiscal alusiva aos fatos a seguir expostos.

Informa que é beneficiária do Termo de Acordo CEDIN n.º XXXX, no âmbito dos benefícios fiscais do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI), estabelecendo-se originalmente o diferimento de 75% do valor do ICMS apurado mensalmente, incidente sobre operações com produção própria, cuja validade inicial se dava de dezembro de 2009 a novembro de 2019.

Ocorre que, em 25 de maio de 2011, celebrou o 1.º aditivo ao supracitado Termo de Acordo, em que o benefício do diferimento passou a ser no percentual de 88% pelo prazo remanescente do tratado firmado, a fim de que se procedesse à adequação ao Decreto n.º 29.680, de 18 de março de 2009, o qual modificou o Decreto n.º 29.506 para constar:

Art. 2º As sociedades empresárias do setor têxtil poderão se habilitar, na modalidade de implantação, para efeito de fruição do diferimento de até 88% (oitenta e oito inteiros por cento) do ICMS gerado relativo às operações da produção própria da sociedade empresária beneficiária do Fundo de Desenvolvimento Industrial do Ceará - FDI, com retorno de 1% (um inteiro por cento) e prazo do benefício de 10 (dez) anos, desde que o investimento seja no mínimo de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) para o segmento industrial de confecção de artigos do vestuário e acessórios e R$ 30.000.000,00 (trinta milhões) para o segmento industrial de fiação, malharia e tecelagem. (grifos nossos)

De forma semelhante estabeleceu-se, através do Decreto n.º 32.822/2018, nova redação para o Decreto n.º 32.438/2017, a seguir exposta:

§ 5º. As sociedades empresárias enquadradas no inciso VI do caput deste artigo poderão habilitar-se nas modalidades de implantação e modernização, para efeito de fruição do diferimento em até 88% (oitenta e oito por cento) de ICMS gerado relativo às operações da produção própria da sociedade empresária beneficiária do FDI, com retorno de 1% (um por cento) e prazo de incentivo de 10 (dez) anos, desde que o investimento em ativo fixo seja de, no mínimo, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) para o segmento industrial de confecção de artigos de vestuário e acessórios, e de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) para o segmento de fiação, malharia e tecelagem. (grifos nossos)

Assevera, ainda, que em 03 de janeiro de 2018 celebrou o 4.º aditivo ao Termo de Acordo n.º XXXXX, o qual previu a prorrogação da sua vigência até 30 de novembro de 2029, bem como fez constar como benefício fiscal o percentual originalmente pactuado de 75%, conforme transcrito abaixo:

CLÁUSULA PRIMEIRA - DA PRORROGAÇÃO

O presente instrumento prorroga no TERMO DE ACORDO CEDIN Nº XXXX, firmado em 10/12/2009, os benefícios fiscais do programa FDI/PROVIN, pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses, contados a partir de dezembro de 2019 até 30 de novembro de 2029, com os percentuais de benefícios fiscais de 75% (setenta e cinco inteiros por cento) do valor do ICMS recolhido dentro do prazo legal, incidente sobre a produção própria, com retorno equivalente a 1% (hum inteiro por cento) da parcela do ICMS diferido, integralmente corrigida pela Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP, resguardando-se os prazos que venham a ser estabelecidos em Emenda Constitucional. (grifos nossos)

Entretanto, a consulente alega que o Decreto n.º 32.688, de 30 de maio de 2018, acrescentou o §11 do art. 57 do Decreto n.º 32.438, no seguinte sentido:

§ 11. As sociedades empresárias atualmente beneficiárias do FDI, enquadradas no disposto no § 5.º deste artigo, poderão usufruir do diferimento nele disposto, sem a necessidade de manifestação anual por parte do Poder Executivo, até 30 de julho de 2022. (grifos nossos)

Assim, requer que o disposto no §11 do art. 57 do Decreto n.º 32.438 (com redação dada em 30 de maio de 2018) seja aplicado ao caso, de forma a que a prorrogação efetuada pelo 4.º aditivo ao Termo de Acordo n.º XXXX (em 03 de janeiro de 2018) seja desconsiderada, já que desnecessária a manifestação formal do Executivo, e o percentual de diferimento de 88% prevaleça como benefício fiscal aplicado ao caso.

II – DO PARECER:

O cerne da matéria posta ao exame desta Secretaria da Fazenda se traduz, basicamente, na análise da aplicabilidade da retroatividade/irretroatividade da legislação tributária.

A consulente requer, em suma, que o disposto no §11 do art. 57 do Decreto n.º 32.438, com redação dada em 30 de maio de 2018, seja aplicado ao pactuado em 03 de janeiro de 2018, quando celebrado o 4.º aditivo ao Termo de Acordo n.º XXXX.

INÍCIO DA VIGÊNCIA / DATA PREVISÃO
25/05/2011 1º aditivo: percentual de 88%

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03/01/2018 4º aditivo: percentual de 75%

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30/05/2018 possibilidade de renovação automática

Por seu turno, a Constituição Federal de 1988 (CF/1998) estabelece como preceito fundamental previsto no inciso XXXVI do seu art. 5º que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. 

Passa-se, então, à análise do ato jurídico perfeito, por representar perfeitamente o Termo de Acordo n.º XXXXX, bem como os seus aditivos, objetos desta consulta.

Entende-se como ato jurídico perfeito aquele efetivado segundo as normas vigentes à época da sua celebração, ou seja, refere-se à situação consumada de acordo com o princípio “tempus regit actum”. 

Portanto, por ser negócio fundado na lei vigente no momento do pacto, tem-se por perfeitamente constituído e apto a surtir os seus efeitos, independentemente da ocorrência de mudança legislativa posterior.

Estabelece o Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

As exceções em que a legislação tributária pode retroagir são aquelas previstas no artigo 106 do CTN:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Assim, nenhuma das exceções acima expostas se enquadra na definição dos benefícios fiscais, os quais são celebrados em plena consonância com a legislação vigente à época do pactuado, e assim consolidam-se no tempo até a finalização de seu prazo, sejam as mudanças legislativas posteriores benéficas ou maléficas ao contribuinte. Em contrário, caso autorizada a aplicação retroativa da legislação benéfica, por exemplo, estar-se-ia dispensando tributo indevidamente.

A Lei Complementar n.º 101/2000, dita como Lei de Responsabilidade Fiscal, impõe sanções que podem ser aplicadas aos administradores públicos no trato da gestão fiscal, prevenindo decisões capazes de desequilibrar as contas públicas, dentre as quais se pode citar a concessão de benefício fiscal sem as exigências da LRF (estimativa do impacto orçamentário-financeiro, observância à LDO, previsão na LOA e não prejuízo às metas de resultado ou a tomada de medidas de compensação, dentre outras).

Adicionalmente a isso, tem-se que nossa Carta Magna estabeleceu, em seu §6.º do artigo 165, a necessidade de o PLOA ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito sobre as receitas e as despesas, decorrentes da concessão de benefícios de natureza tributária. Assim, não há como estender benefício tributário à situação pretérita, já que não considerada na observância dos requisitos previstos na LRF e na CF/1988.

Ademais, em observância ao princípio da legalidade, os benefícios fiscais devem ser interpretados sempre de forma restritiva, literalmente, bem como exigem lei específica. Assim entende não só a legislação, como também a jurisprudência pátria:

“TRIBUTÁRIO. BENEFÍCIO FISCAL. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA. ART. 1º, XIV, DA LEI N. 10.925/2004. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA.

1. As disposições tributárias que concedem benefícios fiscais demandam interpretação literal, a teor do disposto no art. 111 do CTN.

(...)

A interpretação dos benefícios fiscais deve ser restritiva. A regra é a tributação, e as exceções, como a atribuição de alíquota zero, na forma de instrumento de política fiscal, não podem ser ampliadas pelo aplicador da lei, sob pena de se atuar como legislador positivo, atribuição não dirigida ao Poder Judiciário.” (RESP. nº 1.410.259 - PR 2013/0343590-9) (grifos nossos)

"1. Para a criação e extensão de benefício fiscal o sistema normativo exige lei específica (cf. art. 150, § 6º da CF/88) e veda interpretação extensiva (cf. art. 111 do CTN), de modo que benefício concedido aos contribuintes integrantes de regime especial de tributação (REPORTO) não se estende aos demais contribuintes do PIS e da COFINS sem lei que autorize. (REsp nº 1.140.723/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, in DJe 22/9/2010)." (AgRg no REsp 1.224.392/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 10/03/2011.) (grifos nossos)

Por fim, não há impedimento, mesmo após a vigência dos parágrafos 5 e 11 do art. 57 do Decreto n.º 32.438/2017, da previsão de um percentual de 75% de diferimento (que, por sinal, foi expressamente previsto no 4.º aditivo ao Termo de Acordo n.º XXXXX). Veja-se a redação do referido dispositivo, a qual prevê uma possibilidade, e não uma obrigatoriedade na escolha do percentual de 88%:

§ 5º. As sociedades empresárias enquadradas no inciso VI do caput deste artigo poderão habilitar-se nas modalidades de implantação e modernização, para efeito de fruição do diferimento em até 88% (oitenta e oito por cento) de ICMS gerado relativo às operações da produção própria da sociedade empresária beneficiária do FDI, com retorno de 1% (um por cento) e prazo de incentivo de 10 (dez) anos, desde que o investimento em ativo fixo seja de, no mínimo, R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) para o segmento industrial de confecção de artigos de vestuário e acessórios, e de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) para o segmento de fiação, malharia e tecelagem. (grifos nossos)

(...)

§ 11. As sociedades empresárias atualmente beneficiárias do FDI, enquadradas no disposto no § 5.º deste artigo, poderão usufruir do diferimento nele disposto, sem a necessidade de manifestação anual por parte do Poder Executivo, até 30 de julho de 2022. (grifos nossos)

Saliente-se, ainda, que o 4.º aditivo ao Acordo n.º XXXX foi expressamente aceito pela empresa acordante quando da sua celebração, consubstanciando-se em um acordo de vontades entre a consulente e a Administração Tributária.

III – CONCLUSÃO:

Ante todo o exposto, concluímos o presente parecer pela impossibilidade de aplicação retroativa do §11 do art. 57 do Decreto n.º 32.438/2017 ao 4º aditivo do Acordo n.º XXXXX, bem como pela legitimidade da previsão do percentual de 75% previsto no referido aditivo.

É o parecer. À consideração superior.

A data da publicação indicada refere-se à data em que a consulta foi incluída digitalmente no Portal da SEFAZ/CE.