ITCMD – pagamento da meação com atribuição de usufruto – possibilidade que não elide a ocorrência de fato gerador pela doação da nua-propriedade e pela instituição de usufruto.
N° Processo: 2470000032534
EMENTA
ITCMD – PAGAMENTO DA MEAÇÃO COM ATRIBUIÇÃO DE USUFRUTO – POSSIBILIDADE QUE NÃO ELIDE A OCORRÊNCIA DE FATO GERADOR PELA DOAÇÃO DA NUA-PROPRIEDADE E PELA INSTITUIÇÃO DE USUFRUTO.
DA CONSULTA
Narra o consulente que pretende pagar a meação do cônjuge supérstite com atribuição de 100% (cem por cento) do usufruto e transmissão de 100% (cem por cento) da nua propriedade aos herdeiros como pagamento do quinhão hereditário.
Em apertada síntese pergunta se na partilha narrada ocorreria somente um fato gerador do ITCMD relativo à transmissão causa mortis de 100% (cem por cento) da nua propriedade aos herdeiros, haja vista que o artigo 835 do Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial autoriza que o pagamento da partilha seja efetuado com a transmissão da nua propriedade e a instituição do usufruto.
Vem perante essa Comissão perguntar se está correto seu entendimento.
O processo foi analisado no âmbito da Gerência Regional conforme determinado pelas Normas Gerais de Direito Tributário de Santa Catarina, aprovadas pelo Dec. nº 22.586/1984. A autoridade fiscal verificou as condições de admissibilidade.
É o relatório, passo à análise.
LEGISLAÇÃO
Lei nº 13.136/2004, art. 2§, I e II e §4º. CTN, arts. 109 e 142, parágrafo único. Código Civil, art. 1.228.
FUNDAMENTAÇÃO
A meação pode ser definida como a metade ideal do patrimônio do casal, conforme regime de bens eleito para reger os efeitos patrimoniais do matrimônio, pertencente a cada cônjuge em razão da comunhão operada. Assim, cada cônjuge é proprietário do bem comum, conforme ensina ZENO VELOSO em sua obra Código Civil:
Tratando-se de imóvel adquirido por título oneroso na constância da união estável, ainda que só em nome de um dos companheiros, o bem entra na comunhão, é de propriedade de ambos os companheiros, e não bem próprio, privado, exclusivo, particular. Se um dos companheiros vender tal bem sem a participação no negócio do outro companheiro, estará alienando – pelo menos em parte – coisa alheia, perpetrando uma venda a non domino, praticando ato ilícito. O companheiro, no caso, terá de assinar o contrato, nem mesmo porque é necessário seu assentimento, mas, sobretudo, pela razão de que é, também, proprietário, dono do imóvel.
Conforme definido pelo artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê- la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, de onde se obtém a definição clássica do direito de propriedade, que compreende os poderes de usar, gozar, dispor e Vê-se, portanto, que erra o consulente ao afirmar que “com Conforme definido pelo artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê- la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, de onde se obtém a definição clássica do direito de propriedade, que compreende os poderes de usar, gozar, dispor e reaver o bem. a instituição de usufruto, o direito de propriedade se divide, o usufrutuário, na forma do Art. 1.394, passa ter o direito, à posse, uso, administração e percepção dos frutos ...”.
Em verdade, com a instituição do usufruto, o direito de propriedade permanece no domínio exclusivo do proprietário (chamado, agora, de nu-proprietário) enquanto o usufrutuário recebe, transitória ou vitaliciamente, um ou mais de um dos poderes que compõem a propriedade (uso e gozo).
Assim, considerando que a meação consiste na propriedade da metade ideal do patrimônio comum do casal, quando o meeiro se reveste na qualidade de usufrutuário de bem o qual anteriormente era proprietário, o faz transmitindo seu direito de propriedade, ou, sendo mais específico, transmitindo a nua-propriedade, mantendo para si, destarte, o usufruto deducto.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por intermédio de seu Conselho da Magistratura, ao analisar recurso administrativo interposto nos autos do processo 2018.900103-2, em questão idêntica à aqui estudada, assim decidiu:
“VOTO
...
É verdade que se admite, na partilha, a instituição do direito real de usufruto vitalício sobre os bens imóveis inventariados em favor do cônjuge supérstite e a transferência da nua propriedade aos herdeiros.
Esse tipo de ajuste tem a vantagem de evitar a necessidade de realização de futuro inventário do cônjuge remanescente, ao mesmo tempo em que lhe é garantido o sustento enquanto viver, através do usufruto.
Ocorre que a meação a que tem direito o cônjuge supérstite não é herança, mas direito de propriedade próprio sobre metade do patrimônio comum do casal. Isso significa que a meação a viúva já tem por direito próprio e esse direito à propriedade integral que ela tem sobre a metade dos bens em comum do casal não é objeto de partilha. Tanto é assim que não incide o ITCMD sobre o valor da meação, porque não há transferência de propriedade.
Daí decorre que o cônjuge sobrevivente, a título de meação, tem direito à metade da propriedade integral do patrimônio em comum do casal e, partido dessa premissa, para se chegar ao tipo de partilha retratado no caso dos autos, em que a viúva recebe o usufruto e os herdeiros a nua propriedade dos imóveis, é preciso que ocorra, ainda que não mencionado nesses termos no título, a cessão da meação em favor dos herdeiros, sendo que este negócio equipara- se - e sobre isso não há discussão - a um contrato de doação.
Entendimento em sentido contrário - tal como pretendido pela recorrente - significaria, na realidade, que a viúva não ficaria com propriedade integral a quem por direito próprio de meação, ficando apenas com um usufruto avaliado no mesmo valor, o que não se coaduna com as normas do direito sucessório.
Dentro desse contexto, não se afigura razoável considerar a mera reserva de usufruto em favor do cônjuge supérstite como pagamento da meação, porque a meação corresponde à metade da propriedade integral do patrimônio comum do casal, da qual já faz parte o usufruto, enquanto direito real que pode ser destacado da propriedade, mas que dela não se desvincula, já que representa apenas fracionamento dos atributos do domínio.
Logo, no caso em análise, ocorrida a cessão da meação com reserva de usufruto - equipara-se à doação - e, instituição do usufruto vitalício em favor da viúva, deve haver o recolhimento do imposto de transmissão incidente sobre as operações, que são autônomos em relação à transmissão decorrente da sucessão, como condição para o registro do título.”
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através da Quinta Câmara de Cível, por unanimidade, chegou a idêntica conclusão nos autos do Agravo de Instrumento de nº 1.000.20.593419-3/001:
Requerem as agravantes a "compensação" entre a totalidade da nua propriedade do referido imóvel, que ficará com a herdeira, em troca da integralidade do direito de usufruto do bem pela viúva meeira, ao argumento de que tanto a nua propriedade quanto o usufruto possuem expressão econômica.
Não obstante, ao meu modesto inteligir, compreendo que razão não lhes assiste, data venia, uma vez que a disposição patrimonial, na hipótese, caracteriza uma verdadeira doação, que deve se dar por meio de escritura pública ou instrumento particular, conforme preconizam os artigos 108 e 541, caput, do Código Civil (CC/02):
...
Isso porque, não se trata, a espécie, de patrimônio do de cujus que foi transmitido à viúva, mas do seu próprio patrimônio, em razão do regime de bens adotado pelos cônjuges.
Em verdade, infere-se que, na condição de meeira, não pode a viúva renunciar à sua meação, sendo imprescindível, in casu, a lavratura do termo de doação, bem como a regularização do recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), nos termos do art. 1º, VI e § 3º, da Lei n.º 14.941/03, in verbis:
Em relação ao disposto no artigo 835 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, notamos que o mesmo cuida dos procedimentos a serem adotados na lavratura de escrituras públicas de partilha na esfera extrajudicial afirmando ser permitido ao Tabelião lançar, no mesmo instrumento público, o pagamento da meação com atribuição de usufruto e nua- propriedade, dispensando-o, portanto, de lavrar um instrumento de partilha, outro de doação e ainda outro de instituição de usufruto, ressalvando, no entanto, e para o que mais interessa no presente momento, o pagamento dos tributos incidentes:
Art. 835. É possível o pagamento da partilha por meio da transmissão da nua propriedade e da instituição de usufruto, desde que satisfeitos os tributos incidentes.
Muito embora o artigo 109 do Código Tributário Nacional referira- se aos princípios gerais do direito privado, o comando normativo pode ser aproveitado no presente caso. O CNCGJSC permite ao Tabelião lavrar instrumento único onde já conste o pagamento da meação com atribuição de usufruto, porém, os efeitos tributários dessa permissão são definidos pela legislação tributária. Eis a razão de constar, conforme já se explanou, a ressalva final do artigo: “desde que satisfeitos os tributos incidentes”.
Vê-se que o CNCGJSC jamais afirma que não ocorre o fato gerador do ITCMD no pagamento de meação com atribuição de usufruto, mas somente cuida dos procedimentos relativos à lavratura da escritura pública quando se verificar a hipótese narrada, alertando o Tabelião da necessidade de observar o recolhimento do ITCMD.
Sobre essa questão, cita-se acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento n. 0146495- 62.2013.8.26.0000
Decisão que determinou o aditamento do plano de partilha, para que a meação cabente à viúva seja destacada da herança, ressalvando- se que eventual disposição diversa da ordinária poderá implicar doação e recolhimento do respectivo tributo - Inexiste óbice para que tanto a cessão dos direitos de meação e a renúncia à herança, com consequente instituição de usufruto, não possam ser homologadas judicialmente em partilha amigável emanada de partes capazes
- Precedentes doutrinários e jurisprudenciais acerca do assunto. Ressalva, no entanto, de que isso não implica na dispensa do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos devido sobre tais operações, ressalvado à Fazenda Estadual a possiblidade de cobrança do encargo - Decisão reformada. Recurso provido, com observação
Do acórdão, destaca-se o seguinte excerto:
Inexiste óbice para que tanto a cessão dos direitos de meação e a renúncia à herança, com consequente instituição de usufruto, não possam ser homologadas judicialmente em partilha amigável emanada de partes capazes.
...
Assim, mostra-se perfeitamente cabível a homologação da partilha de fls. 42/45, com a instituição de usufruto à viúva e atribuição da nua propriedade dos imóveis aos herdeiros.
Todavia, deve-se ressalvar que isso não implica na dispensa do recolhimento do imposto de transmissão inter vivos devido sobre tais operações, ressalvado à Fazenda Estadual a possiblidade de cobrança do encargo, caso a parte interessada assim não o faça.
Em súmula conclusiva temos que o artigo 835 do CNCGJSC trata, como sói acontecer, de meros procedimentos administrativos a cargo do Tabelião na lavratura de escritura pública de partilha, permitindo-o, em um único instrumento, congregar mais de um negócio jurídico, de modo que no pagamento da meação com atribuição de usufruto ao cônjuge supérstite e a nua-propriedade aos herdeiros temos (i) a transmissão causa mortis de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio pertencente ao de cujus sucessione agitur aos seus herdeiros; (ii) a doação de 50% da nua-propriedade pertencente à meeira aos seus herdeiros e (iii) a instituição de usufruto pelo herdeiros sobre 50% da propriedade que lhes foi transmitida mortis causa em favor da cônjuge supérstite, todos ele caracterizando fato gerador do ITCMD conforme inciso I e II e §4º do artigo 2º da Lei nº 13.136/2004.
Ocorrendo, portanto, no mundo fenomênico dos fatos a hipótese de incidência abstratamente prevista em lei, ocorre inexoravelmente o fato gerador do tributo, devendo a autoridade administrativa efetuar o lançamento sob pena de responsabilidade funcional, a teor do parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional, o que afasta, por conflito real, o crime de exação previsto no §1º do artigo 316 do Código Penal.
RESPOSTA
Responda-se ao consulente que o pagamento da meação do cônjuge supérstite com a atribuição de 100% (cem por cento) do usufruto sobre os bens partilháveis e pagamento do quinhão hereditário com a atribuição de 100% (cem por cento) da nua propriedade destes bens aos herdeiros não elide a ocorrência do fato gerador do ITCMD pela doação da nua- propriedade do meeiro para os herdeiros e pela instituição de usufruto sobre a propriedade transmitida aos herdeiros em favor do cônjuge supérstite.
É o parecer que submeto à elevada apreciação da Comissão Permanente de Assuntos Tributários.
PAULO VINICIUS SAMPAIO
AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL - Matrícula: 9507191
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela COPAT na Sessão do dia 20/02/2025.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do § 4º do art. 152-E do Regulamento de Normas Gerais de Direito Tributário (RNGDT), aprovado pelo Decreto 22.586, de 27 de julho de 1984, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
Responsáveis
Nome |
Cargo |
DILSON JIROO TAKEYAMA |
Presidente COPAT |
FABIANO BRITO QUEIROZ DE OLIVEIRA |
Gerente de |
Tributação |
|
NEWTON GONÇALVES DE SOUZA |
Presidente do TAT |
CAROLINA VIEITAS KRAJNC ALVES |
Secretário(a) |
Executivo(a) |