Consulta SEFA Nº 49 DE 11/12/2023


 


ICMS. ISENÇÃO. Vendas de medicamentos a órgãos da administração pública. Consórcio Público. Personalidade jurídica


Banco de Dados Legisweb

A consulente, cadastrada com a atividade principal de comércio atacadista de medicamentos e drogas de uso humano (CNAE 4644-3/01), informa que na consecução de sua atividade econômica realiza a venda de fármacos e medicamentos a órgãos municipais de saúde por intermédio de consórcios públicos com personalidade jurídica de direito privado, como, por exemplo, o Consórcio Intergestores Paraná Saúde. 

Seu questionamento diz espeito à possibilidade de serem utilizadas as regras dispostas nos itens 73 e 114 do Anexo V do Regulamento do ICMS, que desoneram as vendas destinadas a órgãos da Administração Pública Direta e Indireta, em operações que realiza com consórcios públicos de direito privado. Isso porque a Lei nº 11.107/2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, expressa no §1º do art. 6º, que "o consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados", nada dispondo acerca dos constituídos com personalidade jurídica de direito privado. 

Para fundamentar seu entendimento de que os consórcios públicos de direito privado, como é o caso do Consórcio Intergestores Paraná Saúde, e não somente os de direito público, integram a Administração Pública Indireta, apresenta as considerações e argumentos a seguir reproduzidos. 

Menciona que a criação de consórcios públicos se encontra prevista na Constituição da República (CF/88), a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, a qual modificou o art. 241 para predispor que a "União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos", e que, na área da saúde, a Lei Federal nº 8.080/1990 autorizou a constituição de consórcios intermunicipais ("Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam"), para desenvolvimento em conjunto das ações e dos serviços de saúde, tendo a Lei nº 11.107/2005, que dispõe sobre as normas gerais de contratação de consórcios públicos de serviços públicos, estabelecido que "o consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado".

Frisa, nos termos da Lei nº 11.107/2005, que o consórcio público poderá ter personalidade jurídica de direito público, quando se tratar de associação pública, ou personalidade jurídica de direito privado, hipótese em que assume a feição de uma associação civil (art. 15), porém, mesmo sob essa feição deve observar normas de direito público, sobretudo quanto a contratos, licitações, prestação de contas e admissão de pessoal (§2º do art. 6º).

Nessa linha, expõe ter sido constituído, por entes públicos (municípios paranaenses) e com o uso de recursos do orçamento da seguridade social (art. 198, § 1º, da Constituição da República), o Consórcio Intergestores Paraná Saúde, associação civil cujo objetivo é o de atender a obrigação constitucional de seus entes integrantes de prestar serviços de saúde gratuitos à população (art. 23, inciso II, combinado com os artigos 196 e 198, todos da Constituição da República).

Destaca que consta dentre os objetivos e fins sociais do referido consórcio, de acordo com seu estatuto anexado às fls. 40 a 61, as finalidades de: (i) obedecer aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde - SUS; (ii) representar o conjunto dos municípios que o integram em assuntos de assistência à saúde pública; e (iii) planejar, adotar e executar programas e medidas destinadas a promover e a proteger a saúde dos habitantes da região, em especial, o uso racional de medicamentos, em apoio aos serviços e campanhas do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado de Saúde do Paraná.

Cita, ainda, ter a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional concluído que os consórcios públicos, tanto os de direito público quanto os de direito privado, integram a Administração Indireta de todos os entes Federados consorciados, conforme manifesta no Parecer PGFN/CJU/COJLC/N. 11/2011, expedido em atendimento a consulta encaminhada pela Coordenação-Geral de Normas de Contabilidade Aplicadas à Federação da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (CCONF/STN/MF), anexado às fls. 62 a 118, do qual reproduz os seguintes excertos:

"97. Caso os consórcios públicos de direito privado não integrassem a Administração Indireta, não se visualiza outra categoria a qual pudessem integrar. Tanto a iniciativa privada (segundo setor), que é responsável por questões individuais, quanto o terceiro setor, que é responsável por questões sociais, são compostas por entidades particulares como empresas particulares (segundo setor) ou Organizações Não-Governamentais - ONG´s, Organizações Sociais - OS´s ou Organizações da Sociedade Civis de Interesse Público (terceiro setor), ou seja, não são criadas diretamente pelos entes federativos e pertencentes ao Poder Público.

98. Se até uma empresa pública, que normalmente realiza atividade atípica do Estado (atividade econômica em sentido estrito), integra a Administração Indireta de um ente federativo, ou melhor, uma sociedade de economia mista, cujo capital inicial não é só público mas também particular, mesmo realizando atividade econômica em sentido estrito, integra a expressão "Administração Indireta". Logo, com muito maior razão, um ente criado com patrimônio totalmente público para prestar serviço público ou para realizar qualquer outra atividade de interesse comum dos entes federativos arroladas no artigo 3º do Decreto nº 6.017, de 2007, ou seja, atividades típicas de Estado, necessariamente deve integrar a Administração Indireta dos entes federativos consorciados. 

(...)

106. Vale recordar, também, que ao ferir os princípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público, a interpretação que visa excluir da Administração Indireta os consórcios públicos de direito administrativo fere todo o sistema normativo brasileiro e não só uma norma, pois, conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". 

(...)

109. Logo, seja por ferir princípios basilares do Direito Administrativo (interpretação finalística), seja pela "filtragem constitucional", seja pela lógica de todo o sistema normativo administrativo brasileiro (interpretação lógico-sistemática), seja pelas lições doutrinárias mencionadas, entendemos que a melhor interpretação é aquela que conclui que os consórcios públicos de direito privado integram a Administração Pública Indireta de todos os entes da Federação consorciados, sob pena de a interpretação em contrário levar a conclusões absurdas e inconvenientes, como alerta Carlos Maximiliano.". 

Ressalta que também o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem entendendo que os consórcios públicos com personalidade jurídica de direito privado integram a Administração Pública Indireta, conforme retratado na decisão proferida por ocasião do julgamento da Apelação/Remessa Necessária Nº 5010576-12.2015.4.04.7204.

Feitas tais considerações, indaga se é possível a utilização de regras de isenção de ICMS que contemplam vendas de mercadorias a órgãos da Administração Pública Direta e Indireta, como é o caso dos benefícios previstos nos itens 73 e 114 do Anexo V, do Regulamento do ICMS, nas operações que promove com destino a consórcios públicos com personalidade jurídica de direito privado. 

RESPOSTA

As normas de isenção referidas pela consulente, dispostas nos itens 73 e 114 do Anexo V do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 7.871/2017, encontram-se assim redigidas:

" 73 Operações, até 30.4.2024, realizadas com os FÁRMACOS E MEDICAMENTOS, abaixo relacionados, destinados a órgãos da administração pública direta e indireta federal, estadual e municipal e às suas fundações públicas (Convênios ICMS 87/2002 e 126/2002; Convênio ICMS 49/2017; Ajuste SINIEF 10/2012):

... 

114 Operações ou prestações internas, relativas a aquisição de bens, mercadorias ou serviços por ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL DIRETA E SUAS FUNDAÇÕES E AUTARQUIAS (Convênio ICMS 26/2003; Ajuste SINIEF 10/2012). 

Notas: 

1. a isenção de que trata este item fica condicionada ao desconto no preço, do valor equivalente ao imposto dispensado, e à indicação, no respectivo documento fiscal, do valor do desconto;

2. não se exigirá a anulação do crédito nas saídas isentas a que se refere este item; 

3. o benefício previsto neste item não se aplica às aquisições:

3.1. de produtos sujeitos ao regime de Substituição Tributária - ST, quando efetuadas de estabelecimento substituído;

3.2. efetuadas de estabelecimento enquadrado no regime fiscal do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições - Simples Nacional;

3.3. efetuadas com verbas de pronto pagamento. 

4. o disposto neste item aplica-se às operações de importação do exterior;

5. para efeitos deste item, consideram-se integrantes da Administração Pública Estadual Direta os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público - MP.".

Relativamente à isenção de que trata o transcrito item 114 do Anexo V, verifica-se que direcionada a aquisições internas, de mercadorias, bens ou serviços, efetuadas por todos os órgãos da Administração Pública Estadual Direta (dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e do Ministério Público) e por duas únicas modalidades de entidades que integram a Administração Pública Indireta (art. 4º, inciso II, do Decreto-Lei nº 200/1967), que são as fundações e autarquias. Logo, quaisquer outras categorias que compreendam a Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista e consórcios públicos, mesmo que de direito público) não estão alcançadas por esse benefício. 

No que diz respeito à regra disposta no item 73 do Anexo V, também transcrito, ressalta-se que contempla as operações com os fármacos e medicamentos nele relacionados, quando realizadas com quaisquer órgãos da Administração Pública, Direta e Indireta, das três esferas da Federação (federal, estadual e municipal). Assim, para efeitos da aplicação dessa norma regulamentar de isenção, o questionamento apresentado, acerca de os consórcios públicos de direito privado compreenderem, ou não, a Administração Pública, evidencia-se pertinente. 

Conforme expõe a consulente, destaca-se que a Lei Federal nº 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos), no § 1º do art. 6º, dispõe de forma expressa que o consórcio público de direito público integra a administração indireta, nada mencionado em relação aos consórcios públicos de direito privado, embora estabeleça no § 2º do mesmo art. 6º serem aplicáveis a ambas as formas de constituição de consórcio públicos as normas de direito público, no que concerne à realização de licitação, à celebração de contratos, à prestação de contas e à admissão de pessoal.

Em razão de a citada legislação acarretar dúvidas a respeito da natureza e enquadramento dos consórcios públicos constituídos com personalidade jurídica de direito privado, forma autorizada pelas disposições da Lei nº 11.107/2005, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) analisou a questão de forma ampla e detalhada,, conforme pode ser averiguado nas razões expostas no Parecer PGFN/CJU/COJLC/N. 111/2011, disponível para consulta no endereço eletrônico https://www.gov.br/pgfn/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/revista-pgfn/ano-ii-numero-iv/ano-ii-numero-4-2012, tendo aprovado as seguintes conclusões:

"1. Consórcios públicos de direito público têm natureza jurídica de autarquias. Consórcio público de direito privado tem natureza jurídica de associação (Erik Jayme - Diálogo das Fontes).

2. Os Consórcios públicos de direito público adotam a forma jurídica única de associação pública, enquanto os de direito privado adotam forma jurídica inominada, sui generis.

3. Tanto os consórcios públicos de direito público, quanto os de direito privado integram a Administração Indireta de todos os entes Federados consorciados (filtragem constitucional, interpretação lógico-sistemática e finalista ou teleológica). 

4. Os consórcios públicos de direito público adotam regime jurídico de direito público, enquanto os de direito privado adotam regime jurídico híbrido, misto (público e privado).

5. Matéria Financeira. Competência da Coordenação-Geral de Assuntos Financeiros - CAF. 

6. Os consórcios públicos de direito público e de direito privado se submetem à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, bem como à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Princípio da Unidade da Constituição. Vedação da existência de normas constitucionais inconstitucionais. Teoria de Otto Bachof.". 

Por sua vez, a Procuradoria Geral do Estado (PGE), solicitada a se pronunciar acerca dessa matéria, analisou-a sob o enfoque da imunidade recíproca (Informação nº 420/2023 - AT/GAB-PGE, integrante do e-Protocolo de nº 20.914.414-0). 

Essa regra de imunidade se encontra estabelecida na alínea "a" do inciso VI do art. 150 da Constituição da República, vedando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de instituírem impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, tendo sido estendida, pelo § 2º do mesmo artigo constitucional, às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. 

A partir de jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal (STF), no sentido de que a imunidade tributária recíproca pode ser estendida a empresas públicas ou sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de cunho essencial e exclusivo, como é o serviço de saneamento (Federal (ACO 2.730-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, e ARE 1354360 AgR-terceiro, Rel. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 16/08/2022), a PGE manifestou o entendimento de que consórcios públicos de direito privado também podem ser alcançados pela regra constitucional de não incidência, quando exercerem atividade que se enquadre como serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa.

Registre-se que tal norma constitucional tem aplicação à hipótese em que os entes federados se encontrem na condição de contribuintes de direito, ou seja, de sujeito passivo da obrigação tributária, e não de contribuintes de fato, que é a situação do consórcio público, quando considerada a regra de isenção em exame. 

De qualquer modo, infere-se da conclusão manifestada pelo PGE, que os consórcios públicos de direito privado integram a Administração Pública, porquanto a imunidade recíproca contempla os entes da Federação (e seus órgãos) e empresas públicas de direito privado integrantes da Administração Indireta. E, em se tratando de empresas públicas que exploram atividades econômicas, segundo o STF, para fruir da imunidade, devem exercer atividade de cunho exclusivo de Estado, em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa.

Como antes mencionado, para efeitos da aplicação da regra de isenção de que trata o item 73 do Anexo V do Regulamento do ICMS, é exigido que o adquirente integre a Administração Pública, Direta ou Indireta, de forma que operações destinadas a empresas públicas ou sociedades de economia mista, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, estão alcançadas pela norma regulamentar de isenção, por serem empresas integrantes da Administração Indireta, independentemente de preencherem as condições para fruição da imunidade constitucional (explorar serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa). Essa mesma conclusão, segundo as considerações expostas pela PGE, aplica-se aos consórcios públicos constituídos sob a personalidade jurídica de direito privado. 

Frisa-se, a respeito dos consórcios públicos, independentemente de constituídos sob a forma de associação pública ou de pessoa jurídica de direito privado, que a Lei Federal nº 11.107/2005 exige que suas atividades sejam desenvolvidas sem fim econômico, e, na área da saúde, que obedeçam aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde - SUS, que presta serviço público essencial, em atenção à disposição constitucional expressa no art. 196: "A saúde é direito de todos e dever do Estado". 

Portanto, a adoção de personalidade jurídica de direito privado não retira do consórcio o dever de observância a normas de direito público em matéria de admissão de pessoal, de licitação e de celebração de contratos, conforme se extrai do art. 6º, §2º, da Lei nº 11.107/2005. Ou seja, consórcios públicos que operam segundo as diretrizes e normas reguladoras SUS estão obrigatoriamente submetidos ao regramento normativo que disciplina a prestação de serviços públicos de saúde, ainda que possuam personalidade de direito privado. 

Por oportuno, cita-se que os consórcios públicos, de direito público ou de direito privado, encontram-se expressamente identificados como órgãos da Administração Pública, com códigos específicos, na Tabela de Natureza Jurídica divulgada pela Comissão Nacional de Classificação - Concla, cujo objetivo é a identificação da constituição jurídico-institucional das entidades públicas e privadas nos cadastros da Administração Pública do País. 

Nesses termos, responde-se à consulente que os consórcios públicos prestadores de serviços de saúde, regularmente constituídos, com personalidade jurídica de direito público ou de direito privado, na qualidade de órgãos integrantes da Administração Pública Indireta, poderão adquirir com isenção de imposto, nos termos previstos no item 73 do Anexo V do Regulamento do ICMS, os medicamentos e fármacos nele relacionados.