Produção e venda de medicamentos por farmácias de manipulação. Incidência do ICMS.
O estabelecimento empresarial supra qualificado, estabelecido no estado do Rio de Janeiro, aduz à inicial que os serviços prestados por farmácias de manipulação, que preparam e fornecem medicamentos sob encomenda, submetem-se à exclusiva incidência do ISS. Desta forma, informa que a atividade preponderante da empresa é a de prestação de serviços, correspondendo a 90% (noventa por cento) o seu faturamento bruto mensal.
Adiciona que, por força da Lei Complementar 147/2014, houve a inclusão da atividade realizada pela farmácia magistral na lista de optantes pelo Simples Nacional na qualidade de prestadora de serviços, conforme anexo III da citada lei.
Finaliza comunicando que o percentual de vendas sujeitas ao ICMS será em torno de 10% (dez por cento) do faturamento bruto mensal.
Isto Posto, Consulta:
1) Preciso fazer algum procedimento especial?
2) Preciso fazer alteração de atividade?
3) Se positivo, com alteração contratual ou apenas com o DOCAD?
Análise Preliminar:
O processo encontra-se instruído com procuração e respectivo documento de identidade (fls.05 e 08), com cópias do cadastro nacional da pessoa jurídica e do comprovante de inscrição e de situação cadastral (fls.06/07), bem como com a cópia da alteração contratual (fls.09/14).
Além disso, junta cópia do DARJ pago com o respectivo Demonstrativo de Item de Pagamento (fls.18/19).
Consta, ainda, declaração da inspetoria afirmando que não há auto de infração lavrado contra o contribuinte relacionado com a consulta formulada (fl.20).
Resposta:
Preliminarmente, cumpre ressaltar que, conforme disposto na Resolução SEFAZ 45/07, a competência da Superintendência de Tributação, bem como da Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias abrange a interpretação da legislação em tese, cabendo à verificação da adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora.
Ademais, imprescindível destacar que o entendimento exarado pela consulente na inicial não está de acordo com o entendimento desta Superintendência de Tributação.
A Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências, elenca, em uma lista anexa, um rol taxativo de serviços sobre os quais haveria a exigência do imposto municipal. Além disso, indica, expressamente, os casos previstos que haveria a tributação do ICMS sobre mercadorias fornecidas na operação, nos termos do parágrafo 2°do artigo 1°.
Destarte, a Lei Complementar 116/2003 prevê na sua lista anexa, no subitem 4.07, os “serviços farmacêuticos” como sujeitos à incidência do ISS. Com isso, originou-se a presente discussão acerca da incidência do ICMS ou do ISS nas operações realizadas por farmácias de manipulação.
Adicionalmente, com o advento da Lei Complementar 147/2014, que altera a Lei Complementar 123/2006 (Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), este embate se tornou ainda mais intenso. Destaca-se, dentre as alterações promovidas pela Lei Complementar 147/2014, o parágrafo 4° do artigo 18 da LC 123/2006, que a nosso ver, criou um conflito de competência entre estados e municípios.
Observe que a alínea “a” do inciso VII do parágrafo acima citado considera como sujeita ao ISS a “comercialização de medicamentos e produtos magistrais produzidos por manipulação de fórmulas sob encomenda para entrega posterior ao adquirente, em caráter pessoal, mediante prescrições de profissionais habilitados ou indicação pelo farmacêutico, produzidos no próprio estabelecimento após o atendimento inicial, que serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar.”
Ao confrontarmos a lista anexa da LC 116/2003 com o normativo supra, se torna claro o conflito entre eles. Isto porque a lista anexa mencionada, que dispõe taxativamente sobre os serviços sobre os quais incidem o ISS, não determina a incidência deste imposto na comercialização de medicamentos. Vale salientar que o item 4.07 sujeita à incidência do ISS apenas os serviços farmacêuticos, que não se confundem com a comercialização/vendas de medicamentos, ainda que manipulados por encomenda do usuário final.
Visando ratificar o entendimento desta Superintendência, podemos citar a Resolução 467, de 28 de
novembro de 2007, do Conselho Federal de Farmácia, que define, regulamenta e estabelece as atribuições e competências do farmacêutico na manipulação de medicamentos e de outros produtos farmacêuticos (Pesquisa efetuada em 10 de fevereiro de 2015 no site: http://www.cff.org.br > Resoluções > Resoluções do CFF). Esta Resolução regulamenta os procedimentos relativos à manipulação de medicamentos e produtos farmacêuticos, detalhando a forma como os fármacos e demais componentes são armazenados, pesados, misturados entre si e etc. e atribui ao farmacêutico deveres e responsabilidades desde a encomenda do cliente até a comercialização do produto. Importante registrar que em nenhuma passagem da mencionada resolução trata a manipulação de medicamentos como uma prestação de serviços, mas sim como um processo de fabricação, ainda que em pequena escala, sob a supervisão do profissional de farmácia. Além desse normativo, também podemos citar a Resolução CFF 499, de 17 de dezembro de 2008, que dispõe sobre a prestação de serviços farmacêuticos, em farmácias e drogarias. Em seu artigo 1° define o que são serviços farmacêuticos, que assim dispões, in verbis:
Art. 1° - Estabelecer que somente o farmacêutico inscrito no Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição, poderá prestar serviços farmacêuticos, em farmácias e drogarias.
§ 1° Os serviços farmacêuticos de que trata o caput deste artigo são os seguintes:
I - Elaboração do perfil farmacoterapêutico, avaliação e acompanhamento da terapêutica farmacológica de usuários de medicamentos;
II - Determinação quantitativa do teor sanguíneo de glicose, colesterol total e triglicérides, mediante coleta de amostras de sangue por punção capilar, utilizando-se de medidor portátil;
III - Verificação de pressão arterial;
IV - Verificação de temperatura corporal;
V - Aplicação de medicamentos injetáveis;
VI - Execução de procedimentos de inalação e nebulização;
VII - Realização de curativos de pequeno porte;
IX - Participação em campanhas de saúde;
X - Prestação de assistência farmacêutica domiciliar.
Note-se que a referida resolução estabeleceu um rol taxativo das atividades consideradas serviços farmacêuticos, e em nenhum dos incisos a manipulação de medicamentos está prevista.
Logo, é notável que a manipulação de medicamentos exercida pelas farmácias de manipulação não se confunde com os serviços farmacêuticos que se refere o item 4.07 supracitado, caracterizando, desta forma, a ocorrência do fato gerador e a incidência do ICMS nas operações em epígrafe.
Nada obstante, necessário se faz esclarecer que a consulente se enquadra no artigo 20 do Anexo I da Parte II da Resolução 720/2014, que relaciona as pessoas jurídicas obrigadas à inscrição no Cadastro do Estado do Rio de Janeiro. Vale destacar que somente o Título II do mesmo Anexo relaciona as pessoas jurídicas dispensadas de inscrição. Assim, mesmo que o volume de mercadorias vendidas seja de 10% do faturamento, estará a consulente obrigada a possuir inscrição estadual.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
C.C.J.T., em 12 de fevereiro de 2015.