Parecer CECON Nº 905 DE 24/06/2024


 Publicado no DOE - CE em 24 jun 2024


ICMS. Consulta tributária. Operações internas. Diferimento. Fornecedor e adquirente beneficiários do FDI. Conceito de interdependência entre empresas. Omissão legislativa. Leitura sistemática. Identidade de sócios. Sócio indicado não atende o critério de mais de 50% de titularidade do capital da requerente. Inaplicabilidade do diferimento disposto no subitem 33.0.1 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019. Art. 49, parágrafo único, inciso I, da Lei n.º 18.665/2023; Art. 31, parágrafo único, inciso I, do Decreto n.º 33.327/2019; Art. 2.º, § 3.º, da Lei n.º 6.404/1976; Art. 1098 da Lei n.º 10.406/2002.


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ICMS. Consulta tributária. Operações internas. Diferimento. Fornecedor e adquirente beneficiários do FDI. Conceito de interdependência entre empresas. Omissão legislativa. Leitura sistemática. Identidade de sócios. Sócio indicado não atende o critério de mais de 50% de titularidade do capital da requerente. Inaplicabilidade do diferimento disposto no subitem 33.0.1 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019. Art. 49, parágrafo único, inciso I, da Lei n.º 18.665/2023; Art. 31, parágrafo único, inciso I, do Decreto n.º 33.327/2019; Art. 2.º, § 3.º, da Lei n.º 6.404/1976; Art. 1098 da Lei n.º 10.406/2002.

I – DO RELATO

O contribuinte acima identificado, inscrito no Cadastro Geral da Fazenda sob o Regime de Recolhimento Normal, CNAE Fiscal n.º 1539400 (Fabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente), realiza consulta fiscal relativa aos fatos descritos a seguir.

A empresa atua na fabricação de calçados e artigos esportivos, sendo beneficiária do FDI. A consulente efetua operações de venda para empresa estabelecida no estado cearense também incentivada pelo FDI.

De acordo com o subitem 33.0.1 do Anexo II do Decreto n.º 33.327, de 30 de outubro de 2019, o ICMS será diferido nas operações de venda realizadas entre empresas interdependentes, definidas na forma do item 33.8, quando remetente e destinatário são beneficiários do FDI, salvo na saída de ativo imobilizado.

Sustenta a consulente que a majoritária parte de suas ações são de titularidade de holding em que os mesmos sócios também possuem participação expressiva na titularidade de ações, de forma que, considerando a estrutura societária do contribuinte e da holding, haveria identidade de sócios com mais de 50% do capital da interessada sendo controlado por outra empresa, o que caracteriza, no entendimento da consulente, o conceito de interdependência.

Face às premissas supracitadas, vem a consulente requerer posicionamento do Fisco Estadual quanto à definição do conceito de interdependência no caso de sócio detentor de forma indireta de mais de 50% do capital de outra empresa.

O comprovante de pagamento da taxa de que trata o subitem 1.5, do Anexo IV, da Lei no 15.838/2015, foi devidamente acostado aos autos, cujo recolhimento foi verificado em consulta aos sistemas internos desta Secretaria.

Informa a consulente que não se encontra sob ação fiscal com relação à matéria objeto da consulta, que não está intimada a cumprir obrigação relativa ao objeto da consulta e que o fato exposto na consulta não foi objeto de decisão anterior.

A consulta foi subscrita por sócia integrante do quadro societário da empresa à época da formulação do requerimento (XXXX).

É o relato.

II – DO PARECER

Trata-se de consulta relativa ao conceito de interdependência entre empresas, a fim de considerar a aplicação do diferimento disposto no subitem 33.0.1 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019 nas saídas de mercadorias em operações internas nas quais tanto fornecedor como adquirente são beneficiários do FDI.

Inicialmente, deve-se observar que o diferimento do ICMS constitui um mecanismo de suspensão do recolhimento desse tributo em determinada fase da cadeia produtiva ou comercial.

Essa técnica tributária visa postergar a exigência do imposto para uma etapa posterior do ciclo econômico, usualmente para o momento em que o produto atinge uma fase mais avançada de comercialização, seja na industrialização, distribuição ou venda ao consumidor final.

A legislação de cada unidade federativa estabelece as hipóteses de diferimento, os requisitos e os procedimentos a serem observados pelos contribuintes. Deste modo, o diferimento não implica na exclusão do crédito tributário, mas apenas na sua transferência para um momento futuro, conforme previsto em norma específica.

O ordenamento jurídico cearense disciplina o diferimento do ICMS nas operações internas de empresas beneficiárias do FDI no item 33 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019, transcrito parcialmente a seguir:

Art. 10. O imposto será diferido nas hipóteses relacionadas no Anexo II deste Decreto.

(...)

ANEXO II DO DECRETO N.º 33.327/2019 - DO DIFERIMENTO

(...)

33.0 Operações internas de saídas de mercadorias, a qualquer título, realizadas:

33.0.1 entre empresas interdependentes, definidas na forma do item 33.8, quando o remetente e o destinatário forem beneficiários do FDI, exceto a saída de bem do ativo imobilizado;

(...)

33.8 O benefício previsto no item 33.0 fica condicionado a que a empresa beneficiária do FDI não esteja inscrita no Cadine.

Concordando com a consulente, pode-se afirmar que o subitem 33.8 não define o conceito de empresas interdependentes, tratando-se de equívoco legislativo e, por conseguinte, atrai a necessidade de colmatar o espaço conceitual deixado pela norma.

Empreendendo uma leitura sistemática, contudo, observa-se que o ordenamento jurídico cearense dispõe sobre o conceito de empresas interdependentes, conforme parágrafo único do art. 31 do mesmo decreto e art. 49 da Lei n.º 18.665, de 28 de dezembro de 2023, confira-se:

Art. 31. Quando o valor do frete, cobrado por estabelecimento pertencente ao mesmo titular da mercadoria ou por outro estabelecimento de empresa que com aquele mantenha relação de interdependência, exceder os níveis normais de preço em vigor no mercado local para serviço semelhante, constante de tabela elaborada pelo órgão competente, o valor excedente será tido como parte do preço da mercadoria.

Parágrafo único. Considerar-se-ão interdependentes duas empresas quando:

I – uma delas, por si, seus sócios ou acionistas, e respectivos cônjuges ou companheiros reconhecidos por lei ou filhos menores, for titular de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital da outra;

II – uma mesma pessoa fizer parte de ambas, na qualidade de diretor ou sócio com funções de gerência, ainda que exercidas sob outra denominação;

III – uma delas locar ou transferir a outra, a qualquer título, veículo destinado ao transporte de mercadoria. (grifos acrescidos)
___________________________________________________________

Art. 49. Quando o valor do frete, cobrado por estabelecimento pertencente ao mesmo titular da mercadoria ou por outro estabelecimento de empresa que com aquele mantenha relação de interdependência, exceder os níveis normais de preços em vigor, no mercado local, para serviço semelhante, constantes de tabelas elaboradas pelos órgãos competentes, o valor excedente será havido como parte do preço da mercadoria.

Parágrafo único. Considerar-se-ão interdependentes 2 (duas) empresas quando:

I - uma delas, por si, seus sócios ou acionistas, e respectivos cônjuges ou companheiros reconhecidos por lei ou filhos menores, for titular de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital de outra;

II - uma mesma pessoa fizer parte de ambas, na qualidade de diretor ou sócio com funções de gerência, ainda que exercidas sob outra denominação;

III - uma delas locar ou transferir à outra, a qualquer título, veículo destinado ao transporte de mercadorias. (grifos acrescidos)

Portanto, a aparente lacuna normativa deve ser interpretada à luz do disposto no próprio regulamento, que estabelece como empresas interdependentes, dentre outras hipóteses, as que apresentarem identidade de sócios ou acionistas titulares de mais de 50% do capital da outra.

Desse modo, o questionamento da consulente é percuciente, porquanto o normativo supra não define a forma como a titularidade das ações pode ocorrer. De plano, a participação indireta de um sócio no capital de outra também detém a prerrogativa de configurar a interdependência entre as empresas.

Uma holding consiste simplesmente em uma empresa cuja principal função é possuir e controlar participações acionárias em outras empresas. O objetivo de uma holding é administrar e controlar as empresas nas quais possui ações, sem necessariamente participar diretamente de suas operações diárias. As holdings podem ser usadas para diversos fins, como administração de participações, proteção patrimonial e sucessão empresarial. Em conformidade com a legislação brasileira, uma holding é definida como uma sociedade cuja principal atividade consiste na participação no capital de outras sociedades, com o objetivo de controlar suas atividades.

Esta definição encontra respaldo na Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/1976), particularmente no Art. 2.º, § 3.º, que dispõe:

Art. 2.º (...)

(...)

§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.

Além disso, o Código Civil Brasileiro (Lei n.º 10.406/2002) em seu Art. 1.098 também aborda o conceito de holding ao permitir a constituição de sociedade com o fim específico de participar de outras sociedades ao tratar de sociedades coligadas:

Art. 1.098. É controlada:

I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores;

II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas.

A holding é uma sociedade controladora que participa de outras sociedades. Os sócios ou acionistas da holding exercem influência sobre as empresas controladas de várias maneiras, principalmente através da holding, que centraliza o controle e a administração. Os sócios ou acionistas da holding possuem uma participação percentual no capital da holding, que, por sua vez, possui participações em outras empresas.

A participação percentual de um sócio da holding nas empresas controladas é indireta e depende do percentual de participação na holding e do percentual de participação da holding nas controladas. O cálculo da participação indireta de um sócio da holding em uma empresa controlada se dá pela multiplicação da participação do sócio na holding pela participação da holding na empresa controlada. A título de exemplo, suponha-se que um sócio possui 20% das ações da holding e esta, por sua vez, detém 70% das ações de uma empresa. A participação indireta do sócio na empresa controlada será de 17,5% (20% x 70%).

Diante do exposto, faz-se necessário averiguar a participação efetiva, ainda que indireta, do sócio em comum entre a consulente e a empresa adquirente de suas mercadorias para reconhecimento da interdependência entre as duas sociedades empresárias para a finalidade fiscal.

O sócio em comum indicado pela consulente é o sr. XXXX, que detém 13,89% de participação na empresa XXXX, adquirente das mercadorias da consulente; 0,0004% das ações da consulente (XXXX); e 47% de participação acionária na holding XXXX.

Em relação à participação acionária do sócio indicado na holding XXXX, importa frisar que, na realidade, o sócio possui participação em duas sociedades empresárias: XXXX e XXXX, que detêm conjuntamente 47% do capital da holding. Ademais, a consulente não informou o percentual de controle acionário do sócio XXXX em cada uma dessas empresas. Contudo, considera-se despicienda essa informação pelo conjunto de dados fornecidos pela requerente, que permitem chegar à conclusão delimitada a seguir.

Como se pode inferir, ainda que o sócio em comento detenha 47% de participação nas ações da holding, o capital de cuja titularidade a consulente alega como suficiente para caracterizar a interdependência não atende ao critério do sócio ser titular de mais de 50% de capital da requerente XXXX, ainda que somem-se as participações do sócio, que totalizam 47,0004% do capital da interessada.

Importa frisar que o art. 31, parágrafo único, inciso I, do Decreto n.º 33.327/2019 permite que o valor acionário levado em consideração seja representado pela soma das participações dos sócios ou acionistas em comum, com respectivos cônjuges, companheiros reconhecidos por lei ou filhos menores. No entanto, de acordo com as informações colacionadas aos autos, apenas o sócio XXXX compõe o quadro societário das duas empresas, XXXX e XXXX.

Ademais, a estrutura acionária da holding anexada pela requerente não identifica as pessoas relacionadas ao controlador (participação de 23%). Dessa forma, não resta provada a qualidade das pessoas relatadas na estrutura acionária da holding, sendo necessário que se tratem de cônjuge, companheiro ou filho menor do sócio em comum.

Por conseguinte, as empresas XXXX e XXXX não podem ser consideradas como interdependentes na forma do art. 31, parágrafo único, inciso I, o que não obsta a possibilidade do Fisco estadual identificar outras situações autorizativas caracterizadoras da interdependência conforme as demais hipóteses elencadas no mesmo artigo. Contudo, pela simples participação acionária do sócio indicado não se considera atendido o critério de mais de 50% de titularidade do capital pelo sócio em comum.

Conclui-se que não se aplica o diferimento disposto no subitem 33.0.1 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019 às operações praticadas pela consulente com a empresa XXXX, por não serem empresas interdependentes na forma do regulamento.

Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas pertinentes à consulta.

A resposta à Consulta Tributária aproveita à consulente nos termos da legislação vigente.

Deve-se atentar para eventuais alterações posteriores da legislação tributária.

É o Parecer, s.m.j.

SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, na data da assinatura eletrônica.