Publicado no DOE - RJ em 21 fev 2025
Institui o protocolo “não é não! Respeite a decisão” e o selo “mulher mais segura” no estado do Rio de Janeiro e dá providências correlatas.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições legais, tendo em vista o disposto no Processo nº SEI-500001/000044/2024, e
CONSIDERANDO:
- a Lei Federal 14.786 de 28 de dezembro de 2023, que criou o protocolo “Não é Não”, para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo “Não é Não - Mulheres Seguras”; e altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte);
- a Lei Estadual Nº 9.895, de 07 de novembro de 2022, que institui o Programa Estadual de Enfrentamento ao Feminicídio no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências;
- a Lei Estadual N° 8.378, de 17 de abril de 2019, que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco;
- o Decreto N° 11.640, de 16 de agosto de 2023, que institui o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios;
- o Decreto N° 48.629/2023, que institui, sem aumento de despesas, o Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que tem por intuito prevenir, enfrentar e erradicar todas as formas de violência contra as mulheres no âmbito do Estado do Rio de Janeiro;
- a Resolução SEM Nº 20, de setembro de 2023, que dispõe sobre a Criação do “Selo Mulher Mais Segura” no Estado do Rio de Janeiro;
- a Instrução Normativa SEM Nº 02, de setembro de 2023, que dispõe sobre a implantação do Protocolo “OUVIU UM NÃO? RESPEITE A DECISÃO!” no Estado do Rio de Janeiro, enfrentamento à violência contra mulher em espaços de lazer; e
- a Resolução SEM Nº 16, de agosto de 2023, que dispõe sobre a implantação da Campanha “OUVIU UM NÃO? RESPEITE A DECISÃO!” no Estado do Rio de Janeiro.
DECRETA:
CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS:
Este Decreto regulamenta a Lei nº 8.378, de 17 de abril de 2019, que obriga bares, restaurantes e casas noturnas a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco, e estabelece normas e procedimentos para a prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher.
Art. 1º - O Protocolo “NÃO É NÃO! Respeite a Decisão" consiste em um conjunto de medidas a serem implementadas em estabelecimentos, espaços de convivência, de lazer e entretenimento e demais eventos com aglomeração de pessoas, para promover a proteção das mulheres e para prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas.
Art. 2º - São objetivos do protocolo “NÃO É NÃO! Respeite a Decisão":
I - erradicar qualquer forma de violência em estabelecimentos, garantindo um ambiente livre de assédio, violências e discriminação de gênero;
II - estabelecer critérios de segurança claros e eficazes para entes federativos, empresas e sociedade civil organizada, que aderirem ao Protocolo, a fim de prevenir e combater casos de assédio e demais violências contra as mulheres;
III - incentivar a adoção de medidas preventivas e de conscientização sobre a importância do respeito à integridade física e emocional das mulheres;
IV - estabelecer uma referência de qualidade e confiança para as mulheres ao escolher eventos públicos ou privados, permitindo que as mulheres se sintam seguras e confortáveis ao participar dessas atividades;
V - sensibilizar a sociedade sobre a importância de combater o assédio e a violência contra as mulheres em todos os espaços, incluindo os eventos culturais, e promover uma cultura de respeito e igualdade de gênero;
VI - promover a proteção das mulheres, prevenir e enfrentar o constrangimento e a violência contra elas.
VII - contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde as mulheres possam desfrutar plenamente dos espaços públicos e culturais, sem medo de serem vítimas de qualquer tipo de violência.
Art. 3º - Para os fins deste Decreto, considera-se:
I - constrangimento: qualquer insistência, física ou verbal, sofrida pela mulher depois de manifestada a sua discordância ou ausente sua manifestação expressa de concordância com a interação;
II - violência: uso da força que tenha como resultado lesão, morte ou dano, entre outros, conforme legislação penal em vigor;
III - estabelecimentos: setores de entretenimento públicos e privados que promovam eventos com aglomeração de pessoas, tais como, shows, blocos de rua, bares, restaurantes, hotéis, clubes, estádios de futebol e similares;
IV - assédio sexual: qualquer importunação ou constrangimento de caráter libidinoso ou sexual feito à mulher, de forma não consentida, independentemente de o agente possuir, em relação à vítima, condição hierárquica superior ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função;
V - funcionário: todo aquele que exerça no estabelecimento qualquer atividade de forma permanente, ou exerça de forma eventual atividades relacionadas ao objeto social do estabelecimento;
VI - local reservado: qualquer espaço no estabelecimento que possibilite o atendimento seguro da mulher ameaçada, vítima de violência ou em situação de risco e que permita, durante seu uso para esse fim, a discrição em relação ao agressor e a terceiros;
VII - revitimização: ato, questionamento ou discurso que gere constrangimento indevido ou estigmatização na mulher ameaçada, vítima de violência ou em situação de risco;
VIII - situação de risco: toda ação que, em razão do gênero, exponha a mulher a um contexto de vulnerabilidade que possa torná-la vítima de violência;
IX - violência contra a mulher: toda conduta que configure, nos termos deste decreto, violência física, moral, patrimonial, psicológica ou sexual, de forma presencial ou virtual;
X - violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade física ou a saúde corporal da mulher;
XI - violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria da mulher;
XII - violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
XIII - violência psicológica: qualquer conduta que cause dano emocional à mulher e diminuição da autoestima ou lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento, ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
XIV - violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de qualquer forma de relação sexual não consentida.
CAPÍTULO III - DAS AÇÕES DO PROTOCOLO:
Art. 4º. Na aplicação do Protocolo “NÃO É NÃO! Respeite a Decisão", devem ser observados os seguintes princípios:
I - respeito ao relato da vítima acerca do constrangimento ou da violência sofrida;
II - preservação da dignidade, da honra, da intimidade e da integridade física e psicológica da vítima;
III - articulação de esforços públicos e privados para o enfrentamento do constrangimento e da violência contra a mulher.
Art. 5º - Cabe aos estabelecimentos de que trata este Decreto:
I - controlar os acessos aos espaços, com a não utilização de critérios de acesso ao estabelecimento (explícitos ou implícitos) discriminatórios ou sexistas;
II - disponibilizar informes específicos (impressos ou em vídeo), que esclareçam que as instalações seguem o protocolo da campanha "NÃO É NÃO! Respeite a Decisão!", os números de telefone de contato da Polícia Militar, SAMU, 190 e o APP Rede Mulher;
III - vigiar, em especial, áreas particularmente escuras, que devem ser estabelecidas como prioridade máxima na vigilância interna dos espaços que integrem o protocolo;
IV - dispor de endereço eletrônico que possa ser utilizado pelas pessoas que utilizam os espaços para denunciar situações de violência ou importunação sexual;
V - instruir os funcionários para identificar e distinguir os diferentes tipos de agressão e ocorrência de crimes sexuais, bem como conhecer o fluxo de atendimento e o papel desempenhado por cada um dos profissionais da rede de atenção e proteção;
VI - prestar auxílio à mulher que, em suas dependências, encontre-se em situação de violência, ou vulnerabilidade e risco social e pessoal, e demais vulnerabilidades, para que não se torne alvo fácil de abuso.
§ 1° -A Secretaria de Estado da Mulher disciplinará a forma e o conteúdo do aviso referente ao inciso II do presente artigo.
§2° - O cartaz previsto no inciso II deste artigo deverá ser afixado em local visível nos espaços de circulação nos estabelecimentos, em todas as portas dos sanitários masculino e feminino, na entrada do bar e demais locais de fácil visualização e, sempre que possível, sua projeção em telões, quando houver.
§ 3° - A capacitação que se refere o art. 5º, inciso V, deverá abordar os seguintes temas:
a. conscientização sobre a violência contra a mulher: definição, tipos e impactos;
b. legislação e direitos das mulheres: conhecer as leis de proteção e os direitos das vítimas;
c. identificação de sinais de violência e importunação sexual: saber reconhecer comportamentos abusivos e indícios de violência;
d. abordagem adequada: orientações sobre como abordar uma situação de violência ou assédio de forma segura e respeitosa;
e. escuta empática: desenvolver habilidades de escuta ativa e empatia para acolher e apoiar as vítimas;
f. encaminhamento adequado: saber como direcionar as vítimas para os serviços de apoio e denuncia disponíveis;
g. papel do estabelecimento: entender a responsabilidade do local em garantir a segurança e bem-estar de seus clientes e funcionários, pelo fim da cultura do estupro.
h. sensibilização sobre estereótipos de gênero, conforme disposto na "Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher", amplamente conhecida como "Convenção de Belém do Pará", de 09 de junho de 1994: desconstruir preconceitos e estereótipos que contribuem para a violência e o assédio.
Art. 6º - Os estabelecimentos deverão promover anualmente a capacitação de todos os seus funcionários e garantir que, ao menos, 1 (uma) liderança por unidade, preferencialmente uma mulher, esteja apta e devidamente instruída para realizar o atendimento à vítima em caso de emergência.
Art. 7º - A capacitação de funcionários dos estabelecimentos prevista nosartigos5º,incisoVe6º será feita através de plataforma de treinamento indicada pela Secretaria de Estado da Mulher.
Art. 8º - Serão adotados como princípios norteadores para os estabelecimentos e eventos:
I - disponibilizar atenção prioritária à vítima. Em casos graves, ela não pode ser deixada sozinha, a não ser que queira e tenha condições de assim decidir;
II - respeitar as decisões da vítima;
III - fornecer orientações e ter autonomia sobre como deseja conduzir a situação;
IV - promover a acolhida da vítima, garantindo um acompanhante de sua escolha, em local onde haja privacidade, longe do possível agressor e de outras testemunhas;
V - respeitar a privacidade da vítima, bem como a presunção de inocência da pessoa acusada. Por isso, é aconselhável repassar informações sobre o caso apenas às autoridades competentes, evitando a disseminação de notícias falsas de agressão;
VI - adotar ações que julgarem cabíveis para preservar a dignidade e a integridade física e psicológica da vítima e para subsidiar a atuação da rede de proteção;
VII - prestar atendimento humanizado e acolhedor.
Art. 9º - É fundamental considerar a separação da primeira intervenção (responsabilidade das instalações) da investigação e da intervenção policial (responsabilidade das forças de segurança do Estado e dos órgãos judiciais).
I - nos casos em que seja necessária a presença da polícia para a instauração de processo judicial por denúncia, tratando-se de crime, a polícia de referência deve ser a Polícia Militar;
II - promoção de um ambiente reservado para o primeiro atendimento à vítima, a fim de garantir a sua segurança, a sua tranquilidade e a sua privacidade;
III - o responsável pelo primeiro atendimento deve conhecer a forma de encaminhamento para a de atenção e proteção à mulher, possibilitando o acesso da vítima a cartazes, cartilhas e sinalizações com a rede de apoio disponível.
IV - os atendimentos às vítimas devem ser realizados preferencialmente por uma mulher;
V - nas ocorrências que envolvam estupro, estupro de vulnerável ou violação sexual mediante fraude, a vítima deverá ser imediatamente encaminhada ao serviço médico, se necessário, respeitada a autonomia de sua vontade, desde que a vítima seja capaz e esteja em condições de exercê-la, e, em caso de perda de autonomia, deve-se ser acionado o SAMU ou ser a mulher encaminhada a aparelhos de saúde pública, rede socioassistencial e/ou demais órgãos competentes;
VI - Na hipótese de a vítima ser criança ou adolescente, desacompanhada dos pais ou responsáveis, deverão ser acionados os órgãos de segurança, atendendo-se o disposto no artigo 18 da Lei federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 10 - Para fins de comprovação do atendimento que trata o artigo 5° deste Decreto, o estabelecimento deverá ter livro para registrar as ocorrências e providências adotadas para cumprimento deste Decreto, e registrar a ocorrência em boletim ou arquivo eletrônico, quando possuir esse tipo de sistema.
§ 1° - O registro deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
1 - data, hora e local dos fatos;
2 - identificação do noticiante, se houver;
3 - identificação, ainda que por meios indiretos, do suposto agressor apontado pela vítima;
4 - breve descrição dos fatos ocorridos e de seu desfecho, inclusive com menção à forma de auxílio prestado pelo estabelecimento;
5 - informação sobre eventual recusa da vítima em aceitar o auxílio oferecido pelo estabelecimento ou seu encaminhamento ao serviço médico, colhendo, nessas hipóteses, sua assinatura;
6 - identificação de testemunhas dos fatos, se possível;
7 - identificação do funcionário que efetuar o registro.
§2° - Para fins de que trata o caput, o ambiente onde ocorreu a violência deve ser preservado e os vídeos coletados preservados por um prazo mínimo de 6 (seis) meses.
Art. 11 - O descumprimento das disposições deste Decreto sujeita os infratores às sanções administrativas previstas na regulamentação pertinente, sem prejuízo das de natureza civil e das penalidades definidas em normas específicas.
§1° - A fiscalização dos estabelecimentos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte deverá ser prioritariamente orientadora, nos termos do artigo 55 da Lei Complementar federal n° 123, de 14 de dezembro de 2006.
§ 2° - As sanções administrativas mencionadas no caput deste artigo serão fiscalizadas pelas autoridades competentes, após regular processo administrativo no qual se assegurem o contraditório e a ampla defesa.
CAPÍTULO V - DAS AÇÕES INTEGRADAS:
Art. 12 - Os órgãos, serviços e equipamentos públicos estaduais trabalharão de forma integrada e coordenada, ofertando cursos no formato que melhor atenda a peculiaridade de cada evento ou estabelecimento, para garantir os cuidados necessários à mulher vítima de violência ou que se encontre em situação de risco nos estabelecimentos indicados neste decreto, observadas as especificidades de cada região.
CAPÍTULO VI - DO “SELO MULHER MAIS SEGURA”:
Art. 13 - Fica instituído o “Selo Mulher Mais Segura”, que será concedido a qualquer estabelecimento comercial, entes federativos e sociedade civil organizada, não abrangido pela obrigatoriedade prevista no art. 1º, que implementa o Protocolo "NÃO É NÃO! Respeite a Decisão", conforme regulamentação.
§ 1°- A Secretaria de Estado da Mulher divulgará periodicamente a lista de entes federativos, empresas e sociedade civil organizada, que aderirem ao “Selo Mulher Mais Segura”.
§ 2°- A implementação do “Selo Mulher Mais Segura” deverá seguir os critérios estabelecidos na Instrução Normativa SEM Nº 20, de 15 de setembro de 2023.
Art. 14 - O “Selo Mulher Mais Segura” tem como principais objetivos:
I - incentivar e reconhecer as iniciativas de instituições do setor público e da sociedade civil, a promoverem eventos culturais e turísticos comprometidos com o empoderamento e segurança das mulheres;
II - incentivar e reconhecer as iniciativas de instituições do setor privado como bares, restaurantes e casas de show, comprometidos com o empoderamento e segurança das mulheres;
III - promover a conscientização e a reflexão sobre a violência de gênero, além de promover ações concretas para combatê-la. Os eventos que receberem o selo serão reconhecidos como espaços seguros einclusivos para as mulheres, onde elas podem se sentir protegidas e respeitadas;
IV - combater a discriminação de gênero, e promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres;
V- incentivar capacitação e orientação dos funcionários e seguranças dos estabelecimentos, para reconhecer situações de violência e saber como lidar com cada um dos episódios apresentados.
Parágrafo Único - O Selo Mulher Mais Segura terá validade de 1 (um) ano, devendo ser renovado, após esse período, junto à Secretaria de Estado da Mulher.
CAPÍTULO VII- DISPOSIÇÕES FINAIS:
Art. 15 - A Secretaria de Estado da Mulher expedirá no âmbito de suas competências, os atos necessários à execução deste decreto.
Art. 16 - Este decreto e sua disposição transitória entram em vigor na data de sua publicação.
DISPOSIÇÃO TRANSITÓRIA:
Art. 17 - A capacitação de que trata o artigo 5° deste decreto deverá ser realizada nos seguintes prazos, contados a partir da publicação do ato da Secretária de Estado da Mulher que disponibilizar as informações necessárias ao acesso à plataforma de treinamento:
I - para funcionários de bares, casas noturnas, boates e atividades similares: em 90 (noventa) dias;
II - para funcionários de restaurantes e atividades similares: em 120 (cento e vinte) dias;
III - para funcionários de casa ou local de eventos, casa de espetáculos, empresas organizadoras de eventos e atividades similares: em 150 (cento e cinquenta) dias.
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2025
CLÁUDIO CASTRO
Governador