Publicado no DOE - CE em 9 out 2023
ICMS. Imunidade recíproca. § 2º, inciso VI, alínea “a”, do art. 150, da CF/88. Jurisprudência sedimentada do STF. Sociedade de economia mista. Prestação de serviço público essencial e exclusivo. Requisitos atendidos. Deferimento.
ICMS. Imunidade recíproca. § 2º, inciso VI, alínea “a”, do art. 150, da CF/88. Jurisprudência sedimentada do STF. Sociedade de economia mista. Prestação de serviço público essencial e exclusivo. Requisitos atendidos. Deferimento.
DO RELATO
A Consulente, suso qualificado, protocolou a consulta em epígrafe com o escopo de ser declarado o seu direito à imunidade tributária recíproca, com fundamento na alínea “a” do inciso VI no § 2º do Art. 150 da CF/88, e jurisprudência dominante do excelso Supremo Tribunal Federal.
A presente consulta veio acompanhada de documentos.
Contudo, o pleito fora indeferido, pois o mérito almejado pela Consulente não pode ser analisado por meio do instituto da consulta tributária, que detém requisitos específicos, que não foram atendidos pela Consulente.
Após, a Requerente juntou aos autos, nas folhas de n.º 167/184, pedido de reconsideração.
Neste diapasão, esta Administração Tributária, com fundamento nos incisos VIII e IX, do art. 2º, c/c o parágrafo único, do art. 6º, todos da Lei Federal nº 9.784/99, que pode ser aplicada pelo ente estadual, conforme o verbete sumular de nº 633, oriundo do egrégio STJ, todos abaixo colacionados, decide nesta ato desarquivar o presente processo e analisar o requerimento de imunidade recíproca:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
Art. 6º O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas.
Súmula/STJ nº 633: A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.
É o relato.
DO PARECER
Em termos iniciais, constatamos que o presente tema já fora decidido pelo STF em 2021, no Tema 1140, de Repercussão Geral: As empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço. STF. Plenário. RE 1320054 RG, Rel.
Ministro Luiz Fux, julgado em 06/05/2021 (Repercussão Geral – Tema 1140)
Bem como, verificamos que o STF aplica o referido tema à sociedade de economia mista estadual prestadora exclusiva do serviço público de abastecimento de água potável e coleta e tratamento de esgotos sanitários, fazendo assim jus à imunidade tributária recíproca sobre impostos federais incidentes sobre patrimônio, renda e serviços, vide a ACO 3410/SE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/4/2022 (Info 1051).
Neste diapasão e em suma, para a extensão da imunidade tributária recíproca da Fazenda Pública em favor das sociedades de economia mista e empresas públicas, é necessário preencher 3 (três) requisitos:
(i) a prestação de um serviço público;
(ii) a ausência do intuito de lucro e
(iii) a atuação em regime de exclusividade, ou seja, sem concorrência.
Os referidos precedentes, em razão da Teoria da Objetivação ou Abstrativização do controle difuso, permitem a Administração Tributária analisar e deferir a presente imunidade, conforme os precedentes abaixo colacionados que reconheceu a referida teoria no ordenamento jurídico pátrio:
STF. Plenário. RE 955227/BA, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023 (Repercussão Geral – Tema 885) (Info 1082).
STF. Plenário. RE 949297/CE, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023(Repercussão Geral – Tema 881) (Info 1082).
Nesta senda, a declaração de inconstitucionalidade, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, também possui efeitos vinculantes e eficácia erga omnes, da mesma forma que o julgamento de uma ação de controle abstrato de constitucionalidade, aplicando os efeitos previstos no §2º, do Art. 102, da CF/88, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Portanto, se o STF, quando da análise do recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral, decidir que determinada lei é inconstitucional, a resolução do Senado prevista no art. 52, X, da CF/88, apenas dará publicidade para a decisão.
Isso significa que, mesmo antes dessa resolução do Senado ser eventualmente editada, a decisão do STF já possui efeitos vinculantes erga omnes. Houve uma mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88, para as decisões proferidas em recurso extraordinário com repercussão geral:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
No caso específico da Requerente e aplicando a teoria alhures descrita, em análise ao site do STF, encontramos a Ação Cível Originária nº 2149, pela qual foi reconhecida e declarada que a Requerente é detentora da presente imunidade recíproca, vejamos:
AGRAVO INTERNO NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ALCANCE DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CRFB/88. NATUREZA PÚBLICA DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E SANEAMENTO PRESTADOS POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL. PARTICIPAÇÃO PÚBLICA CORRESPONDENTE A 99,9996% DO CAPITAL SOCIAL. SERVIÇO PRESTADO DE MANEIRA EXCLUSIVA E NÃO CONCORRENCIAL. IRRELEVÂNCIA DO CAPITAL PRIVADO PARTICIPANTE DA COMPOSIÇÃO SOCIETÁRIA DA AUTORA. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ALCANÇA AS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CRFB/88)é extensível às empresas públicas e às sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, notadamente quando prestados com cunho essencial e exclusivo.
2. In casu, trata-se de sociedade de economia mista que executa serviço público de modo exclusivo, com capital social fechado e quase que integralmente titularizado pelo Estado do Ceará (99,9996%), sem indicação de qualquer risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, mercê da ausência de comprovação de que a COGERH concorra com outras entidades no campo de sua atuação.
3. Agravo interno a que se nega provimento. (STF - AgR ACO: 2149 DF - DISTRITO FEDERAL 9988192-79.2013.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 29/09/2017, Primeira Turma, Data de Publicação:
DJe-238 19-10-2017) (grifo nosso)
Porém, a referida imunidade somente é aplicável quando a Requerente estiver na condição de contribuinte de direito, mas não sendo aplicada na condição de responsável ou contribuinte de fato, conforme o precedente constante do RE 608872/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22 e 23/2/2017 (repercussão geral). STF. Plenário. (Info 855):
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Imunidade do art. 150, inciso VI, alínea a, CF. Entidade beneficente de assistência social. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Aquisição de insumos e produtos no mercado interno na qualidade de contribuinte de fato. Beneplácito reconhecido ao contribuinte de direito. Repercussão econômica. Irrelevância.
1. Há muito tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a imunidade tributária subjetiva se aplica a seus beneficiários na posição de contribuintes de direito, mas não na de simples contribuintes de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a discussão acerca da repercussão econômica do tributo envolvido. Precedentes.
2. Na primeira metade da década de sessenta, alguns julgados já trataram do tema, ensejando a edição da Súmula nº 468/STF. Conforme o enunciado, após a Emenda Constitucional 5, de 21/11/1961, o imposto federal do selo era devido pelo contratante não beneficiário de desoneração constitucional (contribuinte de direito) em razão de contrato firmado com a União, estado, município ou autarquia, ainda que a esses entes imunes fosse repassado o encargo financeiro do tributo por força da repercussão econômica (contribuintes de fato).
3. A Súmula nº 591, aprovada em 1976, preconiza que “a imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados”.
4. Cuidando do reconhecimento da imunidade em favor de entidade de assistência social que vendia mercadorias de sua fabricação (contribuinte de direito), admite o Tribunal a imunidade, desde que o lucro obtido seja aplicado nas atividades institucionais.
5. À luz da jurisprudência consagrada na Corte, a imunidade tributária subjetiva (no caso do art. 150, VI, da Constituição Federal, em relação aos impostos) aplica-se ao ente beneficiário na condição de contribuinte de direito, sendo irrelevante, para resolver essa questão, investigar se o tributo repercute economicamente.
6. O ente beneficiário de imunidade tributária subjetiva ocupante da posição de simples contribuinte de fato – como ocorre no presente caso –, embora possa arcar com os ônus financeiros dos impostos envolvidos nas compras de mercadorias (a exemplo do IPI e do ICMS), caso tenham sido transladados pelo vendedor contribuinte de direito, desembolsa importe que juridicamente não é tributo, mas sim preço, decorrente de uma relação contratual. A existência ou não dessa translação econômica e sua intensidade dependem de diversos fatores externos à natureza da exação, como o momento da pactuação do preço (se antes ou depois da criação ou da majoração do tributo), a elasticidade da oferta e a elasticidade da demanda, dentre outros.
7. A propósito, tal orientação alinha-se aos precedentes desta Corte no sentido de ser a imunidade tributária subjetiva constante do art. 150, VI, c, da Constituição aplicável à hipótese de importação de mercadorias pelas entidades de assistência social para uso ou consumo próprios. Essas entidades ostentam, nessa situação, a posição de contribuintes de direito, o que é suficiente para o reconhecimento do beneplácito constitucional. O fato de também serem apontadas, costumeira e concomitantemente, como contribuintes de fato é irrelevante para a análise da controvérsia. Precedentes.
8. Em relação ao caso concreto, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar não ser aplicável à recorrida a imunidade tributária constante do art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Sem condenação em honorários, nos termos da Súmula nº 512/STF. Custas ex lege. 9. Em relação ao tema nº 342 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet, fixa-se a seguinte tese:
“A imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.”
(RE 608872, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 26-09-2017 PUBLIC 27-09-2017) (grifo nosso)
Para compreendermos o alcance da diferenciação entre contribuinte de direito, contribuinte de fato e responsável tributário precisamos descrever a Teoria Geral da Relação Jurídica, que compreende o direito como um relação intersubjetiva, com alteridade, que permite a intromissão na esfera privada de outrem com fundamento no direito positivado ou em razão de um contrato, visando resolver, de forma apriorística, o conflito, onde temos dois polos antagônicos, unidos pelo liame jurídico, visando o adimplemento de uma prestação de dar, fazer, não fazer e pagar dinheiro.
No caso da relação jurídica tributária, aquele que deve ocupar o polo passivo da relação jurídica, responsável pelo adimplemento da obrigação de pagar o tributo, é chamado de contribuinte de direito, pois este tem relação direta com a situação de fato ou de direito imponível, ocorrida no universo fenomênico, que corresponde à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal, que permite o nascimento da obrigação tributária e perfaz a relação jurídica tributária.
Já o responsável tributário legal é aquele que não sendo contribuinte de direito, mas tendo uma relação indireta com a situação de fato ou de direito imponível, pode ser chamado pela norma jurídica positiva para adimplir o tributo, de forma solidária com o contribuinte de direito.
Sendo que o responsável legal pode ser chamado para adimplir no tributo quando do nascimento da obrigação tributária, na situação de responsabilidade tributária por substituição. Ou após o nascimento da obrigação tributária, na situação de responsabilidade tributária por sucessão.
Tal diferenciação está bem delineada no artigo 121, do Código Tributário Nacional, conforme abaixo colacionado, in verbis:
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Já o contribuinte de fato é uma nomenclatura situada dentro da repercussão da obrigação tributária no mundo econômico, analisando quem assume, no mundo dos fatos, o pagamento do tributo, fazendo uma análise dissociada do critério jurídico derivado da relação jurídica.
Por exemplo, nas operações com energia elétrica, o contribuinte de direito do ICMS, pelo art. 14 da Lei n.º 12.670, de 27 de dezembro de 1996, é a empresa concessionária de energia elétrica, que embora repasse este tributo para o consumidor final (que é o contribuinte de fato), é quem possui a obrigação de recolher o tributo, como sujeito passivo da obrigação tributária principal. Assim, apenas a empresa concessionária de energia elétrica pode ocupar o polo passivo da relação jurídica tributária por ser o contribuinte de direito.
Tal diferenciação tem aplicação restrita no direito tributário, sendo importante quando tratamos do direito à restituição do pagamento indevido do tributo, nos moldes delineado no caput do artigo 166, do CTN, in verbis:
Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.
Nestes termos, concatena-se que a imunidade subjetiva prevista na alínea “a” do inciso VI do § 2º do Art. 150, da CF/88, somente pode ser aplicada quando a pessoa jurídica estiver na condição de contribuinte de direito, pois, somente nesta situação a pessoa jurídica deve compor o polo passivo da relação jurídica tributária, em razão da relação direta e imediata com o fato jurídico imponível ocorrido no mundo natural dos fatos ou no mundo jurídico, ainda que este fato seja imune, em razão da não incidência constitucionalmente qualificada.
Ante o exposto, em uma visão moderna do sistema jurídico, visando evitar contradições, e em observância à Teoria da Objetivação ou Abstrativização do controle difuso, recomenda-se que
se reconheça a imunidade recíproca da Requerente, prevista na alínea “a” do inciso VI do § 2º do Art. 150, da CF/88, sendo imune do pagamento do ICMS, ITCMD e IPVA, quando estiver na condição de contribuinte de direito, não se aplicando quando estiver na condição de contribuinte de fato ou responsável tributário.
É o Parecer.
À consideração superior.
A data da publicação indicada refere-se à data em que a consulta foi incluída digitalmente no Portal da SEFAZ/CE.