Publicado no DOE - CE em 16 set 2024
ICMS. ISS. Consulta. Software. Serviços. Não incidência de ICMS. Precedente do STF. Licenciamento ou cessão de direito de uso de software. Incidência do ISS. LC 116/2003. Art. 156, III, da Constituição Federal. Art. 146, I, da Constituição Federal. Art. 102, § 2º, da Constituição Federal. Art. 28, parágrafo único, da Lei Federal n.º 9.868/1999. ADI n.º 1.945 e 5.659. RE n.º 688223/PR.
ICMS. ISS. Consulta. Software. Serviços. Não incidência de ICMS. Precedente do STF. Licenciamento ou cessão de direito de uso de software. Incidência do ISS. LC 116/2003. Art. 156, III, da Constituição Federal. Art. 146, I, da Constituição Federal. Art. 102, § 2º, da Constituição Federal. Art. 28, parágrafo único, da Lei Federal n.º 9.868/1999. ADI n.º 1.945 e 5.659. RE n.º 688223/PR.
DO RELATO
A Consulente, sociedade empresarial suso qualificada, inscrita sob o regime normal, protocolou a consulta em epígrafe. Informa que realiza operações comerciais envolvendo o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador, incluindo a mercadoria "Microsoft Office 365 Personal." Tais operações estão atualmente sujeitas ao regime de ICMS-ST conforme a legislação estadual vigente, como o Decreto nº 31.066/2012 e a Instrução Normativa nº 04/2013, devido à classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 4911.10.90.
No entanto, a Consulente questiona a incidência do ICMS sobre essas operações à luz do recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 1.915 e 5.659. Nessas decisões, o STF determinou a não incidência de ICMS sobre operações envolvendo licenciamento ou cessão de direito de uso de softwares, atribuindo a essas transações natureza diversa daquelas sujeitas ao ICMS.
Diante desse cenário, a Consulente busca esclarecimentos acerca da obrigatoriedade de recolher ICMS ou ICMS-ST nas operações específicas. Argumenta que, em função da decisão do STF, tais operações deveriam estar isentas da incidência de ICMS. Desta forma, solicita uma resposta formal da autoridade fiscal sobre a aplicação do regime tributário adequado a essas operações, visando evitar possíveis conflitos fiscais futuros.
É o relato.
DO PARECER
DA ANÁLISE JURÍDICA
O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), ou simplesmente ISS, é um tributo de competência dos municípios. Em âmbito nacional, o ISSQN é disciplinado pela Lei Complementar
(LC) nº 116/2003, que estabelece suas normas gerais. Cada município, para cobrar este imposto, deve editar uma lei ordinária municipal sobre o assunto, mas essa lei local não pode contrariar a LC 116/2003 ou prever serviços que não estejam expressamente previstos na lei federal.
O fato gerador do ISSQN é a prestação de serviços listados no anexo da LC 116/2003. Conforme o artigo 156 da Constituição Federal, compete aos municípios instituir impostos sobre "serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar". A LC 116/2003 lista taxativamente os serviços que estão sujeitos à incidência do ISSQN. Se um serviço não estiver listado, ele não é fato gerador deste imposto.
Muitas vezes, é desafiador distinguir entre uma venda de mercadoria e uma prestação de serviço. Prevendo os potenciais conflitos de competência tributária, o legislador constituinte determinou, no art. 146, I, da Constituição Federal, que tais conflitos devem ser resolvidos por lei complementar, que é o caso da LC 116/2003.
Essa lei define três tipos de operações para fins de incidência de ICMS ou ISS:
1. Operação pura de circulação de mercadorias: Esta ocorre quando há apenas a circulação de mercadorias, sem prestação de serviços, como no caso de uma loja de brinquedos. Nesses casos, incide apenas o ICMS.
2. Operação pura de prestação de serviços: Esta ocorre quando se trata unicamente da prestação de um serviço, sem fornecimento de mercadorias, como nos serviços prestados por um psicólogo. Aqui, incide apenas o ISS.
3. Operação mista: Envolve tanto a prestação de serviços quanto o fornecimento de mercadorias, como no caso de uma farmácia de manipulação. A regra é: se o serviço prestado estiver listado na LC 116/2003, incide apenas o ISS. Caso contrário, incide o ICMS.
No caso do licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador, a LC 116/2003 é explícita ao incluí-los como serviços sujeitos ao ISS, conforme o subitem 1.05 da lista anexa. Isso abrange tanto softwares padronizados quanto aqueles produzidos sob encomenda, seja a transferência realizada por download, acesso em nuvem ou qualquer outro meio. No modelo "software as a service" (SaaS), a operação também pode se enquadrar nos subitens 1.03 (processamento de dados) e 1.07 (suporte técnico).
A classificação das operações como prestação de serviços baseia-se no fato de que o software é um produto do esforço humano e da criação intelectual, como previsto na Lei nº 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programas de computador. Mesmo que haja a transferência de um bem digital, há uma complexa operação mista envolvendo obrigações de fazer, como suporte, atualização, e outras funcionalidades. Assim, a separação entre a transferência do bem digital e a prestação do serviço torna-se impraticável, justificando a incidência do ISS.
No mesmo sentido, alinha-se a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF, nos julgamentos das ADIs 5659/MG e 1945/MT, firmou o entendimento de que incide apenas o ISS, e não o ICMS, nas operações que envolvem o fornecimento de programas de computador, seja por meio de contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso. Isso vale tanto para softwares padronizados quanto para aqueles produzidos por encomenda, independentemente do meio de transferência, como "download" ou acesso em nuvem (STF. Plenário. ADI 5659/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 24/2/2021; ADI 1945/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, redatora do acórdão Min. Dias Toffoli).
A fundamentação principal dessa decisão baseia-se na classificação dessas operações como prestação de serviços. De acordo com a Lei Complementar nº 116/2003, essas operações estão listadas no subitem 1.05 da lista anexa, que engloba serviços de informática e congêneres, incluindo o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador. A decisão deixou claro que a natureza do software — padronizado ou personalizado — é irrelevante para a definição da incidência tributária. Portanto, todas essas operações são caracterizadas como serviços, tributáveis pelo ISS, e não como circulação de mercadorias sujeitas ao ICMS.
Posteriormente, no julgamento da ADI 5576/SP, o STF reforçou esse entendimento ao declarar a inconstitucionalidade da incidência de ICMS sobre o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador. A legislação do Estado de São Paulo previa a incidência do ICMS nessas operações, mas o STF, reiterando sua jurisprudência anterior, afirmou que tais operações são tributadas exclusivamente pelo ISS (STF. Plenário. ADI 5576/SP, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 2/8/2021).
Essa decisão consolidou o entendimento de que a legislação estadual que prevê a incidência de ICMS sobre operações envolvendo software é inconstitucional. Assim, operações como o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador, incluindo a mercadoria
"Microsoft Office 365 Personal", devem ser tributadas pelo ISS.
No Recurso Extraordinário (RE) 688223/PR, com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que a incidência do ISS é constitucional não apenas para softwares padronizados, mas também para aqueles desenvolvidos de forma personalizada, mesmo quando o serviço for proveniente do exterior ou sua prestação tenha se iniciado no exterior (STF. Plenário. RE 688223/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/12/2021).
O STF enfatizou que, para fins de incidência do ISS, a natureza do software (personalizado ou padronizado) e a origem do serviço são irrelevantes. A operação de licenciamento ou cessão de
direito de uso de programas de computador, por envolver a prestação de um serviço, está sujeita à tributação pelo ISS conforme previsto no subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/2003. Além disso, a decisão reconheceu a incidência do ISS sobre serviços provenientes do exterior, alinhando-se ao princípio da tributação no destino.
DA SOLUÇÃO DA CONSULTA
Diante do exposto e com base na análise da legislação vigente, bem como da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), conclui-se que as operações de licenciamento ou
cessão de direito de uso de programas de computador, como a mercadoria "Microsoft Office 365 Personal," devem ser tributadas exclusivamente pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
O STF, em julgamentos recentes das ADIs 5659, 1945, e 5576, bem como no Recurso Extraordinário (RE) 688223/PR, estabeleceu de forma clara que tais operações, sejam para softwares padronizados ou personalizados, não configuram circulação de mercadorias para fins de incidência do ICMS. Ao invés disso, são caracterizadas como prestação de serviços tributáveis pelo ISS, conforme previsto no subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/2003.
Além disso, é importante destacar o caráter vinculante dessas decisões, conforme disposto no art. 102, § 2º, da Constituição Federal, que estabelece a competência do STF para a guarda da Constituição e determina que "as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."
Adicionalmente, o Parágrafo Único do art. 28 da Lei Federal nº 9.868/1999 reforça que "a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal."
Dessa forma, as decisões do STF nas ADIs 5659, 1945, e 5576, bem como no RE 688223/PR, são de observância obrigatória para todos os órgãos da administração pública, incluindo as autoridades fiscais estaduais. Portanto, a legislação estadual que prevê a incidência do ICMS sobre operações envolvendo software, como o Decreto nº 31.066/2012 e a Instrução Normativa nº 04/2013, mencionados pela Consulente, não pode prevalecer sobre o entendimento firmado pelo STF.
Assim, a Consulente não está obrigada a recolher o ICMS ou o ICMS-ST nas operações envolvendo o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador. Estas operações devem ser submetidas à tributação pelo ISS, em conformidade com o entendimento do STF e as disposições da LC 116/2003.
Por fim, em relação ao ICMS, é importante esclarecer que não se trata de um caso de imunidade constitucional, mas sim de um fato jurídico que está fora do campo de incidência do ICMS, estando sujeito exclusivamente à tributação pelo ISS.
É o Parecer. À consideração superior.