Parecer Normativo Nº 149 DE 13/03/2024


 Publicado no DOE - ES em 13 mar 2024


ICMS – imunidade recíproca – necessidade de cumprimento de obrigações acessórias 1. A imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da constituição) impede que os entes públicos criem entre si obrigações relacionadas à cobrança de impostos relacionadas à atividade fim da autarquia federal, mas não veda a imposição de obrigações acessórias. 2. Caso se constate que a produção tenha ultrapassado os limites da atividade fim da autarquia, configurando atividade econômica disfarçada, então, incidirá o artigo 150, §3º, da constituição e não haverá que se falar em imunidade no caso concreto. 3. Mesmo sendo uma autarquia federal, a aplicação de um regime jurídico diferenciado com dispensa ou modificação da nota fiscal por uma lista de produtos necessita da concessão de regime especial de obrigações acessórias, nos termos dos artigos 531 e seguintes do RICMS/ES.


Comercio Exterior

Necessidade de cumprimento de obrigações acessórias por autarquia
federal; possibilidade de concessão de regime especial de obrigações acessórias
DISPOSITIVOS INTERPRETADOS:
1. art. 150, VI, “a”, da Constituição
2. art. 531 do RICMS-ES

1. RELATÓRIO
1.1 Versam os autos sobre o procedimento a ser adotado por autarquia federal
no caso de venda de mercadorias para fornecedor de alimentos e outros
estabelecimentos comerciais.

1.2 Compulsando os autos, verifica-se que a Consulente é o Instituto Federal
de Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (campus Santa Teresa), autarquia federal,
criada pela Lei 1.892/2008, tendo como atividade a Educação, Pesquisa e Extensão,
sem nenhuma atividade relacionada à comercialização.
1.3 De acordo com seu relato, no exercício de suas atividades, produziria
diversos alimentos (doce de leite, queijo, leite pasteurizado, leitões, bezerros, ovos,
mel, frutas, verduras, frangos, defumados e outros) que seriam considerados de alta
qualidade. Tais produtos, no passado, seriam oferecidos e consumidos no refeitório
da própria Instituição e apenas o excedente seria comercializado a preço de custo.
Tal situação teria sofrido uma mudança, haja vista a terceirização na oferta de
alimentação aos alunos, com a transferência de responsabilidade pela aquisição dos
gêneros alimentícios para a preparação das refeições para a empresa contratada.
1.4 Diante disso, a Consulente explica que haveria interesse da citada
empresa em adquirir os produtos que produz para uso no preparo das refeições,
como também de outros estabelecimentos comerciais e ainda, dos servidores do
Campus. A forma de arrecadação seria a Guia de Recolhimento da União (GRU),
dada a sua natureza jurídica.
1.5 Por fim, relatou que teria realizado uma visita a uma Agência da Receita
Estadual para obter informação no que se refere ao comércio desses produtos sem
a emissão da Nota Fiscal.
1.6 Ante o exposto, questiona se esse procedimento poderia ser adotado
também no caso de comercialização dos produtos para pessoas físicas e jurídicas
interessadas na aquisição de tais mercadorias.
É o relatório.
2. APRECIAÇÃO
2.1 Preliminarmente, constata-se que foram preenchidos os requisitos dos
artigos 842 e 845 do RICMS/ES, aprovado pelo Decreto nº 1.090-R, de 25/10/2002,
motivo pelo qual a presente consulta tem caráter consultivo.

2.2 Sobre o tema, vale dizer que a Constituição Federal, no artigo 150, VI, “a”,
veda que os entes federativos instituam impostos sobre patrimônio, renda ou
serviços uns dos outros. Complementando esse dispositivo, o §2º dispõe que essa
imunidade é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a
suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Em arremate, o §3º assevera
que essa imunidade não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços,
relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas
aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou
pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador
da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
2.3 Nesse cenário, essa regulação constitucional busca proteger o pacto
federativo, afastando a cobrança de impostos entre seus entes integrantes, o que
permite o funcionamento normal das atividades do serviço público, ao mesmo tempo
em que resguarda a ordem econômica, que deve ter a participação do Estado
apenas de forma excepcional (art. 170 da CF), sem imunidades ou outras vantagens
que desequilibrariam a livre concorrência.
2.4 No caso em tela, trata-se de uma autarquia federal que produz diversos
alimentos como consequência da sua atividade fim (educação, pesquisa e extensão)
e deseja comercializá-los, revertendo os recursos para o funcionamento normal de
suas atividades. Assim, a partir do relato da Consulente, trata-se de um caso de
imunidade de impostos, nos termos do artigo 150, VI, “a” e §1º da Constituição
Federal. Alerte-se, porém, que caso se constate que essa produção tenha
ultrapassado os limites da atividade fim da autarquia, configurando atividade
econômica disfarçada, então, incidirá o artigo 150, §3º, da Constituição e não haverá
que se falar em imunidade no caso concreto.
2.5 Destarte, considerando que a circulação dos produtos da Consulente
possui imunidade, não é necessário o recolhimento de ICMS aos cofres do Estado
do Espírito Santo, estando exonerada de cumprimento da obrigação principal.

2.6 No que diz respeito às obrigações acessórias, todavia, não existe
comando constitucional que libere as pessoas jurídicas de direito público de
cumprirem tais encargos. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal possui posição
consolidada no sentido de que a imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da Constituição) impede que os entes públicos criem uns para os outros obrigações relacionadas à cobrança de impostos, mas não veda a imposição de obrigações acessórias (ACO 1098, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2020, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-135 DIVULG 29-05-2020 PUBLIC 01-06-2020). Na legislação capixaba também não existe uma regra geral de que as entidades que gozam de imunidade estão dispensadas do cumprimento de obrigações acessórias, logo, a emissão de nota fiscal é uma obrigação a ser cumprida pela Consulente na comercialização de seus produtos.

2.7 Por isso, não é correta a informação de que bastaria que a Consulente fornecesse uma lista de entrega das mercadorias com suas especificações e valores juntamente com a GRU correspondente, para que a comparadora pudesse efetuar o registro de entrada dos produtos. Para que tal regime jurídico fosse possível, é necessário que a Consulente pleiteasse regime especial de obrigações acessórias, nos termos dos artigos 531 e seguintes do RICMS/ES, oportunidade em que seria analisada a conveniência de sua concessão. Sem isso, considerando o volume e habitualidade com que pretende realizar a circulação de mercadorias, impõem-se o cumprimento das obrigações acessórias aplicáveis às demais pessoas jurídicas, sendo avaliado no caso concreto a incidência ou não do imposto, dada a imunidade do artigo 150, VI, “a”, da Constituição.

3. CONCLUSÃO

3.1 Ante o exposto, as pessoas jurídicas que gozam da imunidade prevista no
artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal devem cumprir regularmente as obrigações acessórias previstas na legislação. Para possibilitar a dispensa do cumprimento de obrigação acessórias, especialmente a emissão de nota fiscal, o interessado deve solicitar um regime especial de obrigações acessórias junto à
Sefaz-ES, nos termos dos artigos 531 e seguintes do RICMS/ES.
É o parecer.

Encaminho ao Centro de Estudos Tributários – CET – para apreciação.

Vitória/ES, 13 de março de 2024.

(Documento assinado digitalmente)

ALLAN DIAS LACERDA

Auditor Fiscal da Receita Estadual

De acordo. Encaminhe-se à Gerência Tributária.

(Documento assinado digitalmente)

FLÁVIO VIGANOR SILVA

Presidente do Centro de Estudos Tributários

(Documento assinado digitalmente)

ALEXANDRE DE CASTRO PEREIRA

Secretário do Centro de Estudos Tributários

(Documento assinado digitalmente)

PRISCILLA CORREA GONÇALVES DE REZENDE

Membro do Centro de Estudos Tributários

(Documento assinado digitalmente)

ADAISO FERNANDES DE ALMEIDA

Membro do Centro de Estudos Tributários

Aprovo o Parecer Consultivo nº 149/2024.

Se a consulente já vem adotando o entendimento constante no mencionado parecer, que o mantenha com o fito de evidenciar conformidade com as disposições da legislação aplicável. Caso contrário, que o adote, no prazo de dez dias, contado do seu recebimento, em atendimento ao disposto no art. 849 do RICMS/ES.

Comunique a consulente. Remeta uma cópia do referido parecer à Gerência

Fiscal, com fulcro no art. 857 do RICMS/ES.

(Documento assinado digitalmente)

HUDSON DE SOUZA CARVALHO

Gerente Tributário