Consulta Nº 74 DE 25/09/2019


 


Gás Natural; Insumo x Matéria Prima; Decreto 37.598/05


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RELATÓRIO

A consulente, sediada no município do Rio de Janeiro, vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência acerca do enquadramento do gás natural como matéria prima ou insumo de fabricação, para fins de aplicação do benefício do diferimento previsto no Decreto n.º 37.598/2005, concedido a um de seus clientes. 

O processo encontra-se instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da consulente, documento 1104157, composto por cópias da ata do conselho de administração (fls. 02 e 03), da
procuração (fls. 05), e dos documentos de identidade (fls. 06 e 07). Consta também no documento 1104168 a comprovação do pagamento da TSE. A repartição de jurisdição, AFE 04 – Petróleo e Combustível, em sua manifestação, documento 04 1261687, informa a inexistência de ações fiscais e autos de infração relacionados ao objeto da consulta tributária, concluindo pela admissibilidade da consulta tributária.

A empresa inicia afirmando que é responsável pelo fornecimento de gás natural empregado no processo industrial de estabelecimento de seu cliente. E que este, por sua vez, é beneficiário de diferimento do ICMS nas operações de fornecimento interno e importação de matérias primas para utilização no processo industrial, conforme previsão do inciso I do artigo 3º do Decreto n.º 37.598/2005. Prossegue informando que, mediante comunicação do disposto no Decreto, pelo seu cliente, vem aplicando o diferimento nos fornecimentos de gás natural a ele destinados. Entretanto, constatou que a norma refere-se a “matéria prima”, e questiona, apresentando pareceres e definições variados, se o gás natural pode se revestir na condição de matéria prima no processo fabril de seu cliente, ou seria tão somente um insumo intermediário. Detalha que seu cliente produz aço, e que este é composto essencialmente por ferro e carbono, conforme norma da ABNT, podendo conter outros metais, mas que não há registro de aço contendo elementos químicos constantes dos componentes de gás natural. Conclui que o gás natural não constitui elemento formador de aço.

Por fim, consulta (sic):

“1) Está correto o entendimento da ora Consulente segundo o qual, em não sendo o gás natural classificável na presente situação como matéria-prima, e em se tratando o Decreto nº 37.598/2005 uma regra isentiva sujeita ao comando literal do inciso II, do artigo 111, do CTN 2, a CEG RIO não está sujeita à regra de diferimento prevista no artigo 3º, inciso I, do Decreto nº 37.598/2005, quando do fornecimento de gás natural as ser empregado no processo industrial do estabelecimento da XXX? ” 

Nota: omitido, deliberadamente, o nome do cliente citado na consulta tributária. 

ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, cumpre ressaltar que a competência da Superintendência de Tributação, bem como da Coordenadoria de Consultas Jurídico Tributárias abrange a interpretação da legislação tributária fluminense em tese, cabendo à verificação da
adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora. Assim como, não cabe à CCJT a verificação da veracidade dos fatos narrados, presumindo-se corretas as informações e documentos apresentados pela consulente.

Entendemos como procedente a conclusão da consulente de que o gás natural não pode ser considerado matéria prima na fabricação de aço. E como tal, seu fornecimento não pode ser objeto do benefício do diferimento do Decreto n.º 37.598/2005.
Iniciamos pelas definições de insumo e matéria prima constantes do site da Wikipedia (em 23/09/2019):

Insumo em Economia designa um bem ou serviço utilizado na produção de um outro bem ou serviço. Inclui cada um dos elementos (matérias-primas, bens intermediários, uso de equipamentos, capital, horas de trabalho etc.) necessários para produzir mercadorias ou serviços. No seu conceito mais amplo insumo é a combinação de fatores de produção, diretos (matérias-primas) e indiretos (mão-de-obra, energia, tributos), que entram na elaboração de certa quantidade de bens ou serviços. Uma definição simplificada de insumo seria: tudo aquilo que entra no processo ('input'), em contraposição ao produto ('output'), que é o que sai;

Matéria Prima é um produto natural ou semimanufaturado que deve ser submetido a um processo produtivo até tornar-se um produto acabado. As matérias-primas podem ser de origem animal, vegetal ou mineral.

Em rápida pesquisa na Internet obtivemos essas outras definições: 

- os insumos são todo e qualquer tipo de material utilizado para a produção de um determinado tipo de produto, mas que não, necessariamente, faça parte dele; 

- matéria prima: todo o material que está agregado no produto e que é empregado na sua fabricação, tornando-se parte dele. 

Podemos concluir que toda matéria prima é insumo, mas nem todo o insumo é matéria prima. A matéria prima será consumida no processo industrial, mas seus componentes farão parte do produto final, diferentemente dos demais insumos, que, ainda que consumidos no processo industrial, seus elementos formadores NÃO farão parte do produto final.

Do sítio da ANP – Agência Nacional do Petróleo na Internet, retiramos o seguinte, relativo a gás natural - http://www.anp.gov.br/producao-de-derivados-de-petroleo-e- processamento-de-gas-natutal/gas-natural:

Gás natural é uma substância composta por hidrocarbonetos que permanecem em estado gasoso nas condições atmosféricas normais. É essencialmente composto pelos hidrocarbonetos metano (CH4), com teores acima de 70%, seguida de etano (C2H6) e, em menores proporções, o propano (C3H8), usualmente com teores abaixo de 2%. 

O gás natural produzido no Brasil é predominantemente de origem associada ao petróleo e se destina a diversos mercados de consumo, sendo os principais, a geração de energia termelétrica e os segmentos industriais. Além disso, uma vez produzido, o gás natural se distribui entre diversos setores de consumo, com fins energéticos e não- energéticos: utilizado como matéria-prima nas indústrias petroquímica (plásticos, tintas, fibras sintéticas e borracha) e de fertilizantes (ureia, amônia e seus derivados), veicular, comércio, serviços, domicílios etc., nos mais variados usos. 

O Parecer Normativo citado pela consulente em sua argumentação, n.º 10/1975, apesar de ter sido emitido para disciplinar outro assunto (crédito de imposto) de ICM (imposto que não mais vigora), de fato contém as definições apresentadas pela consulente, com conclusão similar às definições acima de que matéria prima é substancia essencial na fabricação de um produto.

No processo industrial de fabricação de aço, composto essencialmente por ferro e carbono, temos que o gás natural é utilizado como fonte de calor, necessário para o aquecimento dos fornos utilizados na aciaria. O gás natural pode ser SUBSTITUÍDO por outro combustível ou fonte de energia. O gás natural não será parte do aço produzido nem terá seus componentes como integrantes do produto final. Conclui-se, portanto, que o gás natural não pode ser considerado matéria prima na indústria do aço. Têm siderúrgicas que não utilizam gás natural nos seus processos industriais, usando outras fontes de calor. 

Em termos fiscais, apesar de não diretamente relacionado ao questionamento da consulta tributária, temos que a legislação é clara ao afirmar que não se aplica o regime da substituição tributária em operações com gás natural destinadas a uso como insumo em industrialização, conforme artigo 6º do artigo 1º do Livro IV do RICMS/RJ: 

§ 6º - O regime de substituição tributária não se aplica em operações com gás natural destinado à utilização como insumo em estabelecimento industrial e à distribuição domiciliar.

Ou seja, a legislação reconhece o uso mais comum do gás natural como insumo de industrialização, ao dispensar a retenção do ICMS-ST, uma vez que será consumido no processo industrial, mas não integrará o produto final, e, obviamente, não haverá operação subsequente com o gás natural. Em suma, o gás natural não pode ser considerado matéria prima. O gás natural somente será matéria prima em alguma industrialização onde o próprio será transformado em outro produto ou parte de seus componentes integrará o produto final fabricado. O gás natural é utilizado principalmente como combustível para fornecimento de calor, geração de eletricidade e de força motriz. Seu uso como matéria prima pode se dar no setor químico, petroquímico e de fertilizantes, na fabricação de hidrocarbonetos de baixa cadeia, metanol, amônia, ureia, por exemplo.

É entendimento da SEFAZ/RJ que toda e qualquer legislação referente a benefícios fiscais deve ser interpretada de forma mais restritiva e literal possível, o que se coaduna ao disposto no artigo 111 do CTN, citado pela consulente. O Decreto n.º 37.598/2005 que beneficia o cliente da consulente, no seu artigo 3º, parcialmente abaixo reproduzido, é claro ao permitir o benefício do diferimento apenas às matérias primas, importadas ou adquiridas internamente:

Art. 3º - Fica concedido à XXX e/ou qualquer de suas subsidiárias, coligadas ou controladas:

I. Diferimento do ICMS incidente, tanto nas importações como nas entradas provenientes do Estado do Rio de Janeiro, de matérias-primas necessárias ao processo industrial, que será cobrado, englobadamente aplicando a alíquota de destino para o
momento em que ocorrer a saída dos produtos industrializados;

Nota: omitido, deliberadamente, o nome da empresa beneficiária do citado Decreto.

Temos também a expedição de outras consultas tributárias, que, apesar de teor diferente, concluem no mesmo sentido de que o gás natural é um insumo industrial, mas não é matéria prima, quando queimado para produção de calor necessário ao processo industrial. Destacamos a Consulta n.º 135/2017.

Ante o exposto, concluímos que gás natural não é matéria prima na indústria aciaria.

RESPOSTA

Respondemos que está CORRETO o entendimento da consulente. O gás natural não pode ser considerado matéria prima na indústria siderúrgica, e, portanto, seu fornecimento não pode ser beneficiado com o diferimento previsto no Decreto n.º37.598/2005. 

Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, editada norma superveniente dispondo de forma contrária.

CCJT, em 25 de setembro de 2019.