Publicado no DOE - CE em 20 set 2024
ICMS. Consulta tributária. Operação interna. Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Substituição tributária na entrada. Emissão de documentos fiscais de forma extemporânea. Autorregularização. Arts. 155, 156 e 157 do Decreto 34.605/2022. Instrução Normativa n.º 102/2022.
ICMS. Consulta tributária. Operação interna. Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Substituição tributária na entrada. Emissão de documentos fiscais de forma extemporânea. Autorregularização. Arts. 155, 156 e 157 do Decreto 34.605/2022. Instrução Normativa n.º 102/2022.
A Consulente acima qualificada, inscrita no Regime Normal de Recolhimento, possui atividade econômica principal de CNAE n.º 4639-7/01 (comércio atacadista de produtos alimentícios em geral) sujeita ao ICMS-ST do Decreto n.º 29.560/08, e formula consulta sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária, na forma do art. 161 do Decreto n.º 34.605/2022, quanto à possibilidade de
emissão de notas fiscais, de forma extemporânea, relativas a operações internas de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
Aduz que a matriz (CNPJ: 02.748.512/0001-66) realiza transferências de mercadorias para a filial (CNPJ 02.748.512/0003-28), também localizada neste estado. Ocorre que, por um problema operacional, houve a ausência de emissão da documentação fiscal pertinente a essas operações nos exercícios de 2021, 2022 e 2023.
Assim, invoca a Instrução Normativa n.º 102/2022, a fim de se autorregularizar, questionando se é necessário seguir mais algum procedimento. In verbis:
“No entendimento das CONSULENTES, não haveria qualquer prejuízo ao Estado do Ceará na utilização dessa IN para regularização dessas operações de transferência. Até porque, sequer há
imposto a ser recolhido, já que todas as mercadorias com problemas estavam sujeitas à Substituição Tributária na entrada da MATRIZ. Ora, se até quem deixou de pagar o ICMS poderia, extemporaneamente, regularizar sua situação, quanto mais o contribuinte que não tem nada a recolher.
(...)
Por esse motivo, essas CONSULENTES trazem a seguinte dúvida ser dirimida: a emissão e escrituração extemporâneas de documento fiscal de transferência entre MATRIZ e FILIAL, se feitas de acordo com os incisos do art. 2º da IN 102/2022, são o suficiente para corrigir as falhas fiscais cometidas nos exercícios de 2021, 2022 e 2023? Ou é necessário algum procedimento a mais?”
Primeiramente, esclareça-se que, para análise da presente demanda, 3 (três) aspectos serão essenciais para a conclusão deste parecer, os quais serão a seguir abordados a fim de que se obtenha a resposta ao questionamento da consulente:
1) se a consulente está submetida à sistemática de substituição tributária na entrada;
2) se as operações de transferência de mercadorias nos exercícios de 2021, 2022 e 2023 são consideradas fatos geradores do imposto;
3) se há a possibilidade de emissão dos documentos fiscais de forma extemporânea e qual o procedimento a ser seguido.
De início, a consulente alega que já recolheu o ICMS devido nas referidas transferências de mercadorias, posto que submetida à sistemática de substituição tributária na entrada. Quanto a isso, a Constituição Federal de 1988, no parágrafo 7.º do art. 150, estabelece a constitucionalidade da cobrança antecipada do tributo, conferindo ao legislador infraconstitucional a possibilidade de instituir formatos de apuração de cobrança antecipada ou substituição tributária, nos seguintes termos:
(...)
§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
(...)
Assim, a antecipação tributária pode ocorrer com “substituição” ou sem “substituição”. Na hipótese de antecipação tributária com substituição (o caso em tela), a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido (CF, art. 150, § 7.º). Assim, o substituto é o responsável pelas obrigações acessórias e pelo recolhimento do tributo relativo às operações subsequentes até o consumidor final.
Ademais, o art. 155, II, da Constituição Federal atribuiu aos Estados-membros a competência para instituir o ICMS. Com o fito de disciplinar o tributo, o Estado do Ceará editou a Lei n.º 12.670, de 27 de dezembro de 1996, atualmente substituída pela Lei n.º 18.665, de 28 de dezembro de 2023, a qual dispõe acerca da substituição tributária:
Seção V Da Substituição Tributária
Art. 34. A responsabilidade pelo pagamento do ICMS na condição de substituto tributário poderá, na forma da legislação, ser atribuída em relação ao ICMS incidente sobre uma ou mais
operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre as alíquotas interna e interestadual, nas operações e prestações
interestaduais que destinem bens e serviços a consumidor final localizado neste Estado, que seja contribuinte do ICMS.
§ 1.º O regime de substituição tributária nas operações interestaduais dependerá de Convênio ou Protocolo ICMS celebrados entre as unidades da Federação no âmbito do CONFAZ, conforme o disposto em legislação específica.
(...)
§ 4.º As mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária interna são aquelas relacionadas no
Anexo Único desta Lei.
(...)
Art. 36. Para efeito de exigência do ICMS por substituição tributária, inclui-se também como fato gerador a entrada de mercadoria no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado. (grifos nossos)
Portanto, como evidenciado acima, há previsão legal relativamente ao regime de substituição tributária do imposto sob o qual está sujeita a consulente matriz, através da submissão ao Decreto n.º 29.560/2008 e ao RET 01243/2019, conforme se verificou em consultas aos sistemas da Sefaz.
Entretanto, sugere-se que a consulente seja notificada a fim de apresentar as notas fiscais de entrada das mercadorias, a fim de que seja comprovado o recolhimento do imposto.
Vencida a verificação da alegação de que a consulente já teria recolhido o ICMS da cadeia quando da entrada (através de substituição tributária), passa-se a um pequeno apanhado acerca do debate jurídico referente às operações de transferência entre estabelecimentos do mesmo titular: tem-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou seu entendimento sobre o tema em julgado com repercussão geral no ano de 2020 (Tema nº 1.099). In verbis:
Recurso extraordinário com agravo. Direito Tributário. Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Deslocamento de mercadorias. Estabelecimentos de mesma titularidade localizados em unidades federadas distintas. Ausência de transferência de propriedade ou ato mercantil. Circulação jurídica de mercadoria. Existência de matéria constitucional e de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema.
Agravo provido para conhecer em parte do recurso extraordinário e, na parte conhecida, dar-lhe provimento de modo a conceder a segurança. Firmada a seguinte tese de repercussão geral: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia. (ARE nº 1.255.885 RG/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 14/08/2020) (grifos nossos)
Não bastasse isso, o STF, por meio da ADC n.º 49, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3.º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4.º, da Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996, por compreender que o simples deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência do ICMS.
Todavia, na Sessão Ordinária de 19 de abril de 2023, o Tribunal Pleno julgou os embargos de declaração opostos nos autos da ADC n.º 49, procedendo à modulação dos efeitos da decisão de mérito da referida ADC, nos seguintes termos:
“O Tribunal, por maioria, julgou procedentes os presentes embargos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a datade publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, (...)”. (grifos nossos)
Verifica-se, então, que o STF modulou os efeitos da decisão da ADC n.º 49, a fim de que tenha eficácia somente a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito (o que ocorreu em 19/04/2021 - Ata n.º 73/2021).
Assim, considerando que a eficácia da decisão do STF apenas surtiria efeito a partir do exercício de 2024, bem como que a Lei Complementar 204/2023 (que incluiu o parágrafo 4.º ao artigo 12 da Lei Complementar 87/1996) passou a produzir efeitos também somente em 2024 - momento este não alcançado pela presente consulta tributária -, tem-se que deve ser aplicada a regra matriz de
incidência tributária relativa aos momentos dos fatos geradores do imposto que, segundo a consulente, teriam ocorrido nos exercícios de 2021, 2022 e 2023.
Por fim, quanto à possibilidade de emissão de documentos fiscais de forma extemporânea, o Decreto n.º 34.605/2022 dispõe:
Seção IV - Da autorregularização decorrente da não emissão de documentos fiscais
Art. 155. Salvo o disposto na legislação, o contribuinte que não tenha recolhido ICMS devido em operação ou prestação na qual tenha deixado de emitir documento fiscal, tenha emitido documento fiscal com dados inexatos ou da qual tenha resultado omissão de receita poderá regularizar-se de forma espontânea, antes do início de ação fiscal, pagando o imposto devido, de forma atualizada e com acréscimos moratórios, devendo adotar os procedimentos de escrituração da EFD e de cumprimento de outras obrigações acessórias previstos em ato normativo expedido pelo Secretário da Fazenda.
(...)
Art. 156. A denúncia espontânea de que trata o art. 155 não dispensa a aplicação da multa autônoma decorrente da não emissão de documento fiscal, permitindo-se, excepcionalmente, a autorregularização de seu pagamento, hipótese em que conceder-se-á desconto correspondente a 70% (setenta por cento) sobre o seu valor, desde que observado o seguinte:
I – o pagamento do valor da multa reduzida será efetuado por meio de Documento de Arrecadação Estadual (DAE), sem a lavratura de auto de infração;
II – o documento que formalizar a cientificação de que trata o inciso I discriminará o artigo relativo à infração cometida e o valor a ser pago pelo contribuinte a título de autorregularização;
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se inclusive:
I – quando inexistir débito do imposto devido a título de obrigação principal;
II – às infrações da mesma natureza cometidas pelas empresas optantes pelo Simples Nacional, conforme ato normativo expedido pelo Secretário da Fazenda.
Art. 157. O contribuinte deverá formalizar a denúncia do cometimento da infração por meio de processo específico, ao qual se aplicarão, no que couber, as disposições previstas na Seção III deste Capítulo, observado o seguinte:
I – será emitida informação fiscal especificando:
a) os procedimentos a serem adotados pelo contribuinte no sentido de regularizar a escrituração de sua EFD, observado o disposto no ato normativo a que se refere o caput do art. 155;
b) os pagamentos, inclusive do valor relativo à multa a que se refere o art. 156, que deverão ser efetuados pelo contribuinte a título de autorregularização, quando for o caso;
II – no prazo de até 10 (dez) dias contado da data em que tomar ciência da solicitação do servidor fazendário determinando a adoção de providências para se regularizar, o contribuinte deverá providenciar, conforme o caso:
a) o pagamento do ICMS devido, bem como do valor da multa de que trata o art. 156;
b) a adoção dos procedimentos de escrituração a que se refere a alínea “a” do inciso I do caput deste artigo;
III – caso o contribuinte deixe de observar o disposto nesta Seção, perderá o direito à autorregularização e ao desconto especificado no art. 156, devendo a autorregularização ser declarada ineficaz;
(...)
Parágrafo único. A autorregularização do contribuinte, após a conclusão do processo, deverá ser discriminada no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrência (RUDFTO), inclusive com a especificação dos DAEs utilizados para o pagamento de eventuais créditos tributários, quando existentes. (grifos nossos)
Feita a verificação de que não há ação fiscal sobre a consulente acerca do objeto desta consulta, nem se trata de empresa optante do Simples Nacional, orienta-se que o contribuinte deve protocolar processo específico de denúncia espontânea perante esta Sefaz, obedecendo os procedimentos previstos na Seção III do Capítulo II do Decreto n.º 34.605/2022 (no que couber), recolher o valor da multa autônoma e adotar as diretrizes da Instrução Normativa n.º 102/2022 para regularizar sua EFD e emitir os documentos fiscais nela especificados. Por fim, ao término do processo, deverá discriminar a sua conclusão no livro RUDFTO, conforme parágrafo único do art. 157 do Decreto n.º 34.605/2022.
Diante do exposto, sugere-se ao contribuinte que siga o seguinte procedimento:
1) Apresente as notas fiscais de entrada das mercadorias, de forma a comprovar o recolhimento do imposto de acordo com a sistemática de substituição tributária prevista no Decreto n.º 29.560/2008, no prazo de 10 (dez) dias;
2) Protocole processo específico de denúncia espontânea perante esta Sefaz, obedecendo os procedimentos previstos na Seção III do Capítulo II do Decreto n.º 34.605/2022 (no que couber);
3) Recolha o valor da multa autônoma;
4) Adote as diretrizes da Instrução Normativa n.º 102/2022 para regularizar sua EFD e emitir os documentos fiscais nela especificados;
5) Por fim, ao término do processo, deverá discriminar a conclusão do processo no livro RUDFTO, conforme parágrafo único do art. 157 do Decreto n.º 34.605/2022.
São estas as informações que este órgão tem a prestar, sugerindo-se, ainda, a remessa do presente Parecer ao Núcleo Setorial de Alimentos para ciência e acompanhamento. À consideração superior.
A data da publicação indicada refere-se à data em que a consulta foi incluída digitalmente no Portal SEFAZ/CE.