Publicado no DOE - CE em 1 jul 2024
ICMS. Consulta tributária. Operações internas. Sucata. Operação realizada entre estabelecimentos industriais. Inaplicabilidade do diferimento do imposto. Conceito de estabelecimento industrial previsto no regulamento. Irrelevância de processo industrial aplicado sobre a sucata ou resíduo pelo estabelecimento industrial remetente. Sujeição ao regime normal de tributação. Subitens 13.4 e 13.6 do anexo II do decreto n.º 33.327/2019; art. 6.º, inciso I, do decreto n.º 35.061/2022; e art. 4.º do decreto federal n.º 7.212/2010.
ICMS. Consulta tributária. Operações internas. Sucata. Operação realizada entre estabelecimentos industriais. Inaplicabilidade do diferimento do imposto. Conceito de estabelecimento industrial previsto no regulamento. Irrelevância de processo industrial aplicado sobre a sucata ou resíduo pelo estabelecimento industrial remetente. Sujeição ao regime normal de tributação. Subitens 13.4 e 13.6 do anexo II do decreto n.º 33.327/2019; art. 6.º, inciso I, do decreto n.º 35.061/2022; e art. 4.º do decreto federal n.º 7.212/2010.
O contribuinte acima identificado, inscrito no Cadastro Geral da Fazenda sob o Regime de Recolhimento Normal, CNAE Fiscal n.º 1122401 (Fabricação de refrigerantes), realiza consulta fiscal relativa aos fatos descritos a seguir.
A consulente atua na fabricação de refrigerantes e também realiza a venda de sucatas e resíduos de plástico. Afirma que as vendas de sucatas e resíduos são destinadas a indústrias situadas no estado do Ceará para a fabricação de resina reciclada.
Sustenta que não realiza qualquer processo industrial sobre sucatas e resíduos, mas apenas concentra a maior parte da sucata originada de outros estabelecimentos, próprios e de terceiros, para remessa à indústria de resina plástica.
A dúvida da requerente reside na aplicabilidade do diferimento nas saídas realizadas de sucatas e resíduos para a indústria de resina plástica, considerando o conteúdo do art. 649 do Decreto n.º 24.569, de 31 de julho de 1997, a partir do qual requer posicionamento do Fisco Estadual quanto à escorreita interpretação a ser conferida ao dispositivo.
O comprovante de pagamento da taxa de que trata o subitem 1.5, do Anexo IV, da Lei n.º 15.838/2015, foi devidamente acostado aos autos, cujo recolhimento foi verificado em consulta aos sistemas internos desta Secretaria.
Informa a consulente que não se encontra sob ação fiscal com relação à matéria objeto da consulta, que não está intimada a cumprir obrigação relativa ao objeto da consulta e que o fato exposto na consulta não foi objeto de decisão anterior.
A consulta foi subscrita por sócia integrante do quadro societário da empresa à época da
formulação do requerimento (sócio XXX - CPF: XXX), excluído do cadastro estadual da empresa
em XXX).
É o relato.
A formalização de consulta à legislação tributária visa conferir segurança jurídica ao contribuinte acerca da adequada aplicação normativa a um fato determinado. Sendo assim, a análise versada pressupõe correspondência entre a narrativa exposta e a realidade, não se prestando a consulta tributária a aferir a factibilidade das operações descritas pela consulente.
Ademais, a consulente não especificou os tipos de sucatas e resíduos que comercializa e, dessa forma, a resposta à consulta não se detém na análise sobre a espécie de sucata e o respectivo enquadramento na norma de diferimento. Parte-se da premissa de que as sucatas remetidas pela consulente à indústria de resina plástica encontram-se sujeitas ao diferimento do imposto, não se aplicando o entendimento deste parecer no caso da consulente vir a comercializar sucatas e resíduos excetuados à aplicação da norma de diferimento.
O objeto da presente consulta consiste na delimitação do alcance do instituto do diferimento do ICMS nas operações internas com sucatas e resíduos praticadas por estabelecimentos industriais fabricantes de produtos não derivados de sucatas ou resíduos. Assim, a controvérsia firma-se em torno do conteúdo do art. 649 do Decreto n.º 24.569/1997, revogado tacitamente pelo subitem 13.6 do Anexo II do Decreto n.º 33.327, de 30 de outubro de 2019.
Preliminarmente, deve-se observar que o diferimento do ICMS constitui um mecanismo de suspensão do recolhimento desse tributo em determinada fase da cadeia produtiva ou comercial. Essa técnica tributária visa postergar a exigência do imposto para uma etapa posterior do ciclo econômico, usualmente para o momento em que o produto atinge uma fase mais avançada de comercialização, seja na industrialização, distribuição ou venda ao consumidor final.
O instituto do diferimento busca, fundamentalmente, simplificar o processo de arrecadação e reduzir o custo financeiro das operações para os contribuintes, evitando o pagamento antecipado do imposto em diversas etapas. Além disso, permite o fomento a determinados setores econômicos ou a dinamização de fluxos comerciais específicos, conforme as políticas fiscais adotadas pelos Estados.
A legislação de cada unidade federativa estabelece as hipóteses de diferimento, os requisitos e os procedimentos a serem observados pelos contribuintes. Deste modo, o diferimento não implica na exclusão do crédito tributário, mas apenas na sua transferência para um momento futuro, conforme previsto em norma específica.
O ordenamento jurídico cearense disciplina o diferimento do ICMS nas operações com sucatas e resíduos no item 13 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019, norma da qual destacam-se os seguintes trechos:
Art. 10. O imposto será diferido nas hipóteses relacionadas no Anexo II deste Decreto.
(...)
ANEXO II DO DECRETO N.º 33.327/2019
DO DIFERIMENTO
(...)
13.0 Sucatas de metais, de papel, de papelão, de tecido, de borracha, de vidro e congêneres, realizadas por qualquer estabelecimento, para a operação resultante de sua industrialização, exceto quando se tratar de sucatas de cabos de alumínio ou cobre abaixo especificadas:
(...)
13.4 Ressalvado o disposto no item 13.6, nas operações efetuadas entre quaisquer estabelecimentos, o pagamento do imposto fica diferido para a operação de saída da mercadoria do estabelecimento industrial.
(...)
13.6 Fica sujeita à sistemática normal de tributação a operação interna realizada entre estabelecimentos industriais, bem como aquela promovida por qualquer estabelecimento que destine a mercadoria a consumidor final. (grifos acrescidos)
A norma vazada nos dispositivos supra permite concluir que a sucata será tributada sem postergação do recolhimento do imposto em três situações distintas:
(i) quando a saída de sucata ou resíduo for praticada por estabelecimento industrial;
(ii) quando a saída de sucata ou resíduo for realizada por qualquer estabelecimento que destine a mercadoria a consumidor ou usuário final;
(iii) quando for realizada operação interestadual com sucata e resíduo por qualquer estabelecimento.
Pugna a consulente para que o estabelecimento industrial a que alude o subitem 13.6 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019 seja considerado como o industrial atuante diretamente na fabricação de produtos derivados de sucata, ainda que não sejam o produto final a ser comercializado, mas na condição de produto intermediário. Como exemplo, a interessada indica a hipótese de operação interna de remessa de sucata entre dois estabelecimentos industriais, o primeiro fabricante apenas de resina de plástico e o segundo produtor de garrafas plásticas.
No entanto, a argumentação da consulente não deve prosperar, na medida em que a norma posta não deve receber interpretação restritiva a ponto de postergar o pagamento de tributo ao estado do Ceará quando não foi assim definido pelo legislador.
O uso da expressão “estabelecimento industrial” deve resguardar correlação com a definição plasmada no regulamento para esse tipo de pessoa jurídica. Destaca-se, pois, o art. 6.º do Decreto n.º 35.061, de 21 de dezembro de 2022, que traz a seguinte definição para industrial:
Art. 6.º Para fins de inscrição no CGF, considera-se:
I - industrial: a pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que executa as operações listadas no art. 4.º do Decreto Federal n.º 7.212, de 15 de junho de 2010 (Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI), assim definidas:
a) transformação: a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova;
b) beneficiamento: a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto;
c) montagem: a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal;
d) acondicionamento ou reacondicionamento: a que importe em alterar a apresentação do produto pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria; ou
e) renovação ou recondicionamento: a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização.
Destarte, enquadra-se como estabelecimento industrial a empresa que atua na transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou renovação de produtos, conforme regulamentação federal prevista no art. 4.º do Decreto Federal n.º 7.212, de 15 de junho de 2010 e reproduzida no art. 6.º do Decreto n.º 35.061/2022.
O subitem 13.6 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019, por conseguinte, alude ao estabelecimento industrial em sentido amplo, conforme a definição estipulada no artigo supramencionado. Não se pode restringir tal conceito unicamente aos industriais fabricantes de produtos intermediários provenientes de sucatas ou resíduos, visto que o legislador não se valeu dessa delimitação específica. Ao contrário, optou pela inaplicabilidade do diferimento nas operações realizadas entre estabelecimentos industriais.
Acrescente-se também o comando do subitem 13.4 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019, que destaca o diferimento do imposto para o momento da saída da mercadoria do estabelecimento industrial nas operações efetuadas entre quaisquer estabelecimentos, salvo na hipótese de operações entre industriais, sujeitas ao regime normal de tributação.
A lógica adotada pela consulente, portanto, não encontra respaldo na norma expressa, uma vez que o diferimento sequer deve ser aplicado nas operações com sucatas e resíduos entre estabelecimentos industriais, assim como o diferimento encerra-se na saída da mercadoria do estabelecimento industrial. No caso de um produto intermediário, como resina plástica, remetido pelo fabricante para outro industrial, vislumbra-se precisamente o encerramento do diferimento conforme previsto no subitem 13.4 do Anexo II do Decreto n.º 33.327/2019. Na operação entre industriais a que se refere o subitem 13.6, por sua vez, a mercadoria remetida é a própria sucata ou resíduo.
Dessume-se que o diferimento do imposto não se aplica na hipótese em que tanto remetente quanto destinatário são considerados como estabelecimentos industriais, independentemente do fornecedor efetuar ou não qualquer transformação ou beneficiamento sobre a sucata ou o resíduo.
Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas pertinentes à consulta. A resposta à Consulta Tributária aproveita à consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações posteriores da legislação tributária.
É o Parecer, s.m.j.