Consulta Nº 77 DE 22/08/2018


 


Remessa de óleo por empréstimo entre co-concessionárias em campos de exploração de petróleo como operações com fins específicos para exportação. Recurso – Provimento parcial


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RELATÓRIO

A consulente, sediada no município do Rio de Janeiro, acima identificada, vem solicitar esclarecimentos desta Superintendência acerca da possibilidade de caracterizar as operações de remessa de óleo cru, para empréstimo, entre co-concessionárias (consorciadas) em campos de exploração de petróleo, como remessas com fins específicos para exportação, considerando que a mercadoria será exportada, e que a quantidade emprestada será posteriormente devolvida.

O processo encontra-se instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa (arquivos do Ato Constitutivo e da Procuração). A documentação referente ao pagamento da TSE está no arquivo denominado Documento DARJ. Entretanto, o DARJ e o DIP anexados não correspondem ao CNPJ da consulente, nem consta pagamento para o código de barra ali consignado. Em pesquisa ao sistema de arrecadação, constatou-se a existência de DARJ e DIP associados à consulente, com data de pagamento de 20/07/2018, e valor de acordo com TSE devida para consultas tributárias. Anexamos ao presente, a reimpressão desse DARJ, comprovando a vinculação com a consulente (arquivo Comprovante DARJ PAGO).

O processo foi formalizado no DAC, e encaminhado à AFE 04 – Petróleo e Combustíveis, de jurisdição da consulente, que informou, no Despacho de Encaminhamento de Processos SEFAZ/AFE 04 0018453, a inexistência de ação fiscal e de autos de infração pendentes de decisão relacionados ao objeto da consulta tributária.

A empresa inicia sua explanação informando que exerce, dentre outras, as atividades de exploração, produção, venda e exportação de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, e que detém, junto a uma co-concessionária, os direitos sobre a propriedade da produção de petróleo e gás natural da área de concessão denominada Campo de Peregrino. Prossegue afirmando que ambas as empresas consorciadas são exportadoras de óleo, e têm como prática comercial, o empréstimo não oneroso de óleo entre elas, para acobertar eventuais flutuações de estoques individuais disponíveis para assegurar cumprimento de contratos de exportação e para evitar atrasos no carregamento dos navios do transporte para o exterior.

Prossegue, explanando a situação, como abaixo reproduzido (sic):
"Sendo assim, as referidas operações consistem no empréstimo não oneroso de óleo entre as Consorciadas com fim específico de exportação. Desse modo, uma empresa da saída de um volume de óleo para que a outra cumpra seus compromissos contratuais e exporte a carga no tempo determinado contratualmente. Em um momento seguinte a empresa que recebeu o óleo a título de empréstimo remete para a empresa que realizou o empréstimo o mesmo volume de óleo (será devolvida mesma quantidade óleo de mesma qualidade daquele emprestado) a fim de liquidar o contrato de empréstimo, sendo certo que este também será objeto de exportação."

Em seguida, a consulente afirma que estas operações seriam enquadradas no conceito de mútuo, ou empréstimo gratuito, de acordo com o Código Civil, e que quando ela é quem empresta o óleo à sua consorciada a operação seria uma exportação indireta, e menciona o CFOP 5.501 - saídas de produtos industrializados pelo estabelecimento, remetidos com fim específico de exportação à "trading company", empresa comercial exportadora ou outro estabelecimento do remetente. Entende que a operação de empréstimo é com fim específico de exportação pois a consorciada irá exportar o volume emprestado, e cita o CFOP 7.501 - exportação de mercadorias recebidas anteriormente com fim específico de exportação (cuja entrada seria com o CFOP 1.501 ou 2.501). Em sequência, cita a não incidência de imposto na exportação conforme disposto no Inciso II do artigo 47 do RICMS/RJ (a consulente não cita, mas trata-se do Livro I), e que entende que suas operações de empréstimos seriam saídas com fim específico de exportação (equiparadas à exportações), e sem incidência do ICMS.

Cita ainda:

- o artigo 3º do RIMCS/RJ (novamente sem mencionar o Livro I), do fato gerador do imposto nas saídas a qualquer título do estabelecimento do contribuinte, concluindo que suas operações de empréstimos estão no campo de incidência do ICMS;

- os Inciso X  e XII do parágrafo 2º do artigo 155 da Constituição Federal, da imunidade sobre as operações de exportação;

- o artigo 3º e seu parágrafo único da Lei Complementar n.º 87/1996, da equiparação das saídas com fim específico de exportação às exportações, para efeitos da não incidência do imposto.

Segue afirmando que considera a si mesma e a sua consorciada como empresas comerciais exportadoras, citando o Convênio ICMS n.º 84/2009, que fixaria um entendimento para empresa comercial exportadora como sendo aquelas que realizam operações mercantis de exportação, inscritas no Cadastro (registro) de Exportadores do Importadores - REI da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Esclarece que ela e sua consorciada estão inscritas no REI e possuem registro na Secretaria da Receita Federal para operar no SISCOMEX, concluindo que seriam de fato empresas comerciais exportadoras. Anexa documentos que comprovariam que realizam operações de exportação, arquivo Documento 0015780.

Por fim consulta (sic):

"Está correta a interpretação da Consulente quanto à qualificação da operação de remessa a título de empréstimo ou para liquidação de empréstimo, ambas com fim específico de exportação, como “saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior”, sendo, portanto, tais operações abarcadas pela não incidência do ICMS, desde que satisfeitos os demais requisitos legais impostos pela legislação?"

2.              ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, o artigo 3º da Lei n.º 2.657/1996 define que é fato gerador do imposto a saída, a qualquer título, de mercadoria do estabelecimento do contribuinte. Definição idêntica encontra-se no artigo 3º do Livro I do RICMS/RJ. O fato da saída ser em decorrência de empréstimo (oneroso ou não) é irrelevante para descaracterizar a ocorrência do fato gerador do imposto.

Ainda que a consulente e sua consorciada possuam uma relação de co-concessionárias em campo produtor de óleo, são independentes e com interesses estratégicos que podem divergir, e, portanto, a remetente da operação de empréstimo não tem como garantir que a tomadora do empréstimo irá de fato destinar a mercadoria para a exportação.  O mercado de O&G é muito dinâmico, com flutuação diária nos preços internacionais do barril, e sensível a vários fatores externos e internos. Ainda que os empréstimos sejam não onerosos, o valor da mercadoria provavelmente varia diariamente.

A consulente, assim como, sua consorciada, não podem ser consideradas "trading company" ou empresas comerciais exportadoras, mesmo praticando operações de exportação com habitualidade. As empresas comerciais exportadoras são aquelas que realizam e efetivam as exportações para outras empresas, em seu nome ou no nome dessas empresas.

Elas, em geral, não são produtoras ou exploradoras ou extratoras, seu negócio é viabilizar a exportação para outras empresas, em termos logísticos, principalmente. No sítio na Internet do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, consta que as Empresas Comerciais Exportadoras - ECE são conhecidas como trading companies quando possuem o Certificado de Registro Especial e são regulamentadas pelo Decreto-Lei n.º 1.248/1972. Caso não possuam o Certificado são constituídas e reguladas pelo Código Civil. Em termos de benefícios fiscais federais não há distinção entre os tipos de ECE.

Reproduzimos abaixo partes do que consta no sítio na Internet do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (link: http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/empresa-comercial-exportadora-trading-company):

"Para obter o Certificado de Registro Especial, a Empresa Comercial Exportadora (ECE) deve atender alguns requisitos, como ser constituída na forma de sociedade por ações (S.A.) e possuir capital social mínimo, etc. Já a ECE que não se enquadra nas exigências do Decreto Lei nº 1.248, de 1972, pode ser constituída sob qualquer forma e não precisa ter capital mínimo. Rege-se, pois, pelo Código Civil Brasileiro. Porém, para ser caracterizada como ECE, dever ter o fim comercial em seu objeto social, realizar operações de comércio exterior, estar habilitada na Receita Federal (RFB) para operar no SISCOMEX (Instrução Normativa RFB nº 1.288, de 31 de agosto de 2012) e estar inscrita no Registro de Importadores e Exportadores da SECEX/MDIC (Portaria SECEX nº 23/2011, art. 8º).

Apesar de não haver menção na legislação brasileira da expressão “trading company”,usualmente esse termo é encontrado relacionado à Empresa Comercial Exportadora (ECE) possuidora do Certificado de Registro Especial. A RFB também acata esse entendimento, por meio da Solução de Consulta nº 56, de 16 de junho de 2011, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de 17 de junho de 2011: ​“A trading company é a empresa comercial exportadora constituída sob a forma de sociedade por ações, dentre outros requisitos mínimos previstos no Decreto-Lei nº 1.248/72.”

Atualmente, as empresas que desejam atuar como empresas comerciais exportadoras devem estar habilitadas no registro especial na Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) e na Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), de acordo com as normas aprovadas pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e da Fazenda (MF), respectivamente, além de outros requisitos. Trata-se de exigência contida no art. 229 do Regulamento Aduaneiro Brasileiro (Decreto nº 6.759, de 2009), que reproduz exigência prevista no Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, que possui status de Lei ordinária."

Ao final dessa página, o Ministério disponibiliza para download planilha com a relação das empresas comerciais exportadoras habilitadas. Não constam dessa relação a consulente nem sua consorciada.

Reproduzimos abaixo partes do Decreto-Lei 1.248/1972, relevantes para a consulta tributária, onde fica claro que a extensão do benefício da não incidência nas exportações para as ECE ocorre apenas para as COMPRAS com fim específico de exportação, respeitadas as condições ali previstas:

Art.1º - As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno, quando realizadas por empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-Lei.

Parágrafo único. Consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para:

a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora;

b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento.

Art.2º - O disposto no artigo anterior aplica-se às empresas comerciais exportadoras que satisfizerem os seguintes requisitos mínimos:

I - Registro especial na Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S/A. (CACEX) e na Secretaria da Receita Federal, de acordo com as normas aprovadas pelo Ministro da Fazenda;

II - Constituição sob forma de sociedade por ações, devendo ser nominativas as ações com direito a voto;

III - Capital mínimo fixado pelo Conselho Monetário Nacional

...

Art.5º - Os impostos que forem devidos bem como os benefícios fiscais, de qualquer natureza, auferidos pelo produtor-vendedor, acrescidos de juros de mora e correção monetária, passarão a ser de responsabilidade da empresa comercial exportadora nos casos de:

a) não se efetivar a exportação após decorrido o prazo de um ano a contar da data do depósito;

b) revenda das mercadorias no mercado interno;

c) destruição das mercadorias.

Ou seja, as ECE adquirem mercadorias produzidas por outras empresas com finalidade de exportar.

Reproduzimos, abaixo, as características das tradings, constante de texto de outro link do sítio do Ministério do Desenvolvimento:

http://www.mdic.gov.br/balanca/metodologia/TRADING.txt

"As operações efetuadas por "tradings" caracterizam-se, principalmente, por:
- Exportação  de produtos de diferentes fornecedores de forma consolidada;
- Necessidade de menor capital de giro, devido às operações casadas;
- Melhor atendimento aos clientes, por oferecer variada gama de produtos;
- Redução dos custos operacionais;
- Estoques que permitam regularidade de fornecimento;
- Atuação em diversos mercados."

A consulente e sua consorciada não se enquadram nessas características.

O arquivo Documento 0015780, anexado pela consulente, é apenas um extrato de um registro de exportação, que comprova, no máximo, que a consulente está autorizada a operar pelo SISCOMEX. Não comprova que a consulente consta do Registro de Exportadores e Importadores da SECEX. Enfatizamos que para ser considerada como ECE do tipo trading company é necessário o CERTIFICADO DE REGISTRO ESPECIAL, documento não apresentado pela consulente. Atualmente, a Portaria SECEX n.º 23/2011 disciplina as normas para a obtenção do Certificado, nos seus artigos 247 a 253. Ainda que a consulente tenha ou venha a ter tal certificado, consideramos que as operações de empréstimos relatadas não podem ser consideradas como remessas com fim específico de exportação.

É fato incontestável que as remessas com fins específicos para exportação estão alcançadas pelo benefício da não incidência concedido às exportações diretas. Entretanto, os empréstimos relatados não se enquadram como remessa para fins específicos de exportação.

Ante o exposto, a consulente não pode ser considerada como empresa comercial exportadora, assim como, as operações de "empréstimo" citadas devem ser consideradas como operações internas, sujeitas ao ICMS. Os respectivos documentos fiscais devem ser emitidos com destaque de ICMS. No retorno, a "tomadora do empréstimo" deverá emitir documento fiscal também com destaque do imposto.

Entendemos que o valor da mercadoria deve acompanhar a variação do preço internacional do produto. A base de cálculo deve a ser aquela prevista no inciso I do artigo 4.º da Lei n.º 2.657/1996, e na sua falta, deve ser observado o disposto no inciso I do artigo 7.º da mesma Lei:
 

Art. 4º - A base de cálculo, reduzida em 90% (noventa por cento) se incidente o imposto sobre as prestações de serviços de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros executados mediante concessão, permissão e autorização do Estado do Rio de Janeiro, inclusive os de turismo, é:

I - no caso dos incisos I, XIII e XIV do artigo 3º, o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;

...

Art. 7º - Na falta de valor a que se refere o inciso I do artigo 4º, ressalvado o disposto nos artigos 8º e 9º, a base de cálculo é:

I - o preço corrente da mercadoria, ou de sua similar, no mercado atacadista do local da operação, ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia;

3 - RESPOSTA

Não está correto o entendimento da consulente. As operações de remessa a título de empréstimo e as de retorno para liquidação não podem ser consideradas como com fim específico de exportação para fins de não incidência do ICMS. Devem ser consideradas como internas e normalmente tributadas. A base de cálculo do imposto deve observar o disposto no inciso I do artigo 4.º e no inciso I do artigo 7.º da Lei n.º 2.657/1996.

CCJT, em 22/08/2018