Consulta Nº 33 DE 09/05/2019


 


Carne Tributação No Comércio Varejista.


Conheça a Consultoria Tributária

Senhora Coordenadora da CCJT,

I – RELATÓRIO

A empresa consulente vem solicitar o entendimento desta Superintendência de Tributação acerca da tributação de carne no comércio varejista.

A consulente afirma possuir “atividade de serviços combinados de escritório e apoio administrativo, estando na representação de diversas empresas varejistas”(sic).

Em seu excerto inicial, a consulente alega que a revogação da isenção prevista no artigo 2° do Decreto n° 32.161/02 pelo Decreto n° 46.543/18 resultou na aplicação da alíquota efetiva de 7% no comércio varejista, enquanto que anteriormente as mercadorias constantes da cesta básica usufruíam de isenção na venda pelo varejo.

A consulente expõe possuir dúvidas acerca da correta tributação de “carne in natura, salgada, temperada ou processada”, alegando possuir os benefícios previstos na Lei n° 4.177/03 e no Decreto n° 44.495/14 e que o Estado tem o “desígnio de embaraçar determinado benefício descrito por essas Leis”(sic).

Assevera, também, a consulente que algumas empresas possuem decisões favoráveis no Poder Judiciário, que permitem usufruir do benefício previsto no artigo 6° da Lei n° 4177/03 (isenção no varejo), tanto por parte dessas empresas quanto por parte de seus clientes. E que os demais varejistas poderiam se beneficiar da aludida isenção por conta do “princípio da legitimidade”.

Por fim, a consulente solicita “a merecida explicação dos peritos tributários, a enigmática elucidação, com interesse de expor entendimento e segurança. [...] Diante do fato apresentado acima, fica no aguardo de uma conclusão, a fim de elucidar a todos os envolvidos, qual adequada utilização dos fundamentos exibidos devem ser aplicados e assegurando a legitimidade da Lei. Proporcionando um termo técnico de auditores fiscais deste órgão fiscal, dando-lhe a confiança de estar dentro das normas legais”(sic).

O processo encontra-se instruído com cópias reprográficas relativas à habilitação do signatário da petição inicial (fls. 9/14), bem como com DARJ referente ao recolhimento da taxa de serviços Estaduais (fl. 28/29).

II – ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, destacamos que o objetivo das soluções de consulta tributária é esclarecer questões objetivas formuladas pelos consulentes acerca da interpretação de dispositivos específicos da legislação tributária no âmbito da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, presumindo-se corretas as informações apresentadas pelos consulentes, sem questionar sua exatidão.  As soluções de consulta não convalidam informações, interpretações, ações ou omissões aduzidas na consulta.

Além disso, ressalte-se o disposto no Capítulo VI do Decreto n° 2.473/79, em especial no artigo 150, segundo o qual a consulta sobre matéria tributária é facultada: I - ao sujeito passivo da obrigação; II - às entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais; ou III - aos órgãos da administração pública em geral; e a consulente retro qualificada não se enquadra em nenhum dos referidos incisos, por exercer atividade de “serviços combinados de escritório e apoio administrativo”, como descreve na inicial, também conhecido como “consultoria”.

Neste sentido, os questionamentos apresentados serão respondidos somente para orientar a consulente acerca da correta interpretação dos dispositivos da legislação tributária estadual, não produzindo os efeitos próprios do instituto denominado Consulta Tributária, isto é, não se aplicam ao caso em tela os artigos 162 a 164 do Decreto n° 2.473/791.

A respeito da alegação do contribuinte, à fl. 4, de que o Estado tem o “desígnio de embaraçar determinado benefício descrito por essas Leis”(sic), cumpre esclarecer que as interpretações exaradas por esta Superintendência de Tributação possuem fulcro no disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional2 e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)3, segundo os quais a interpretação de isenções e benefícios fiscais deve ser feita de forma literal4 e restritiva5, conforme se constata do seguinte trecho da ementa  do REsp 1212976 RS:

3. As normas instituidoras de isenção, nos termos do art. 111 do CTN, por preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina a interpretação restritiva em decorrência de sua natureza. (grifo nosso)

Relativamente à argumentação de que “algumas empresas possuem decisões favoráveis no Poder Judiciário, que permitem usufruir do benefício previsto no artigo 6° da Lei n° 4177/03 (isenção no varejo), tanto por parte dessas empresas quanto por parte de seus clientes. E que os demais varejistas poderiam se beneficiar da aludida isenção por conta do “princípio da legitimidade””, cumpre esclarecer que não se encontra no âmbito de competências desta Superintendência de Tributação analisar questões acerca de eventual cumprimento de decisão judicial, nos termos do disposto no artigo 82 e seguintes da Resolução SEFAZ n° 89/17. Ademais, as referidas questões devem ser discutidas no âmbito do Poder Judiciário e, se for o caso, da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE), que detém competência para analisar questões que envolvam cumprimento de decisão judicial, conforme disposto no artigo 160 da mencionada Resolução SEFAZ n° 89/17.

Superados estes pontos, a dúvida central a ser sanada se refere à correta tributação de “carne in natura, salgada, temperada ou processada”.

Adentrando-se neste questionamento, cumpre destacar que o tratamento tributário de que trata o caput e o § 1º do artigo 6º da Lei n° 4177/03 é aplicável apenas às operações realizadas pelos contribuintes cuja atividade corresponda à mencionada no referido artigo 6º, tendo em vista que o benefício não é autoaplicável, dependendo, ainda, de que o produto possua as características referidas no mesmo dispositivo e que esteja de acordo com a regulamentação fixada por meio do art. 1º do Decreto nº 44.495/14, o qual dispõe:

Art. 1º Para efeito de aplicação do disposto no artigo 6º da Lei nº 4.177/2003, considera-se:

I - carne processada, qualquer produto derivado de carne, desde que produzido artesanalmente por pequeno produtor rural, mediante utilização de mão-de-obra essencialmente familiar;

II - estabelecimento de processamento de carnes, a propriedade rural em que o contribuinte resida e nela exerça atividades de agroindústria familiar, e

III - mercadorias para efeito da isenção concedida no § 1º do artigo 6º da Lei nº 4177/03, as que se enquadrem na definição estabelecida pelos incisos I e II deste artigo.

Portanto, a isenção prevista no § 1º do artigo 6º da Lei nº 4177/2003 somente se aplica à mercadoria produzida "artesanalmente por pequeno produtor rural, mediante utilização de mão-de-obra essencialmente familiar" e, na hipótese de processamento do bem, que o mesmo ocorra em "propriedade rural na qual o contribuinte resida e nela exerça atividades de agroindústria familiar".

O estabelecimento atacadista e/ou varejista somente fará jus à isenção em relação ao produto cárneo produzido artesanalmente por pequeno produtor rural, mediante utilização de mão-de-obra essencialmente familiar.

Nos demais casos, aplica-se a alíquota de 20%, ressalvada a hipótese de produto enquadrado na cesta básica e, ainda, nas situações enquadradas no tratamento tributário de que trata o artigo 2º do citado Decreto nº 44945/14.

Relativamente ao ICMS incidente nas operações com as mercadorias que compõem a cesta básica, conforme dispõe o Decreto nº 32161/02, esclarecemos que somente as carnes em estado natural, resfriado ou congelado estão incluídas na cesta básica, nos termos do item 7 do Anexo Único do Decreto nº 32161/02, sendo a base de cálculo reduzida de forma que resulte em carga tributária equivalente a 7% (sete por cento) nas operações internas até o consumidor final, de acordo com o art. 1º do mencionado decreto.

Desta forma, as carnes industrializadas, temperadas, salgadas, processadas, pré-cozidas ou preparadas, não estão incluídas na cesta básica e são normalmente tributadas à alíquota de 20%, de acordo com o artigo 14 da Lei n.º 2657/96, nas operações internas, já incluído do adicional relativo ao Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP), instituído pela Lei n.º 4056/02, regulamentada pelo Decreto n.º 45607/16, ressalvadas as situações enquadradas no tratamento tributário de que trata o artigo 2º do citado Decreto nº 44945/14.

Por sua vez, o artigo 2º, do Decreto n.º 44945/14 criou um tratamento tributário especial para produtos cárneos não enquadrados no disposto no artigo 1º deste mesmo decreto, observadas as condições nele estabelecidas. Vejamos:

Art. 2º Fica criado um tratamento tributário especial para produtos cárneos não enquadrados no disposto no artigo 1º deste Decreto, com os seguintes benefícios:

I - nas operações de saída interna com animais vivos ou abatidos, inteiros ou em cortes, em estado natural, salgado, resfriado, congelado, temperado, processado ou preparado, realizadas por pecuarista, estabelecimento destinado ao abate de animais em geral ou de processamento e/ou industrialização de carnes: bovina, bubalina, suína, caprina, ovina, avícola e outras e organismos aquícolas em geral, de produção nacional, para os contribuintes localizados no Estado do Rio de Janeiro, cujo produto da atividade de produção ou processamento e/ou industrialização, seja resultante da atividade exercida em território fluminense, fica concedida redução de 100% (cem por cento) na base de cálculo de ICMS;

II - nas operações de saída interna realizadas por estabelecimentos, localizados no Estado do Rio de janeiro, que processem e/ou industrializem produtos cárneos oriundas de outras unidades da federação, observada a exigência de produção nacional, fica concedida redução de 100% (cem por cento) na base de cálculo de ICMS;

III - nas operações de saída de unidades de abate e entrepostos de derivados, com processamento de desossa e fracionamento de carcaças e meias carcaças de bovinos, bubalinos, equídeos, ovinos, caprinos e suínos, fica outorgado um crédito de ICMS equivalente ao produto da alíquota vigente de destino da mercadoria pela base de cálculo da respectiva saída;

IV - nas operações de saída interna de mercadorias realizadas por fábricas de produtos não comestíveis que manipulam matérias-primas e resíduos de origem animal, estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro, desde que o processamento destas mercadorias seja efetivamente realizado em território fluminense, fica concedida redução de 100% (cem por cento) na base de cálculo de ICMS;

V - nas operações de saída interestadual por venda ou transferência de produtos cárneos realizadas por estabelecimentos localizados no Estado do Rio de Janeiro e que tenham sido por estes processados e/ou industrializados, fica outorgado um crédito de ICMS equivalente ao produto da alíquota interestadual da mercadoria pela base de cálculo da respectiva saída;

VI - aos estabelecimentos atacadistas e de distribuição, localizados no Estado do Rio de Janeiro, cuja empresa possua ou pertença a grupo econômico que detenha planta industrial de processamento de produtos cárneos em efetiva operação em território fluminense, ou que se enquadre na hipótese do §2º deste artigo, fica outorgado um crédito de ICMS de forma que a incidência do imposto nas operações de saída por transferência ou por venda resulte em uma alíquota efetiva de 4,5 (quatro e meio por cento)

§ 1º Para os efeitos do tratamento tributário especial de que trata este artigo, entende-se como produto cárneo processado ou preparado, todo aquele em que as suas propriedades originais tenham sido modificadas através de tratamento físico, químico ou biológico, ou ainda através da combinação destes métodos.

§ 2º Na hipótese do estabelecimento atacadista e de distribuição pertencer a grupo econômico que não possua planta industrial de produtos cárneos no território fluminense, estes poderão ser enquadrados mediante compromisso de implantação de uma planta industrial em que fique estabelecido o prazo para operação, valor do investimento e empregos diretos a serem contratados na produção.

§ 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o estabelecimento atacadista e de distribuição para se enquadrar no tratamento tributário especial de que trata este Decreto, deverá apresentar o pleito à Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro- CODIN, através do preenchimento de Carta Consulta, de acordo com modelo por esta fornecido.

§ 4º O pleito referido no § 3º deste artigo será analisado pela CODIN e posteriormente submetido à Comissão Permanente de Políticas para o Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro - CPPDE, instituída pelo Decreto nº 34.784, de 5 de fevereiro de 2004, para deliberação.

§ 5º Na hipótese de deliberação favorável pela CPPDE, o contribuinte de que trata o § 2º deste artigo deverá firmar Termo de Acordo com a Secretaria de Estado de Fazenda e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Energia e Serviços, podendo utilizar o tratamento tributário especial a partir do 1º dia do mês subsequente ao da assinatura.”

§ 6º Para utilização dos créditos outorgados por este artigo, o contribuinte deverá estornar todos os créditos de operações anteriores.

§ 7º O valor do crédito outorgado a que se refere o inciso VI do caput será o resultado da diferença entre o valor do ICMS destacado na nota fiscal de venda ou transferência e o resultante da aplicação do percentual de 3% (três por cento) sobre o valor da referida nota fiscal.

Art. 3º No percentual mencionado no inciso VI do art. 2º, considera-se incluída a parcela de 2% (dois por cento), destinada FECP.

Parágrafo Único - No caso de extinção do FECP, permanecerá o percentual de 3% (três por cento).

Art. 4º Não terão direito aos benefícios deste Decreto, as saídas de produtos cárneos realizadas por atacadistas e distribuidores não enquadrados no inciso VI do caput ou no § 2º, ambos do artigo 2º, assim como as saídas realizadas por varejistas.
(grifo nosso)

A partir da leitura do dispositivo retro, depreende-se que o benefício fiscal previsto no artigo 2º do Decreto n.º 44945/14 não contempla a saída de estabelecimento atacadista (central de abastecimento ou distribuição) ou varejista – exceto na hipótese prevista no inciso VI do referido artigo 2°6 –, tendo em vista que os incisos do mencionado artigo 2° somente abarcam os estabelecimentos nele mencionados, conforme se verifica, de forma cristalina, no texto da norma em epígrafe.

III – RESPOSTA

Considerando o exposto:

(1) o tratamento tributário de que trata o caput e o § 1º do artigo 6º da Lei n° 4177/03 é aplicável apenas às operações realizadas pelos contribuintes cuja atividade corresponda à mencionada no referido artigo 6º, tendo em vista que o benefício não é autoaplicável, dependendo, ainda, de que o produto possua as características referidas no mesmo dispositivo e que esteja de acordo com a regulamentação fixada por meio do art. 1º do Decreto nº 44.495/14, isto é, somente se aplica à mercadoria produzida "artesanalmente por pequeno produtor rural, mediante utilização de mão-de-obra essencialmente familiar" e, na hipótese de processamento do bem, que o mesmo ocorra em "propriedade rural na qual o contribuinte resida e nela exerça atividades de agroindústria familiar";

(2) somente as carnes em estado natural, resfriado ou congelado estão incluídas na cesta básica, nos termos do item 7 do Anexo Único do Decreto nº 32161/02, sendo a base de cálculo reduzida de forma que resulte em carga tributária equivalente a 7% (sete por cento) nas operações internas até o consumidor final, de acordo com o art. 1º do mencionado decreto. Desta forma, as carnes industrializadas, temperadas, salgadas, processadas, pré-cozidas ou preparadas, não estão incluídas na cesta básica e são normalmente tributadas à alíquota de 20%, de acordo com o artigo 14 da Lei n.º 2657/96, nas operações internas, já incluído do adicional relativo ao Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP), instituído pela Lei n.º 4056/02, regulamentada pelo Decreto n.º 45607/16, ressalvadas as situações enquadradas no tratamento tributário de que trata o artigo 2º do citado Decreto nº 44945/14;

(3) o tratamento tributário especial previsto no artigo 2º do Decreto n.º 44945/14 somente se aplica para produtos cárneos não enquadrados no disposto no artigo 1º deste mesmo decreto, observadas as condições nele estabelecidas;

(4) nos demais casos, aplica-se a alíquota de 20%, ou seja, ressalvada a hipótese de produto enquadrado na cesta básica e, ainda, nas situações enquadradas no tratamento tributário de que trata o artigo 2º do citado Decreto nº 44945/14.

Repise-se que, pelo fato de a consulente não se enquadrar no disposto no artigo 150 do Decreto n° 2.473/79, a presente resposta somente possui cunho orientativo, não produzindo os efeitos próprios do instituto denominado Consulta Tributária, isto é, não se aplicam ao caso em tela os artigos 162 a 164 do Decreto n° 2.473/79.

Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.

CCJT, em 9 de maio de 2019.