Conserto – Reparo. Bens e mercadorias de terceiros. Frete. Serviço de transporte de cargas. Não-cumulatividade. Bem do ativo.
Em sua petição inicial (fls. 03 a 14), devidamente assinada (fls. 15 a 17 e 21 a 39) e acompanhada do recolhimento da taxa de serviços estaduais (fls. 18 a 20), a consulente efetua questionamento sobre a possibilidade de eventual crédito de prestações de serviços de transportes por ela tomadas relativamente a bens de terceiros consertados e peças empregadas.
A consulente informa ser “uma das empresas que compõe o setor aeronáutico do País, e possui oficina especializada cuja atividade econômica é a prestação de serviços de manutenção, reparou e/ou revisão de motores e turbinas de aeronaves, suas partes, peças e acessórios, com fornecimento de mercadorias”. “Seus principais clientes são empresas aéreas do país e do exterior, sendo assim, diferentes proprietários de aeronaves, não estabelecidos com o comércio de tais produtos. No desempenho de suas atividades, a consulente importa do exterior bens de terceiros para serem submetidos a prestação de serviços supracitados (fl. 4)”.
Segundo a consulente, “estes bens são ingressados no País sob o Regime Aduaneiro Especial de Admissão Temporária, na forma da Instrução Normativa RFB nº 1.600, de 14 de dezembro de 2015, e do Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (Recof), na forma da Instrução Normativa RFB nº 1.291, de 19 de setembro de 2012. A operação no seu âmbito federal é realizada com Suspensão Total do Pagamento dos Tributos Federais, recepcionada no seu âmbito Estadual pelo artigo 13 do Livro XI do Decreto nº 27.427/00 – RICMS/RJ e da Resolução SEFAZ 78/07, respectivamente” (Grifei).
Informa que “contrata transportadoras para prestação dos serviços de transportes para movimentação dos bens de terceiros, quer seja no seu recebimento, quer seja, no seu retorno ao proprietário”, atividade que “representa a maior parcela dos custos logísticos suportados pela empresa”. Enfim, registra que “o custo do transporte na cadeia logística do Porto/Aeroporto encarece significativamente por força do grande volume de carga transportada, quer seja dos bens de terceiros para reparos, quer seja das mercadorias importadas com cobertura cambial (partes e peças adquiridas para o estoque de revenda – aplicação em serviços”.
“Desta forma, a consulente aplica a logística de transporte, contratando um único serviço de transporte (bens de terceiros e partes e peças da consulente) para transportar o maior número de mercadorias com o mínimo custo e menor tempo possível até o seu estabelecimento, onde realizará as operações desenvolvidas de prestação de serviços de manutenção, reparo e/ou revisão de motores e/ou turbinas de aeronaves”(fl. 5).
Informa ainda que há “necessidade de distribuir determinadas atividades entre as suas filiais” e os custos com o transporte, entre filiais e matriz, de suas mercadorias e dos bens de terceiros são arcados pela consulente, ocasião em que é emitido um único conhecimento de transporte (fls. 5 a 7).
Realizada esta introdução sobre a atividade desempenhada, faz prolongada exposição sobre a não-cumulatividade prevista no § 2º do artigo 155 da Constituição Federal (CF/88), bem como artigos 20 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) e 32 e seguintes da Lei nº 2.657/1996 (fls. 7 a 11).
A consulente informa ainda que “não reconhece os créditos do ICMS em relação à contratação de serviços de transportes nas operações com circulação de bens de terceiros recebidos para reparos e nem nas operações com circulação de mercadorias de sua propriedade”, porém, “analisando-se as disposições Constitucional e Estadual do crédito do ICMS, a partir do princípio da não cumulatividade, chega-se à conclusão de que a regra geral será a de que o contribuinte poderá creditar-se do imposto relativo a mercadoria utilizada na comercialização ou empregada no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização, ou ainda na prestação de serviço sujeita ao Imposto Estadual, estendendo-se o direito ao crédito aos Serviços de Transporte ou de Comunicação tomados, relacionados com essas mesmas mercadorias” (grifo presente no documento original (fl. 11)).
Manifesta seu entendimento de que “é irrelevante para a caracterização do direito ao crédito o fato de se o Serviço de Transporte foi realizado para transportar peças pertencentes a Terceiros ou” da consulente, “importa sim, que haja imposto pago na operação, que o documento emitido esteja de acordo com a legislação aplicável e a operação subsequente seja tributada ou, não o sendo, haja previsão para manutenção do crédito do imposto”.
Assim, “entende que os serviços de transportes contratados para as entradas de mercadorias de sua propriedade e de terceiros, relacionadas a sua atividade fim, dão direito ao crédito do ICMS” (fl. 12).
Por fim, efetua os seguintes questionamentos:
(1) “Diante de todo o exposto no decorrer da presente consulta, a consulente indaga se o seu entendimento relativo ao crédito do ICMS sobre o valor total do conhecimento de transportes está correto?”.
(2) “Como a consulente pode vir a viabilizar o creditamento do ICMS, pago nas operações em exame?”.
Registre-se que a autoridade fiscal da AFE 05 informou que “contra a requerente existem autos de infração pendentes de decisão, porém não relacionados ao objeto da consulta jurídico-tributária, e, ainda, que a requerente não se encontrava sob ação fiscal na data da formulação da consulta” (fl. 42).
Observe-se que o presente parecer se restringe aos questionamentos realizados à fl. 12, e integralmente reproduzidos acima, em que pese a menção, por parte da consulente, a aspectos não relacionados diretamente à dúvida trazida aos autos.
Apesar da longa petição inicial (fls. 3 a 12), a consulente apenas tangencia aspectos relevantes e necessários a fim de esta Coordenadoria precisar as muitas nuances e peculiaridades envolvidas no presente caso concreto1, o qual, a meu ver, traz tema de considerável complexidade2. Por tal motivo, tenta-se, antes de tudo, delimitar o presente fato particular.
A consulente informa ter como clientes “empresas aéreas do país e do exterior, sendo assim, diferentes proprietários de aeronaves, não estabelecidos com o comércio de tais produtos” (fl. 04). Imagina-se que tais clientes utilizem, grosso modo, as aeronaves como (1) ativo, na hipótese de contribuinte com atividade sujeita ao ICMS, ou (2) uso e consumo.
Menciona também que “a operação no seu âmbito federal é realizada com Suspensão Total dos Pagamentos dos Tributos Federais, recepcionada no seu âmbito Estadual pelo Artigo 13, do Livro XI, do Decreto 27.427/00 – RICMS/RJ, e da Resolução SEFAZ 78/07, respectivamente” (fl. 04).
A tímida e passageira menção à Resolução nº 78/07, que “disciplina o Regime Aduaneiro Especial de Entreposto Industrial Aeronáutico sob controle informatizado do Estado do Rio de Janeiro (RECOF Aeronáutico RJ) instituído pelo Decreto nº 37.888/2005”, enseja, a meu sentir, leitura mais atenta.
Breve análise da referida Resolução, especialmente artigos 24 e seguintes, indica a existência de tratamento tributário que confere diferimento na entrada de determinadas mercadorias e, quando de suas saídas destinadas à exportação e reexportação, o encerramento “do regime especial de diferimento, sem a exigência do imposto”. Diferimento, em tese, pressupõe tributação na etapa posterior, o que aparentemente não ocorre no presente caso.
A consulente, s.m.j., incorre em equívoco ao invocar a não-cumulatividade dentro de moldura tributária (fruto do tratamento existente) excepcional. Os benefícios fiscais, como se tem conhecimento, a partir da geração de operações não tributadas, desvirtuam a lógica do imposto e sua adoção traz inevitáveis consequências. Se a entrada e a saída da mercadoria empregada no reparo não são sujeitas ao imposto, e portanto não conferem crédito, tampouco o transporte relativa àquela mercadoria o permitirá. E a conclusão não se limita a isto, senão vejamos.
A não-cumulatividade tem como função atuar no cálculo do quantum debeatur por meio de mecanismo que admite abatimentos ou compensações no valor do tributo devido, buscando-se, de certa forma, gravar a riqueza agregada pelo contribuinte ao bem ou serviço, em que pese a forma adotada no Brasil, via incidência sobre o valor total da operação e apuração imposto-contra-imposto. Alcança seus fins quando aplicada aos tributos plurifásicos e supõe-se, assim, que o imposto será suportado pelo consumidor final3.
Em operações normais com mercadorias, a não-cumulatividade apresenta mais nitidamente sua faceta, porém em aquisições de ativos permanentes também já encontra disciplina normativa e aplicação sólidas.
No peculiar caso trazido pela consulente, são mencionados, grosso modo, três “espécies” de prestações de serviços de transportes, relativamente às seguintes operações: (1) aquisição da peça a ser empregada no reparo;
(2) remessa do ativo a ser reparado e (3) retorno do ativo reparado (com a conseguinte absorção da peça empregada).
O diferimento conferido na entrada de determinadas mercadorias e o encerramento do regime sem a exigência do imposto diferido fazem com que não haja efetiva atividade sujeita ao imposto e afastam a possibilidade de crédito do ICMS relativo ao frete respectivo, mas não é só isso.
Mesmo ausente o referido benefício fiscal, entendo, numa primeira leitura, e de forma geral, inviável o crédito, pela consulente, do frete relativo à (1) entrada do bem a ser reparado, bem como, à (2) saída do referido bem já reparado. Os tratamentos aplicáveis, p.ex., à “lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto” ou ao “recondicionamento de motores” são extremamente particulares, tanto é que o legislador determinou a incidência do ISS e, somente em relação às peças e partes empregadas, do ICMS4.
Em regra, o aproveitamento de crédito do frete está relacionado com a possibilidade de crédito da mercadoria ou bem transportado na prestação5, mas também com outras circunstâncias relacionadas à característica da operação, no caso em questão: conserto de bem.
A possibilidade ou não de crédito do frete relativo à remessa do bem para conserto já foi enfrentada em questionamento recebido através do sítio desta SEFAZ (por meio do denominado “fale conosco”), oportunidade em que se assentou que “caso se trate de frete relativo a conserto de ativo fixo, não há direito a crédito, por se tratar de aquisição de serviço para uso do estabelecimento”6.
Eventual creditamento do frete relativo ao retorno do bem reparado, no que tange à parcela referente à peça empregada7, exigiria, s.m.j., avaliar, p.ex., se: (1) o proprietário do bem é contribuinte do ICMS8; (2) o bem é empregado em atividade-fim dele9; (3) o bem ainda é produtivo; (4) as operações posteriores com o referido bem são tributadas pelo ICMS; (5) a peça utilizada no reparo é integrante do bem ou de reposição10; (6) a peça danificada foi baixada11.
Note-se que não assiste razão ao proprietário do bem lançar crédito do imposto relativo ao frete da remessa do bem para conserto e, na hipótese do retorno do referido bem, existem requisitos e condições, em total sintonia, a meu ver, com o pensamento predominante atualmente em relação ao crédito físico12.
Lembre-se ainda que, s.m.j., o bem encaminhado para reparo não é considerado insumo ou ativo da consulente, fato que deixa ainda mais clara a impossibilidade de a mesma se creditar do imposto pago nos fretes de remessa e retorno do bem a ser consertado. Diferente conclusão, porém, é alcançada em relação à peça comercializada e, consequentemente, empregada no conserto (e o conseguinte frete relativo à sua aquisição), se ocorrida, obviamente, tributação normal.
Em resumo, a não-cumulatividade do ICMS não é irrestrita13. Em uma operação sujeita à tributação normal, quando do emprego de peça14 no reparo, não me parece, caso observadas as demais disposições normativas, haver impedimento ao eventual crédito do frete (ou parcela deste) relativo à aquisição da peça, entretanto, no que tange aos serviços de transportes relativos aos bens de terceiros (remessa para conserto e conseguinte retorno) não identifico base legal ou mesmo viabilidade para o crédito dos referidos fretes pela consulente, tendo em vista os requisitos e condições necessários para operacionalizá-lo.
Diante do exposto, entendo que a consulente está agindo em conformidade com a legislação tributária, ao não reconhecer os créditos de ICMS dos serviços de transportes relativos (1) à aquisição da peça a ser empregada no reparo; (2) à remessa do ativo a ser reparado e (3) ao retorno do ativo reparado. Em outras palavras, diante das informações trazidas pela consulente, não cabe o crédito dos referidos fretes.
Esta consulta não produzirá os efeitos que lhe são próprios caso seja editada norma superveniente que disponha de forma contrária à presente resposta dada ou ocorra mudança de entendimento por parte da Administração Tributária.
CCJT, Rio de Janeiro, 03 de maio de 2018