Imunidade tributária recíproca. Aquisição de energia elétrica no âmbito da contratação livre – ACL. Sociedade de Economia Mista.
RELATÓRIO
Trata-se de processo administrativo que versava, inicialmente, sobre (i) concessão de inscrição especial e (ii) reconhecimento de imunidade tributária recíproca diante de aquisição de energia elétrica no âmbito da contratação livre (ACL), conforme minuta de ofício index n° 74773344.
A partir do despacho index n° 82410818, foi sugerido à peticionante "entrar com um procedimento de consulta junto à SUT, seguindo-se o que prevê o ato normativo próprio".
Após a formalização do pedido de Consulta Tributária formulado pela consulente (despacho index n° 86664583), seguindo o comando do Capítulo VI do Decreto n° 2.473/79 e do artigo 4° da Resolução SEFAZ n° 644/2024 [1], o presente processo foi encaminhado à AFR 64.12 e à AFE 03 para as verificações cabíveis (despachos index n° 86975107 e 87321583).As análises previstas no inciso II do artigo 4° da Resolução SEFAZ n° 644/2024 foram realizadas pela AFE 03 (index n° 89300016), em 12/12/2024, a qual informou que (i) “verificou-se que não há ação fiscal junto ao consulente e não há autuação por matéria relacionada ao objeto da consulta” e (ii) “não se constatou nenhuma outra tramitação de processo administrativo junto à AFE03 ref. consulta sobre imunidade tributária recíproca da empresa.”
O comprovante de pagamento da Taxa de Serviços Estaduais Fazendários encontra-se no index n° 86666259.
2. ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
A consulente, em seu pedido de Consulta Tributária, despacho index n° 86664583, informou, em síntese, que:
i) É uma sociedade de economia mista, prestadora de serviço público essencial de saneamento básico, em caráter de exclusividade, criada pelo Decreto-Lei Estadual nº 39/1975, sendo 99,9996% do seu capital social pertencente ao Estado do Rio de Janeiro.
ii) Em fevereiro de 2024, a Consulente ingressou no ambiente de contratação livre de energia elétrica (ACL), e no Estado do Rio de Janeiro esse adquirente de energia elétrica foi alçado à condição de contribuinte de direito do ICMS, devendo recolher diretamente o tributo.
iii) Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Cível Originária – ACO n° 2.757/RJ (index n° 86668672) foi reconhecida a imunidade tributária recíproca para a consulente, prevista no artigo 150, inciso VI, alínea a, da Constituição da República.
Por fim, a consulente apresenta o seguinte pedido:
1) Diante do exposto, aguarda-se o pronunciamento do setor técnico competente quanto à análise da presente Consulta Tributária, formulada, nos termos supra, no intuito de que seja esclarecido, em âmbito estadual, se, à Consulente, aplica-se a imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea a, da Constituição da República, nos termos da decisão proferida na ACO nº 2.757/RJ, transitada em julgado em 19 de junho de 2018.
[1] Art. 4º No pedido de consulta sobre matéria tributária, compete:
I – à unidade de cadastro a que estiver vinculado o sujeito passivo da obrigação ou, quando solicitado por entidades representativas de categorias econômicas ou profissionais ou por órgãos da administração pública em geral, à unidade de cadastro de circunscrição do seu domicílio, a recepção e verificação documental consoante os artigos 151 e 152 do Decreto nº 2.473/79;
II – à unidade de fiscalização competente, a instrução do processo com as informações exigidas no art. 3º da Resolução nº 109/76, bem como proceder as providências exigidas nos artigos 154 e 161 do Decreto nº 2.473/79 após decisão proferida pelo órgão integrante da Superintendência de Tributação.
Preliminarmente, cumpre ressaltar que, conforme disposto no Regimento Interno da SEFAZ-RJ, aprovado pela Resolução SEFAZ nº 414/2022, a competência da Superintendência de Tributação, bem como da Coordenadoria de Consultas Jurídico- Tributárias (CCJT), abrange a interpretação da legislação tributária fluminense em tese, cabendo a verificação da adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora. Também não cabe à CCJT a verificação da veracidade dos fatos narrados, presumindo-se corretas as informações e documentos apresentados pela consulente, assim como as informações e verificações de competência da autoridade fiscal.
Nos termos do artigo 39 da Resolução SEFAZ n° 414/2022, não compete à Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias se manifestar acerca de decisões judiciais, mas tão somente sobre a legislação tributária vigente. Também, de modo geral, não cabe a este órgão consultivo decidir em caso concreto acerca de pedido de reconhecimento de imunidade, não incidência, isenção e suspensão de tributo estadual (exceto nas hipóteses expressamente previstas em legislação específica, como determinado no inciso V do artigo 39 [1] da Resolução SEFAZ n° 414/2 ).
Assim, não há atribuição normativa para que este órgão de Consultoria Jurídico- Tributária determine ação ou decisão administrativa por parte de autoridade fiscal ou órgão ao qual a legislação tributária tenha atribuído competência para a prática de ato
administrativo. Deste modo, a manifestação da CCJT não tem o condão de afastar as responsabilidades das autoridades revestidas das atribuições legais para emissão de vontade (vinculada à lei), tampouco atrair para si a competência atribuída a outros órgãos.
Dito isso, passemos a discorrer sobre o objeto tratado neste instrumento.
De acordo com o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil [2] (CFRB/88) , para a Administração Pública vige o princípio da legalidade, ou seja, os atos administrativos praticados por seus órgãos devem respeitar estritamente os limites estabelecidos pela lei e ser fundamentados em normas legais preexistentes.
De modo mais restrito, o processo administrativo-tributário, conjunto de atos necessários à solução, na instância administrativa, de questões relativas à aplicação ou interpretação da legislação tributária, é do tipo plenamente vinculado, conforme artigo 3º
doCódigo Tributário Nacional (CTN, Lei n° 5.172/66)[3]. Portanto, a autoridade fiscal deve seguir estritamente o que a norma estabelece, sem possibilidade de avaliação subjetiva ou juízo de conveniência e oportunidade.
Dessa forma, é necessário verificar a literalidade dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que tratam sobre a imunidade tributária recíproca, que devem nortear os atos da administração tributária, abaixo reproduzidos:
Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88)
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)
§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº 5.172/1966).
Art. 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
(...)
Art. 12. O disposto na alínea a do inciso IV do art. 9º, observado o disposto nos seus §§ 1º e 2º, é extensivo às autarquias criadas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, tão-somente no que se refere ao patrimônio, à renda ou aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais, ou delas decorrentes.
Código Tributário Estadual (CTE, Decreto-Lei n° 05 /75).
Art. 3º. Os Impostos Estaduais não incidem sobre:
I - o patrimônio, a renda ou os serviços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
§ 1º O disposto no inciso I, deste artigo, é extensivo às autarquias, no que se refere ao patrimônio ou aos serviços, ambos vinculados às finalidades essenciais ou delas decorrentes.
§ 3º O disposto neste artigo não exclui a atribuição, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter, e não as dispensa da prática de atos previstos neste Código, assecuratórios do cumprimento de obrigaçõestributárias por terceiros.
Analisando os dispositivos normativos supramencionados, é possível identificar que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros. Trata-se de uma imunidade subjetiva e taxativa, pois é concedida aos entes políticos e às autarquias e fundações, de acordo com suas características específicas ou natureza jurídica.
De acordo com o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº 5.172/1966)[4], a legislação tributária que disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário ou outorga de isenção deve ser interpretada literalmente. Dessa forma, não há
previsão expressa na CRFB/88, no CTN (Lei nº 5.172/1966) ou no CTE (Decreto-Lei n° 05/75) sobre imunidade tributária recíproca destinada a sociedades de economia mista. Ela somente é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público e à empresa pública prestadora de serviço postal, nos termos do §2º do inciso VI do artigo 150 da CFRB/88.
A Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias (CCJT), como instância administrativa que é, não possui função jurisdicional e, portanto, não é o foro competente para decidir sobre ampliação de imunidades tributárias constitucionais, de modo a estendê-las a outras pessoas além daquelas mencionadas taxativamente na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais vigentes. Se assim o fizesse, estaria usurpando competência privativa do Poder Judiciário.
De qualquer forma, esta Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias tem se manifestado reiteradamente no sentido de que, pela regra geral, a imunidade tributária recíproca, em relação aos tributos estaduais, alcança somente o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITD) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que são impostos incidentes sobre o patrimônio.
Portanto, a imunidade tributária recíproca não alcança o ICMS, que é um imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Deste modo, em operações de aquisição de energia elétrica em ambiente de contratação livre, o adquirente é responsável pelo pagamento do imposto, conforme comando do inciso II, do artigo 3°-A, do Livro II, do Regulamento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro (Decreto nº 27.427/2000)[5], devendo cumprir as obrigações tributárias previstas no Capítulo IV, do Anexo XV, da Parte II, da Resolução SEFAZ n° 720/2014.
[1] Resolução SEFAZ n° 414/22. Art. 39. Compete à Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias: (...)
V - instruir e decidir processo referente a reconhecimento de imunidade, não incidência, isenção e suspensão de tributo estadual, nas hipóteses previstas expressamente em legislação específica;
[2] CRFB/88. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[3] CTN. Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
[4] CTN, Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
[5] RICMS-RJ/00, Livro II. Art. 3-A. Fica atribuída a responsabilidade pelo pagamento do imposto incidente nas sucessivas operações internas e interestaduais com energia elétrica destinada a este Estado, desde a importação ou produção até a última operação da qual decorra a saída com destino a estabelecimento ou domicílio onde deva ser consumida por destinatário que a tenha adquirido mediante contrato de compra e venda firmado em ambiente de contratação livre, na condição de sujeito passivo por substituição tributária:
(...)
II - ao destinatário que, estando conectado diretamente à rede básica de transmissão, promova a entrada de energia elétrica no seu estabelecimento ou domicílio para fins de consumo próprio.
3. RESPOSTA
Diante do exposto, aguarda-se o pronunciamento do setor técnico competente quanto à análise da presente Consulta Tributária, formulada, nos termos supra, no intuito de que seja esclarecido, em âmbito estadual, se, à Consulente, aplica-se a imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea a, da Constituição da República, nos termos da decisão proferida na ACO nº 2.757/RJ, transitada em julgado em 19 de junho de 2018.
Preliminarmente, a Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias (CCJT), como instância administrativa que é, não possui função jurisdicional e, portanto, não é o foro competente para decidir sobre ampliação de imunidades tributárias constitucionais, de modo a estendê-las a outras pessoas além daquelas mencionadas taxativamente na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais vigentes.
Ainda, de acordo com o inciso V do artigo 39 do Regimento Interno da SEFAZ/RJ (Resolução SEFAZ nº 414/2022), não é atribuição desta CCJT instruir e decidir processo referente a reconhecimento de imunidade em caso concreto (exceto em hipóteses
expressamente previstas em legislação específica, situação que não ocorre no caso em apreço), sendo competência das Auditorias Fiscais Especializadas e Regionais, conforme disposto no art. 30-A do Regimento Interno[1].O princípio da legalidade, estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal, determina que os atos administrativos devem respeitar estritamente os limites estabelecidos pela lei e ser fundamentados em normas legais preexistentes. De modo mais restrito, os atos praticados pelas autoridades fiscais, por serem do tipo plenamente vinculado, conforme artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN, Lei n° 5.172/66), devem seguir estritamente o que a norma estabelece, sem possibilidade de avaliação subjetiva ou juízo de conveniência e oportunidade.
Sob esse prisma, conforme as análises e fundamentações detalhadas no item anterior, esta Coordenadoria de Consultas Jurídico-Tributárias tem se manifestado reiteradamente no sentido de que, pela regra geral, a imunidade tributária recíproca, em relação aos tributos estaduais, alcança somente o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITD) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que são impostos incidentes sobre o patrimônio.
Assim, a imunidade tributária recíproca não alcança o ICMS, que é um imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Portanto, em operações de aquisição de energia elétrica em ambiente de contratação livre, o adquirente é responsável pelo pagamento do imposto, conforme comando do inciso II, do artigo 3°-A, do Livro II, do Regulamento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro (Decreto nº 27.427/2000), e deve cumprir as obrigações tributárias previstas no Capítulo IV, do Anexo XV, da Parte II, da Resolução SEFAZ n° 720/2014.
[1] Resolução SEFAZ n° 414/22. Art. 30-A. Compete às Auditorias Fiscais Especializadas e Regionais, no âmbito de suas competências, efetuar o exame, instrução e decisão em processos relativos a pedidos de reconhecimento de suspensão, isenção, remissão, não-incidência ou imunidade e de restituição dos tributos, cabendo recurso à respectiva Superintendência a qual está vinculada.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa e seus respectivos efeitos:
1. Em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou edição de norma superveniente dispondo de forma contrária;
2. Caso sejam verificadas que as informações prestadas pela consulente neste processo não correspondam aos fatos ou foram prestadas de maneira incompleta, levando a um entendimento equivocado desta Coordenadoria.
Nos termos do artigo 155 do Decreto nº 2.473/1997, da solução dada à presente consulta cabe recurso voluntário, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da notificação da consulente.
Conforme determinação do §2º do artigo 37 da Resolução SEFAZ n° 37/2022 “as decisões emanadas no âmbito da Superintendência de Tributação, que causem grande impacto e repercussão geral, deverão ser previamente apreciadas pela Subsecretaria de Estado de Receita antes da produção de efetivos efeitos”.
Desta maneira, sugiro a submissão desta resposta ao Sr. Superintendente de Tributação para decisão de encaminhamento à Subsecretaria de Estado de Receita.
Ainda, se for o caso de concordância e anuência do Sr. Subsecretário de Receita com a resposta dada nesta consulta, sugiro o encaminhamento posterior do p.p. à AFE 03, para que tome as providências cabíveis, nos termos do inciso II do artigo 4° da Resolução SEFAZ n° 644/2024.