Solução de Consulta SRE Nº 71 DE 16/06/2017


 


ITCD. DOAÇÃO DE IMÓVEIS, COM RESERVA DE USUFRUTO. MOMENTO DE OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. PRAZO DECADENCIAL. 1) O ITCD incide na transmissão de bens imóveis por doação, mas a transmissão da propriedade somente se opera com a tradição solene, ou seja, com o registro do título aquisitivo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis (art. 162, § 3º, da Lei nº 5.077, de 1989; arts. 1º e 2º, I e II, do Decreto nº 10.306, de 2011; arts. 108, 541, 1.227, 1.245, 1.267, todos do Código Civil de 2002; e art. 167, I, 33, da Lei nº 6.015, de 1973). 2) O fato gerador do ITCD, nas doações de bens imóveis, dar-se-á no momento em que o donatário adquirir o direito sobre a coisa doada, isto é, com o registro do título aquisitivo (art. 163, II, parágrafo único, II, da Lei nº 5.077, de 1989). 3) O prazo decadencial para constituição do crédito tributário só começa a correr, regra geral, a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador; ou, no caso de antecipação de parte do imposto pelo sujeito passivo, da data da ocorrência do fato gerador (arts. 150, § 4º, e 173 do CTN). 4) A transmissão da nua propriedade (contrato de doação, com reserva de usufruto) também está sujeita à incidência do ITCD, e a ocorrência do fato gerador se dará no momento do registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 162, § 3º, da Lei nº 5.077, de 1989; art. 1º, II, do Decreto nº 10.306, de 2011; arts. 530, 674, III, 676, 714, 715, 718 e 739, I, todos do Código Civil de 1916; arts. 1.225, IV, 1.277, 1.390, 1.391, 1.394 e 1.410, todos do Código Civil de 2002). 5) O prazo de recolhimento do ITCD será anterior ao momento da transmissão da propriedade do bem imóvel (art. 172 da Lei nº 5.077, de 1989; art. 150, § 7º, da Constituição Federal de 1988). 6) o Cartório de Registro de Imóveis exerce função de fiscalização do ITCD, bem como é responsável solidário pela regularidade do pagamento desse imposto (arts. 173 e 174 da Lei nº 5.077, de 1989; art. 289 da Lei nº 6.015, de 1973).


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INTERESSADO: Gerência de Fiscalização de Estabelecimento – GEFIS/GT-ITCD

RELATÓRIO

Trata-se de Consulta Fiscal formulada pela Gerência de Fiscalização de Estabelecimento – GEFIS/Grupo de Trabalho – ITCD, na qual solicita parecer acerca do início da contagem do prazo decadencial para lançamento do ITCD nas operações de doação de imóveis.

O GT – ITCD ressaltou que a doação é ato inter vivos e que, na maioria das vezes, é feita entre pessoas físicas, e que pode ser uma doação informal ou formalizada mediante contrato particular ou escritura lavrada em cartório.

Para melhor ilustrar a questão, o GT – ITCD apresentou caso concreto em que foi realizada uma doação há mais de 5 (cinco) anos, ou seja, lavratura de escritura pública em 1993 (fls. 3, 5/6), por exemplo, sem que tivesse havido o pagamento do ITCD devido, e que, agora, o interessado pretende vender o imóvel, mas o cartório está pedindo a comprovação do pagamento do ITCD.

Diante disso, o GT – ITCD faz dois questionamentos:

1) a contagem do prazo decadencial no ato de doação terá início desde a lavratura da escritura pública ou da comunicação do ato ao Fisco?

2) no caso concreto apresentado, deve ser cobrado o imposto ou decaiu o direito da Fazenda Pública fazê-lo?

É o relatório, passo à análise.

FUNDAMENTAÇÃO

I – Da incidência do ITCD na transmissão de bens imóveis por doação De início, deve ser destacado, acerca do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos – ITCD, o que está disposto no art. 162, § 3º, do Código Tributário Estadual, aprovado pela Lei nº 5.077, de 12 de junho de 1989:

Art. 162. O imposto sobre transmissão "causa mortis" e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCD), incide sobre as aquisições desses bens ou direitos por títulos de sucessão legítima ou testamentária ou por doação.

(...)

§ 3º Para os efeitos deste artigo, considera-se doação o ato ou fato em que o doador, por liberalidade, transmitir bem, vantagem ou direito de seu patrimônio ao donatário, que o aceitará expressa, tácita ou presumidamente, incluindo a doação efetuada com encargo ou ônus e o adiantamento da legítima. [grifo nosso]

Por outro lado, o Regulamento do ITCD, aprovado pelo Decreto nº 10.306, de 24 de fevereiro de 2011, estabelece, nos arts. 1º e 2º, incisos I e II, que:

Art. 1º O ITCD incide sobre:

I – transmissão, de quaisquer bens ou direitos, havidos por sucessão legítima ou testamentária, inclusive por sucessão decorrente de morte presumida e por sucessão provisória; e

II – doação de quaisquer bens ou direitos.

§ 1º Ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários, ainda que o bem ou direito seja indivisível.

§ 2º Entende-se por doação o contrato pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

§ 3º São hipóteses de incidência do ITCD, a título de doação, dentre outras:

I – a transmissão a título de antecipação de herança de bens ou direitos, inclusive valores;

II – a transmissão de bens ou direitos que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou na adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos companheiros, ou a qualquer herdeiro acima do valor da meação ou do respectivo quinhão;

III – a renúncia, a cessão não onerosa e a desistência de herança, com determinação do beneficiário; e

IV – a retratação do contrato de doação que já houver sido lavrado e transcrito.

Art. 2º São bens ou direitos sujeitos ao ITCD na transmissão causa mortis ou doação:

I – bem imóvel ou os direitos a ele relativos; e

II – bem móvel, mesmo que representado por título, crédito, certificado ou registro, inclusive:

(...) [grifo nosso]

Vê-se, da legislação retrotranscrita, que o ITCD incide nas transmissões de bens, móveis e imóveis, e de direitos relativos aos referidos bens, havidos por sucessão legítima ou testamentária, inclusive por sucessão decorrente de morte presumida e por sucessão provisória (transmissões causa mortis), ou por doação (transmissão inter vivos). E, para efeito da legislação tributária, entende-se por doação o contrato pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Contudo, vale salientar que, no direito brasileiro, o contrato não transfere o domínio do bem (os poderes de usar, gozar, dispor e reaver o bem) antes da tradição. Tal regra emana do art. 1.267 do Código Civil, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002: “O domínio das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”. [grifo nosso]

Na realidade, a obrigação que decorre do contrato confere simplesmente um direito pessoal (relação entre os sujeitos passivo e ativo), e não um direito real (relação do sujeito com a coisa). Como bem destaca Carlos Roberto Gonçalves, (...) o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. (...) O direito pessoal, por sua vez, consiste numa relação jurídica pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação. Os direitos reais têm, por outro lado, como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito sobre a coisa, chamado domínio.1 [grifo nosso]

Afirma-se assim que, antes da entrega do bem (da tradição), o credor tem apenas um direito a essa entrega e não um direito ao bem objeto da prestação da obrigação. De fato, na aquisição da propriedade, decorrente de uma relação negocial (aquisição derivada), a transmissão do domínio somente ocorrerá com a tradição.

No caso de direito real sobre bens móveis, a transmissão entre vivos ocorrerá com a mera tradição, como dispõe expressamente o art. 1.226 do Código Civil/02: “Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”. [grifo nosso] Sendo assim, presume-se ser proprietário do bem móvel aquele que detém a sua posse direta.

Por outro lado, no direito real sobre bens imóveis, objeto desta consulta, a transferência entre vivos somente se dará com o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos previstos pelos arts. 1.227 e 1.245 do Código Civil/02:

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

(...)

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel. [grifo nosso]

Com efeito, como assevera a doutrina, para o direito brasileiro, o registro do título aquisitivo do bem imóvel no Cartório de Registro de Imóveis não é apenas meio de se dar publicidade do ato translativo; ao contrário, é “(...) tradição solene, que gera direito real para o adquirente, transferindo-lhe o domínio”.2 [grifo nosso]

No que diz respeito especificamente ao contrato de doação de imóveis, cabe lembrar que a transmissão da propriedade dar-se-á por instrumento particular ou por escritura pública, esta última será obrigatória quando o valor do imóvel for superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, conforme prescrevem o art. 108 c/c o art. 541, ambos do Código Civil/02:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição. [grifo nosso]

Segue nesse mesmo sentido a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos:

“Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

I - o registro: (...) 33) da doação entre vivos; (....)”. [grifo nosso]

Em suma, pode-se afirmar, relativamente ao objeto desta consulta, que o ITCD incide na transmissão de bens imóveis por doação. No entanto, a mera lavratura da escritura pública no Tabelionato de Notas não transfere a propriedade do bem imóvel, apenas cria um direito pessoal entre as partes contratantes. A transmissão da propriedade, de fato, somente se opera após o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis.

II – Do momento da ocorrência do fato gerador do ITCD na doação de bens imóveis No que concerne ao momento em que se reputa ocorrido o fato gerador do ITCD, nas transmissões de bens imóveis por doação, importante se faz ressaltar o que estabelece o art. 163, II, parágrafo único, II, da Lei nº 5.077, de 1989, in verbis:

Art. 163 - Considera-se ocorrido o fato gerador:

(...)

II - nas doações, na data em que o donatário receber a posse ou direito sobre a coisa doada.

Parágrafo único - Havendo impossibilidade de se estabelecer a data exata para a fixação da ocorrência do fato gerador, tomar-se-á como válida aquela que:

(...)

II - nas doações, corresponder ao primeiro dia do ano civil em que o donatário recebeu a posse ou o direito sobre a coisa doada. [grifo nosso]

Assim, infere-se que, nas doações, considera-se ocorrido o fato gerador no momento em que o donatário receber “a posse” ou “o direito” sobre a coisa doada.

No caso de doações de bens móveis, como visto anteriormente, a transmissão do direito de propriedade se opera com a mera tradição, ou seja, estando o donatário na posse do bem móvel, presume-se ocorrida a transferência da propriedade. Nesse caso, pode-se dizer que o momento da ocorrência do fato gerador do ITCD é a tradição simples do bem do doador ao donatário.

Por outro lado, nas doações de bens imóveis, a transmissão da propriedade somente se opera com o registro da escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis, momento em que o donatário recebe o direito real de propriedade.

Em verdade, não se pode presumir proprietário aquele que tem a mera posse de um bem imóvel, já que, segundo o art. 1.196 do Código Civil/02, “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. [grifo nosso] Nota-se, portanto, que pode ser possuidor aquele que é proprietário do imóvel (com título aquisitivo registrado), ou ainda aquele que não o é.

Na locação de coisas, por exemplo, de acordo com o art. 565 do Código Civil de 2002, “(...) uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. [grifo nosso] Em outras palavras, pode-se dizer que, na locação de imóvel, o locatário adquire a posse direta do bem, em razão da realização de um negócio jurídico oneroso, mas ele não adquire o direito real de propriedade. Como dito antes, a obrigação que decorre do contrato confere simplesmente um direito pessoal (relação entre os sujeitos passivo e ativo), e não um direito real (relação do sujeito com a coisa).

Nesse sentido, infere-se que, nas doações de bens imóveis, o momento da ocorrência do fato gerador do ITCD não ocorrerá com a mera posse do bem imóvel, exige-se que o donatário adquira o direito sobre a coisa doada, que ocorre somente com a tradição solene, ou seja, com o registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis.

III – Do início da contagem do prazo decadencial

No que tange ao prazo limite para que o Fisco lance o ITCD, convém destacar o que prescrevem os arts. 150, § 4º, e 173 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN):

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

(...)

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. [grifo nosso]

(...)

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. [grifo nosso]

Como se percebe, de acordo com o CTN, o início da contagem do prazo decadencial se inicia, regra geral, do primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador (art. 173). Por sua vez, no caso de antecipação do pagamento de parte do tributo pelo sujeito passivo, o prazo decadencial começa a correr da data da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º).

Na hipótese de doação de bens imóveis, como já demonstrado, o fato gerador do ITCD ocorre somente no momento do registro do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis.

Portanto, caso tenha sido lavrada apenas a escritura pública, conclui-se que não ocorreu o fato gerador do imposto, e, por consequência, o prazo decadencial para constituição do crédito tributário ainda não começou a correr.

IV – Da doação de imóvel, com reserva de usufruto e anuência

O GT – ITCD, como dito linhas atrás, citou exemplo de um caso concreto em que foi realizada uma doação de imóvel no ano de 1993, com lavratura de escritura pública, mas sem que tivesse havido o pagamento do ITCD.

Todavia, da análise da escritura pública juntada às fls. 5/6, observou-se que:

i) o documento se refere, na verdade, a uma doação de imóvel, com reserva de usufruto, realizada no ano de 1993;

ii) os doadores reservaram para si o direito real de usufruto vitalício (até sua morte);

iii) houve a anuência dos herdeiros dos doadores e dos cônjuges daqueles;

iv) consta informação relativa a pagamento do imposto de transmissão inter vivos – ITBI, de competência municipal, no valor de CR$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros reais).

Preliminarmente, vale salientar que a doação apontada pelo GT-ITCD ocorreu em 1993, época em que estava vigente o Código Civil anterior, aprovado pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Diante disso, utilizaremos o Código Civil de 1916 como referência legislativa, e citaremos, em nota de rodapé, o dispositivo correspondente no Código Civil de 2002.

Pois bem, importa registrar, em primeiro lugar, que o usufruto é um direito real, conforme dispõe o art. 674, inciso III, do Código Civil de 19163: “São direitos reais, além da propriedade: (...) IV – O usufruto. (...)”. [grifo nosso]

Além disso, segundo o art. 714 do Código Civil de 19164, “O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”. [grifo nosso]

De fato, o usufruto, consoante ensina Carlos Roberto Gonçalves, caracteriza-se:

(...) pelo desmembramento, em face do princípio da elasticidade, dos poderes inerentes ao domínio: de um lado fica com o nu-proprietário o direito à substância da coisa, a prerrogativa de dispor dela, e a expectativa de recuperar a propriedade plena pelo fenômeno da consolidação, tendo em vista que o usufruto é sempre temporário; de outro lado, passam para as mãos do usufrutuário os direitos de uso e gozo, dos quais transitoriamente se torna titular.5 [grifo nosso]

Por consequência, quanto ao caso concreto apresentado, observa-se que, em razão do contrato de doação, com reserva de usufruto, o doador transferiu ao donatário somente a nua propriedade. Quer dizer, foram transferidos ao nu-proprietário (donatário) os direitos de dispor e reaver o bem, ficando os usufrutuários (doadores), por sua vez, com os direitos de usar e fruir (gozar) do bem, de forma vitalícia.

Com a morte dos usufrutuários, no entanto, o usufruto se extinguirá e o domínio pleno do imóvel se consolidará na pessoa do nu-proprietário (donatário). É o que se infere da análise dos arts. 7186 e 739, I,7 do Código Civil de 1916, vejamos:

Art. 718. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

(...)

Art. 739. O usufruto extingue-se:

I - Pela morte do usufrutuário;

(...)

Assinale-se, ainda, que, do mesmo modo que ocorre com a doação da propriedade plena (poderes para usar, usufruir, dispor e reaver o bem), a transmissão da nua propriedade (doação de imóvel, com reserva de usufruto), por atos entre vivos, só se dará com o registro do respectivo título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis, segundo dispõem os arts. 5308, inciso I, 676,9 e 71510 do Código Civil de 1916:

Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel.

(...)

Art. 676. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos só se adquirem depois da transcrição ou da inscrição, no registro de imóveis, dos referidos títulos (arts. 530, n I, e 856), salvo os casos expressos neste Código.

(...)

Art. 715. O usufruto de imóveis, quando não resulte do direito de família, dependerá de transcrição no respectivo registro. [grifo nosso]

Portanto, pode-se afirmar que a transmissão da nua propriedade (direito de dispor e reaver o bem) também está sujeita à incidência do ITCD, como prescrevem o art. 162, § 3º, da Lei nº 5.077, de 1989, e o art. 1º, inciso II, do Decreto nº 10.306, de 2011, já reproduzidos e analisados linhas acima.

Além disso, por ser a transmissão da nua propriedade um direito real, a ocorrência do fato gerador também se dará no momento do registro do título aquisitivo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis.

O prazo para recolhimento do ITCD, contudo, será anterior ao momento da transmissão da propriedade (registro), conforme prescreve o art. 172 da Lei nº 5.077, de 1989,  tanto na sua redação modificada pela Lei nº 6.550, de 30 de dezembro de 2004, como na anterior.

Art. 172 - O prazo para recolhimento do imposto será:

I - nas doações, antes do fato traslativo, observado o disposto no inciso II, do art. 162, deste Código; [grifo nosso]

II - na transmissão "causa mortis", 60 (sessenta) dias após a data da abertura da sucessão.

* Redação do artigo 172 anterior à redação dada pelo inciso I do artigo 1º da Lei nº 6.550/04

Art. 172 - O pagamento do imposto será feito:

I - tratando-se de transmissão decorrente de doação:

a) na data da lavratura do respectivo instrumento, se lavrado no Estado de Alagoas;

b) no prazo de até 10 (dez) dias, contados da lavratura do respectivo instrumento, se lavrado fora do Estado de Alagoas;

c) no prazo de até 10 (dez) dias, contados da tradição, em se tratando de bens móveis, títulos e créditos não sujeitos a transcrição;

II - tratando-se de transmissão "causa mortis", antes da sentença homologatória da partilha;

III - tratando-se de extinção de usufruto por morte do usufrutuário, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados do falecimento; ou

IV - tratando-se de transmissão decorrente de sentença judicial, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados de seu trânsito em julgado. (NR)

[grifo nosso]

* Nova redação dada ao artigo 172 pelo inciso I do artigo 1º da Lei nº 6.550/04.

Em verdade, a exigência legal de antecipação do pagamento do imposto, por fato gerador que deva ocorrer no futuro, tem permissão expressa no art. 150, § 7º, do texto constitucional, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

§ 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. [grifo nosso]

No que concerne ao fato de que o Cartório de Registro de Imóveis, conforme informação fornecida pelo GT-ITCD, estaria exigindo a comprovação do pagamento do imposto para poder registrar o bem, cabe ressaltar o que prescrevem os arts. 173 e 174 da Lei nº 5.077, de 1989:

Art. 173 - quando o objeto de transmissão for bem imóvel, o Cartório de Registro de Imóveis é obrigado a fazer a transcrição, de inteiro teor dos dizeres contidos na guia de recolhimento do imposto ou do ato de recolhimento de isenção ou de imunidade, conforme o caso.

Art. 174 - São solidariamente responsáveis pela regularidade do recolhimento do imposto, o que deverá ser previamente comprovado:

I - os cartórios de registro de títulos e documentos;

II - os cartórios de registro de imóveis;

III - os tabeliães e demais serventuários de justiça;

IV - os titulares, administradores e servidores das demais entidades de direito Público ou privado, onde se processarem os registros, anotações ou averbações de doações, transmissões de bens móveis ou imóveis e respectivos direitos e ações;

V - o doador, pelo imposto devido pelo donatário inadimplente.

[grifo nosso]

Ademais, nos termos do art. 289 da Lei nº 6.015, de 1973 (lei de registro público), “no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

Nota-se, dos dispositivos supramencionados, que o Cartório de Registro de Imóveis exerce função de fiscalização do ITCD, e, para formalizar a transmissão do imóvel, está obrigado a transcrever também as informações relativas ao pagamento do imposto constantes na guia de recolhimento estadual. Essa exigência se justifica, inclusive, pelo fato de que o Cartório de Registro de Imóveis, assim como outras pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas (doador, cartório de registro de títulos e documentos, tabeliães etc.), são responsáveis solidários pela regularidade do pagamento do ITCD.

CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi exposto, conclui-se que:

i) o ITCD incide na transmissão de bens imóveis por doação, mas a transmissão da propriedade somente se opera com a tradição solene, ou seja, com o registro do título aquisitivo (escritura pública) no Cartório de Registro de Imóveis (art. 162, § 3º, da Lei nº 5.077, de 1989; arts. 1º e 2º, I e II, do Decreto nº 10.306, de 2011; arts. 108, 541, 1.227, 1.245, 1.267, do Código Civil de 2002; e art. 167, I, 33, da Lei nº 6.015, de 1973);

ii) nas doações de bens imóveis, o fato gerador do ITCD dar-se-á no momento em que o donatário adquirir o direito sobre a coisa doada, isto é, com a tradição solene, com o registro do título aquisitivo (art. 163, II, parágrafo único, II, da Lei nº 5.077, de 1989);

iii) o prazo decadencial para constituição do crédito tributário só começa a correr, regra geral, a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador; ou, no caso de antecipação de pagamento de parte do imposto pelo sujeito passivo, da data da ocorrência do fato gerador (arts. 150, § 4º, e 173 do CTN);

iv) a transmissão da nua propriedade (doação com reserva de usufruto) também está sujeita à incidência do ITCD, e a ocorrência do fato gerador se dará no momento do registro do título aquisitivo no Cartório de Registro de Imóveis (art. 162, § 3º, da Lei nº 5.077, de 1989; art. 1º, II, do Decreto nº 10.306, de 2011; arts. 530, 674, III, 676, 714, 715, 718 e 739, I, todos do Código Civil de 1916; arts. 1.225, IV, 1.277, 1.390, 1.391, 1.394 e 1.410, todos do Código Civil de 2002);

v) o prazo de recolhimento do ITCD será anterior ao momento da transmissão da propriedade do bem imóvel (art. 172 da Lei nº 5.077, de 1989; art. 150, § 7º, da Constituição Federal de 1988); e

vi) o Cartório de Registro de Imóveis exerce função de fiscalização do ITCD, bem como é responsável solidário pela regularidade do pagamento desse imposto (arts. 173 e 174 da Lei nº 5.077, de 1989; da Lei nº 6.015, de 1973).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Assessoria da Gerência de Tributação, em Maceió, 16 de junho de 2017.

Afrânio Menezes de Oliveira Júnior

Em Assessoramento

De acordo. Aprovo o parecer exarado, que encaminho à apreciação do Sr. Superintendente da Receita Estadual.

Gerência de Tributação, em Maceió, 16 de junho de 2017.

Jacque Damasceno Pereira Júnior

Gerente de Tributação

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direitos das coisas. 9. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 22.

2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direitos das coisas. 9. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 193.

3 CC/02. Art. 1.225. São direitos reais: (...) IV – o usufruto. (...).

4 CC/02. Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades.

5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direitos das coisas. 9. ed. v.5. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 314.

6 CC/02. Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.(...).

7 CC/02. Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; (...).

8 CC/02. Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

9 CC/02. Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. (....)

10 CC/02. Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.