Estado de Calamidade Pública. COVID-19. Decretos n.º 43.430/12 e 46.984/20. Analogia: Inadmissibilidade. FOT: Regulamentação.
RELATÓRIO.
Em sua Petição Inicial, no que tange à consulta jurídico-tributária, a empresa expõe o que segue.
A sociedade empresarial, estabelecida em território fluminense, tendo por atividade principal a produção de tubos de aço, como contribuinte do ICMS, está sujeita aos prazos regulamentares de pagamento do imposto, cuja data mais próxima de vencimento, relativa ao período de apuração do mês de março, é o dia 10 de abril de 2020.
Face o momento pelo qual atravessa o Brasil e o mundo, absolutamente excepcional, só encontrando precedentes em catástrofes que os historiadores relatam, como a pandemia da cólera e da gripe espanhola, o Governo do Estado do Rio de Janeiro declarou Estado de Calamidade Pública em função da pandemia viral, através do Decreto n.º 46.984/20.
Na história recente houve outras situações de calamidade pública reconhecidas pela legislação tributária, sendo que o Estado do Rio de Janeiro, em decorrência das chuvas ocorridas em de 2012, editou o Decreto n.º 43.430/12, estabelecendo hipóteses de postergação do prazo para o cumprimento de obrigações tributárias, com possibilidade de parcelamento do imposto, sem a incidência de mora, instituindo-se uma moratória, nos termos autorizados pelo artigo 152 e seguintes do CTN.
No mesmo sentido, o CONFAZ, por meio do Convênio ICMS 169/17, normatizou a forma como os Estados e o Distrito Federal concederiam moratórias, anistias, remissões e/ou simples postergações dos prazos de cumprimento de obrigações, em um contexto de calamidade pública.
Especificamente sobre a moratória e postergação de pagamento do tributo, o aludido convênio estabeleceu, em suas cláusulas quinta e sexta, disposições atinentes a forma como tais concessões fiscais seriam implementadas.
Por sua vez, a legislação de regência do Estado do Rio de Janeiro contém clara disposição no sentido de possibilitar ao Poder Executivo, motivado por situações de evidente excepcionalidade, a modificação dos prazos e condições de pagamento de tributos, conforme acentuam os artigos 166, § único e artigo 167, § 2º, do Código Tributário Estadual (CTE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 5/75.
Ou seja, no presente cenário de calamidade pública decorrente da pandemia do COVID-19, muito embora tenham sido instituídas as referidas disposições normativas de regência, que são claramente autorizativas da concessão de moratória e/ou postergação simples de pagamento de obrigações tributárias, o Governo Estadual quedou-se inerte até o presente momento na edição de ato legal tributário específico para o presente contexto excepcional de crise.
O único diploma normativo de natureza fiscal ainda vigente editado pelo Estado do Rio de Janeiro, em cenário factual e jurídico idêntico ao presente – estado de calamidade decretado por desastre natural –, constitui o já mencionado Decreto n.º 43.430/12.
O aludido aspecto motiva a dúvida da consulente acerca da provável aplicação ao presente cenário, mutatis mutandis, das disposições estabelecidas pelo mencionado Decreto n.º 43.430/12, em razão da disposição contida no artigo 108, inciso I, do CTN.
A consulente possui firme convicção de que a forma e a abrangência da moratória e da dilação de prazo para o cumprimento de obrigações tributárias, concedidas pelo Decreto n.º 43.430/12, pode ser imediatamente aplicada para o pagamento do ICMS/Normal ora vincendo, tendo em vista haver permissão na legislação de regência para a adoção de tal expediente pelo Governo Estadual e, principalmente, por estar vigente ato normativo concessivo das aludidas condições de pagamento em um cenário factual e jurídico de calamidade pública no Estado do Rio de Janeiro, tal qual se afigura no presente momento.
Em outras palavras, estando o Governo do Estado juridicamente apto para conceder moratória e/ou qualquer outra forma de dilação do prazo de pagamento do ICMS, mas não o fazendo, entende a consulente estar configurada a ausência de disposição normativa expressa a autorizar o emprego do instituto da analogia para supressão de lacuna normativa, de modo a serem aplicadas as disposições do Decreto n.º 43.430/12 ao presente contexto de pagamento do ICMS.
O Decreto n.º 46.982/20 foi editado pelo Governo do Estado de modo a autorizar os contribuintes que possuam débitos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos em curso, desde que inscritos em dívida ativa, a prorrogar o pagamento das parcelas vincendas para 60 (sessenta dias).
Acrescenta que está claro no preâmbulo do referido ato que a justificativa jurídica utilizada pelo Executivo está totalmente focada no atual Estado de Calamidade Pública que acomete o Estado do Rio de Janeiro, e, especificamente, nas danosas consequências que a pandemia do COVID-19 está gerando para as empresas fluminenses, tal qual a consulente.
Ocorre que os contribuintes que possuem débitos tributários parcelados, mas que não estejam inscritos em dívida ativa, encontram-se igualmente em situação financeira crítica, e, por mais forte razão, dado que anteciparam receita ao erário antes de sua inscrição na dívida ativa, no entendimento da consulente, poderiam ser abrangidos pela regra de postergação instituída pelo Decreto n.º 46.982/20.
A dúvida da consulente consiste em saber se, mediante o emprego da regra de analogia prevista pelo artigo 108, inciso I, do CTN, as disposições normativas já suscitadas no tópico anterior - cláusulas quinta e sexta do Convênio ICMS 169/17, bem como nos artigos 166, § único e artigo 167, § 2º, do Código Tributário Estadual – poderiam também se valer da postergação estabelecida pelo Decreto n.º 46.982/20 ao parcelamento de débitos tributários não inscritos em dívida ativa.
Destaca que, na presente hipótese, o Decreto n.º 46.982/20 apresenta fundamentação explícita para a sua edição, o que permite a realização de uma interpretação autêntica da norma, fato este que, no entender da consulente, amoldaria os seus comandos aos parcelamentos de débitos tributários não inscritos em dívida ativa, mediante a aplicação da regra de regência relativa ao emprego de analogia.
Entretanto, como não há menção expressa às demais modalidades de parcelamento de débitos tributários não inscritos em dívida ativa, surge a dúvida da consulente, tendo em vista a possibilidade de interpretação análoga pelo artigo 108, inciso I, do CTN.
Outra questão que é trazida ao esclarecimento dessa Coordenadoria consiste na obrigatoriedade da consulente efetuar ou não o pagamento do adicional de ICMS ao FOT já neste mês de abril/20, uma vez que a Lei n.º 8.645/2019 não foi regulamentada pelo Poder Executivo estadual até o momento.
Neste sentido, a dúvida aqui manifestada pela Consulente tem relação direta com o prazo inicial de pagamento do referido adicional, tendo em vista que nenhum ato regulamentar dispôs sobre a forma de apuração e o prazo de recolhimento do FOT.
Apresenta essa dúvida na medida em que o revogado adicional ao FEEF (agora substituído pelo FOT) foi expressamente regulamentado pelo Decreto n.º 45.810/16 e Resolução SEFAZ n.º 33/17, permitindo aos contribuintes fluminenses conhecerem a base de cálculo do respectivo adicional, se o mesmo seria cumulativo, o respectivo prazo mensal de pagamento, dentre outras fundamentais informações necessárias à sua apuração e a conferir segurança jurídica dos contribuintes.
Isto posto, Consulta:
1) Está correto o entendimento segundo o qual, à vista da interpretação conjunta dos comandos previstos nas cláusulas quinta e sexta do Convênio ICMS 169/17, bem como nos artigos 166, § único, e artigo 167, § 2º, do Código Tributário Estadual e, especialmente no artigo 108, inciso I, do CTN, pode a consulente aplicar as regras de moratória e diferimento de pagamento do ICMS previstas no Decreto nº 43.403/12, em relação ao ICMS apurado e que vier a ser apurado para os períodos de março, abril e maio de 2020?
2) Está correto o entendimento segundo o qual, à vista da interpretação conjunta dos comandos previstos nas cláusulas quinta e sexta do Convênio ICMS 169/17, bem como nos artigos 166, § único, e artigo 167, § 2º, do Código Tributário Estadual e, especialmente no artigo 108, inciso I, do CTN, pode a consulente aplicar as regras de postergação de pagamento de débitos parcelados não inscritos em dívida ativa, nos moldes ditados pelo Decreto n.º 46.982/20?
3) Tendo em vista a ausência de qualquer ato normativo regulamentar da Lei n.º 8.645/19, está correto o entendimento da consulente segundo o qual a lei instituidora do FOT depende de regulamentação para produção de seus regulares efeitos, estando, portanto, desobrigada do pagamento deste adicional enquanto não sobrevir o respectivo ato?
O processo encontra-se instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa, que se encontra no arquivo Documento Procuração (4253094). A documentação referente ao pagamento da TSE está no arquivo Comprovante DARJ (4253092) e Comprovante PG (4253093). O processo foi formalizado no DACC e encaminhado à AFE - 05, de jurisdição da consulente, que informou, nos Despachos de Encaminhamento de Processo SEFAZ/AFE 05.24 4692480 e SEFAZ/AFE 05 4789400, a inexistência de ação fiscal e de autos de infração pendentes de decisão relacionados ao objeto da consulta tributária.
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO.
O Decreto n.º 43.430/12 foi editado com a finalidade específica de atender os contribuintes localizados nos Municípios de Italva, Aperibé, Miracema, Itaperuna, Santo Antonio de Pádua, Cardoso Moreira, Laje do Muriaé, Trajano de Moraes, Cambuci, São Fidélis, Campos dos Goytacazes, Bom Jesus do Itapaboana e Sapucaia afetados pelas intensas chuvas ocorridas no período.
O Decreto n.º 46.984/20 decretou Estado de Calamidade Pública no Estado do Rio de Janeiro em decorrência do novo coronavírus (COVID-19), sem conceder prorrogação ou parcelamento especial para o pagamento do ICMS.
O Decreto n.º 46.973/20 - que reconheceu a situação de emergência na saúde pública no Estado do Rio de Janeiro em razão do contágio e adotou medidas para o enfrentamento da propagação decorrente do COVID-19 -, também não alterou o calendário do pagamento do ICMS e não dispôs sobre parcelamento de tributos, sem os acréscimos previstos na legislação. Da mesma forma, os Decretos n.º 47.006/20, n.º 47.027/20, n.º 47.052/20 e n.º 47.068/20, também dispondo sobre medidas de enfrentamento da propagação decorrente do COVID-19, não prorrogaram ou concederam parcelamento especial em decorrência da pandemia.
O Decreto n.º 45.692/16 decretou Estado de Calamidade Pública, no âmbito da administração financeira do Estado do Rio de Janeiro, e, atualmente, o Estado do Rio de Janeiro ainda se encontra sob Regime de Recuperação Fiscal previsto na Lei Complementar Federal n.º 159/17 e Decreto federal n.º 9.109/17.
Em razão do Estado de Calamidade Pública, foi editada a Lei nº 7.495/16 e, posteriormente, a Lei n.º 7.657/17, com suas alterações posteriores, impedindo o Governo do Estado do Rio de Janeiro de conceder novos incentivos fiscais ou benefício de natureza tributária dos quais decorram renúncias de receitas, novos financiamentos, fomentos econômicos ou investimentos estruturantes a empresas sediadas ou que venham a se instalar no estado do Rio de Janeiro durante o prazo de fruição do Regime de Recuperação Fiscal que trata a referida Lei Complementar Federal n.º 159/17.
Atualmente, consoante os dispositivos da Lei Complementar Federal n.º 160/17 e Convênio ICMS 190/17, os Estados e o DF só podem renunciar de suas receitas tributárias nos estritos termos e amplitude de convênios editados no âmbito do CONFAZ.
Lembramos ainda que a Lei n.º 8.445/19 dispõe sobre a exigência de metas fiscais orçamentárias anuais de desempenho para a avaliação dos programas de incentivos fiscais e financeiros fiscais no âmbito do Estado.
Portanto, atualmente, o Estado do Rio de Janeiro encontra-se em Estado de Calamidade Financeira no âmbito da Administração Financeira, e, por conta disso, em processo de Recuperação Fiscal mediante acordos com a União, e, paralelamente, em Estado de Calamidade Pública, em decorrência da emergência na saúde pública decorrente da pandemia provocada pelo COVID-19.
Com efeito, não resta dúvida que o contexto atual se difere imensamente daquele vivenciado no ano de 2012.
Em se tratando de renúncia de receitas tributárias – no caso, em forma de dilação do prazo de pagamento e anistia de acréscimos moratórios, bem como ao cumprimento de obrigações acessórias -, deve-se ressaltar que o Código Tributário Nacional (Lei Federal n.º 5.172/66) em seu tópico referente à Interpretação e Integração da Legislação Tributária, artigo 111, dispõe que:
"Art. 111 - Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias".
Postos os fundamentos acima, passamos aos questionamentos formulados.
RESPOSTA.
1) Não estamos de acordo com o entendimento expresso pela consulente no sentido de utilizar a analogia e, assim, utilizar-se da prorrogação e parcelamento, sem acréscimos moratórios, nos termos previstos no Decreto n.º 43.430/12, basicamente, por três motivos:
(i) Conforme já apontado cima, o contexto atual de Calamidade Pública decorrente da pandemia se difere inteiramente daquele provado por chuvas intensas, porém, com efeitos restritos a determinados municípios do Estado;
(ii) Diante da pandemia, o Poder Executivo editou diversos atos, porém, diferentemente do ocorrido em 2012, não incluiu renúncia da receita tributária, ainda que provisoriamente, fato que demanda a análise de fatores, tais como a conveniência e oportunidade por parte dos gestores, para se fazer concessões, sobretudo, considerando o estado de emergência financeira existente desde 2016, ainda em vigor – e que tende a se agravar com as medidas de enfrentamento recomendadas e adotadas pelos órgãos de saúde, que estão afetando as atividades econômicas e, por conseguinte, suas receitas provenientes do ICMS, principal tributo estadual.
(iii) De acordo com a doutrina jurídica, a interpretação literal, imperiosa em se tratando de suspensão do crédito tributário, afasta a utilização da analogia, não cabendo neste caso ao intérprete da legislação buscar casos semelhantes de modo a se aplicar a um novo texto normativo.
2) Pelos mesmos fundamentos acima, da mesma forma, a resposta é negativa. A prorrogação do prazo para pagamento, nos moldes do Decreto n.º 46.982/20, somente se aplica ao parcelamento objeto do Decreto n.º 42.049/09.
3) A Lei n.º 8.645/19 foi regulamentada pelo Decreto n.º 47.057/20, estabelecendo o dia 20/05/20 para o pagamento do FOT, relativo às operações realizadas em abril/20. Em relação às operações realizadas em março de 2020, não houve FEEF, bem como FOT a pagar.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 08 de junho de 2020.