Consulta Nº 18 DE 06/02/2020


 


Vendas e Doações de Produtos Próprios, Imunidade Tributária, Inciso VI, Art. 150 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


Gestor de Documentos Fiscais

RELATÓRIO

Trata-se de consulta tributária sobre interpretação da legislação tributária quanto à imunidade tributária de fundação pública de direito público no que se refere às atividades desenvolvidas.

Em sua petição inicial (doc. 3113729) a consulente informa que o Instituto Nacional de Controle de Qualidade da Saúde – INCQS, órgão técnico pertencente à Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ, é uma entidade de direito público, vinculada ao Ministério da Saúde, conforme inciso IV[1] do artigo 5º do Decreto-Lei nº 200/67.

Ressalta que o INCQS é uma fundação autárquica (equiparada à Autarquia) e, portanto, aplicam-se as regras dessa entidade, já que seus objetivos são os mesmos das autarquias. Assim, devido à realização de operações de circulação de mercadorias e serviços é considerado contribuinte do ICMS, nos termos do inciso XIV do § 1.º do artigo 15 da Lei 2.657/96.

Destaca o § 1.º do artigo 150 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, conforme seque:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; [...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Salienta que também o Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro aborda a imunidade tributária no que diz respeito aos impostos estaduais no seu § 1.º do artigo 3.° , transcrito a seguir:

Art. 3º Os Impostos Estaduais não incidem sobre: [...]

I - o patrimônio, a renda ou os serviços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

§ 1º O disposto no inciso I, deste artigo, é extensivo às autarquias, no que se refere ao patrimônio ou aos serviços, ambos vinculados às finalidades essenciais ou delas decorrentes.

Na sequência, expõe as finalidades essenciais do Instituto contidas no CNPJ da entidade e destaca que as atividades a serem consideradas na presente consulta são as vendas e doações produtos desenvolvidos por ela, tais como: SQR ( Substância Química de Referência); POP (procedimentos Operacionais Padrão) e CEPA (Microrganismos de Referência).

Por fim, a consulente faz uma descrição detalhada dos referidos produtos, dentre os quais, destacamos:

No que se refere ao SQR, com base em Termo firmado com a ANVISA, o INCQS armazena, embala e distribui a substância a fim de garantir a disponibilização e distribuição às instituições públicas e privadas que atuam no controle da qualidade de insumos farmacêuticos e de medicamentos. Visa atender às solicitações dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública de diversos estados, por meio de doação, visando a continuação da realização de procedimentos laboratoriais em atenção aos programas de interesse à saúde pública. Por outro lado, o Instituto também distribui o produto a diversos laboratórios, universidades e instituições, com custo de aquisição de R$ 380,00. Tal valor e recolhido pelo adquirente por meio de GRU, não havendo destinação específica ao INCQS.

Quanto ao POP, tais procedimentos são vendidos, e enviados de forma digital, para diversas empresas privadas e disponibilizados gratuitamente aos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN).

Por seu turno, a transferência de micro organismos de referência – CEPA, para os LACEN, é uma das atividades estratégicas da empresa. Este fornecimento é rotineiro e tem como objetivo ampliar a capacidade analítica de resposta às demandas do SUS pelos LACEN, no que se refere à avaliação da qualidade microbiológica de medicamentos, soros e vacinas, etc. Para evitar o colapso do sistema de vigilância sanitária e também as dificuldades  de importação, o INCQS passou o fornecer o material a Instituições públicas de pesquisas e Universidades.

O processo encontra-se instruído com cópias de documentos que comprovam a habilitação dos signatários da petição inicial ( doc. 3113535; 3113737; 3113746; 3113758; 3113760 e 3113761) e comprovantes de pagamento da Taxa de Serviços Estaduais (doc. 3113745).

Encontra-se, ainda, o despacho de encaminhamento SEFAZ/AFE 06 3181705 informando o que segue:

“Informamos que, nos termos dos incisos I e II, do art. 3°, da Resolução n° 109/76, foi consultado o Sistema PLAFIS, no qual constatou-se que a consulente encontrava-se sob a seguinte ação fiscal na data da formulação da presente consulta: RAF n° 516040-56, Programa 04LEDA. Vale ressaltar que o RAF já foi encerrado por esta especializada, aguardando parecer final da CCAFI.

Outrossim que, de acordo com pesquisa realizada junto ao AIC (doc. 3181686), não existem débitos pendentes de julgamento relacionados à matéria sob consulta.”

Isto posto, Consulta:

“Face ao exposto, e tendo em vista a necessidade de manter ativas suas operações a fim de atender o Convênio com a ANVISA, requer a confirmação da Superintendência Estadual Tributária de que está correto seu entendimento no sentido que:

1. A atividade de venda e doações de SQR´s, POP`s e CEPA´s, acima descritos, estão relacionados com o objeto da Fundação, caracterizando como operações imunes de tributação, mormente que os valores pagos pelos adquirentes desses produtos são, por GRU, enviados à FIOCRUZ, como receita orçamentária.”

[1] Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: [...]

V - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, destacamos que o objetivo da consulta tributária é esclarecer questões objetivas formuladas pelos consulentes acerca da interpretação de dispositivos específicos da legislação tributária, no âmbito da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, presumindo corretas as informações apresentadas pelos consulentes, assim como as informações e verificações de competência da autoridade fiscal , sem questionar sua exatidão.

Ainda de forma preliminar, as soluções de consulta não convalidam tratamentos tributários, regimes, cálculos, interpretações, benefícios, informações, ações ou omissões aduzidas na consulta.

Isto posto, passemos à matéria tratada no presente instrumento, tomando como referência o entendimento já firmado por esta Coordenadoria sobre o tema em consulta formal no Processo E-04/058/1000002//2012, que reproduzimos parcialmente a seguir:

“Primeiramente, destacamos o disposto no § 2º e alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição da República Federativa do Brasil, abaixo reproduzido:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

[...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Trata-se de uma imunidade subjetiva dirigida a algumas pessoas jurídicas de direito público (entes políticos, pessoas de direito público como autarquia e fundações), abrangendo os impostos que, segundo a classificação disposta nos arts. 19 a 73 do Código Tributário Nacional - CTN - incidem sobre o patrimônio (ITD, IPVA, IPTU, ITBI, ITR e IGF), renda (IR) e serviços (ISS).

Se assim não o fosse, e a Constituição Federal tivesse o intuito de abranger todos os impostos, simplesmente não teria mencionado os qualitativos que geram essa restrição.

Assim, entende esta coordenadoria que o ICMS está excluído deste dispositivo. [...]

Além do dispositivo já citado, ressaltamos o inciso I e o § 1º do artigo 3º Decreto-Lei n.º 05/1975 – o Código Tributário do estado do Rio de Janeiro, abaixo reproduzido, que dispõem sobre o reconhecimento da imunidade em nível estadual.

Art. 3º - Os impostos estaduais não incidem sobre:

I - o patrimônio, a renda ou os serviços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.[...]

§ 1º - O disposto no inciso I, deste artigo, é extensivo às autarquias no que se refere ao patrimônio, ou aos serviços, ambos vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes.

Destarte, o alcance da referida imunidade está previsto no § 2º do art. 150 da Constituição, que afirma que as vedações expressas no inciso VI, alínea “a”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. Por esta razão concluímos que o ICMS não está abrangido pela hipótese de imunidade ora analisada. Portanto, não há base para reconhecimento de imunidade do ICMS com base nos elementos apresentados neste processo.

Adicionalmente, imprescindível destacarmos, em sintonia com o exarado acima, o conceito de contribuinte disposto no inciso XIV do § 1º do artigo 15 da Lei n.º 2.657/96 assim dispõe:

Art. 15 - Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviços descritas como fato gerador do imposto, observado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 1º - Incluem-se entre os contribuintes do imposto:

[...]

XIV - o órgão da administração pública direta, a autarquia, a empresa pública federal, estadual ou municipal e a fundação instituída e mantida pelo Poder Público que vendam, ainda que apenas a comprador de determinada categoria profissional ou funcional, mercadoria que, para esse fim, adquirirem ou produzirem;

Note-se que o normativo acima é expresso ao disciplinar, nos seus termos, que autarquia será contribuinte. E desta forma, na qualidade de contribuinte do ICMS, o consulente deve providenciar, antes do início das atividades comerciais, a  inscrição no segmento obrigatório no Cadastro de Contribuintes do ICMS, conforme previsto no inciso I[1]do artigo 7º do Anexo I,
Parte II, da Resolução SEFAZ n.º 720/14.

Corroborando com o disposto no parágrafo anterior, o artigo 28 do Anexo I, Parte II, da Resolução SEFAZ n.º 720/14 delibera  acerca das exigências de formalidades na hipótese de inscrição para entidade da Administração Pública.

Sendo assim, no exercício de atividades de venda ou revenda de mercadorias (fato gerador), como contribuinte, o consulente está sujeito ao pagamento do ICMS, bem como ao cumprimento de todas as obrigações tributárias acessórias relativas ao imposto estadual, como a emissão e escrituração de documentos fiscais e à entrega das informações econômico-fiscais estabelecidas na legislação.”

Em adição ao exposto até este ponto, em relação ao presente processo, é importante ressaltar que a saída, a qualquer título de mercadoria, do estabelecimento do contribuinte, é normalmente escriturada e tributada pelo ICMS, conforme o inciso I do artigo 3.º da Lei nº 2.657/96. Em outros termos, a saída de mercadoria ou bem do estabelecimento de contribuinte estará sujeita ao ICMS, independentemente da natureza jurídica da operação Dessa forma, nas operações de venda ou doação deve ser emitido documento fiscal com destaque do imposto, utilizando-se a base de cálculo prevista no artigo 7º da Lei nº 2657/96.

Em sendo contribuinte do ICMS, conforme já exposto, a consulente está sujeita ás normas regulares de tributação do ICMS e, neste sentido, o estabelecimento fabricante dos produtos mencionados na presente consulta tem direito aos créditos decorrentes da aquisição de mercadorias e serviços de transporte, observadas as normas do Capitulo VII – Da Compensação do Imposto, da Lei nº 2657/96.

Por fim, a título de informação adicional e considerando que grande parte dos clientes da consulente são órgãos públicos (LACEN, ANVISA, Universidades), é importante ressaltar que a Resolução 971, de 12 de fevereiro de 2016, estabelece normas parra concessão de isenção do ICMS nas operações ou prestações internas, destinadas a órgãos da

Administração Pública Estadual Direta e suas Fundações e Autarquias, conforme previsto no Convênio ICMS 23/03, que por seu turno, autoriza os Estados e o Distrito Federal conceder tal benefício (podendo ser aplicado nas operações interestaduais para destinatários sediados em Estado signatário do referido convênio).

[1] Art. 7º - Estão obrigadas à inscrição no CAD-ICMS, antes do início de suas atividades, as seguintes pessoas jurídicas:

I - contribuintes do ICMS, conforme definidos no artigo 15 da Lei nº 2657/96, ainda que não realizem exclusivamente atividades sujeitas ao imposto;

RESPOSTA

É entendimento consolidado desta Coordenadoria que, pela literalidade do dispositivo, a imunidade prevista na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal compreende apenas o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais das entidades mencionadas no § 2º do mesmo artigo.

No que se refere aos tributos estaduais, a imunidade constitucional, reproduzida no Código Tributário Estadual ( Decreto-Lei nº 5, de 15 de março de 1975), alcança tão somente o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITD) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores Terrestres – IPVA; que são impostos sobre o patrimônio

Por sua vez, é entendimento pacificado desta Coordenadoria que a imunidade analisada não abrange o ICMS; que incide sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e telecomunicações.

Assim, não está correto o entendimento da consulente, uma vez que nas operações de venda ou doações dos seus produtos; em princípio, há a incidência do ICMS, ressalvadas as operações amparadas por isenção, nos termos do Convênio ICMS 26/2003, regulamentadas, no Estado do Rio de Janeiro, pela Resolução 971/16.

Por fim, fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.

CCJT, em 06 de fevereiro de 2020.