Medicamentos excepcionais da Portaria nº 1318/02, suas atualizações e FECP.
Trata-se de consulta tributária sobre interpretação da legislação tributária quanto à exceção do FECP para os medicamentos excepcionais previstos na Portaria MS nº 1.318/02 e suas atualizações.
Em síntese, na sua inicial (doc. 2711025) a consulente expõe o que segue:
Nos termos da alínea “b”, inciso I, artigo 2º da Lei nº 4056/02, os Medicamentos Excepcionais previstos na Portaria nº 1.318/02, de 23/07/02, do Ministério da Saúde, e suas atualizações e em Lei estadual específica estão excluídos para fins do adicional do FECP.
Em razão das diversas atualizações na legislação que trata de “medicamentos excepcionais” a consulente solicita esclarecimento.
O Programa de Medicamentos Excepcionais era disciplinado pela Portaria GM/MS nº 1.318/02, revogada pela Portaria GM/MS nº 2.577/06, que aprovou o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE) e, que, por conseguinte teve alterada a totalidade seu Anexo pela Portaria GM/SM nº 106/09.
No contexto de implementação de política Nacional de Assistência Farmacêutica, onde se propunha uma política adequadamente estruturada, o CMDE foi substituído pelo Componente Especializado de Assistência Farmacêutica (CEAF), tendo sido regulamentado pela Portaria GM/MS nº 2.981/09 (que revogou expressamente a Portaria GM/MS nº 2.577/06) a qual posteriormente foi revogada pela Portaria GM/MS nº 1.554/13.
Ocorre que, na substituição do CMDE pelo CEAF, o rol de medicamentos foi revisado e alterado.
Embora CMDE tenha sido substituído pelo CEAF, a legislação do Rio de Janeiro continuou indicando a expressão “medicamentos excepcionais” (CMDE). Assim, fundamenta a dúvida da consulente no sentido de definir qual o rol de medicamentos estão excluídos da regra de aplicação do adicional de 2% do FECP, bem como se essa exclusão se aplica a quaisquer operações realizadas com esses medicamentos independente de seu destinatário (contribuinte ou não do ICMS) e tipo de operação (venda, transferência, remessa, etc) assim como preconiza o artigo 2º, inciso I, alínea “b” da Lei n º 4.056/02.
É importante lembrar que a Portaria nº 1.554/13 que disciplina o CEAF, segrega os medicamentos em três grupos com características, responsabilidades e formas de organização distintas.
Os critérios de divisão estão relacionados à complexidade do tratamento da doença da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de cuidado, e manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do SUS.
Verifica-se, portanto que os medicamentos classificados pela Portaria como sendo dos grupos 1 e 2 guardam semelhança com a terminologia adotada na Política Nacional de Medicamentos para “medicamentos excepcionais”, como sendo aqueles “utilizados em doenças raras, geralmente de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos” e ambos dispõem sobre medicamentos para tratamento das doenças contempladas no âmbito do CEAF.
Em relação ao rol dos três grupos do CEAF, a Portaria dispõe que estão elencados em determinados Anexos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).
Diante do exposto a consulente entende:
1. Devem ser consideradas as nomenclaturas e disposições relativas ao CEAF, tal como a Portaria GM/MS nº 1.554/13.2.
Devem ser considerados, portanto, como excluídos da incidência do FECP os medicamentos dos grupos 1 e 2 do CEAF.
3. Deve ser considerada como lista o rol constante do Anexo III do RENAME o qual relaciona os medicamentos do “Componente Especializado de Assistência Farmacêutica”
4. A não sujeição do adicional de 2% do FECP aplica-se a quaisquer operações e destinatário dos medicamentos excepcionais nos termos do item 3 acima independente se venda, transferência, remessa, etc com destino a contribuinte ou não do imposto.
5. Devem ser consideradas as Portarias que revogam, alteram ou consolidam a Portaria GM/MS nº 1.554/13, a exemplo das Portarias de consolidação nº 02 e nº 7/17 considerando a previsão legal para atender suas atualizações e disposições de lei estadual específica.
Dessa forma, pergunta:
1. Está correto o entendimento da consulente, de que para fins de não incidência do FECP deve considerar os medicamentos arrolados no Anexo III – Componente Especializado de Assistência Farmacêutica constante da RENAME, segundo Portaria nº 1.554/13 e suas eventuais alterações (no contexto do CEAF)?
2. Uma vez determinada alista de medicamentos excepcionais, está correto o entendimento de que quaisquer operações, independente de seu título (venda, remessa, transferência, etc) ou destinatário (contribuição ou não do imposto), não se sujeitar-se-ão ao adicional de FECP?
O processo encontra-se instruído com o comprovante de recolhimento de Taxa de Serviços Estaduais (doc. 2711027) e parecer da AFE 06 (doc. 2823522) informando que o contribuinte não se encontra sob ação fiscal e que não existe débito pendente de julgamento relacionado à matéria sob consulta.
Análise e Resposta:
Preliminarmente, cumpre ressaltar que, o Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais (FECP) é um fundo constitucional cujos recursos advêm do acréscimo de alíquota do ICMS.
No Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 4.056/02 ao disciplinar a matéria, excetua os medicamentos excepcionais previstos na Portaria GM/ MS nº 1.318/02 em seu artigo 2º, inciso I, alínea “b” nos seguintes termos:
“Art. 2º - Compõem o Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais:
(...)
I - o produto da arrecadação adicional de dois pontos percentuais correspondentes a um adicional geral da alíquota atualmente vigente do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, com exceção:
(...)
b) dos Medicamentos Excepcionais previstos na Portaria nº 1318/02, de 23/07/02, do Ministério da Saúde, e suas atualizações e em Lei estadual específica;” (grifos nossos).
É fato que a Portaria GM/MS nº 1.318/02 sofreu sucessivas atualizações com revogação expressa das normas anteriores como segue:
Portaria GM/MS nº 1.318/02, que usava o conceito de “medicamentos excepcionais” (revogada pela Portaria GM/MS nº 2.577 de 27/10/06);
Portaria GM/MS nº 2.577/06, que usava o conceito de “Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional - CMDE” (revogada pela Portaria GM/MS nº 2.981 de 26/11/09);
Portaria GM/MS nº 2.981/09, que usava o conceito “Elenco de Referência Nacional de Medicamentos e Insumos Complementares para a Assistência Farmacêutica na Atenção Básica / Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF” (revogada pela Portaria GM/MS nº 2.577 de 27/10/06);
Portaria GM/MS nº 1.554/13 (em vigor), que usa o conceito de “Componente Especializado da Assistência Farmacêutica- CEAF”.
Tendo em vista que a matéria indicada no questionamento envolve aspectos relacionados à área da saúde, foi solicitado de ofício ao Ministério da Saúde, em especial ao Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos, esclarecimentos a respeito do termo “medicamentos excepcionais”. Em resposta ao Ofício ST nº 49/2016 (doc. 3364027), o referido Departamento respondeu na forma contida no Ofício nº 4468/2016/DAF/SCTIE/MS (doc. 3364223).
Destacamos os fragmentos transcritos como seguem:
1. “... a Portaria GM/MS nº 1.318/2002 estabeleceu um conjunto de medicamentos que, a partir daquele momento, eram os medicamentos excepcionais. Assim, verifica-se que havia um elenco de medicamentos com critérios explícitos para o seu fornecimento aos usuários do SUS, mas que, conceitualmente, não eram definidos com precisão”.
2. “O conceito sobre a definição de medicamentos excepcionais surgiu a partir da definição do Manual Técnico dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, publicado em 2002. (...).
Salienta-se que, até aquele momento, não havia sido publicado um marco regulatório específico sobre o conceito de medicamentos excepcionais, apesar que tais definições, ainda informais, foram importantes para a constituição do Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional”.
3. “Em 2006, o Programa de Medicamentos Excepcionais foi alterado pelo Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional (CMDE) pela Portaria GM/MS nº 2.577 de 27 de outubro de 2006. Essa Portaria marcou a definição do que o SUS entendia por medicamentos excepcionais ou de dispensação excepcional...”
4. “Assim, a partir de 2010, o Sistema Único de Saúde abandonou o conceito de “excepcionalidade” ou de “medicamentos excepcionais”, porque havia o entendimento que o SUS não estava ofertando medicamentos de forma excepcional aos usuários, mas sim por meio de uma Política Pública adequadamente estruturada (Política Nacional de Assistência Farmacêutica). Dessa forma, o CMDE foi substituído pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF (regulamentado pela Portaria GM/MS nº 2.981/2009 e, posteriormente, pela Portaria GM/MS nº 1.554/2013). Assim, para resolver esse problema conceitual e que gerava problemas de gestão, foi utilizada a estratégia de resgate do princípio da integralidade do SUS...” (grifos nossos).
5. “Na substituição do CMDE pelo CEAF foi revisado todo o elenco de medicamentos, havendo inclusões e exclusões de medicamentos visando a busca da garantia do tratamento das doenças tratadas e alguns medicamentos foram realocados para o Componente Básico da Assistência Farmacêutica. Além disso, foi instituído um Grupo específico de medicamentos (medicamentos do Grupo 3 do CEAF) que são financiados no âmbito do Componente Básico da Assistência Farmacêutica mas são fundamentais para o tratamento das doenças tratadas no CEAF” (grifos nossos).
6. Dessa forma, conclui-se que desde 2010 não há mais um elenco de “medicamentos excepcionais” no âmbito do SUS. Considerando todas as limitações pertinentes referentes a mudanças de conceitos, medicamentos e doenças tratadas no período de 2002 a 2016, pode-se conferir que a maioria do elenco descrito na Portaria GM/MS nº 1.318/2002 continua padronizado no SUS nos Grupos 1 e 2 do CEAF (de acordo com a Portaria GM/MS nº 1.554/2013). A partir das informações técnicas apresentadas, sugere-se, respeitosamente, que a legislação local que emprega a expressão “medicamentos excepcionais” seja atualizada considerando a atual conformação e conceitos que organizam e definem a Assistência Farmacêutica no âmbito do SUS” (grifos nossos).
Parece-me que conforme já considerava a Portaria GM/MS nº 1.318/02, as atualizações foram realizadas no sentido de atender a “necessidade de ampliar as situações clínicas em que os medicamentos excepcionais são indicados e de incrementar a cobertura assistencial e o quantitativo de pacientes atendidos”.
Nesse sentido, a Portaria GS/SM nº 1.554/13 ao dispor sobre o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, divide em três grupos conforme características, responsabilidades e formas de organização distintas como segue:
"Art. 3º Os medicamentos que fazem parte das linhas de cuidado para as doenças contempladas neste Componente estão divididos em três grupos conforme características, responsabilidades e formas de organização distintas: I - Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de financiamento pelo Ministério da Saúde, sendo dividido em: a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada pelo Ministério da Saúde e fornecidos às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal, sendo delas a responsabilidade pela programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e b) Grupo 1B: medicamentos financiados pelo Ministério da Saúde mediante transferência de recursos financeiros às Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal para aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; II - Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal pelo financiamento, aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação para tratamento das doenças contempladas no âmbito do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e III - Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade das Secretarias de Saúde do Distrito Federal e dos Municípios para aquisição, programação, armazenamento, distribuição e dispensação e que está estabelecida em ato normativo específico que regulamenta o Componente Básico da Assistência Farmacêutica. Art. 4º Os grupos de que trata o art. 3º são definidos de acordo com os seguintes critérios gerais: I - complexidade do tratamento da doença; II - garantia da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de cuidado; e III - manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão do SUS. Art. 5º O Grupo 1é definido de acordo com os seguintes critérios específicos: I - maior complexidade do tratamento da doença; II - refratariedade ou intolerância a primeira e/ou a segunda linha de tratamento; III - medicamentos que representam elevado impacto financeiro para o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica; e IV - medicamentos incluídos em ações de desenvolvimento produtivo no complexo industrial da saúde. Art. 6º O Grupo 2 é definido de acordo com os seguintes critérios específicos:
I - menor complexidade do tratamento da doença em relação ao Grupo 1; e II - refratariedade ou intolerância a primeira linha de tratamento. Art. 7º O Grupo 3 é definido de acordo com os medicamentos constantes no Componente Básico da Assistência Farmacêutica e indicados pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, publicados na versão final pelo Ministério da Saúde como a primeira linha de cuidado para o tratamento das doenças contempladas pelo Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Art. 8º O elenco de medicamentos de que trata o art. 3º está descrito nos Anexos I, II e III. § 1º Os medicamentos dos Grupos 1 e 2 constituem o Anexo III da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) vigente. § 2º Os medicamentos do Grupo 3 compõem parte do Anexo I da RENAME vigente". (grifos nossos)
É fato que conceitualmente não existe nenhuma relação entre “medicamentos excepcionais” da Portaria GM/SM nº 1.318/02 e o “Componente Especializado de Assistência Farmacêutica – CEAF” da Portaria GM/SM nº 1.554/13 atualmente em vigor.
Ainda que o rol do citado Anexo III (grupos I e II) possa guardar alguma relação de coincidência com a antiga lista de “medicamentos excepcionais”, conforme afirmado pela consulente, houve, como observado, “mudanças de conceito, medicamentos e doenças tratadas no período de 2002 a 2016”, conforme discorre o Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos, o que nos impossibilita concluir pela equivalência.
Adicionalmente, observe-se que a expressão “e em Lei estadual específica” foi acrescentada à alínea “b”, inciso I, artigo 2º da lei nº 4.056/02 pela Lei Complementar nº 167/15,conforme fragmento acima transcrito, porém ainda não há previsão na legislação fluminense que disponha sobre “medicamentos excepcionais”.
Dessa forma, em face da obrigatoriedade de interpretação literal de norma isentiva, conforme determina o artigo 111, II, do Código Tributário Nacional (CTN), em resposta à primeira pergunta da consulente entendemos não ser aplicável a isenção sobre os medicamentos descritos na alínea “b”, inciso I, artigo 2º da Lei nº 4.056/02 por não ser possível a verificação do seu alcance já que o Ministério da Saúde, conforme disposto acima, afirma que se “abandonou o conceito de medicamentos excepcionais” e que “não há mais um elenco de medicamentos excepcionais no âmbito do SUS”, tornando-se necessária a edição de dispositivo normativo que determine a aplicabilidade da isenção do FECP para os medicamentos do SUS face às suas atualizações de nomenclaturas e conceitos.
Diante do exposto, a segunda pergunta da consulente restou prejudicada.
Considerando a resposta do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, sugerimos o envio de cópia do presente para a Coordenadoria de Estudos e Legislação tributária (CELT) e também para a Superintendência de Tributação, com o objetivo de analisar a alteração normativa.
Por fim, fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 20 de fevereiro de 2020.