Estabelecimento Industrial e Atacadista. Aquisição de Combustível para Abastecimento de Veículo. Distribuição das Mercadorias ou Produtos. Créditos do ICMS: Inadmissibilidade, exceto grande consumidor.
RELATÓRIO.
A empresa, estabelecimento matriz localizado no Estado de São Paulo, inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS do Estado do Rio de Janeiro como contribuinte substituto, possuindo diversas filiais neste Estado (inscrições estaduais 11.287.387, 86.671.808, 86.533.111, 86.510.200, 79.874.973, 81.989.125), expõe o que segue.
A consulente é empresa industrial e comercial, especialista em panificação, que se dedica, em síntese, às atividades de: (i) fabricação de produtos de panificação industrial, e (ii) comércio atacadista e varejista de pães, bolos, biscoitos e similares.
A comercialização das mercadorias que produz obedece a um rigoroso esquema logístico, pois, em razão da sua natureza bastante perecível, precisam ser entregues diretamente aos clientes/centros de distribuição. Para tanto, a consulente conta com frota própria, bem como com veículos alugados de terceiros.
Ocorre que, diante do grande volume de operações praticadas, os custos com esse esquema logístico, dentre os quais se encontra o combustível necessário para cobrir as rotas, são altíssimos, e é onde reside a dúvida da consulente quanto às implicações tributárias.
Informa a consulente que, no âmbito do Estado de São Paulo, tomou conhecimento da Decisão Normativa CAT n.º 01/2001 (DOE, de 27/04/2001), que versa sobre a possibilidade de creditamento do ICMS incidente na aquisição de combustível destinado a abastecer os veículos utilizados na distribuição dos produtos comercializados.
Voltando-se para a legislação tributária do Estado do Rio de Janeiro, analisou os artigos 32 a 37 da Lei n.º 2.657/96 e os artigos 25 a 36 do Livro I do Regulamento do ICMS (RICMS/00), aprovado pelo Decreto n.º 27.424/700, em busca de disposição similar àquela do Estado de São Paulo. Porém, não localizou autorização, tampouco vedação expressa ao aproveitamento do crédito do ICMS incidente na aquisição de combustível destinados aos veículos (próprios e alugados) que emprega na distribuição de seus produtos.
Isto posto, Consulta:
1) É possível o aproveitamento de crédito relativo ao ICMS incidente na aquisição, pela consulente, de combustível destinado a abastecer os veículos de sua propriedade (frota própria) que são empregados na distribuição dos produtos por ela fabricados?
2) É possível o aproveitamento de crédito relativo ao ICMS incidente na aquisição, pela consulente, de combustível destinado a abastecer os veículos por ela alugados (frota de propriedade de terceiros) que são empregados na distribuição dos produtos por ela fabricados?
O processo encontra-se instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa – arquivo Documento (2149791).
A documentação referente ao pagamento da TSE está também no arquivo Documento (2149791 – DOC 02). O processo foi formalizado no DAC e encaminhado à AFE - 10, de jurisdição da consulente, que informou, nos Despachos de Encaminhamento de Processo SEFAZ/AFE 10 10 3021357 e 10 3021393 que: (i) a consulente atendeu aos requisitos previstos nos artigos 151, 152 e 165 do Decreto nº 2473/79; (ii) não há auto de infração lavrado contra a consulente pendente de decisão final cujo fundamento esteja, direta ou indiretamente, relacionado às dúvidas suscitadas, e; (iii) em consulta à raiz de CNPJ da consulente no sistema PLAFIS (Dossiê do Contribuinte), foi constatada a existência de RAFs não finalizados.
Considerando que os procedimentos fiscais não finalizados não têm relação com a matéria objeto da presente consulta, o processo está em condições de prosseguir para exame do mérito.
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO.
O princípio da não-cumulatividade próprio do ICMS surgiu com o antigo ICM na Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, que institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios, que passou a ser denominado Código tributário Nacional (CTN), regulando o novo Sistema Tributário Nacional instituído pela Emenda Constitucional de 1º de dezembro de 1965.
Dispunha o artigo 54 do CTN que o “imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias saídas do estabelecimento e o pago relativamente às mercadorias nele entradas”.
O referido artigo 54 foi revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968, sendo a norma substituída pelo disposto no seu artigo 3º que, em linha com o artigo revogado, dispõe que:
“Art. 3º - O imposto sobre circulação de mercadorias é não cumulativo, abatendo-se, em cada operação o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado.
§ 1º - A lei estadual disporá de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente às mercadorias saídas do estabelecimento e o pago relativamente às mercadorias nele entradas. O saldo verificado em determinado período a favor do contribuinte transfere-se para o período ou períodos seguintes”.
O princípio da não-cumulatividade próprio do ICMS foi consagrado no § 2º do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, ao dispor que:
“§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;”.
O Convênio ICM 66/88 estabeleceu provisoriamente as normas do ICMS, sendo o capítulo da compensação artigos 28 e 29, tratado conforme abaixo:
“Art. 28 O imposto será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 29 - A lei poderá dispor que o montante devido resulte da diferença a maior entre o imposto devido nas operações tributadas com mercadorias ou serviços e o cobrado, relativamente às operações e prestações anteriores, e seja apurado:
II - por mercadoria ou serviço, dentro de determinado período;
III - por mercadoria ou serviço, à vista de cada operação ou prestação”.
Todo o histórico acima objetiva enfatizar que a não-cumulatividade do ICMS consistia em permitir ao contribuinte créditos do ICMS decorrente da entrada da mercadoria no seu estabelecimento para ser compensado com o débito gerado pela subsequente saída. Ou seja, a mercadoria ingressa no estabelecimento e não industrializada para ser subsequentemente vendida pelo industrial, ou não revendida pelo atacadista ou varejista, não gerando débito do ICMS, também não gerava direito a créditos do ICMS.
O cenário mudou com a edição da Lei Complementar federal n.º 87/96 (Lei Kandir) com a inovação introduzida pelos artigos 19 e 20, ampliando as possibilidades de creditamento:
“Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação”.
Contudo, em razão do forte impacto negativo na arrecadação do ICMS, principal fonte de receita dos Estados, a própria Lei Kandir estabeleceu limites para o aproveitamento do crédito relativo à aquisição de bem do ativo permanente (inicialmente à razão de 1/60 avos da relação entre a soma das saídas e prestações isentas e não tributadas e o total das saídas e prestações no mesmo período, e, posteriormente, à razão de 1/48), e postergou o direito ao crédito na aquisição de mercadorias destinada a uso ou consumo (inicialmente a partir de a partir de 1º de janeiro de 1998 e, atualmente, somente a partir de 1º de janeiro de 2033).
RESPOSTA.
1 e 2) O exercício da competência tributária concernente ao ICMS, prevista no inciso II do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, abrange a definição do fato gerador, a fixação base de cálculo e da alíquota, o estabelecimento das normas para a apuração e compensação do imposto, dentro dos parâmetros da própria CF/88 e da Lei Complementar federal n.º 87/96.
Dessa forma, em vista das disposições contidas no Capítulo VII da Lei n.º 2.657/96 e no Título VI do Livro I do RICMS/00, para o Fisco fluminense, como regra geral, combustível consumido em veículos próprios ou alugados, utilizados na comercialização de mercadorias ou produtos é considerado material de uso/consumo, e, como tal, somente dará direito ao aproveitamento de créditos a partir de 01/01/2033, de acordo com o inciso I, artigo 33, da Lei Complementar federal n° 87/96, alterado pela Lei Complementar federal n° 171/19.
Por outro lado, há norma específica no caso de óleo diesel utilizado por grande consumidor, assim entendido aquele que o adquirir diretamente de empresa distribuidora o produto mencionado para consumo próprio, hipótese em que é permitido o aproveitamento de créditos, conforme o disposto no § 3º do artigo 46 do Livro IV do RICMS/00. Atendida essa condição, o dispositivo regulamentar aplica-se ao veículo próprio ou alugado.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 13 de fevereiro de 2020