Decreto n.º 46.799/19. Projetos Independentes de Usinas de Geração de Energia Elétrica. Empresa Já Existente. Admissibilidade. Novo Empreendimento.
RELATÓRIO.
A empresa acima qualificada, localizada no Município de Macaé, inicialmente, informa que se dedica à geração de energia elétrica por meio de usina termoelétrica, que transforma gás natural em energia elétrica. Além da operação existente, informa que pretende participar de leilões de “Energia Existente”, que serão promovidos pela ANEEL, o que irá demandar a realização de obras em sua usina termoelétrica, a fim de modernizá-la e ampliá-la.
Nesse contexto, a consulente tomou conhecimento do Decreto n.º 46.799/19, que dispõe sobre tratamento tributário diferenciado – TTD para usinas de geração de energia elétrica, concedendo diferimento do ICMS em diversas operações.
Entretanto, nos termos do seu artigo 1°, o TTD será concedido “às empresas ou consórcios estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro que implementarem projetos independentes de usinas de geração de energia elétrica, desde já consideradas de relevante interesse econômico e social para o Estado, tratamento tributário diferenciado, conforme disposto neste Decreto”.
Considerando a sua situação, uma vez que já possui uma usina em funcionamento, a consulente está em dúvida se o TTD concedido pelo referido decreto seria a ela aplicável - ou seja, para projetos já existentes, ou apenas para novos projetos de geração de energia elétrica.
Para elaborar seu entendimento, observa que o Decreto n.º 46.799/19 foi editado com fundamento no artigo 3º, § 7º, da Lei Complementar federal n.º 160/17, segundo o qual as unidades federadas poderão estender a concessão das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais convalidados junto ao CONFAZ a outros contribuintes estabelecidos em seu território, sob as mesmas condições e nos prazos-limites de fruição.
Neste sentido, aponta que, em vista da referida Lei Complementar n.º 160/17, o Estado do Rio de Janeiro estendeu os benefícios do Decreto n.º 45.308/15 - que concedia benefícios às empresas ou consórcios vencedores do 20º Leilão A-5 de energia nova de 2014 e ao Leilão A-5 Nº 3/15 – para todas as demais empresas do setor.
Em vista do que consta da introdução ao Decreto n.º 46.779/19 – de aplicação do disposto no § 7º, do artigo 3º da Lei Complementar nº 160/17 - entende a consulente que não faz sentido que os benefícios previstos no decreto em questão se apliquem exclusivamente a novos projetos, eis que o fundamento da Lei Complementar n.º 160/17 é justamente permitir que benefícios que antes se aplicavam a um grupo restrito de contribuintes possam ser aplicados a todos os contribuintes.
Entende ainda a consulente que assim fosse criar-se-ia tratamento anti-isonômico entre contribuintes, o que é vedado pelo artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Além disso, destaca que, diferentemente do Decreto n.º 45.308/15, não há exigência de contrapartida financeira estabelecida pelo Decreto n.º 46.799/19, o que demonstra ser de caráter geral o benefício fiscal do Decreto n.º 46.799/19.
Assim, entende a consulente que as únicas condições para fruição do benefício seriam aquelas previstas no parágrafo único do artigo 1º (necessidade prévia de licença ambiental) e artigo 4º (casos de irregularidade fiscal ou ambiental perante o Estado do Rio de Janeiro), uma vez que o preâmbulo do Decreto n.º 46.799/19 já considera que usinas de energia elétrica são de relevante interesse econômico.
Isto posto, Consulta:
1) Os benefícios do Decreto n.º 46.799/19 podem ser aplicados a usinas de energia elétrica que já estão em funcionamento no Estado do Rio de Janeiro?
2) O parágrafo único do artigo 1º desse decreto seria um indicativo de que é possível aplicar tais benefícios às usinas de energia elétrica já existentes?
3) Em caso de resposta afirmativa à primeira pergunta, os benefícios do referido decreto poderiam se aplicar às usinas de energia elétrica que, apesar de já estarem em funcionamento, realizem obras de modernização e ampliação para fins de participação em novos leilões promovidos pela ANEEL, ou seja, para fins de implementação de novos projetos?
4) O ICMS diferido na forma do artigo 2º, § 2º, I, ao ser pago, permitiria o reconhecimento do crédito?
O processo encontra-se instruído com cópias digitalizadas que comprovam a habilitação do signatário da inicial para peticionar em nome da empresa - Documento Representação (2724892). A documentação referente ao pagamento da TSE está no arquivo Comprovante de Recolhimento de Custas (2724894). O processo foi formalizado no DAC e encaminhado à AFE - 03, de jurisdição da consulente, que informou, no Despacho de Encaminhamento de Processo SEFAZ/AFE 03. 21 2751238, que o contribuinte não se encontra sob ação fiscal em relação à matéria objeto de consulta.
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO.
O processo de conversão de energia térmica (calor) em eletricidade (termogeração elétrica) passou a receber incentivos fiscais no Estado do Rio de Janeiro. Na tentativa de elucidar a questão, faremos uma análise comparativa da legislação tributária que concedeu incentivos para o setor de termogeração de energia elétrica aos contribuintes fluminenses:
1º) Preâmbulo e artigo 1º do Decreto n.º 26.271/00 e (em vigor de 04/05/00 a 31/12/17):
“CONSIDERANDO a gravidade da situação de abastecimento de energia elétrica na região do Estado do Rio de Janeiro;
CONSIDERANDO a necessidade de instalação de novas usinas de termogeração elétrica, que utilizem tecnologia de ponta no seu processo industrial, aproveitem gás natural extraído da Bacia de Campos e que proporcionem a criação de novos empregos, com preservação do meio ambiente, bem como da saúde e segurança dos empregados;
CONSIDERANDO ainda, que o suprimento adequado de energia elétrica poderá proporcionar a instalação de novas indústrias o melhor funcionamento das existentes e do comércio, e permitir o incremento da arrecadação tributária;
CONSIDERANDO finalmente, que compete ao Poder Público zelar, defender e incentivar a economia do Estado, DECRETA:
“Art. 1º - As empresas que vierem a constituir-se no Estado do Rio de Janeiro para nele implementarem projetos independentes de termogeração de energia elétrica a gás, desde já consideradas de relevante interesse econômico e social para o Estado, é concedido regime de diferimento do ICMS.
§ 1º - Para fruição do tratamento tributário previsto neste artigo, as empresas deverão ter seus respectivos projeto e cronograma de implantação aprovados pela Secretaria de Estado de Energia, da Indústria Naval e do Petróleo, no prazo de 2 (dois) anos a contar da publicação deste Decreto.
§ 2º - O regime de diferimento de que trata o caput deste artigo pode ser usufruído por outra empresa, indicada pela empresa responsável pelo projeto independente de termogeração de energia elétrica a gás, devendo ser feita comunicação ao fisco no prazo de 30 (trinta) dias contado da data da substituição”.
2º) Decreto n.º 43.008/11 (em vigor 07/06/11 a 31/12/2017):
“Art. 1º - Sem prejuízo dos demais benefícios constantes do Decreto nº 26.271/00, alterado pelos Decretos nº 28374/01 e nº 42399/10, fica concedido às empresas estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro que implementarem projetos independentes de usinas de termogeração a gás, contempladas no Leilão de Energia A-3 de 2011, redução de base de cálculo de acordo com o disposto no § 1º deste artigo.
...............................................;
§ 4º - O benefício concedido por este decreto só se aplica à energia contratada pelo Leilão A-3 de 2011”.
3º) Decreto n.º 44.364/13 (em vigor de 03/09/13 a 31/12/17):
“Art. 1º - Fica concedido às empresas estabelecidas no Estado do Rio de Janeiroque implementarem projetos independentes de usinas de termogeração de energia elétrica, desde já consideradas de relevante interesse econômico e social para o Estado, tratamento tributário especial conforme disposto neste Decreto.
Parágrafo único - O tratamento tributário especial referido no caput deste artigo só se aplica:
I - a empreendimentos que já tenham obtido a licença ambiental;
II - a empresas vencedoras para o fornecimento de energia no Leilão A-5 de 2013”.
4º) Decreto n.º 46.799/19 (em vigor a partir de 01/12/19 até 31/12/32):
“Art. 1º - Fica concedido às empresas ou consórcios estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro que implementarem projetos independentes de usinas de geração de energia elétrica, desde já consideradas de relevante interesse econômico e social para o Estado, tratamento tributário diferenciado, conforme disposto neste Decreto.
Parágrafo único - O tratamento tributário especial referido no caput só se aplica a empreendimentos que já tenham obtido a licença prévia ambiental”.
Inicialmente, o Decreto n.º 26.271/00 focou em novas empresas de termogeração elétrica que se instalassem no Estado. Os projeto e cronogramas de implantação deveriam ser aprovados pela Secretaria de Estado de Energia, da Indústria Naval e do Petróleo, sob a perspectiva de utilizarem tecnologias de ponta, aproveitar o gás natural extraído da Bacia de Campos e proporcionar a criação de novos empregos, com preservação do meio ambiente, bem como da saúde e segurança dos empregados.
Nesse contexto, a empresa já existente não seria alcançada pelo incentivo, exceto se fosse indicada pela empresa recém instalada responsável pelo novo projeto de termogeração de energia elétrica a gás, conforme previsto no § 2º do seu artigo 1º.
O Decreto n.º 43.008/11, amparado no Decreto n.º 26.271/00, foi específico para a energia contratada pelo Leilão A-3 de 2011, porém, retirando condições estabelecidas pelo Decreto n.º 26.271/00.
Posteriormente, o Decreto n.º 44.364/13, já sem menção a evento futuro (“empresas que vierem a constituir-se no Estado do Rio de Janeiro”), concedeu incentivo às empresas estabelecidas no Estado do Rio de Janeiro que implementarem projetos independentes de usinas de termogeração de energia elétrica, introduzindo a obrigatoriedade de prévia licença ambiental e ausência de irregularidades que menciona, porém, apenas às empresas vencedoras para o fornecimento de energia no Leilão A-5 de 2013.
Por fim, o Decreto n.º 46.799/19, sem as condições do Decreto n.º 26.271/00 e a exclusividade quanto ao Leilão A-5 de 2013 estabelecida no Decreto n.º 44.364/13, concedeu incentivo às empresas ou consórcios estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro que implementarem projetos independentes de usinas de geração de energia elétrica, mantendo a obrigatoriedade de prévia licença ambiental e ausência de irregularidades que menciona.
RESPOSTA.
1 a 3) Com base nos fundamentos acima, concluímos que o Decreto n.º 46.799/19 pode ser utilizado por empresas ou consórcios estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro já existentes, não sendo exclusivo às novas empresas de termogeração que virem se instalar em solo fluminense.
Contudo, deve ser observado que o tratamento tributário diferenciado (TTD) do Decreto n.º 46.799/19 contempla exclusivamente projetos “independentes”. Como não há na legislação tributária uma definição do que venha a ser “projetos independentes”, nos resta abordar a questão com base no sentido comum da palavra. Neste sentido, projeto “independente” é aquele que: (i) “tem autonomia, sem manter vínculo com outros”, ou; (ii) “não está subordinado e não mantém relação com outros”.
Dessa forma, é entendimento da Coordenadoria de Tributação que projetos “independentes” são aqueles resultantes da aquisição de novas máquinas, equipamentos, peças, partes e acessórios destinados à instalação de um empreendimento, independente do já existente, o que exclui as ações de modernização e ampliação das instalações já existentes. Neste aspecto, é importante destacar que, conforme o artigo 111 do Código Tributário Nacional, atos normativos que tratam de benefícios fiscais devem ser interpretados literalmente.
4) A resposta a este item será dada em tese e não implica em reconhecimento ao direito da consulente em utilizar o TTD em exame, que dependerá do empreendimento a ser realizado.
Respondendo ao questionamento, o diferimento do ICMS é uma postergação do momento do lançamento à débito para efeito do recolhimento do imposto devido. Assim, em regra, após o pagamento do imposto diferido o contribuinte tem direito ao crédito correspondente, cumprindo-se assim o disposto no artigo 32 da Lei n.º 2.657/96, observados os limites e vedações estabelecidos nos artigos 34 a 37 da mesma ou em legislação específica.
Focando no disposto no § 2º do artigo 2º do Decreto n.º 46.799/19, objeto da consulta, este dispõe que:
“§ 2º - O valor do imposto diferido nos termos dos incisos IV e V será:
I - pago mensalmente, até o quinto dia do mês subsequente ao das saídas interestaduais ou internas de energia elétrica, nos casos de redução total ou parcial de tributação, ou;
II - considerado englobado no imposto devido nas saídas internas tributadas integralmente”.
O artigo 2º, § 2º, acima transcrito, dispõe sobre o pagamento do ICMS diferido na aquisição interna ou importação de gás natural, ainda que liquefeito, a ser utilizado no processo de geração de energia elétrica. Assim, em relação à subsequente saída da energia elétrica produzida, a consulente deve observar:
1º) Nas saídas interestaduais, considerando que o ICMS não incide sobre operações interestaduais relativas à energia elétrica produzida quando destinados à industrialização ou à comercialização (inciso III, artigo 3º, Lei Complementar federal n.º 87/96), não há direito ao crédito do ICMS diferido, ex-vi, inciso I do artigo 36 da Lei n.º 2.657/96.
2º) Nas saídas internas tributadas integralmente, considerando que o valor do imposto diferido será considerado englobado no imposto devido, ao final, fica dispensado o seu pagamento. Assim sendo, inexistindo débito na operação anterior, não haverá também direito ao aproveitamento de crédito (artigo 32 da Lei n.º 2.657/96).
3º) Na hipótese de saídas internas de energia elétrica com redução total não haverá direito a crédito, da mesma forma, com base ou no referido inciso I do artigo 36 da Lei n.º 2.657/96.
4º) Na hipótese de saídas internas de energia elétrica com redução parcial de tributação, o direito ao crédito do ICMS diferido na aquisição de gás será proporcional à redução, conforme inciso V do artigo 37 da citada Lei n.º 2.657/96.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária ou seja editada norma superveniente dispondo de forma contrária.
CCJT, em 06 de fevereiro de 2020