Eventos e Feiras. Responsabilidade solidária do promotor do evento. Seção III do capítulo XX do Anexo XIII da parte II da Resolução n° 720/2014. Questionamento quanto à constitucionalidade e legalidade de norma. Incompetência desta coordenadoria.
RELATÓRIO
Trata a presente consulta de requisição, formulada pela entidade acima qualificada, quanto à responsabilidade tributária solidária atribuída ao promotor de eventos pelo pagamento do ICMS devido (assim como acréscimos legais decorrentes das operações e prestações realizadas durante tais eventos) por participantes do respectivo evento, prevista na Seção III do Capítulo XX do Anexo XIII da Parte II da Resolução nº 720/2014.
Informa na inicial que o normativo supracitado “tem provocado uma inegável indisposição por parte dos organizadores e promotores de eventos de os realizarem no Estado do Rio de Janeiro”. Acrescenta que “ela também malfere, como se irá demonstrar abaixo, diversas normas legais e constitucionais de ordem tributária, razão pela qual deveria ser proscrita da legislação estadual”. Adicionalmente, afirma que a regra prevista na Seção III, mencionada acima, extrapola os limites legais da própria legislação tributária estadual, assim como distorce os preceitos do CTN.
Transcreve o art. 124 do CTN e inicia uma explanação sobre o normativo.
Desta maneira, defende que “o organizador ou promotor de eventos não tem interesse comum na situação que constitua o fato gerador do ICMS, na medida em que a realização de vendas não faz parte de qualquer das suas atividades, pois não desempenha, contribui ou colabora para a consecução de operações relativas à circulação de mercadorias de qualquer empresa”.
Menciona trechos de algumas decisões do STJ e STF, e conclui que:
“Conclui-se, portanto, que a solidariedade por "interesse comum" decorre, apenas, dos casos em que a pessoa está na mesma situação, prestação ou estado de fato (jurídico) identificada pela hipótese de incidência ao sujeito passivo "originário", sendo esta pessoa igualmente contribuinte ou responsável.
No presente caso, como visto, não há qualquer tipo de vinculação entre as atividades desempenhadas pelos organizadores de eventos com aos fatos geradores do ICMS, praticados pelos participantes/expositores destes mesmos eventos.
Ademais disso, o promotor de eventos e organizadores tampouco são contribuintes do ICMS e sequer possuem inscrição fiscal estadual, sendo apenas prestadores de serviços sujeitos ao pagamento do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN), sob a égide do subitem 17.10 da lista de serviços anexa à LC 116/2003.
Assim, fica claro ver que seja qual for o entendimento adotado sob o ponto de vista interpretativo da norma contida no inciso I do art. 124 do CTN, pode-se concluir que a definição de interesse comum não abrange, em momento algum, a simples organização/promoção de eventos, como no caso sub oculis, até mesmo porque, sujeita exclusivamente à incidência do ISSQN.”
Já com relação à responsabilidade disposta no inciso II do art. 124 do CTN, “ela guardar relação com a situação ou atividades econômicas ou ao menos financeiras inter-relacionadas existentes e entre sujeitos passivos tributários (contribuinte e responsável) – no caso, entre organizador do evento e respectivo participante”. Por fim, cita o art. 128 do mesmo código.
Posteriormente, expõe exemplo de contrato já existente, e infere:
“Fato é que as atividades dos organizadores ou promotores de eventos são completamente estranhas à circulação de mercadorias e, portanto, não possuem relação com os fatos geradores de vendas de bens ocorridos eventualmente em feiras. A rigor, os eventos são em geral destinados à promoção de empresas e de produtos, e não a venda de mercadorias in loco.
Portanto, afigura-se inapropriada e ilegal a instituição de hipótese específica de responsabilidade tributária, sem que estejam presentes requisitos de realidade jurídica (interesse comum) e tributária (relação econômica e operacional juridicamente qualificada), de modo que a previsão da Resolução n. 720/2014 viola frontalmente os requisitos previstos no artigo 124 e 128 do Código Tributário Nacional.”
Traz o art. 19 da Lei nº 2.657/96, assim como o art. 20 do Livro I do RICMS, que tratam da responsabilidade solidária.
Isto posto, consulta:
“1) Considerando o teor do art. 93, inciso III do Capítulo XX da Resolução SEFAZ 720/2014, com a redação dada pela Resolução SEFAZ 33/2019, que estabeleceu a responsabilidade tributária solidária do Promotor de Eventos, Feiras, Exposições e similares pelo pagamento do ICMS devido e não recolhido por expositores, feirantes e similares caso tenham realizado (eventuais) operações, é correto o entendimento segundo o qual a responsabilização solidária prevista na referida norma somente estará configurada, caso o Promotor de Eventos tenha firmado com o participante/expositor relação contratual que lhe permita expressamente acesso às informações e elementos diretamente vinculados ao fato gerador do ICMS, capazes de configurar o “interesse comum” previsto na legislação tributária (tais como relações de vendas, faturamento, acesso a notas fiscais, relação de compradores, dentre outros)?
2) Desta forma, considerando a hipótese de inexistir qualquer tipo de vinculação contratual entre estes Promotores de eventos e os respectivos expositores/feirantes que lhes permita contribuir, à luz dos princípios da capacidade colaborativa, proporcionalidade e razoabilidade, com a identificação de eventuais fatos geradores do ICMS, por falta de elementos mínimos, tal como demonstrado pelo Consulente no modelo contratual anexo, é correto o entendimento segundo o qual a norma em referência (art. 93, inciso III do Capítulo XX da Resolução SEFAZ 720/2014) não será aplicada ao caso concreto?”
Conclui sua consulta solicitando que “seja promovida a revisão das normas e procedimentos de fiscalizatórios relativamente às obrigações tributárias dos promotores de eventos, de forma que seja derradeiramente REVOGADA a norma do art. 93, inciso III do Capítulo XX da Resolução SEFAZ 720/2014, com a redação dada pela Resolução SEFAZ 33/2019, de forma que os mesmos não mais sejam considerados responsáveis solidários relativamente às operações de venda realizadas pelos participantes/expositores nos eventos”.
O presente processo encontra-se instruído com a inicial (doc. SEI nº 42547474), o DARJ, DIP e comprovante de pagamento de taxa (doc. SEI nº 42547476), bem como com os respectivos atos constitutivos, documento de identificação e procuração (docs. SEI nº 42547478, nº 42547480). Acosta, também, cópia do contrato de participação mencionado na inicial (doc. SEI nº 42547481).
Por fim, através do despacho SEI nº 43302303 o PCF 01, observando o despacho SEI nº 43247464, informou que “foi verificado que não existe procedimento fiscal contra a consulente”. Em seguida, a Superintendência de Fiscalização e Inteligência Fiscal encaminhou o processo à SUT, conforme documento SEI nº 43310539.
ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, cumpre ressaltar que, conforme disposto no Regimento Interno da SEFAZ, aprovado pela Resolução SEFAZ nº 414/2022, a competência da Superintendência de Tributação, bem como da Coordenadoria de Consultas Jurídico Tributárias abrange a interpretação da legislação tributária fluminense em tese, cabendo verificação da adequação da norma ao caso concreto exclusivamente à autoridade fiscalizadora ou julgadora. Com efeito, não se encontra dentro das atribuições deste órgão avaliar a constitucionalidade, legalidade, adequação ou pertinência de norma vigente, tampouco realizar procedimentos fiscais visando conferir a exatidão das alegações apresentadas.
Ademais, esclarecemos que o objetivo das soluções de consulta tributária é elucidar questões objetivas formuladas pelos consulentes acerca da interpretação de dispositivos específicos da legislação tributária no âmbito da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, presumindo-se corretas as informações e documentos apresentados pela consulente, assim como as informações e verificações de competência da autoridade fiscal. Vale enfatizar que a verificação quanto a veracidade e completude dos dados apresentados pela consulente não é objeto desta consulta, motivo pelo qual este instrumento será respondido considerando as informações prestadas.
Ainda, soluções de consulta não convalidam tratamentos tributários, regimes, operação de reorganização societária, termos de adesão, cálculos, pagamentos alegados pelo consulente, interpretações, benefícios, informações, ações ou omissões aduzidas na consulta, bem como não possuirão validade de documento pericial para instruir defesas e alegações no âmbito de processo judiciário. Cabe, ainda, destacar que não compete à SUT a verificação quanto à devida confirmação de entrada em receita do imposto e/ou da Taxa referente à consulta jurídico-tributária prevista na legislação, sendo requisito formal de verificação, no momento da instrução processual, por parte da repartição responsável pela abertura do presente. Repise-se que os processos de consulta não se destinam a avalizar e analisar pareceres ou decisões de outros órgãos, sob pena de invasão de competência.
Passemos então para a análise da matéria objeto da consulta.
Primeiramente, imprescindível ratificar que este parecer irá tratar de esclarecimentos relacionados à legislação editada e vigente, não tendo como escopo opinar sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade de normas, bem como propor alteração de atos normativos, fugindo do objeto deste instrumento. Note-se que o art. 276 do Decreto-lei 5/75, determina que “as decisões no processo de consulta, em primeira instância e em grau de recurso, serão proferidas pelo órgão competente da Secretaria de Estado de Economia e Finanças, com observância da orientação normativa fixada pelo respectivo Secretário”.
Considerando o exposto acima, devemos observar o disposto acerca das obrigações do promotor do evento, núcleo do presente questionamento. Está matéria encontra-se expressamente regulamentada na Subseção I da Seção III do Capítulo XX do Anexo XIII da Parte II da Resolução nº 720/14, abaixo transcrita:
Art. 92 - Nos eventos organizados e promovidos por entidade, empresa ou pessoa física, o promotor do evento será solidariamente responsável com os participantes pelo pagamento do imposto devido e acréscimos legais decorrentes das operações e prestações realizadas durante tais eventos.
Art. 93 - Até 7 (sete) dias antes da realização do evento, o promotor do evento deverá informar à SEFAZ os seus dados e os do evento, identificando o responsável com nome, CNPJ/CPF, endereço, telefone e endereço de e-mail, além de fornecer os seguintes documentos:
I - relação nominal dos expositores, informando:
a) razão social,
b) números de inscrição, estadual e federal;
c) endereço, telefone e e-mail;
d) código de atividade econômica;
e) localização no recinto do evento e planta de localização do(s) stand(s).
II - o pedido de diferimento dos expositores de outros estados, quando for o caso, assinado por representante da empresa, nos termos do Decreto nº46629/19;
III - termo de responsabilidade solidária.
§ 1º - Somente após o cumprimento dos incisos I e II do caput serão recebidos os pedidos de autorização de funcionamento provisório a que se refere o artigo 94 deste Anexo para os expositores de outras unidades federadas que optarem pelo diferimento do pagamento do ICMS.
§ 2º - Não serão aceitos pedidos de diferimento para expositores que não constem da relação do inciso I do caput.
§ 3º - O promotor do evento deverá informar à repartição fiscal competente qualquer alteração referente à locação dos espaços do evento que ocorrer durante a sua realização.
Pois bem, a legislação que regula a operação realizada em feira de amostra ou eventos semelhantes é específica e expressa ao definir a responsabilidade solidária do promotor do evento com os participantes pelo pagamento do imposto devido e acréscimos legais decorrentes das operações e prestações realizadas durante tais eventos, não havendo dúvidas quanto aos procedimentos a serem adotados pelos envolvidos no caso em epígrafe.
Cumpre-nos ressaltar que o art. 92 do ato supra exposto, que define tal responsabilidade, possui redação original de 2014. Nesta subseção, alterou-se apenas o art. 93 através da Resolução nº 33/2019.
Importante esclarecer também que, observando o Código Tributária Nacional, em seu art. 123, o contrato particular não pode ser oponível ao fisco. Em suma, independente do instrumento privado acordado entre particulares, os envolvidos deverão respeitar o disposto no Capítulo XX do Anexo XIII da Parte II da Resolução nº 720/14. Observe o que dispõe o citado artigo:
Art. 123 - Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Passemos a resposta.
RESPOSTA
Fecho do parecer.
Destarte, considerando:
- todo explicitado acima;
- o art. 276 do Decreto-lei nº 5/75;
- que não é objeto deste instrumento opinar sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade de normas vigentes;
- que a Resolução 720/14 é expressa ao tratar do assunto objeto da consulta.
Respondemos:
1) Não prospera o entendimento do consulente, observando o disposto no art. 123 do Código Tributário Nacional;
2) O Capítulo XX do Anexo XIII da Parte II da Resolução nº 720/14 está em vigor e deve ser observado pelo consulente. Lembramos que o descumprimento de obrigações principal e/ou acessória enseja penalidades previstas no Capítulo XII da Lei nº 2.657/96, conforme o caso.
Fique a consulente ciente de que esta consulta perderá automaticamente a sua eficácia normativa e seus respectivos efeitos:
1. Em caso de mudança de entendimento por parte da Administração Tributária, ou seja, editada norma superveniente dispondo de forma contrária;
2. Caso sejam verificadas que as informações prestadas pela consulente neste processo não correspondam aos fatos reais ou foram prestadas de maneira incompleta, levando a um entendimento equivocado desta coordenadoria.
Pelos motivos e fundamentações supra expostos, sugiro o encaminhamento do p.p. à AUDITORIA-FISCAL ESPECIALIZADA DE TRÂNSITO DE MERCADORIA E BARREIRAS FISCAIS E DE EVENTOS E LEILÕES (AFE 14) - para que tome conhecimento da resposta, cientifique o consulente, assim como tome as providências cabíveis.