Parecer GEOT Nº 12 DE 10/01/2022


 Publicado no DOE - GO em 10 jan 2022


Orientação Tributária - Art. 37, inc. I, alínea "u", do CTE.


Sistemas e Simuladores Legisweb

I - RELATÓRIO

A COORDENAÇÃO DO AGRONEGÓCIO da Secretaria da Economia faz, por meio do Despacho nº 230/2021 - COAGRO / GEAF- 14520, questionamento a respeito de tributação na transferência de gado, nos seguintes termos:

“Foram promulgados pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, no dia 25 de novembro de 2021, os dispositivos da Lei 21.077/2021 que altera o artigo 37 da Lei 11.651/91, passando a vigorar com o seguinte texto:

Art. 37. O imposto não incide sobre:

I - operações:

u) de deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados no território do Estado ou em Estado distinto

Após a promulgação, estamos recebendo vários contatos de produtores rurais que desejam transferir gado para outra propriedade, de sua titularidade, sem o pagamento do ICMS.

Nos últimos anos, o Estado de Goiás tem sido alvo de vários mandados de segurança concedidos a produtores rurais com a finalidade da não cobrança do imposto devido nas operações de transferência de gado, o que vem impactando consideravelmente as atividades de fiscalização do setor.

Encaminhe-se à Gerência de Orientação Tributária para que seja feita uma análise sobre a interpretação da alínea u do artigo 37 da Lei 11.651/91 no que se diz respeito ao produto gado, que por se tratar de um semovente, e a legislação citar expressamente a palavra bens, se poderia ou não ser enquadrado na não incidência”.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de dúvida apresentada pela Coordenação de Agronegócio sobre a tributação ou não pelo ICMS das operações de transferência de gado entre estabelecimentos pertencentes a uma mesma pessoa ou empresa.

A Lei n.º 21.077/21, recentemente promulgada pela Assembleia Legislativa, alterou o artigo 37 do CTE inserindo ao inciso I a alínea “u”, instituindo uma não incidência do ICMS “sobre operações de deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados no território do Estado ou em Estado distinto”, nestes termos:

Art. 37. O imposto não incide sobre:

I - operações:

u) de deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados no território do Estado ou em Estado distinto.

Como se percebe, o texto do art. 37, I, “u”, do CTE, ao prescrever que o ICMS não incide sobre o deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, contrasta aparentemente com a regra disposta no artigo 13, inc. I, do CTE, que dispõe que “ocorre o fato gerador do imposto, no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”, o que conduz à conclusão de que subsiste um aparente conflito de normas. Diz-se aparente por que, em realidade, inexiste conflito, posto que incumbe ao intérprete encontrar solução com vistas a preservar a unidade sistêmica da legislação tributária.

O art. 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro orienta que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Deveras, a Lei n.º 21.077/21, ao acrescentar ao inc. I do art. 37 do CTE a alínea “u”, não revogou o artigo 13, inc. I, do CTE, posto que inexiste incompatibilidade entre os referidos textos normativos, tampouco a Lei n.º 21.077/21 exauriu por completo a hipótese de incidência ínsita no artigo 13, inc. I, do CTE.

Cediço que a atividade tributária deve ser informada pelos princípios que emanam da legalidade estrita, de modo que não pode a Administração negar vigência e aplicação de preceito normativo. Todavia não se pode olvidar que a concessão de qualquer favor legal na ordem tributária deve ser interpretada de forma restritiva e literal.

Nesse diapasão, impõe-se estabelecer a diferença entre os termos “bem” e “mercadoria”. Segundo  Eduardo Jardim: “No âmbito do direito tributário a palavra [bem]  significa objeto corpóreo destinado a uso pessoal, ou seja, trata-se de algo fora do comércio. Opõe-se a mercadoria, que significa produto corpóreo destinado ao comércio. Baleeiro nos propicia um exemplo singelo em expressivo dizer: um sapato exposto numa vitrine é uma mercadoria, enquanto adquirido por alguém e uma vez calçado transforma-se em bem, Essa sutil diferença entre bem e mercadorias pode suscitar conseqüências relevantíssimas na área tributária” (in Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva. 1995.pág. 13).

Embora os doutrinadores considerem bem, no sentido exposto acima, tanto bem do ativo imobilizado como material de uso e consumo, o certo é que a legislação tributária do Estado de Goiás faz distinção clara entre mercadoria, bem do ativo imobilizado e material de uso e consumo, conferindo tratamento tributário específico para cada uma das operações envolvendo esses produtos.

Nesse perfilhar, evidencia-se que a alínea “u” do art. 37 do CTE, ao inaugurar uma novel não incidência do ICMS, alveja tão-somente as operações de deslocamento de bens, vale dizer, bens do ativo imobilizado, mantendo incólume à incidência do imposto as operações de transferência de mercadorias, disciplinadas no art. 13, inc. I, do CTE.

Nesse sentido, oportuno trazer à lume o disposto no § 4º do art. 4º do Decreto nº 4.852/97 - RCTE, uma vez que a presente consulta se limita ao questionamento sobre tributação de animais (gado). Veja-se:

RCTE

Art. 4º O ICMS tem como fato gerador a (Lei nº 11.651/91, art. 11 e 12):

(...)

§ 4º Não se considera bem do ativo imobilizado o reprodutor, a matriz e os demais animais, inclusive ave, de cria ou de trabalho na atividade agrícola.

Portanto, todo e qualquer animal não é considerado bem do ativo imobilizado, nem mesmo o reprodutor ou matriz, ou animal de trabalho na atividade agrícola. Conclui-se, portanto, que gado para comercialização não é de forma alguma considerado bem no sentido conferido pelo direito tributário, mas essencialmente mercadoria.

Outrossim, não se deve olvidar o dispositivo do art. 6º, I, do RCTE, que trata da tributação pelo ICMS na transferência de mercadorias de um para outro estabelecimento da mesma pessoa física ou jurídica. Eis o dispositivo legal:

Art. 6º Ocorre o fato gerador do ICMS, no momento (Lei nº 11.651/91, art. 13):

I - da saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte;

Entrementes, recentemente, no julgamento da ADC nº 49, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da incidência do ICMS nas remessas de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, estando pendente o julgamento uma provável modulação dos efeitos da decisão.

Modular significa projetar os efeitos da decisão do STF para o futuro, relativizando a regra geral de que as decisões que declaram a inconstitucionalidade de uma norma tenham efeitos retroperantes, isto é, desde sua edição.

Nesse contexto, enquanto não houver decisão definitiva do STF sobre a questão, que pelo caminhar dos votos já proferidos indicam uma modulação para momento posterior ao início da eficácia da decisão para os contribuintes que não ajuizaram ação para discutir a matéria anteriormente à publicação da ata da decisão definitiva, hodiernamente não se pode ventilar a não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, haja vista que os preceitos normativos em foco que disciplinam o tema, mesmo tendo sido declarados inconstitucionais, terão seus prazos de vigência e eficácia inevitavelmente estendidos para o futuro, restando apenas aguardar o posicionamento do STF quanto a este marco fatal.

III – CONCLUSÃO

Posto isso, orientamos que:

- A expressão “bens” utilizada na redação da alínea “u” do inciso I do art. 37 da Lei 11.651/941 – CTE refere-se apenas a bens do ativo imobilizado;

- A alínea “u” do art. 37 do CTE, ao inaugurar uma novel não incidência do ICMS, alveja tão-somente as operações de deslocamento de bens, vale dizer, bens do ativo imobilizado, mantendo incólume à incidência do imposto as operações de transferência de mercadorias, disciplinadas no art. 13, inc. I, do CTE.

- “Não se considera bem do ativo imobilizado o reprodutor, a matriz e os demais animais, inclusive ave, de cria ou de trabalho na atividade agrícola” (§ 4º do art. 4º do Decreto nº 4.852/97 – RCTE);

- Gado é genuinamente mercadoria;

- “Ocorre o fato gerador do ICMS, no momento (Lei nº 11.651/91, art. 13) da saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo contribuinte; (art. 6º, I do RCTE);

- Inobstante o STF na ADC 49 tenha declarado a inconstitucionalidade da incidência do ICMS nas transferências de mercadorias, ainda não ocorreu o trânsito em julgado da referida decisão, estando pendente de apreciação pelo STF os embargos de declaração opostos, nos quais definir-se-á o dies as quem, vale dizer, o termo final do prazo em que os dispositivos normativos que atualmente regulam a matéria permanecerão válidos (modulação dos seus efeitos);

- Consequentemente, enquanto não sobrevier decisão definitiva do STF, permanece vigente e eficaz o artigo 13 da Lei n.º 11.651/91.

É o parecer.

Gabinete do > do (a) SECRETARIA DE ESTADO DA ECONOMIA, aos 10 dias do mês de janeiro de 2022.

Documento assinado eletronicamente por DAVID FERNANDES DE CARVALHO, Gerente, em 11/01/2022, às 10:27, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.

Documento assinado eletronicamente por DENILSON ALVES EVANGELISTA, Gerente, em 11/01/2022, às 15:23, conforme art. 2º, § 2º, III, "b", da Lei 17.039/2010 e art. 3ºB, I, do Decreto nº 8.808/2016.