ICMS – OBRIGAÇÃO PRINCIPAL – TRANSFERÊNCIA INTERNA – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. As operações internas de transferências de mercadorias produzidas pelo estabelecimento industrial para outro de mesma titularidade são tributadas, sendo que a base de cálculo para apuração do imposto será o custo da mercadoria produzida, nos termos do § 4º do artigo 74 do RICMS. Sendo o destinatário estabelecimento varejista e estando as mercadorias transferidas sujeitas ao regime de substituição tributária, deverão ser observadas as normas pertinentes ao regime para o cálculo e recolhimento do imposto devido pela operação subsequente. A opção pelo Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária encerra a cadeia tributária da mercadoria.
A empresa acima indicada, estabelecida à Av. ..., nº ..., Jardim ..., .../MT, inscrita no CNPJ sob o nº ... e no Cadastro de Contribuintes do Estado sob o nº ..., formula consulta sobre o tratamento tributário conferido às operações de transferências de sua produção para filial, para vendas direta ao consumidor.
Em resumo, a consulente questiona sobre a incidência do ICMS nas operações de transferências entre matriz e filial, alegando que não há transferência de propriedade dos produtos, mas apenas o deslocamento da mercadoria entre os estabelecimentos do mesmo contribuinte, portanto, não deve ser objeto de tributação.
Nesse diapasão, a consulente traz seu entendimento, invocando doutrinadores e até a Súmula nº 166 do STJ para justificar a não incidência do imposto nas citadas operações.
Na sequência, faz os seguintes questionamentos:
1. Incide o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS na remessa de mercadoria de um estabelecimento matriz (localizado no município de ...) para outro estabelecimento filial (localizado em ...)?
2. Na simples remessa de mercadoria entre estabelecimentos (matriz para filial), ocorre a transferência jurídica das mercadorias para efeito de incidência do fato gerador do “ICMS”?
Por fim, declara que não se encontra sob procedimento fiscal, iniciado ou já instaurado, para apurar fatos relacionados com a matéria objeto da presente consulta e que as dúvidas suscitadas não foram objeto de consulta anterior ou de decisão proferida em processo administrativo já findo, em que tenha sido parte.
É a consulta.
Preliminarmente, cumpre informar que, em consulta ao Sistema de Gerenciamento do Cadastro de Contribuintes desta SEFAZ/MT, constata-se que a consulente está cadastrada neste Estado na CNAE principal 1113-5/02 – Fabricação de cervejas e chopes e que se encontra enquadrada no regime de apuração normal do ICMS, desde 01/01/2020.
Convém mencionar que a empresa Consulente já estava afastada do Regime de Estimativa por Operação Simplificado (desde 01/09/2018). Além disso, conforme consulta pública disponibilizada no sítio desta Sefaz/MT (https://www.sefaz.mt.gov.br/rcr-fe/consultacredenciados), constatou-se que a Consulente fez adesão ao Regime Optativo de Tributação de Substituição Tributária:
...
Além disso, a Consulente informa que pretende fazer operações de transferência para sua filial localizada em ..., registrada no CNPJ sob nº ... e com Inscrição Estadual nº ..., cuja CNAE principal, conforme consta do seu cadastro nesta Secretaria, é 5611-2/04 – Bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento, sendo este, portanto, um estabelecimento varejista.
Posto isto, passa-se a discorrer sobre o tema apresentado, qual seja, a tributação das operações de transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, dividindo-se a informação em tópicos para melhor compreensão.
1) Da tributação nas operações de transferências
Com referência às operações de transferências entre estabelecimentos de mesma titularidade, o Sistema Tributário Nacional traz previsão de incidência do ICMS, conforme será demonstrado na presente informação.
Assim, convém trazer à colação o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, que remete à lei complementar dispor sobre a matéria, conforme se transcreve a seguir:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
(...).
Nestes termos, a Lei Complementar nº 87, de 13/09/96, no seu artigo 12, inciso I, trouxe a previsão de que ocorre o fato gerador do imposto no momento da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que seja para outro estabelecimento do mesmo titular, conforme texto abaixo reproduzido:
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
(...).
Ademais, a Lei Complementar nº 87/1996, além de prever a incidência do imposto nas mencionadas operações, cuidou também de estabelecer a base de cálculo no seu artigo 13, § 4º, que dispõe:
Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(...)
§ 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é:
I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;
III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.
(...).
Ressalta-se, ainda, que em relação à Súmula 166 do STJ, invocada pela consulente, observa-se que a mesma foi editada em 14/08/1996, data anterior à edição da Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, restando o entendimento superado por legislação superveniente que veio disciplinar a matéria em conformidade com a Constituição Federal/88.
Por conseguinte, é justamente a Lei Complementar nº 87/1996 que, hoje, confere o necessário amparo legal para a cobrança do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular na medida em que, expressamente, inclui a hipótese no campo de incidência do tributo.
Portanto, está positivada, de forma cristalina, a norma que determina a incidência do ICMS nas citadas operações, inclusive com disciplina pontual quando os estabelecimentos estiverem localizados em unidades federadas distintas, exatamente como manda artigo 146, inciso I, da Carta Política de 1988.
Assim, não há mais lugar para controvérsias sobre a matéria, sob a égide da LC n° 87/1996.
Neste contexto, devidamente autorizado pelas normas de hierarquia superior, já descritas, bem como pela Lei nº 7.098/1998, que consolida normas relativas ao ICMS neste Estado, o Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212/2014 prescreve:
Art. 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (cf. caput do art. 3° da Lei n° 7.098/98)
I – da saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
(...).
Art. 4° Para os efeitos da aplicação da legislação do imposto:
I – considera-se saída do estabelecimento:
(...)
II – considera-se, ainda:
(...)
b) transferência, a operação de que decorra a saída de mercadoria ou bem de um estabelecimento com destino a outro, pertencente ao mesmo titular;
(...)
Art. 72 A base do cálculo do imposto é: (cf. caput do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
I – nas saídas de mercadorias previstas nos incisos I, III e IV do artigo 3°, bem como no § 13 do referido artigo, o valor da operação; (cf. inciso I do caput do art. 6° da Lei n° 7.098/98)
(...).
Dessa forma, mesmo em se tratando de estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, no caso de transferências, há a incidência do imposto. Por conseguinte, as transferências constituem operações sujeitas ao ICMS.
Assim, ocorre o fato gerador do imposto, sendo, portanto, tributada a operação, nas saídas de mercadoria (frisa-se, a qualquer título) de estabelecimento de contribuinte do ICMS, restando, portanto, caracterizada a incidência do ICMS e tipificado o fato gerador nas operações em que o contribuinte promove a saída da mercadoria em transferência.
2) Do Regime de Tributação da Consulente
No que tange à matéria, a consulente, conforme já mencionado, encontra-se cadastrada com a CNAE principal 1113-5/02 – Fabricação de cervejas e chopes e enquadrada no regime de apuração normal do ICMS, além de ter feito a opção pelo Regime Optativo de Tributação de Substituição Tributária.
Uma vez esclarecido que há incidência do ICMS nas operações de transferências de mercadorias produzidas pela consulente para outro estabelecimento de sua propriedade, convém mencionar as regras pertinentes ao cálculo do imposto incidente na respectiva operação, conforme se transcreve a seguir:
Cumpre mencionar também o artigo 74 do RICMS/2014 que traz os seguintes preceitos em relação à base de cálculo para apuração do imposto devido:
Art. 74 Ressalvado o disposto no artigo 75, na falta do valor a que se referem os incisos I e VIII do caput do artigo 72, a base de cálculo do imposto é: (cf. caput do art. 8° da Lei n° 7.098/98)
I – o preço corrente da mercadoria, ou de sua similar, no mercado atacadista do local da operação ou, na sua falta, no mercado atacadista regional, caso o remetente seja produtor, extrator ou gerador, inclusive de energia;
II – o preço FOB estabelecimento industrial à vista, caso o remetente seja industrial;
III – o preço FOB estabelecimento comercial à vista, nas vendas a outros comerciantes ou industriais, caso o remetente seja comerciante.
§ 1° Para aplicação do disposto nos incisos II e III do caput deste artigo, será adotado, sucessivamente: (cf. § 1° do art. 8° da Lei n° 7.098/98)
I – o preço efetivamente cobrado pelo estabelecimento remetente na operação mais recente;
II – caso o remetente não tenha efetuado venda da mercadoria, o seu preço corrente ou de sua similar no mercado atacadista do local da operação ou, na falta deste, no mercado regional.
§ 2° Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, se o estabelecimento remetente não efetuar vendas a outros comerciantes ou industriais ou, em qualquer caso, se não houver mercadoria similar, a base de cálculo será equivalente a 75% (setenta e cinco por cento) do preço de venda corrente no varejo. (cf. § 2° do art. 8° da Lei n° 7.098/98)
§ 3° Nas hipóteses deste artigo, caso o estabelecimento remetente não tenha efetuado operações de venda da mercadoria objeto da operação, aplica-se a regra contida no artigo 75.
§ 4° Nas saídas entre estabelecimentos situados neste Estado, pertencentes ao mesmo titular, poderá o estabelecimento remetente atribuir outro valor à operação, desde que não inferior ao de custo das mercadorias.
Portanto, ocorrendo saída de produto industrializado de um estabelecimento para outro de mesma titularidade, a operação será tributada, sendo que para a obtenção da base de cálculo para apuração do imposto deverão ser obedecidos os dispositivos acima, ou seja, a base de cálculo poderá ser o custo da mercadoria produzida, nos termos do §4º do artigo 74 do RICMS/2014.
Além disso, convém trazer à baila as regras pertinentes ao regime de substituição tributária, previsto no Anexo X ao RICMS/2014, já que o produto fabricado pela consulente está entre aqueles que se sujeitam ao referido regime.
Nestes termos, cabe mencionar que a Consulente, além de tributar a operação própria de transferência de seu produto industrializado para outro estabelecimento de sua titularidade, uma vez que se trata de estabelecimento varejista (conforme consulta ao Sistema de Cadastro da Secretaria de Estado de Fazenda), também deverá observar as normas do regime de substituição tributária, ou seja, já deverá calcular o imposto devido pelas operações subsequentes, que ocorrerão até o consumidor final.
As regras pertinentes ao referido regime de substituição tributária, como já mencionado, estão estampadas no Anexo X do RICMS/2014, dentre as quais se destacam:
Art. 1°A aplicação do regime de substituição tributária, em relação às operações ou prestações subsequentes que devam ocorrer no território mato-grossense, com bens e mercadorias previstas no artigo 1° do Apêndice deste anexo, atenderá ao disposto neste anexo. (efeitos a partir de 1°/01/2020)
§ 1° O disposto neste anexo se aplica a operações ou prestações:
I –internas;
(...)
Art. 2°Os bens e mercadorias sujeitos ao regime de substituição tributária nos termos deste anexo estão previstas no artigo 1° do Apêndice deste anexo, de acordo com o segmento em que se enquadrem, contendo a sua descrição, a classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul baseada no Sistema Harmonizado (NCM/SH) e um CEST (código especificador da substituição tributária). (efeitos a partir de 1°/01/2020)
(...)
Art. 4°É responsável, na qualidade de sujeito passivo por substituição tributária, em relação às operações subsequentes a ocorrerem no Estado de Mato Grosso com mercadorias ou bens especificados no artigo 1° do Apêndice deste anexo, em convênio ou protocolo que disponha sobre o regime de substituição tributária:(efeitos a partir de 1°/01/2020)
I – o remetente que promover operações interestaduais, mesmo que o imposto tenha sido retido anteriormente;
II – o importador;
III –o industrial ou fabricante;
IV – o destinatário, nas hipóteses elencadas nos incisos III, IV, VI, VIII, IX e X do artigo 3° deste anexo;
V – o atacadista estabelecido no território deste Estado, quando credenciado como substituto tributário em relação ao ICMS devido nas operações internas, conforme estabelecido em normas complementares editadas pela Secretaria de Estado de Fazenda.
(...)
Art. 7° O imposto a recolher por substituição tributária será, em relação às operações subsequentes, o valor da diferença entre o imposto calculado mediante aplicação da alíquota estabelecida para as operações internas no Estado de Mato Grosso sobre a base de cálculo definida para a substituição e o devido pela operação própria do contribuinte remetente ou substituto. (efeitos a partir de 1°/01/2020)
(...)
Apêndice ao Anexo X
Art. 1° Ficam sujeitas ao regime de substituição tributária, nos termos do Anexo X deste regulamento, os bens e mercadorias elencadas nas tabelas II a VIe IX a XXV deste artigo: (efeitos a partir de 1°/01/2020)
(...)
TABELA IV
CERVEJAS, CHOPES, REFRIGERANTES, ÁGUAS E OUTRAS BEBIDAS
ITEM | CEST | NCM/SH | DESCRIÇÃO |
(...) | (...) | (...) | (...) |
21.0 | 03.021.00 | 2203.00.00 | Cerveja |
22.0 | 03.022.00 | 2202.91.00 | Cerveja sem álcool |
23.0 | 03.023.00 | 2203.00.00 | Chope |
(...) | (...) | (...) | (...). |
Portanto, as operações realizadas pela consulente estão sujeitas também ao regime de substituição tributária e ela, na qualidade de industrial, é a responsável pela retenção e recolhimento do ICMS devido nas operações subsequentes a ocorrerem no âmbito do Estado de Mato Grosso, bem como, em operações interestaduais, a favor do Estado de destino das mercadorias (hipótese, porém, em que serão observadas as disposições que regem o aludido regime no local do estabelecimento destinatário).
No entanto, mesmo não sendo o objeto da consulta, já se registra que, na hipótese de operações interestaduais, em regra, o regime de substituição tributária somente se aplica a operações de transferências se o destinatário for estabelecimento varejista, a teor do disposto no inciso IV do caput do artigo 3° do Anexo X do RICMS/2014.
Feitas essas considerações, passa-se a resposta aos questionamentos apresentados:
1) Conforme já discorrido, as operações de transferências do estabelecimento matriz para sua filial são tributadas normalmente pelo ICMS.
2) Sem adentrar em tese jurídica, a transferência de bens e mercadorias são operações sujeitas à tributação conforme a legislação anteriormente citada e vastamente comentada, inclusive, no tocante ao entendimento de que a Súmula nº 166 do STJ, está superada, tendo em vista que a LC nº 87/1996 é posterior à edição da referida Súmula.
Outrossim, convém mencionar que a autoridade fiscal tem como prerrogativa de suas funções a constituição do crédito tributário, sendo que sua atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, conforme está disposto no Código Tributário Nacional, artigo 142. Portanto, a autoridade fiscal deve atuar, constituindo o crédito tributário, por meio do lançamento, sempre que for detectada a ocorrência do fato gerador, nos exatos termos da legislação tributária em vigor. Uma vez que a operação de transferência configura hipótese de fato gerador do ICMS, não poderá o fisco deixar de efetuar o lançamento e a cobrança do imposto devido.
Incumbe ressalvar que, nos termos do parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS/2014, o entendimento exarado na presente Informação tem aplicação restrita ao período consultado, prevalecendo enquanto não houver a superveniência de normas dispondo de modo diverso.
Importa também registrar que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS/2014 a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.
Alerta-se que, em sendo o procedimento adotado pela consulente diverso do aqui indicado, deverá, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da ciência da presente, regularizar suas operações, inclusive com recolhimento de eventuais diferenças de imposto, ainda sob os benefícios da espontaneidade, com acréscimo de correção monetária, juros e multa de mora, calculados desde o vencimento da obrigação até a data do efetivo pagamento.
Após o transcurso do prazo assinalado, ficará o estabelecimento consulente sujeito ao lançamento de ofício, para exigência de eventuais diferenças, nos termos do artigo 1.004 do RICMS/2014.
É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.
Coordenadoria de Redação, Divulgação e Interpretação de Normas da Receita Pública da Superintendência de Normas da Receita Pública, em Cuiabá/MT, 28 de abril de 2020.
Mara Sandra Rodrigues Campos Zandona
FTE
DE ACORDO:
Yara Maria Stefano Sgrinholi
Coordenadora – CRDI
APROVADA.
José Elson Matias dos Santos
Superintendente de Normas da Receita Pública