Publicado no DOE - MA em 28 jun 2022
Estabelece a Política Estadual de Proteção aos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileiros.
O Governador do Estado do Maranhão, EM EXERCÍCIO, no uso das suas atribuições que lhe conferem os incisos III e V do art. 64 da Constituição Estadual, e
Considerando que, nos termos do art. 5º, VI, da Constituição Federal , é garantida a liberdade religiosa com caráter de direito fundamental, sendo garantida a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
Considerando as disposições da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, promulgada pelo Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, e as disposições do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992;
Considerando que por meio da Lei nº 12.288 , de 20 de julho de 2010, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica;
Considerando as disposições do Decreto nº 6.040 , de 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais;
Considerando que, por meio da Lei nº 11.399 , de 28 de dezembro de 2020, foi instituído o Estatuto Estadual da Igualdade Racial que tem por finalidade estabelecer as diretrizes para a defesa dos direitos humanos da população negra, para a efetivação da igualdade de oportunidades, bem como para combate à discriminação, ao racismo e às demais formas de intolerância étnico-racial no território maranhense;
Considerando que, nos termos do art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, é obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena;
Considerando que por meio da Resolução nº 189/2020, do Conselho Estadual de Educação do Estado do Maranhão (CEE/MA), foram estabelecidas as diretrizes Curriculares Estaduais para a Qualidade da Educação Escolar Quilombola na Educação Básica no Maranhão;
Considerando que, por meio do Decreto nº 33.661, de 27 de novembro de 2017, foi instituída a Política Estadual de Saúde Integral da População Negra e das Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Quilombola do Maranhão;
Considerando a Recomendação nº 01/2021 do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Maranhão que apresentou a proposta de Protocolo Interinstitucional de Proteção aos Direitos dos Povos de Terreiros de Matriz Africana e Afro-brasileiros na execução de políticas públicas pelo Estado do Maranhão.
Decreta
Art. 1º Fica estabelecida, nos termos deste Decreto, a Política Estadual de Proteção aos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileiros com a finalidade de promover a igualdade racial e garantir a integridade, o respeito e a permanência dos valores das religiões afro-brasileiras e dos modos de vida, usos, costumes, tradições e manifestações culturais das comunidades tradicionais de terreiro e matriz africana, bem como garantir a proteção, o respeito e a dignidade aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras no âmbito de órgãos e políticas públicas estaduais.
Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:
I - casas de religiões de matriz africana e afro-brasileiras: espaços sagrados de convivência e preservação das tradições religiosas de matriz africana, nominados conforme as diferentes vertentes da religião (terreiro, ilê, roça, casa de axé, barracão, egbe, dentre outros);
II - cosmogonia: visão de mundo concebida, na relação intrínseca com os elementos da natureza e as entidades espirituais que as regem, respeitando os significados e simbologias presentes nas diferentes formas de manifestação entre os indivíduos, o coletivo e a natureza na perspectiva da ancestralidade;
III - territorialidade: espaços de referência necessários para a preservação das tradições religiosas dos povos tradicionais de terreiros, podendo ser contínuos ou não e que possuam os elementos vitais utilizados em suas práticas ritualísticas e culturais, a exemplo da coleta de folhas, oferendas, mares, rios, florestas dentre outros;
IV - povos tradicionais de terreiros: organização coletiva a partir das nações oriundas do continente africano nos processos diaspóricos, fundamentando-se, no Brasil, nos troncos linguísticos Bantu e Yoruba;
V - restrições alimentares por questões religiosas: alimentos que não devem ser ingeridos durante períodos de preceitos ou por incompatibilidade das entidades espirituais;
VI - vestimentas e adornos: elementos religiosos de matriz africana usados como forma de proteção e referência simbólica nas práticas ritualísticas ou identitária nas religiões de matriz africana e afro-brasileiras;
VII - festejos: atividades religiosas e culturais em alusão às entidades espirituais regentes das casas religiosas de matriz africana em cumprimento ao calendário ritualístico de cada casa;
VIII - intolerância religiosa: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência, incluindo-se qualquer manifestação individual, coletiva ou institucional, de conteúdo depreciativo, baseada em religião, concepção religiosa, credo, profissão de fé, culto, práticas ou peculiaridades rituais ou litúrgicas, e que provoque danos morais, materiais ou imateriais, atente contra os símbolos e valores das religiões afro-brasileiras ou seja capaz de fomentar ódio religioso ou menosprezo às religiões e seus adeptos.
Art. 3º A Política Estadual de Proteção aos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileiros tem por objetivos garantir:
I - atendimento digno e adequado aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras, respeitando suas especificidades, pelos agentes públicos do Estado;
II - promoção do respeito às especificidades, aos valores culturais civilizatórios e identitários e à cosmogonia das religiões de matriz africana e afro-brasileiras pelos agentes públicos do Estado;
III - proteção aos lugares sagrados e ao patrimônio material e imaterial dos povos de terreiro.
Art. 4º É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida a proteção aos locais de culto e às suas liturgias.
Art. 5º O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana e afro-brasileira compreende:
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade, bem como a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins;
II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões;
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas;
IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica;
V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana;
VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões;
VII - a comunicação ao Sistema de Segurança Pública, ao Ministério Público e à Defensoria Pública acerca de práticas de intolerância religiosa, para conhecimento e providências cabíveis a fim de resguardar a vida, a integridade física, o patrimônio e garantir a liberdade religiosa.
Art. 6º As medidas de combate à intolerância contra as religiões afro-brasileiras e seus adeptos compreendem especialmente:
I - coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao desprezo ou ao ódio por motivos fundados na religiosidade afro-brasileira;
II - inventariar, restaurar, preservar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os espaços públicos, monumentos, mananciais, flora, recursos ambientais e sítios arqueológicos vinculados às religiões afro-brasileiras;
III - proibir a exposição, exploração comercial, veiculação e titulação prejudiciais aos símbolos, expressões, músicas, danças, instrumentos, adereços, vestuário e culinária, estritamente vinculados às religiões afro-brasileiras;
IV - promover, em parceria com os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras, a formação e qualificação profissional dos seus agentes públicos, visando aprimorar o atendimento nas unidades do sistema de segurança pública, a fim de evitar situações discriminatórias;
V - garantir, em âmbito estadual, imunidade e isenções tributárias, para a realização de festejos e funcionamento das casas de religião de matriz africana e afro-brasileiras, em conformidade com os princípios tributários.
Art. 7º É assegurado o direito de vestir, usar e/ou portar adornos religiosos e elementos sagrados pertencentes aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileira em todas as repartições públicas do Poder Executivo Estadual do Maranhão.
Art. 8º É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a pena privativa de liberdade, na forma prevista em regulamento próprio da instituição.
Parágrafo único. A Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP) e a Fundação da Criança e do Adolescente (FUNAC) deverão garantir a segurança de povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras durante as visitações nas unidades prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas, assim como adotar medidas administrativas necessárias à plena garantia de acesso de lideranças de religiões matriz africana e afro-brasileira.
Art. 9º O Estado do Maranhão promoverá ações educativas e informativas com a finalidade de difundir a necessidade de respeito a todas as formas de manifestação religiosa com vistas a prevenir violências, discriminação, racismo e a consolidação do preconceito.
Art. 10. Com vistas a garantir o respeito às religiões afro-brasileiras e seus adeptos, no âmbito do direito à educação, o Estado do Maranhão:
I - envidará esforços para a promoção de uma educação voltada para o estímulo da igualdade racial e a erradicação de todas as formas de discriminação, bem como estabelecerá mecanismos de combate ao racismo, discriminação racial, preconceito, bullying e quaisquer formas correlatas de racismo institucional a fim de eliminar todas as formas de segregação aos estudantes e profissionais pertencentes aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileira no ambiente escolar;
II - nas unidades escolares, a alimentação fornecida deverá considerar as restrições alimentares e contemplará as necessidades e restrições nutricionais peculiares aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras.
III - adotará providências e desenvolverá ações afirmativas para cultura de respeito à diferença e à diversidade de modo a evitar que o uso de vestimentas e adornos religiosos, no ambiente escolar ou fora dele, seja estímulo à prática de violência contra as pessoas de religião de matriz africana e afro-brasileira.
§ 1º Fica garantido aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras o direito de justificar sua ausência no ambiente escolar e das demais atividades escolares, por conta de suas obrigações religiosas, sem prejuízo para o desenvolvimento do ano letivo, devendo o Estado do Maranhão promover meios administrativos para o cumprimento.
§ 2º Nenhum estudante, profissional da educação e demais membros da comunidade escolar será impedido de acessar a escola e nela desenvolver as atividades pertinentes ao ambiente escolar pelo fato de vestir, usar e/ou portar adornos religiosos e elementos sagrados pertencentes às religiões de matriz africana e afro-brasileiras.
Art. 11. Com vistas a garantir o respeito às religiões afro-brasileiras e seus adeptos, no âmbito do direito à saúde, o Estado do Maranhão:
I - criará procedimentos que respeitem as especificidades dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileira, seja na qualidade de profissionais ou de usuários do Sistema Único de Saúde, visando evitar discriminação, constrangimento, racismo religioso e institucional e/ou segregação dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana nas unidades e serviços de saúde e no sistema público de saúde e rede conveniada;
II - promoverá capacitações permanentes para servidores e funcionários, especialmente os que trabalham diretamente com a recepção das unidades de saúde, de modo a esclarecê-los quanto às especificidades do uso de adornos, elementos religiosos, vestimentas das religiões de matriz africana a fim de que o atendimento seja respeitoso, não discriminatório e não ofereça risco à saúde e à segurança do paciente;
III - nas unidades e serviços de saúde de internação, a alimentação fornecida deverá considerar as restrições alimentares e contemplará as necessidades e restrições nutricionais peculiares aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileiras.
Parágrafo único. Nas unidades e serviços de saúde deverá ser respeitada a diversidade religiosa de forma que os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e afro-brasileira não sofram racismo, discriminação, constrangimentos nem racismo religioso de outras vertentes religiosas, especialmente nos horários de visita, devendo ser permitido expressar suas orações com a mesma liberdade das demais religiões.
Art. 12. Fica instituído Grupo de Trabalho Interinstitucional destinado à fiscalização do cumprimento do disposto neste Decreto, o qual ser composto por:
I - 01 (um) representante da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular - SEDIHPOP, que o coordenará;
II - 01 (um) representante do Secretaria Extraordinária da Igualdade Racial (SEIR);
III - 01 (um) representante da Secretaria de Estado da Educação - SEDUC;
IV - 01 (um) representante da Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSP;
V - 01 (um) representante da Secretaria de Estado da Saúde - SES;
VI - 01 (um) representante da Defensoria Pública do Estado do Maranhão - DPE;
VII - 01 (um) representante da Ministério Público do Estado do Maranhão - MPMA;
VIII - 04 (quatro) membros indicados pelas Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Afro-brasileiros, escolhidos após chamamento público.
§ 1º Para cada membro a que se refere o caput deve ser indicado o respectivo suplente.
§ 2º A participação no Grupo de Trabalho Interinstitucional não será remunerada, devendo ser considerada atividade pública relevante.
§ 3º Os membros do Grupo de Trabalho Interinstitucional definirão estratégias para avaliação das medidas constantes deste Decreto, devendo monitorar mediante acompanhamento sistemático, identificando pontos que facilitam ou dificultam sua execução e apresentar em plenárias ampliadas, para avaliação e revisão, se houver necessidade.
Art. 13. O Estado envidará esforços para cumprimento integral das normas neste Decreto, devendo a cada 12 (doze) meses ser realizada audiência pública de prestação de contas dos avanços.
Art. 14. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO, EM SÃO LUÍS, 28 DE JUNHO DE 2022, 201º DA INDEPENDÊNCIA E 134º DA REPÚBLICA.
PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA
Governador do Estado do Maranhão, em exercício
SEBASTIÃO TORRES MADEIRA
Secretário-Chefe da Casa Civil