Publicado no DOE - RJ em 26 mai 2021
Dispõe sobre procedimento para atuação judicial e extrajudicial da Procuradoria Geral do Estado em acordos de não persecução cível quanto a atos de improbidade administrativa.
O Procurador-Geral do Estado, no uso das atribuições legais,
Considerando:
- o disposto nos arts. 131 e 132 da CRFB/1988;
- o disposto no art. 176, §§ 2º e 3º, da CERJ/1989;
- as disposições do art. 2º, I, III, XXXI e XXXII, da Lei Complementar nº 15/1985;
- as disposições do art. 6º, XXX, XXXVII, XLV e XLVII, da Lei Complementar nº 15/1985;
- as disposições previstas na Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992, a respeito da atuação processual da pessoa jurídica de direito público na tutela da probidade administrativa e dos pressupostos materiais para aforamento das respectivas ações judiciais;
- a possibilidade de acordo de não persecução cível em relação a atos de improbidade administrativa, disciplinada no § 1º, do art. 17 da Lei Federal nº 8.429, de 1992, com a redação dada pela Lei Federal nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019;
- finalmente, a relevância da regulamentação dos procedimentos necessários à atuação a respeito da matéria, a fim de viabilizar atuação institucional harmônica e uniforme; Processo nº SEI-140001/030689/2021;
Resolve:
Art. 1º Os procedimentos da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro em matéria de acordos de não persecução cível de atos praticados por agentes públicos ou particulares contra a Administração Pública Estadual, apurados nos autos de ações improbidade administrativos, em processos administrativos e/ou por iniciativa do interessado, passam a ser regulados por esta Resolução.
Parágrafo único. Todos os documentos recebidos pela Procuradoria Geral do Estado com a finalidade de empreender acordos de não persecução cível serão autuados e tramitarão, sob forma sigilosa, nos termos do art. 25, IX, do Decreto nº 46.475, de 25 de outubro de 2018, que disciplina a Lei de Acesso à Informação no âmbito do Estado do Rio de janeiro, como garantia da preservação do sigilo de suas informações.
Das providências preliminares
Art. 2º A pessoa física ou jurídica interessada em propor a formalização de acordo visando a não persecução judicial dos danos de natureza cível e administrativa praticados em desfavor do Estado do Rio de Janeiro ou de suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista poderá, com fundamento no art. 17 , §§ 1º e 2º , da Lei nº 8.429/1992 , requerer à Procuradoria Geral do Estado que examine a sua pretensão.
§ 1º Formulado o pedido, será encaminhado ao Núcleo de Defesa da Probidade da Coordenadoria, Consultoria e Advocacia Preventiva do Sistema Jurídico - PG-15, a fim de exame preliminar da respectiva viabilidade.
§ 2º A proposta inicial para a celebração do acordo de não persecução cível deverá atender aos seguintes requisitos:
I - manifestação de vontade do beneficiário na busca de uma solução não litigiosa da controvérsia;
II - representação por advogado com poderes para tanto;
III - descrição sumariada da situação ou das circunstâncias que moveram o agente e/ou a pessoa jurídica à busca da solução não judicial para o conflito de interesses;
a) a indicação do montante do prejuízo ao erário estimado pelo agente e/ou pessoa jurídica;
b) a indicação das provas que serão, em colaboração, apresentadas pelo proponente.
§ 3º A par da disciplina do caput, também será admitida proposta de acordo de não persecução cível pelo Procurador do Estado que, no exercício de suas atividades regulares, observar, da análise dos autos de sindicâncias, processos administrativos ou judiciais de apuração de atos praticados em prejuízo da administração pública estadual, a possibilidade da solução da controvérsia pela via consensual.
§ 4º Caracterizada a hipótese do § 3º, o Procurador do Estado que identificou a possibilidade de proposta de acordo de não persecução cível deverá submeter a proposta à respectiva Chefia da Especializada com vistas à ciência e eventual avaliação.
§ 5º Na hipótese do § 4º, a Chefia da Especializada, entendendo que se trata de situação que se enquadra na resolução da controvérsia pela forma extrajudicial, encaminhará a proposta ao Gabinete do Procurador-Geral para análise.
Art. 3º A justificativa para o recebimento da proposta de acordo de não persecução cível pode estar fundamentada nas seguintes premissas:
I - inviabilidade ou dificuldade de prosseguir na busca de recomposição do dano contra todos os potenciais envolvidos, em razão dos limites constitucionais para a identificação completa dos agentes na esfera administrativa;
II - manifestação de vontade do agente e/ou pessoa jurídica de colaborar com a oferta de informações e provas para a busca da satisfação dos danos aos cofres estaduais e/ou ao bom andamento dos serviços;
III - dificuldade da quantificação do prejuízo individualmente considerado;
IV - dificuldade na localização de patrimônio suficiente a cobrir todo o valor imputado a determinado agente;
V - probabilidade de maior êxito no resultado da apuração do dano em decorrência da colaboração de um ou mais envolvidos mediante a revelação completa dos benefícios ilegalmente obtidos, dos demais agentes envolvidos e da revelação da metodologia adotada para frustrar o controle de legalidade;
Art. 4º Caso os fatos tenham ocorrido no âmbito de empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estaduais, o processo administrativo será encaminhado primeiramente aos respectivos órgãos jurídicos, a fim de prévia análise para posterior remessa ao Núcleo de Defesa da Probidade desta PGE.
Da comissão de análise e negociação
Art. 5º A comissão processante do acordo de não persecução cível será nomeada pelo Procurador-Geral do Estado, ou delegatário por ele indicado, e será composta por três Procuradores do Estado, preferencialmente indicados dentre aqueles que componham o Núcleo de Defesa da Probidade, os quais exercerão esta atividade sem prejuízo de suas atribuições ordinárias.
Parágrafo único. Verificada a presença dos elementos necessários para o prosseguimento das negociações, será elaborado um memorando de entendimentos fixando as questões que serão objeto de negociação.
Da negociação e exame do pedido
Art. 6º O processo administrativo destinado à formação de acordo de não persecução cível, devidamente autuado e formalizado, correrá sob absoluto sigilo das partes, não podendo as informações ali debatidas ser utilizadas contra o agente e/ou pessoa jurídica requerente.
Art. 7º Durante a fase de negociações e até a homologação do acordo de não persecução cível, todas as informações obtidas serão mantidas sob o mais absoluto sigilo.
Art. 8º A negociação de acordo de não persecução cível poderá resultar na imposição de quaisquer das penas previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992 .
Parágrafo único. Havendo ação civil pública de improbidade já proposta em face do agente ou pessoa jurídica pactuante, o acordo celebrado será comunicado ao Juízo competente com vistas à sua homologação.
Da celebração de acordo de não persecução cível
Art. 9º O acordo de não persecução cível, a ser firmado pelo Procurador-Geral do Estado ou delegatário por ele nomeado, deverá prever as seguintes cláusulas obrigatórias, sem prejuízo da adoção de outras em razão das peculiaridades do caso:
I - a assunção de responsabilidade pelo ato ilícito praticado e o compromisso de cessação das condutas ilícitas;
II - a colaboração incondicional e integral, quando for o caso, com a identificação de outros agentes, partícipes, beneficiários, bem como com a produção de outras provas para a imputação dos demais envolvidos e a localização de bens e valores;
III - a anuência à aplicação de ao menos uma das sanções previstas da Lei Federal nº 8.429, de 1992, levando-se em consideração as características do ato praticado, as repercussões deste e de eventual dano causado ou enriquecimento ilícito auferido;
IV - o ressarcimento integral ao erário, na parte que lhe couber relativamente ao prejuízo, e o perdimento de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.
Art. 10. No âmbito das negociações dos acordos de não persecução cível, os membros da Comissão Processante poderão requisitar apoio técnico do órgão ou entidade lesada e/ou de quaisquer órgãos ou entidades públicas, inclusive para auxiliar na identificação e quantificação dos valores a serem negociados, cujo atendimento observará a prioridade disposta no art. 44, III, da Lei Complementar nº 15/1980.
§ 1º Além da multa cabível, poderá constar do acordo de não persecução cível rubrica com natureza de ressarcimento, a qual não eximirá o interessado da obrigação de reparar integralmente o dano causado e será composta pelas três categorias a seguir elencadas:
I - somatório de eventuais danos incontroversos atribuíveis ao interessado;
II - somatório de todas as propinas pagas pelo interessado ou em seu benefício; e
III - lucro pretendido ou auferido.
§ 2º Nas hipóteses em que o acordo demandar a recomposição do dano ao erário e demais obrigações assumidas, a comissão de negociação poderá especificar bens para a garantia do cumprimento acordo, podendo prever, caso necessário, a apresentação de carta de fiança bancária ou, alternativamente, a constituição de garantia real a ser averbada no respectivo registro.
§ 3º É cabível a composição em relação à forma, ao prazo e ao modo de cumprimento da obrigação de ressarcimento integral do dano, bem como do pagamento de multa civil.
§ 4º Em se tratando de servidores públicos ou pensionistas, poderá ser convencionado desconto mensal em folha de pagamento com o compromisso do agente de manutenção da parcela correspondente ao acordo fora dos limites fixados no art. 3º do Decreto nº 25.547, de 30 de agosto de 1.999, ou outro ato fixado pelo Chefe do Poder Executivo Estadual que o suceder.
§ 5º Caso o beneficiário do acordo de não persecução cível servidor público ou pensionista assuma compromissos financeiros superiores à margem consignável fixada no art. 3º do Decreto nº 25.547, de 30 de agosto de 1.999, ou outro ato fixado pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, perderá o benefício com o consequente vencimento antecipado do débito, sem prejuízo de outras penalidades fixadas pelas partes.
Art. 11. O acordo celebrado conterá obrigações certas, líquidas e determinadas, bem como estipulará, sempre que possível, cláusulas penais, tais como sanção pecuniária e negócios processuais atípicos ( CPC , art. 190 ).
Art. 12. A definição das sanções e sua dosimetria observará o trinômio suficiência-possibilidade-adequação, a proporcionalidade, a razoabilidade e a eficiência, considerando-se, ainda, as seguintes diretrizes:
I - natureza e gravidade do ato;
II - proveito patrimonial auferido pelo agente;
III - extensão do dano causado;
IV - vida pregressa do agente nas suas relações com a Administração Pública;
V - cooperação para apuração das infrações;
VI - repercussão e reprovabilidade social da conduta;
VII - efetiva consumação da infração;
VIII - repercussão da infração na sociedade;
IX - situação econômica do infrator.
§ 1º Em se tratando de acordo firmado com pessoa jurídica, nos termos do artigo 3º da Lei Federal nº 8.492/1992, a dosimetria da sanção considerará também:
I - o valor do contrato firmado com a Administração;
II - a existência de mecanismos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades no âmbito da pessoa jurídica, nos termos da Lei Estadual nº 7.753/2017.
§ 2º O acordo de não persecução cível celebrado com pessoa jurídica importará na assunção de responsabilidade pelo ato ilícito praticado por seus agentes e o compromisso de cessação das condutas imputadas.
§ 3º Em qualquer hipótese, a pessoa jurídica que celebrar acordo de não persecução cível, para voltar a contratar com a administração pública estadual, deverá implementar programa de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades, nos termos da Lei Estadual nº 7.753/2.017.
§ 4º Na eventualidade de o agente pessoa física pretender a extensão dos termos do acordo de não persecução cível à pessoa jurídica de que seja sócio, gerente e/ou diretor, esta se limitará aos fatos apurados no respectivo processo.
Art. 13. A celebração do acordo não afasta e não implica no reconhecimento, para outras finalidades, de responsabilidade cível e criminal do pactuante.
Parágrafo único. Caso chegue ao conhecimento das autoridades estaduais, por qualquer meio devidamente comprovado, a omissão de informações e provas relativas ao acordo celebrado, considerar-se-á rescindido o acordo, sem prejuízo do uso das informações e das provas produzidas em face do agente ou pessoa jurídica pactuante.
Art. 14. Os valores decorrentes da reparação do dano e perdimento de bens serão revertidos à pessoa jurídica estadual afetada, ressalvado o disposto na Lei Estadual nº 7.989/2018.
Disposições finais
Art. 15. A Comissão Processante, visando à garantia de maior efetividade e segurança jurídica relativamente às cláusulas do acordo de não persecução cível, poderá comunicar aos demais órgãos de controle interno e externo o início das tratativas com o agente ou pessoa jurídica envolvidos em atos de improbidade que causam prejuízo ao erário, sem prejuízo da celebração do acordo exclusivamente em relação ao Estado e suas entidades descentralizadas.
Art. 16. As representações institucionais de que trata esta Resolução deverão ser mantidas no sistema eletrônico de acompanhamento processual, estando vedada sua juntada ou reprodução nos processos judiciais ou administrativos externos.
Art. 17. O disposto nessa Resolução não afasta a aplicação das regras dispostas no artigo 16 da Lei nº 12.846/2013 .
Art. 18. Aplica-se ao acordo de não persecução cível, quanto à prescrição, o disposto no art. 16 , § 9º da Lei nº 12.846/2013 .
Art. 19. Os casos omissos serão objeto de deliberação pelo Procurador-Geral do Estado ou autoridade por ele delegada para tais atribuições.
Art. 20. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, e será aplicada às tratativas de acordos de não persecução cível iniciadas após a sua vigência.
Rio de Janeiro, 17 de maio de 2021
BRUNO DUBEUX
Procurador-Geral do Estado