Parecer GEOT Nº 18 DE 25/01/2017


 Publicado no DOE - GO em 25 jan 2017


Benefício fiscal.


Conheça o LegisWeb

Nestes autos, ...................., fundamentada no entendimento de que a redação da isenção prevista na alínea “m”, do inciso XXV, do artigo 7º, do anexo IX, do RCTE, ao arrepio de regras constitucionais e infraconstitucionais, estende o alcance do referido benefício fiscal em face do originalmente convencionado no âmbito do CONFAZ (conforme Convênio ICMS 100/97), solicita manifestação/posicionamento da Superintendência da Receita acerca de possíveis lançamentos tributários a serem efetuados em virtude da evidente ilegalidade apontada.

Considerando o entendimento da DRF de Rio Verde descrito acima, entendemos que se faz necessário tecer breves considerações sobre o sistema de controle de constitucionalidade em nosso país e, para isto, devemos referenciar algumas disposições constitucionais, doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, nos seguintes moldes:

                - na forma do art. 102, inciso I, da CF/88, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe, dentre outros, processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

- por sua vez, o art. 97, da CF/88, estabelece a chamada cláusula de reserva de plenário, ao dispor que “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”;

                  - em respeito à disposição do referido art. 97, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº10 a qual dispõe que” Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte;

- o controle da constitucionalidade das normas, quanto ao momento, pode ser preventivo e repressivo: o controle preventivo busca evitar que sejam criadas normas inconstitucionais (ex.: análise pela Comissão de Constituição e Justiça - CCJ, ou veto do Chefe do Executivo), ao passo que o controle repressivo é realizado pelos órgãos jurisdicionais (Poder Judiciário) em relação às normas que estejam produzindo efeitos concretos, realizado pelo Supremo Tribunal Federal (controle concentrado) e o controle difuso, exercido pelos demais órgãos do Poder Judiciário (Tribunais e Juízes).

Veja-se que a CF/88, conforme os artigos 97 e 102, inciso I, trata do controle da constitucionalidade de forma bastante restrita, reforçando a presunção de constitucionalidade inerente às leis e aos atos normativos expedidos pelo Poder Público. Em razão deste rígido sistema de controle da constitucionalidade, somente o Poder Judiciário tem competência para declarar inconstitucional a lei ou ato normativo (que estejam em pleno vigor) do Poder Público ou deixar de dar aplicação por considerá-la inconstitucional.

Esta rigidez se faz necessária na medida em que a vida em sociedade exige que haja segurança jurídica, a qual será rompida se for permitido que qualquer órgão ou agente da administração pública possa recusar aplicação ou ignorar as disposições de uma norma, por considerá-la inconstitucional. Desse modo, até que sobrevenha decisão judicial emanada do órgão judicial competente, em controle concentrado, as normas que instituem benefícios fiscais no âmbito do Estado de Goiás estarão em plena vigência (art. 2º, caput, da Lei nº 4657/1942, devendo serem acatadas.  Assim, não há a possibilidade de servidor público deixar de dar aplicação à lei ou ao ato normativo do Poder Público, por entendê-lo inconstitucional.

Ao tratar do Processo Administrativo Tributário, a Lei Estadual nº 16.469/09, art. 6º, § 4º, dispõe que “Não pode haver decisões que impliquem apreciação ou declaração de inconstitucionalidade de lei, decreto ou ato normativo expedido pela Administração Tributária”. Em razão desta regra, o próprio órgão administrativo competente para o exercício do controle da legalidade de questões de natureza tributária está impedido de manifestar-se sobre inconstitucionalidade de lei.

Sobre a impossibilidade de a autoridade fazendária desconsiderar benefício fiscal instituído em lei estadual, por entender que esta norma é inconstitucional, a Gerência de Representação Fazendária da Superintendência da Receita consignou, por meio do texto publicado no BOLETIM INFORMATIVO DA REPRESENTAÇÃO FAZENDÁRIA, Ano VII, edição nº 22- fevereiro/2016, da lavra do Auditor Denilson Evangelista,  a seguinte inteligência:

“ ..incumbe verificar se se revela possível, ou não,  a autoridade fiscal levar a efeito lançamento tributário visando à exigência de ICMS em decorrência da fruição pelo contribuinte de benefício fiscal previsto em lei estadual goiana, sob o argumento de inconstitucionalidade de tal norma, com espeque  em decisões proferidas m pelo Supremo Tribunal Federal, em ações diretas de inconstitucionalidade em controle concentrado, sobre leis materialmente idênticas  à norma goiana, editadas por outras unidades da federação”.

..................................................................................................................

“ Em linhas gerais, o efeito vinculante de uma ADI se limita à parte dispositiva do julgado. Todavia, o STF entendia que essa eficácia vinculante incidiria também nos motivos determinantes (ratio decidendi), dos julgados, admitindo, portanto, a teoria da transcendência dos motivos determinantes...”.

 “Neste contexto, a jurisprudência do STF era pacífica no sentido da admissão desta teoria, de modo que se o STF declarasse a inconstitucionalidade de uma lei de determinada Unidade Federada, a fundamentação utilizada nesta ação como razão de decidir (ratio decidendi) teria eficácia vinculante erga omnes (contra todos) e atingiria todas as leis materialmente iguais de outros Entes, sem a necessidade de se propor novas ações diretas”.

Sucede, porém, que a conclusão inicial não pode mais ser sustentada, em especial em virtude da análise dos inteiros teores dos acórdãos proferidos no STF nas reclamações n.ºs 11479 AgR (julgado pelo Pleno), 13300 AgR (julgado pelo Pleno) e 11478 AgR (julgado pela Primeira Turma).

A partir desses paradigmas, o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente rejeitado a tese da eficácia vinculante e transcendente dos motivos determinantes das decisões proferidas em ações de controle abstrato de constitucionalidade (Rcl 2.475-AgR/MG, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio – Rcl 3.014/SP, rel. Min. Ayres Britto – Rcl 3.249-AgR/RN, rel. Min. Dias Toffoli – Rcl 6.204-AgR/AL, rel. Min. Eros Grau – Rcl 6.319-AgR/SC, rel. Min. Eros Grau –  Rcl 9.778-AgR/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski – Rcl 11.831- -AgR/CE, rel. Min. Cármen Lúcia – Rcl 14.098/TO, rel. Min. Roberto Barroso – Rcl 14.111/DF, rel. Min. Teori Zavascki –Rcl 14.391/MT, rel. Min. Rosa Weber – Rcl 15.225/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Rcl 2.986/SE, rel. Min. Celso De Mello, Rcl 14.266/RJ, rel. Min. Luiz Fux, Rcl 13.185/DF, rel. Min. Rosa Weber – Rcl 14.101/RN, rel. Min. Cármen Lúcia – Rcl 14.258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski – Rcl 14.425/RS, rel. Min. Rosa Weber, Rcl 11.555/MG, rel. Min. Luiz Fux, Rcl 14.079/DF, rel. Min. Roberto Barroso, Rcl 11.479-AgR/CE, Re. Min. Cármen Lúcia, etc.).

............................................................................................................................

“Destarte, ainda que leis de outros Estados, eventualmente declaradas inconstitucionais, contenham artigos com redação idêntica aos de leis goianas, há a incontornável necessidade de propositura de novas ADI’s visando à manifestação do STF acerca da constitucionalidade ou não de nossas normas.

............................................................................................................................

“ Assim, o novel posicionamento do STF é conducente à conclusão no sentido de que, embora o cotejamento de diploma normativo goiano com lei editada por outro Estado, declarada inconstitucional em controle abstrato, releve inequívoca identidade material de conteúdo, não se afigura lícito invocar, na seara administrativa, a teoria da transcendência dos motivos determinantes, em ordem a subsidiar, sob o aspecto jurídico, a constituição de crédito tributário com arrimo na argumentação de que a lei goiana confrontaria entendimento já sufragado pelo STF.

No que concerne ao ICMS, convém ressaltar que ainda que determinada lei do Estado de Goiás concessiva de benefício fiscal, não submetido à aprovação do CONFAZ, contenha artigo com redação idêntica ao de lei editada por outro Estado, declarada inconstitucional pelo STF, não se pode invocar, na órbita administrativa, a teoria da transcendência dos motivos determinantes para efeito de fundamentação de lançamento do crédito tributário por suposta utilização indevida de benefício fiscal pelo contribuinte.

Destaque-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, nos termos delineados pela lei 9.868/99, pode fixar modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em situações excepcionais, sobretudo por questões de segurança jurídica, de modo a estabelecer um marco temporal futuro a partir do qual a norma declarada inconstitucional perderá sua aplicabilidade, ou seja, o próprio STF permite, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, que a norma inconstitucional produza efeitos jurídicos durante determinado lapso temporal, como se constitucional fosse.

Por fim, não se pode olvidar que, inexistindo declaração de inconstitucionalidade pelo STF acerca da norma goiana vergastada, impõe-se sua incondicional observância, tal conclusão aliás é corolário lógico do princípio da legalidade, previsto expressamente no artigo 37 da Constituição de 1988, valendo salientar, outrossim, que a atividade administrativa do lançamento é plenamente vinculada (art. 142, § único, do CTN)”.

Neste mesmo sentido, o Procurador-Geral do Estado, Dr. Alexandre Eduardo Felipe Tocantins, expediu o Despacho “AG” nº ....................... e o Despacho “AG” nº ......................., sendo que no Item 3 deste encontra-se consignado que  ...”após explanação sobre os programas Fomentar e Produzir e os tipos de controle de constitucionalidade admitidos no nosso ordenamento constitucional, asseverou que o administrador público não tem liberdade para deixar de aplicar uma norma legal sob o fundamento da existência de vícios de inconstitucionalidade, sem a prévia manifestação, ainda que cautelar, do órgão jurisdicional competente e através dos instrumentos constitucionais”.

Considerando o exposto acima, concluímos não ser possível promover lançamento fiscal exigindo pagamento de tributo que se encontra legalmente dispensado por norma estadual, não havendo motivação legal para que sejam expedidas ordens de serviços para a realização de auditorias que tenham por finalidade desconsiderar, sob alegação de inconstitucionalidade, benefícios fiscais legais que estejam em pleno vigor.

Em tempo, informamos que o dispositivo questionado foi alterado pelo Decreto nº 8.548/16, a fim de retirar a isenção do milho quando destinada à comercialização.

É o parecer.

Goiânia, 25 de janeiro de  2017.

ÁLVARO CIRO SANTOS JUNIOR

Assessor Tributário

CÍCERO RODRIGUES DA SILVA

Gerente de Tributação e Regimes Especiais