Portaria SEMA Nº 46 DE 10/07/2014


 Publicado no DOE - RS em 14 jul 2014


Dispõe sobre as normas para regularização da colheita de folhas (frondes) e frutos do Butia catarinensis (butiá-da-praia).


Portal do SPED

O Secretário de Estado do Meio Ambiente, no uso de suas atribuições elencadas na Constituição Estadual, de 03 de outubro de 1989 e na Lei Estadual nº 13.601 , de 01 de janeiro de 2011, e;

Considerando que a espécie Butia capitata, que se encontra na Lista de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul, recentemente foi reclassificada para Butia catarinensis por Noblick & Lorenzi (2010);

Considerando que a Lei Federal nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, define a vegetação de restinga como parte das formações florestais nativas e ecossistemas associados integrantes do Bioma Mata Atlântica conforme mapa próprio do IBGE e que o Decreto Federal nº 6.660, de 21 de Novembro de 2008, regulamenta a utilização e a proteção da vegetação nativa desse Bioma;

Considerando que a espécie Butia catarinensis tem sua distribuição abrangendo uma área originalmente contínua de Restinga localizada desde o extremo sul de Santa Catarina até o extremo norte do Rio Grande Sul (AnexoII - Figura 1);

Considerando que, segundo Resolução CONAMA nº 261 , de 30 de junho de 1999 (Anexo II - Tabela 1), em Santa Catarina os butiazais ocorrem na formação vegetacional Restinga de tipo arbustiva, no estágio sucessional "original" e no "estágio avançado de regeneração" (Anexo II - Figura 2);

Considerando que, segundo Resolução CONAMA nº 441 , de 30 de dezembro de 2011 (Anexo II - Tabela 1), no Rio Grande do Sul os butiazais ocorrem na formação vegetacional Restinga de tipo arbórea, no estágio sucessional "original" (Anexo II - Figura 2);

Considerando que, o art. 39, § 1º, do Decreto Estadual nº 38.355, de 01 de abril de 1998, dispões que os frutos e folhas são considerados produtos/subprodutos florestais não madeiráveis;

Considerando que a colheita de produtos/subprodutos não madeiráveis de espécies em florestas nativas, como o B. catarinensis, é uma atividade prevista pelo Decreto Estadual nº 38.355/1998 mediante licenciamento;

Considerando que a legislação ambiental não proíbe o manejo de produtos/subprodutos de espécies em florestas nativas ameaçada de extinção, desde que a forma de manejo adotada seja sustentável, não prejudique a função ambiental da área e ofereça garantias de conservação da espécie;

Considerando que, pela Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012, é considerado de baixo impacto o manejo florestal sustentável, comunitário e familiar, incluindo a extração de produtos/subprodutos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;

Considerando que, pela Lei Federal nº 12.651/2012 o manejo sustentável para exploração florestal com propósito comercial, depende de autorização dos órgãos competentes;

Considerando que, segundo o art. 29 da Lei Federal nº 12.651/2012 e o Decreto Federal nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, todas as propriedades rurais devem ser registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) junto ao órgão ambiental competente com a finalidade de integrar informações com a finalidade de controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento;

Considerando que a mais de 100 anos ocorre no Litoral Norte do Rio Grande do Sul o extrativismo de folhas e frutos do B. catarinensis, porém nas últimas décadas os fatores de ameaças à conservação da espécie aumentaram em quantidade e magnitude e os remanescentes diminuíram vertiginosamente fazendo com que a normatização, o controle do manejo e da exploração do B. catarinensis seja, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma oportunidade de conservação;

Considerando que na porção do Litoral Norte do Rio Grande do Sul compreendida desde a Lagoa dos Barros, no município de Osório, até o Rio Mampituba, no município de Torres, existiam em 2008 apenas 53 remanescentes de butiazais mapeados (Anexo II - Figura 1), que totalizam 112 hectares caracterizando-se uma situação de grave ameaça para esse ecossistema;

Considerando que, atualmente, na região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul o manejo e comercialização de folhas e frutos do B. catarinensis tem sido realizado por agricultores familiares;

Considerando que estudos científicos indicaram que as áreas de restinga arbustiva em estágio avançado de regeneração apresentaram melhor taxa de reposição foliar, maior número de cachos produzidos e maior densidade de plântulas e indivíduos jovens, em relação às áreas de restinga arbustiva original;

Considerando que os estudos científicos indicaram que o manejo em áreas de restinga arbórea original resulta em menor produção foliar e maior risco de mortalidade devido ao sombreamento e competição, estando nessa tipologia o B. catarinensis em condição de declínio;

Considerando que o diagnóstico sociocultural realizado com os extrativistas e artesãos demonstrou que a proibição do manejo sustentável dos produtos/subprodutos de butiazais tem causado desinteresse social na conservação da espécie e do ecossistema;

Considerando que a região de ocorrência do B. catarinensis está inserida na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, onde está prevista a promoção do desenvolvimento sustentável associado à conservação da biodiversidade e a valorização da sociodiversidade, cujo sistema de gestão preconiza a associação entre formas de proteção, uso sustentável e repartição de benefícios como a melhor maneira de conservar ecossistemas e espécies;

Faz-se necessária, a regulamentação do manejo sustentável do B. catarinensis para fins de comercialização de produtos/subprodutos não madeiráveis oriundos dos frutos e das folhas,

Resolve:


Art. 1º Os remanescentes de butiazais do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, onde está presente a espécie B. catarinenses.

§ 1º Fica proibida a autorização de corte da espécie B. catarinensis até que seja atualizada a Lista de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul.

§ 2º Fica proibida a emissão de autorização para o transplante de indivíduos do B. catarinensis presentes nos remanescentes de butiazais.

Art. 2º O manejo de produtos/subprodutos do Butia catarinensis nos remanescentes só poderá ser realizado de forma sustentável, conforme orientações desta Portaria e procedimentos de autorização prévia, controle e monitoramento nela previstos e em conformidade com as legislações vigentes do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas - DEFAP desta Secretaria Estadual do Meio Ambiente - SEMA.

Art. 3º O manejo de produtos/subprodutos florestais não madeiráveis do Butia catarinensis só poderá ser realizado em áreas de restinga arbustiva em estágio avançado de regeneração, conforme definição de estágios sucessivos de vegetação de restinga estabelecidos na Resolução CONAMA nº 261/1999 (SC) e CONAMA nº 441/2011 (RS) usadas complementarmente considerando que a espécie ocorre em um contínuo de vegetação entre os dois estados.

Parágrafo único. Fica proibido o manejo em áreas de restinga arbórea original e de restinga arbustiva em estágio inicial e médio de regeneração.

Art. 4º Para que seja autorizada pelo DEFAP a área de colheita de folhas e frutos de butiazeiros deverá atender as seguintes condições:

I - Dentro do remanescente, a área de manejo deverá ser escolhida considerando-se a necessidade da sua subdivisão em quatro (4) setores de tamanho semelhante (Anexo II - Figura 3);

II - Os quatro setores da área de manejo deverão ter uma densidade semelhante de butiazeiros.

III - Deverá ser estabelecido um rodízio entre os setores manejados dentro da área de manejo do mesmo remanescente com fins de reduzir a pressão contínua sobre uma mesma área e permitir a recuperação das condições ecológicas.

IV - A coleta deverá ser organizada de forma que cada setor seja manejado por dois (2) anos seguidos e então entre em repouso regenerativo durante dois (2) anos, só então voltando a ser manejado (Anexo II - Figura 3);

Art. 5º Quanto à colheita de folhas nos indivíduos dos setores sob manejo:

I - A colheita das folhas deverá ser realizada apenas em indivíduos do tipo "imaturo" e "adulto I", conforme classificação em estudos técnico-científicos realizados (Anexo !! - Figura 4):

a) É proibida a colheita em indivíduos do tipo "plântula", "jovem I", "jovem II" e "adulto II", conforme a mesma classificação;

II - Somente poderão ser colhidas e transportadas as folhas adultas cuja medida varie entre 80-120 cm.

III - Deverão ser deixadas na planta as três (3) folhas mais novas, sendo uma delas a folha bandeira.

IV - A colheita e transporte de folhas não poderá ser realizada quando o indivíduo apresentar inflorescência, ficando proibida entre 1º de outubro e 31 de maio (Anexo II - Figura 5);

V - O prazo máximo, excepcionalmente, para transporte é 2 de outubro.

Art. 6º Quanto à colheita de frutos nos indivíduos dos setores sob manejo:

I - A colheita dos frutos só poderá ser realizada entre 1º de novembro e 31 de março (Anexo II - Figura 5).

II - Em cada planta manejada deverá permanecer um (1) cacho sem ser retirado, cujos frutos e sementes servirão para a geração de novos indivíduos e para o consumo da fauna silvestre.

Art. 7º Quanto ao uso de estratégias integradas de manejo:

I - Fica proibido o uso do fogo para o manejo da área.

II - O uso conjunto com animais de criação, quando permitido, poderá acontecer apenas nos meses de abril a outubro (Anexo II - Figura 5), quando a intensidade de inflorescências é menor, uma vez que o gado causa impacto pelo consumo das estruturas reprodutivas.

a) No caso de uso conjunto com animais de criação, deverá ser informado no pedido de autorização o tipo de gado, a lotação e a opção de pastagem no período em que os animais serão apartados do butiazal.

Art. 8º Quanto ao pedido de autorização de manejo sustentável deverão ser apresentados ao DEFAP os seguintes documentos:

I - Inscrição no Cadastro Ambiental Rural - CAR;

II - Anuência (consentimento do proprietário para colheita na área);

III - Localização da propriedade (coordenadas geográficas) e da área dos remanescentes;

IV - Delimitação da área proposta para o manejo: delimitar a área do polígono através de um croqui apresentando um o desenho do remanescente e dos seus setores (Anexo II - Figura 3), apresentando as medidas aproximadas de cada um dos lados do setor e a sua área total;

V - Roteiro de acesso: percurso a partir da sede do município ou pontos de referência de fácil localização, com indicações em quilômetros até o local;

VI - Características da área de interesse para o manejo: área total estimada para o manejo; há quanto tempo a área não é utilizada exclusivamente para a agropecuária; qual o tipo de manejo a área sofre ou sofreu e ano de início do manejo;

VII - Estimativa inicial do peso dos frutos (kg) e quantidade de folhas a serem colhidas por ano.

Art. 9º Quanto ao monitoramento das áreas de butiazais manejadas:

I - O autorizado deverá fornecer anualmente um relatório de monitoramento da área manejada, no qual deverá ser informado, pelo menos:

a) Os setores manejados e os que permaneceram em repouso regenerativo naquele ano;

b) A quantidade estimada de butiazeiros manejados para colheita de folha;

c) A quantidade estimada de butiazeiros manejados para a colheita de frutos;

d) As datas aproximadas em que os animais de criação foram apartados e em que retornaram para a área manejada;

e) O peso bruto de frutos colhidos;

f) A quantidade aproximada de folhas colhidas;

g) Os dados de identificação do comprador ou consumidor.

II - O DEFAP deverá realizar um monitoramento, preferencialmente anual, do impacto do manejo de folhas e frutos nos remanescentes de butiazais, no mínimo de forma amostral, podendo estabelecer parcerias com instituições técnico-científicas com atuação na conservação da biodiversidade, no qual deverá ser levantado, pelo menos:

a) Dados cadastrais dos eventos de monitoramento;

b) Localização, dimensões, tamanho, forma e estágio sucessional dos remanescentes monitorados;

c) Área de cada remanescente manejada e deixada em repouso regenerativo naquele ano;

d) A quantidade estimada de butiazeiros manejados para colheita de folhas;

e) A quantidade estimada de butiazeiros manejados para a colheita de frutos;

f) Presença ou ausência de animais de criação e seus vestígios nos remanescentes monitorados;

g) Situação dos cachos dos setores manejados no ano do monitoramento;

h) Grau de integridade dos setores deixados em repouso regenerativo no ano do monitoramento;

i) Amostragem de métricas de resposta vegetativa e reprodutiva das plantas, que deverão manter-se as mesmas ao longo dos anos de monitoramento ou ampliadas.

III - Os dados dos relatórios anuais dos coletores autorizados e do monitoramento serão, no mesmo ano, compatibilizados de forma a permitir interpretações sobre o processo de manejo que estão sendo realizados e impactos ambientais decorrentes.

a) A entrega dos relatórios anuais pelos coletores autorizados é impreterível para renovação automática da autorização de manejo;

b) Ao final de 5 anos de manejo a renovação não mais acontecerá automaticamente, mas apenas com uma nova solicitação de autorização e levando em conta pelo DEFAP a viabilidade de renovação conforme a análise do monitoramento para todo o período.

IV - O DEFAP poderá prever no seu orçamento anual ou propor no orçamento anual dos Fundos Ambientais Estaduais os recursos para realizar, contratar ou conveniar o monitoramento anual.

Art. 10. O DEFAP poderá suspender as atividades de colheita de folhas e frutos do Butia catarinensis em uma determinada região ou em determinados remanescentes, por período indeterminado, caso o monitoramento tenha demonstrado que a prática está comprometendo a população e/ou remanescentes, que poderá levar a espécie in situ à extinção ou caso surjam disposições legais que assim o exijam.

Art. 11. Esta Portaria deverá ser revisada em 5 anos e poderá sofrer alterações de acordo com os resultados dos monitoramentos.

Art. 12. A presente Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Porto Alegre, 10 de julho de 2014.

Neio Lúcio Fraga Pereira

Secretário de Estado do Meio Ambiente

ANEXO I - GLOSSÁRIO

1) Agricultura familiar: aquela realizada na zona rural onde o produtor rural detenha a posse de gleba rural não superior a 50 (cinquenta) hectares, explorando-a mediante o trabalho pessoal e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiros, bem como as posses coletivas de terra considerando-se a fração individual não superior a 50 (cinquenta) hectares, cuja renda bruta seja proveniente de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais ou do extrativismo rural em 80% (oitenta por cento) no mínimo (Lei nº 11.428/2006 ).

2) Área de remanescente de vegetação nativa: área com vegetação nativa em estágio primário ou secundário avançado de regeneração (Decreto nº 7830/2012 ).

3) Butiazal da planície costeira: formação vegetacional bastante característica, de plantas adaptadas ao solo arenoso e à insolação intensa, na qual os indivíduos de butiazeiros estão acompanhados por ervas, arbustos e arvoretas.

4) Butiazeiro: palmeiras que incluem diferentes espécies do gênero Butia.

5) Estágios de desenvolvimento de Butia catarinensis (adaptado de Sampaio, 2011):

- Plântula (P): indivíduos sem folhas pinadas;

- Jovem I (JI): indivíduos com algumas folhas pinadas e sem restos de bainhas e pecíolos;

- Jovem II (JII): indivíduos com todas as folhas pinadas, restos de bainhas e pecíolos, altura total de fuste até 20 cm e não reprodutivo;

- Imaturo (I): indivíduos com folhas pinadas, restos de bainhas e pecíolos, com parte do estipe exposto e altura total de fuste entre 20-100 cm e não reprodutivo;

- Adulto I (AI): indivíduos com folhas pinadas, restos de bainhas e pecíolos, sem estipe exposto e altura total de fuste entre 20-100 cm e reprodutivo;

- Adulto II (AII): indivíduos com folhas pinadas, estipe encoberto na parte superior e exposto na inferior, com altura total de fuste entre 100-200 cm e reprodutivo.

6) Estágio sucessional: classificação dada às formações vegetacionais conforme a sua composição florística e seu estágio de desenvolvimento (altura).

7) Inflorescências: forma de disposição das flores numa planta.

8) Manejo: todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas (Lei Federal 9.985/2000).

9) Produtos/subprodutos florestais não madeiráveis: itens que não sejam oriundos diretamente do corte de árvores (Decreto nº 38.355/1998 ).

10) Repouso regenerativo: prática de interrupção temporária da colheita de produtos/subprodutos florestais em um remanesce florestal que esteja sob autorização de manejo sustentável, com fins de possibilitar a recuperação da área manejada.

11) Restinga: conjunto de ecossistemas que compreende comunidades vegetais florísticas e fisionomicamente distintas, situadas em terrenos predominantemente arenosos, de origens marinha, fluvial, lagunar, eólica ou combinações destas, de idade quaternária, em geral com solos pouco desenvolvidos (CONAMA Nº 261/1999).

12) Uso sustentável: exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (Lei Federal 9.985/2000).

ANEXO II