Resolução MMFDH Nº 27 DE 09/07/2020


 Publicado no DOU em 15 out 2020


Dispõe sobre a garantia do direito à alimentação adequada das pessoas privadas de liberdade, em especial em regime fechado no sistema prisional e internos(as) do sistema socioeducativo em todo território nacional.


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O Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 12.986, de 02 de junho de 2014 , dando cumprimento à deliberação de seu Plenário, tomada em sua Reunião Extraordinária, realizada em Brasília - DF, nos dias 9 e 10 de julho de 2020; e a Resolução nº 11 de 03 de dezembro de 2015, que cria a Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada, com o objetivo de "apurar violações do Direito Humano à Alimentação Adequada, recomendar as medidas necessárias e tomar providências com vistas à reparação das violações constatadas, bem como desenvolver ações de promoção de direitos".

Considerando as medidas preventivas e contingenciais para combate à propagação da Pandemia do Coronavírus (Covid) - declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no último dia 11 de março - no âmbito dos espaços de privação de liberdade, notadamente em atenção aos segmentos em situação de vulnerabilidade que já vivem historicamente segregados e tendo violado, entre outros, seus direitos elementares de alimentação, saúde, acesso à família, assistência material e jurídica;

Considerando o contexto da Pandemia de Covid-19, em 21 de março de 2020, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) publicou a Nota Técnica nº 05/2020 do MNPCT, em sintonia com a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e referendada pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, que indicou medidas preventivas à propagação do novo coronavírus entre as pessoas privadas de liberdade. A referida nota fundamentou-se em protocolos internacionais, que visam enfrentar as possíveis violações dos direitos das pessoas nos distintos espaços privadas de liberdade, no sentido de estabelecer medidas mitigadoras, profiláticas e liberatórias, no contexto da Pandemia de Covid-19;

Considerando que 'O sistema prisional brasileiro, terceiro maior do mundo, mantém pessoas em condições cruéis, desumanas e degradantes, marcadas por espaços superlotados, sem livre acesso à água potável, com alimentação restrita e/ou de má qualidade...';

Considerando a recomendação da NT 05 do MNPCT de "Vetar racionamento de água nos estabelecimentos de privação de liberdade, de modo a garantir fornecimento ininterrupto, a fim que não haja restrição a banhos, lavagem de mão e descargas sanitárias". E "Manter o recebimento de itens levados pelos familiares, garantindo a higienização dos bens que são autorizados a entrada nos espaços de privação de liberdade";

Considerando o Artigo 9º da Recomendação 62 do CNJ de "Recomendar aos magistrados que, no exercício de suas atribuições de fiscalização de estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo que preveja, minimamente, as seguintes medidas:

IV - abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação e itens básicos de higiene pela Administração Pública e a ampliação do rol de itens permitidos e do quantitativo máximo de entrada autorizada de medicamentos, alimentos e materiais de limpeza e higiene fornecidos por familiares e visitantes;

V - fornecimento ininterrupto de água para as pessoas privadas de liberdade e agentes públicos das unidades ou, na impossibilidade de fazê-lo, ampliação do fornecimento ao máximo da capacidade instalada;

Parágrafo único. Na hipótese de restrição de visitas, não poderá ser limitado o fornecimento de alimentação, medicamentos, vestuário, itens de higiene e limpeza trazidos pelos visitantes.";

Considerando o reconhecimento de que à alimentação dos presos conforme expresso no Informe do Monitoramento trimestral do MNPCT "a pouca variação alimentar é amenizada pela autorização de entrega de alimentos pelos visitantes semanais, conhecidas como COBAL" e "ainda, pela possibilidade de aquisição de alguns itens na cantina". "Agora com a suspensão das visitas, essa dita amenização fica comprometida, restando aos internos alimentarem-se unicamente da comida insatisfatória que é oferecida nas unidades".

Considerando a necessidade de acompanhar a implantação dessas medidas, desde então, a equipe do MNPCT em articulação com a sua Rede de parceiros estratégicos em cada unidade da federação, notadamente os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos, passou a monitorar, nos estados da federação e no Distrito Federal, a aplicação das recomendações emitidas por parte das autoridades do sistema de justiça e gestoras nos três níveis do Estado. Diante desse monitoramento constatamos:

Considerando que conforme o monitoramento realizado em grande medida não têm sido cumpridas sequer as medidas liberatórias previstas de prisão domiciliar humanitária em decorrência da aplicação da decisão proferida nos autos do HC 143641/STF, na precedência do direito da primeira infância, tanto menos se vê o cumprimento das recomendações de que "nos casos excepcionais em que as mulheres com bebês de até seis meses de idade ficam recolhidas com seus bebês, a alimentação segue as orientações da pediatra que integra a equipe de saúde da unidade, dando-se preferência ao aleitamento materno exclusivo, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS)" e para tanto seja garantida uma alimentação suplementar adequada;

Considerando que motivados pela suspensão da visita, em diversos estados e no Distrito Federal tem havido manifestações denunciando que a ausência da regularidade da visita familiar, dificulta o acesso a insumos de higiene, água, medicação e alimentação adequadas, e o fornecimento da alimentação, por parte das famílias, que acaba assumindo um caráter de suplementação alimentar. Regista-se que a alimentação fornecida pelas famílias que deveria ser complementar na maioria das vezes complementa o fornecimento de uma quarta alimentação, essencial para garantir as dietas alimentares de quem tem problemas de diabete e padece de hipoglicemia pelos longos intervalos entre a última alimentação do dia e a primeira refeição do dia seguinte. Bem como de mulheres grávidas e puérperas, muitas pessoas das quais pelas suas condições especiais de morbidades e na precedência de direito da primeira infância têm direitos a prisão domiciliar;

Considerando a preocupação do Mecanismo Nacional, reiteradas por esta Comissão Permanente dos Direitos Humanos da alimentação Adequada do CNDH, sobre a proibição da entrega das sacolas às pessoas privadas de liberdade nas unidades em diversos estados e no Distrito Federal, que por portarias proíbem a entrega das sacolas que complementam itens de higiene, alimentação, medicação e cobertores. Afrontando um direito previsto na (LEP/84). Ademais que no contexto da pandemia tanto a alimentação deve ser reforçada, na perspectiva de fortalecimento da imunidade, quanto às medidas de higienização devem incrementadas constantemente;

Considerando o histórico do sistema prisional em que as unidades são superlotadas e com um baixo número de profissionais atuantes, havendo um notório descontrole sobre a garantia da distribuição de alimentação e água, com regularidade e em quantidade devida para garantia do direito humano a alimentação adequada das pessoas privadas de liberdade,

Resolve:

Art. 1º Recomendar que as autoridades públicas estaduais responsáveis pela gestão garantam e as autoridades do sistema de justiça fiscalizem o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada das pessoas privadas de liberdade sem o prejuízo da necessária adoção de medidas liberatórias, conforme o perfil dos titulares do direito previsto na Recomendação nº 62 do CNJ, e a progressiva regularização das visitas familiares respeitando os protocolos sanitários, tanto quanto possível e desejável, assegurando o fornecimento de itens de alimentação, saúde e higiene, de caráter complementar sem desonerar as obrigações do Estado;

Art. 2º Que os órgãos e instituições do Poder Executivo estadual observem as disposições do artigo nº 12 da Lei de Execuções Penais (LEP 7210/1983), segundo a qual "A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas"; as Recomendações nº 62 do CNJ e da Nota Técnica nº 5 do MNPCT, garantindo uma quarta refeição, ceia noturna, a título de complementação, visando minimizar os longos intervalos entre o jantar e o café da manhã do dia seguinte, que em muitos casos violam até mesmo o direito às dietas alimentares condenando sobretudo aos diabéticos e mulheres gestantes e puérperas, a tratamento cruéis, desumanos, degradantes e tortura por hipoglicemia e carência nutricional;

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

RENAN VINICIUS SOTTO MAYOR DE OLIVEIRA

Presidente do Conselho